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Recomendações inter(nacionais) para enfrentamento a violências contra mulheres e meninas na pandemia de COVID-19

Resumo

Este artigo é parte da pesquisa “As violências no contexto da COVID-19: desafios e vulnerabilidades globais”, que propõe uma reflexão crítica acerca das situações de violências de gênero potencializadas pelos protocolos de distanciamento social requeridos pela pandemia de COVID-19. A partir de levantamento bibliográfico do ano de 2020, analisamos recomendações de pesquisadores e instituições de diferentes partes do mundo, com o objetivo de sistematizar e disseminar estratégias para lidar com este cenário. O material está organizado em dois eixos temáticos: políticas de gênero e ações intersetoriais; e estratégias de enfrentamento às violências contra mulheres e crianças no campo da saúde e da assistência social. As recomendações estão centradas no desenvolvimento de ações por Estados/governos, redes de atendimento e sociedade em geral. Parte das recomendações sugere aumentar ou adequar as ações de vigilância já existentes, e parte contribui com propostas criativas, norteando ações promotoras e preventivas em nível individual e coletivo. A adoção de teleatendimento, campanhas midiáticas de conscientização de que a violência é injustificável e desenvolvimento de estratégias de denúncia por meio de sinais e códigos foram reiteradas pela literatura.

Palavras-chave:
Violência contra a mulher; COVID-19; Maus-tratos infantis

Abstract

This article is an integral part of the research “Violence in the context of COVID-19: global challenges and vulnerabilities”, which proposes a critical reflection on situations of gender-based violence increased by social distancing protocols, required by the COVID-19 pandemic. Based on a 2020 literature survey, we have analyzed recommendations made by researchers and institutions from different countries around the world, with the aim of systematizing and disseminating strategies to deal with this scenario. The material is organized into two thematic areas, namely: gender policies and intersectoral actions; and strategies to face violence against women and children in the health and social work field. The recommendations are focused on the development of actions by States/governments, service networks and society in general. Part of the recommendations suggest increasing or adapting existing surveillance actions and part of them contribute with creative proposals, guiding promotional and preventive actions at an individual and collective level. The adoption of teleassistance, media campaigns raising awareness that violence is unjustifiable and the development of reporting strategies through signs and codes have been reiterated in the literature.

Key words:
Violence against women; COVID-19; child abuse

Introdução

Este artigo é parte da pesquisa “Violências no contexto da COVID-19: desafios e vulnerabilidades globais” e teve como objetivo analisar as recomendações apresentadas por pesquisadores e instituições do campo da saúde sobre violências contra meninas e mulheres no momento da pandemia. Com isso, revisou-se a literatura nacional e internacional, visando sistematizar a produção acadêmica de 2020.

Em fevereiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia de COVID-19. Nesse cenário, dados do Center for Global Development11 Peterman A, O'Donnell M; Palermo T. COVID-19 and violence against women and children: what have we learned so far? Center for Global Development (CGD) 2020; 22 jun. apontaram o aumento global das violências contra mulheres e meninas, em especial exercidas por familiares e parceiros íntimos no âmbito doméstico. Embora necessário, o isolamento domiciliar imposto pela quarentena revelou-se uma medida arriscada para algumas mulheres. A literatura produzida destacou como fatores potencializadores para o agravamento de conflitos domésticos a convivência forçada das mulheres com possíveis agressores, a queda da renda, a sobrecarga de trabalho doméstico, o desemprego, o abuso de álcool/outras drogas e o acesso a armas de fogo22 Vieira PR, Garcia LP, Maciel ELN. The increase in domestic violence during the social isolation: what does it re-veals? Rev Bras Epidemiol 2020; 23:e200033.

3 Marques ES, Moraes CL, Hasselmann MH, Deslandes SF, Reichenheim ME. Violence against women, children, and adolescents during the COVID-19 pandemic: Overview, contributing factors, and mitigating measures. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00074420.
-44 Langeani B, Pollachi N. Menos armas, mais jovens! Violência armada, violência policial e comércio de armas. Rio de Janeiro: Instituto Sou da Paz; 2021..

Com base no aumento de pedidos de ajuda em canais de atendimento, a ONU Mulheres55 ONU Mulheres. Acabar com a violência contra as mulheres no contexto do COVID-19 [Internet]. 2020. [acessado 2020 mar 30]. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/noticias/acabar-com-a-violencia-contra-as-mulheres-no-contexto-do-COVID-19/
https://www.onumulheres.org.br/noticias/...
identificou que o incremento da violência doméstica no mundo não foi acompanhado do aumento de boletins de ocorrências, que apresentaram queda. O fechamento de diversas instituições/serviços limitou o acesso das mulheres a redes de proteção e canais de denúncia.

Nesse fenômeno global e complexo, a associação das violências física, sexual e psicológica aparece em episódios recorrentes e sobrepostos, aos quais se agregam outras formas de agressão66 Guimarães MC, Pedroza RLS. Violência contra a mulher: problematizando definições teóricas, filosóficas e jurídicas. Psicol Soc 2015; 27(2):256-266., que podem levar à violência letal. O United Nations Office on Drugs and Crime77 United Nations Office on Drugs and Crime. Global Study on Homicide 2019. Vienna: ONU; 2019. estima que 87.000 homicídios de mulheres ocorreram em 2017, e desses, 58% foram perpetrados por parceiros íntimos ou familiares. As maiores taxas foram observadas na África (3,1 óbitos/100.000 habitantes) e nas Américas (1,6 óbito/100.000 habitantes).

Esse quadro reitera que a violência contra mulheres e meninas é uma questão de saúde pública mundial, suscitando a proposição de estratégias focadas na assistência e proteção às vítimas. No entanto, é importante destacar que, dependendo de sua raça/etnia, classe social, idade, sexualidade e deficiência, os riscos de sofrer violências se exacerbam. Epidemias recentes, como as de zika e ebola, indicam que crises sanitárias exacerbaram desigualdades já existentes88 Hall MC, Prayag G, Fieger,P Dyason D. Beyond panic buying: consumption, displacement and COVID-19. J Serv Management 2020; 32(1):113-128.. Estima-se que será necessária mais de uma década para que mulheres mais pobres possam superar a devastação gerada pela pandemia de COVID-1999 Oxfam. O vírus da desigualdade [Internet]. 2021. [acessado 2023 mar 25]. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/o-virus-da-desigualdade/
https://www.oxfam.org.br/o-virus-da-desi...
, demandando a tomada de ações efetivas para a redução das violências. Daí a importância de analisar propostas de vários países para o seu enfrentamento. A produção de conhecimento sobre essas recomendações pode contribuir para o aprimoramento de políticas locais e a capacidade de resposta frente a novas crises.

Método

Partiu-se da seguinte questão norteadora: quais foram as recomendações voltadas à prevenção e ao enfrentamento de violências contra mulheres e meninas na pandemia de COVID-19? Para tanto, foi realizada uma revisão integrativa da literatura nacional e internacional a partir de diferentes bases de dados. Na escolha dos descritores, considerou-se uma perspectiva interseccional e um amplo conjunto de tipos de violência.

O material coletado foi submetido à análise de conteúdo temática1010 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. e envolveu pré-análise, exploração do material coletado e tratamento dos resultados, inferências e interpretação. A partir disso, foi possível estabelecer os eixos temáticos que organizam todo o material e orientam a análise. Vale esclarecer que artigos sobre violência especificamente contra meninas não foram encontrados, tendo os autores optado pela categoria crianças e adolescentes em geral.

Resultados

Foram localizados 14 artigos na SciELO, 143 na BVS, 244 na Scopus, 121 na Web of Science e 126 na PubMed, totalizando 648 resultados. Excluídas as repetições, cartas e editoriais e averiguada a pertinência dos artigos, chegou-se a um acervo final de 125 estudos (Quadro 1, disponível em: https://doi.org/10.48331/scielodata.YENGGN). Percebemos que parte considerável dos artigos não informa o local do estudo, trabalhando em uma perspectiva ampla, com estudos focados nos Estados Unidos, Brasil, Índia e uma pluralidade de outros países.

A leitura reflexiva do material permite afirmar que as recomendações estão centradas no desenvolvimento de estratégias para o enfrentamento da pandemia pelos Estados/governos e sociedade em geral, que se desdobram em políticas gerais e algumas mais específicas, voltadas a grupos vulneráveis, como migrantes, gestantes/puérperas e população LGBTI+. Verifica-se preocupação com o desenvolvimento de pesquisas, a implantação de sistemas de suporte e redes de apoio a mulheres e crianças que vivenciam situações de violência doméstica. O apoio a profissionais de saúde também se sobressaiu. Parte significativa se direciona a intervenções em saúde mental. Fala-se também da necessidade de cooperação entre sociedade civil e governos e adequações da segurança pública e do sistema judiciário. Recomendou-se ainda a adoção de perspectivas de gênero nas políticas públicas, já que a pandemia afeta homens e mulheres de maneiras diferentes.

Os principais achados estão organizados em três eixos temáticos. O primeiro, Adoção de perspectiva de gênero nas políticas públicas, trata de políticas amplas e da importância de aplicação da perspectiva de gênero frente às desigualdades no contexto da pandemia. O segundo, Redes de enfrentamento à violência contra mulheres, direciona-se à assistência social, serviços de saúde, justiça e segurança pública, com ênfase nos serviços de teleatendimento. Recomenda a promoção de ações de conscientização social e valoriza a formação de redes sociais no apoio às vítimas. O terceiro, Proteção e cuidado infanto-juvenil, abarca a violência contra crianças e adolescentes.

Adoção de perspectiva de gênero nas políticas públicas

Diversos trabalhos destacam a importância de usar a perspectiva de gênero para tratar as disparidades sociais que se acentuaram em decorrência da pandemia1111 Wenham C, Smith J, Davies SE, Feng H, Grépin KA, Harman S, Herten-Crabb A, Morgan R. Women are most affected by pandemics - lessons from past outbreaks. Nature 2020; 583(7815):194-198.

12 Dahal M, Khanal P, Maharjan S, Panthi B, Nepal S. Mitigating violence against women and young girls during COVID-19 induced lockdown in Nepal: a wake-up call. Global Health 2020; 16(1):84.

13 Gausman J, Langer A. Sex and Gender Disparities in the COVID-19 Pandemic. J Women's Health 2020, 29(4):465-466.
-1414 Moreira LE, Alves JS, Oliveira RG, Natividade C. Women in a pandemic context: a theoretical-political essay about house and warfare. Psicol Soc 2020; 32:e0200144.. Para Dahal et al.1212 Dahal M, Khanal P, Maharjan S, Panthi B, Nepal S. Mitigating violence against women and young girls during COVID-19 induced lockdown in Nepal: a wake-up call. Global Health 2020; 16(1):84., as intervenções para reduzir a desigualdade de gênero e seus efeitos devem se concentrar em abordar as causas da violência moldadas por aspectos estruturais, políticos, sociais e econômicos. Gausman et al.1313 Gausman J, Langer A. Sex and Gender Disparities in the COVID-19 Pandemic. J Women's Health 2020, 29(4):465-466. entendem que os governos devem coletar dados desagregados por gênero em todos os aspectos da resposta nacional, desde as taxas de incidência e mortalidade, a proteção social e esquemas de emprego, até o acesso a serviços de saúde. DeMulder et al.1515 DeMulder J, Kraus-Perrotta C, Zaidi H. Sexual and gender minority adolescents must be prioritised during the glob-al COVID-19 public health response. Sex Reprod Health Matters 2020; 28(1):1804717. sugerem ir além do enquadramento cisheteronormativo, que prevalece nas políticas de saúde pública, para que os dados sobre minorias sexuais e de gênero sejam contabilizados. Moreira et al.1414 Moreira LE, Alves JS, Oliveira RG, Natividade C. Women in a pandemic context: a theoretical-political essay about house and warfare. Psicol Soc 2020; 32:e0200144. ressaltam a importância do gênero nos estudos de diferentes aspectos da pandemia e do isolamento social, incorporando também questões de saúde mental em relação a trabalho e cuidado, tarefas remotas, tempo livre e respostas institucionais à doença.

Para Hamadani et al.1616 Hamadani JD, Hasan MI, Baldi AJ, Hossain SJ, Shiraji S, Bhuiyan MSA, Mehrin SF, Fisher J, Tofail F, Tipu SMMU, Gran-tham-McGregor S, Biggs BA, Braat S, Pasricha SR. Immediate impact of stay-at-home orders to control COVID-19 transmission on socioeconomic conditions, food insecurity, mental health, and intimate partner violence in Bang-ladeshi women and their families: an interrupted time series. Lancet Glob Health 2020; 8(11):e1380-e1389., embora os bloqueios sociais preconizados durante a pandemia tenham acarretado riscos para o bem-estar de mulheres e suas famílias em todos os estratos sociais, inclusive na zona rural, é a população mais vulnerável que deve receber maior atenção dos governos. Políticas sociais voltadas para essa população, a fim de assegurar sua sobrevivência e reduzir a violência durante a pandemia, são consideradas ações estratégicas1212 Dahal M, Khanal P, Maharjan S, Panthi B, Nepal S. Mitigating violence against women and young girls during COVID-19 induced lockdown in Nepal: a wake-up call. Global Health 2020; 16(1):84.. Alguns autores1717 Marques ES, Moraes CL, Hasselmann MH, Deslandes SF, Reichenheim ME. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00074420.,1818 Yenilmez MI. The COVID-19 pandemic and the struggle to tackle gender-based violence. J Adult Protect 2020; 22(6):391-399. propõem que os governos desenvolvam ações em diferentes níveis para o enfrentamento à violência contra mulheres e meninas em concomitância com as políticas sanitárias. Yenilmez1818 Yenilmez MI. The COVID-19 pandemic and the struggle to tackle gender-based violence. J Adult Protect 2020; 22(6):391-399. preconiza ainda uma atuação intersetorial e em rede, e Stoianova et al.1919 Stoianova T, Ostrovska L, Tripulskyir G. COVID-19: pandemic of domestic violence. Law Journal 2020; 9(2):111-136. destacam a importância de emendas legislativas visando enfrentar o problema da violência doméstica.

Farooq et al.2020 Farooq SM, Sachwani SAA, Haider SI, Iqbal AS, Parpio YN, Saeed H. Mental health challenges and psycho-social in-terventions amid COVID-19 pandemic: a call to action for Pakistan. J Coll Physicians Surg Pak 2020; 30(1):S59-S62. recomendam ações de apoio por três a seis meses após o isolamento social que incluam serviços de saúde mental de rastreio para aconselhamento, juntamente com a prestação de serviços básicos e suprimento de alimentos. Gopal2121 Gopal DP. Non-COVID-19 general practice and our response to the pandemic. BJGP Open 2020; 4(2):bjgpopen20X101095. aponta que as populações mais carentes têm menor expectativa de vida e necessitam de um tempo maior para se recuperarem de doenças, em comparação com as populações menos carentes. Essa é a vertente adotada por Shammi et al.2222 Shammi M, Bodrud-Doza MD, Islam AR, Rahman M. Strategic assessment of COVID-19 pandemic in Bangladesh: comparative lockdown scenario analysis, public perception, and management for sustainability. Environ Develop Sustain 2021;23(4):6148-6191. que destacam a necessidade de garantir apoio básico à população carente, por meio de planejamento estratégico e colaboração multissetorial, envolvendo o apoio de organismos internacionais. Já Viveiros et al.2323 Viveiros N, Bonomi AE. Novel coronavirus (COVID-19): violence, reproductive rights and related health risks for women, opportunities for practice innovation. J Fam Violence 2022; 37(5):753-757. recomendam priorizar as necessidades das mulheres, em especial de minorias, em ambientes médicos, sociais e jurídicos, usando intervenção inovadora e serviços virtuais de defesa, exortando os legisladores a aprovarem legislações de apoio às mulheres. Alguns países adotaram medidas restritivas à venda e ao consumo de álcool, assim como o controle do uso e armazenamento de armas de fogo pelos proprietários. Duncan et al.2424 Duncan TK, Weaver JL, Zakrison T L, Joseph B, Campbell BT, Natal A. Britton MD, Stewart R, Kuhls B. Domestic vio-lence and safe storage of firearms in the COVID-19 Era. Ann Surge 2020; 272(2):e55-e57. relatam que a presença de arma de fogo em casa aumenta o risco de homicídio e suicídio para todos da casa. O entendimento é unânime de que durante períodos de maior estresse social a violência aumenta, requerendo priorizar a identificação de grupos vulneráveis e o cuidado adequado das sobreviventes.

Redes de enfrentamento à violência contra mulheres

Nesse tópico, delineamos algumas das recomendações que se voltam para políticas e os serviços especializados de atendimento a mulheres em situação de violência. A preocupação com a saúde mental merece destaque, além da importância das redes informais de apoio e a necessidade de campanhas de conscientização sobre o fenômeno.

A necessidade de uma diretriz nacional sobre como lidar com casos de violência, com procedimentos padronizados e dotação orçamentária, foi reforçada por Ghosh et al.2525 Ghosh R, Dubey MJ, Chatterjee S, Dubey S. Impact of COVID-19 on children: Special focus on the psychosocial as-pect. Minerva Pediatr 2020; 72(3):226-235. Nesse sentido, Evans et al.2626 Evans ML, Lindauer M, Farrell ME. A Pandemic within a pandemic - intimate partner violence during COVID-19. N Engl J Med 2020; 383(24):2302-2304. alertam para a importância de órgãos governamentais atentarem-se para os determinantes sociais da saúde, uma vez que, dependendo da classe social, por exemplo, o acesso a recursos se diferencia. Esse autor também chama a atenção para o pós-pandemia, já que os picos de violência doméstica são frequentemente sustentados por muito tempo após a ocorrência de desastres. Cabe o alerta para a necessidade de ampliação das equipes da linha de frente e do número de vagas nos abrigos e o reconhecimento desses serviços da rede como essenciais22 Vieira PR, Garcia LP, Maciel ELN. The increase in domestic violence during the social isolation: what does it re-veals? Rev Bras Epidemiol 2020; 23:e200033.,1212 Dahal M, Khanal P, Maharjan S, Panthi B, Nepal S. Mitigating violence against women and young girls during COVID-19 induced lockdown in Nepal: a wake-up call. Global Health 2020; 16(1):84.,1313 Gausman J, Langer A. Sex and Gender Disparities in the COVID-19 Pandemic. J Women's Health 2020, 29(4):465-466.,2424 Duncan TK, Weaver JL, Zakrison T L, Joseph B, Campbell BT, Natal A. Britton MD, Stewart R, Kuhls B. Domestic vio-lence and safe storage of firearms in the COVID-19 Era. Ann Surge 2020; 272(2):e55-e57.,2727 Sharma A, Borah SB. COVID-19 and domestic violence: an indirect path to social and economic crisis. J Fam Vio-lence 2020; 37(5):759-765.

28 Mahase E. COVID-19: EU states report 60% rise in emergency calls about domestic violence. BMJ 2020; 369:m1872.

29 Galea S, Merchant RM, Lurie N. The mental health consequences of COVID-19 and physical distancing: the need for prevention and early intervention. JAMA Intern Med 2020; 180(6):817-818.
-3030 Walters J. COVID-19 shelter-at-home orders: impacts and policy responses in the context of intimate partner vio-lence. World Med Health Policy 2020; 12(4):533-539.. Para Dahal et al.1212 Dahal M, Khanal P, Maharjan S, Panthi B, Nepal S. Mitigating violence against women and young girls during COVID-19 induced lockdown in Nepal: a wake-up call. Global Health 2020; 16(1):84., outras redes de segurança social, como licença remunerada, seguro-desemprego, dinheiro direto ou pagamentos de alimentos para os pobres devem ser efetivadas para superar a carga econômica, o que pode reduzir a violência durante a pandemia.

É crucial, segundo o autor, que se considere a pandemia de COVID-19 como ponto de inflexão crítico para a implementação de diretrizes de planejamento e ação para o enfrentamento da violência doméstica. Outros autores3131 Sánchez OR, Vale BM, Rodrigues L, Surita FG. Violence against women during the COVID-19 pandemic: An integra-tive review. Int J Gynecol Obstetr 2020; 151(2):180-187.,3232 Rossi FS, Shankar M, Buckholdt K, Bailey Y, Israni ST, Iverson KM. Trying times and trying out solutions: intimate partner violence screening and support for women veterans during COVID-19. Inn Med (Heidelb) 2020; 35(9):2728-2731. reforçam que as estratégias de prevenção e resposta à violência devem incluir ações integradas/parcerias, elaboradas com base nas lições aprendidas em emergências de saúde pública anteriores.

Uma série de conselhos voltados à rede de atendimento podem ser apontados a partir do trabalho de Ghoshal3333 Ghoshal R. Twin public health emergencies: COVID-19 and domestic violence. Indian J Med Ethics 2020; 5(3):195-199., a saber: aplicação do LIVES estabelecido pela OMS; disponibilização de linhas telefônicas; serviço de telessaúde; e oferta de abrigos/locais seguros. Em relação ao LIVES, trata-se de um protocolo de primeiros socorros psicológicos que inclui desde ouvir e creditar a experiência da mulher até encaminhamentos intersetoriais e o estabelecimento de um plano de segurança que leve em conta o contexto específico de cada mulher. No que concerne à disponibilização de linhas telefônicas e outras plataformas, o objetivo é oferecer aconselhamento preliminar, apoio emocional e conexão com serviços de apoio social e jurídico. Outros pesquisadores, como Dahal et al.1212 Dahal M, Khanal P, Maharjan S, Panthi B, Nepal S. Mitigating violence against women and young girls during COVID-19 induced lockdown in Nepal: a wake-up call. Global Health 2020; 16(1):84., clamam pela ampla divulgação desses canais na mídia de massa e até mesmo em mídias comunitárias, rádios e páginas online. Os próprios agentes comunitários, como bem pontua Ferreira3434 Ferreira VC, Silva MRF, Montovani EH, Colares LG, Ribeiro AA, Stofel NS. Saúde da mulher, gênero, políticas públicas e educação médica: agravos no contexto de pandemia. Rev Bras Educ Med 2020; 44(Supl. 1):el147., podem ajudar nessa divulgação e orientação.

Quanto ao serviço de telessaúde, este requer a implementação de políticas para promover segurança e privacidade durante o atendimento3535 Ragavan MI, Culyba AJ, Muhammad FL, Miller E. Supporting adolescents and young adults exposed to or experienc-ing violence during the COVID-19 pandemic. J Adolesc Health 2020; 67(1):18-20.,3636 Jack SM, Munro-Kramer ML, Williams JR, Schminkey D, Tomlinson E, Jennings Mayo-Wilson L, Bradbury-Jones C, Campbell JC. Recognizing and responding to intimate partner violence using telehealth: practical guidance for nurses and midwives. J Clin Nurs 2020; 30(3-4):588-602., além da viabilização de um acesso equitativo a essa tecnologia. Tener et al.3737 Tener D, Marmor A, Katz C, Newman A, Silovsky JF, Shields J, Taylor. How does COVID-19 impact intrafamilial child sexual abuse? Comparison analysis of reports by practitioners in Israel and the US. Child Abuse Neglect 2020; 116(Pt. 2)104779. reforçam os benefícios inclusive da utilização de serviços de tele forense.

Sobre a oferta de abrigos/locais seguros, Ghosh et al.2525 Ghosh R, Dubey MJ, Chatterjee S, Dubey S. Impact of COVID-19 on children: Special focus on the psychosocial as-pect. Minerva Pediatr 2020; 72(3):226-235. citam algumas experiências que consideram exitosas, como o que fez a França ao disponibilizar hotéis desocupados em função de lockdowns, e a Espanha, que utilizou drogarias como locais onde mulheres poderiam deixar mensagens com pedidos de socorro caso não pudessem acionar a rede formal de enfrentamento à violência.

Diversos autores2525 Ghosh R, Dubey MJ, Chatterjee S, Dubey S. Impact of COVID-19 on children: Special focus on the psychosocial as-pect. Minerva Pediatr 2020; 72(3):226-235.,3838 Slakoff DC, Aujla W, Penzeymoog E. The role of service providers, technology, and mass media when home isn't safe for intimate partner violence victims: best practices and recommendations in the Era of COVID-19 and beyond. Arch Sex Behav 2020; 49(8):2779-2788. reforçam o apoio da rede na formulação de um plano de segurança para cada vítima, que deve incluir quem contactar para buscar ajuda, quartos mais seguros da casa, quais itens pessoais devem ser colocados juntos para o caso de uma saída rápida, como usar a tecnologia com segurança, quais os sites de organizações que têm recursos de escape rápido, palavras-código ou sinais acordados com familiares, amigos e/ou vizinhos, além do desenvolvimento de ferramentas digitais que possam auxiliar, por exemplo, no arquivamento de documentos judiciais online. Para Emezue3939 Emezue C. Digital or digitally delivered responses to domestic and intimate partner violence during COVID-19. JMIR Public Health Surveill 2020; 6(3):e19831., mapear as soluções digitais atuais em resposta à violência doméstica é uma prioridade imediata para que se entenda os problemas de aceitação, cobertura e uso.

A aplicação de instrumentos validados na rotina de triagem de violência doméstica e o subsequente encaminhamento dos casos aos serviços específicos de atendimento são indicados por Tochie et al.4040 Tochie JN, Ofakem I, Ayissi G, Endomba FT, Fobellah NN, Wouatong C, Temgoua MN. Intimate partner violence dur-ing the confinement period of the COVID-19 pandemic: exploring the French and Cameroonian public health poli-cies. Pan Afr Med J 2020; 35(Suppl. 2):54. e Cohen et al.4141 Cohen MA, Powell AM, Coleman JS, Keller JM, Livingston A, Anderson JR. Special ambulatory gynecologic consider-ations in the era of coronavirus disease 2019 (COVID-19) and implications for future practice. Am J Obstet Gynecol MFM 2020; 223(3):372-378.. Da Silva et al.4141 Cohen MA, Powell AM, Coleman JS, Keller JM, Livingston A, Anderson JR. Special ambulatory gynecologic consider-ations in the era of coronavirus disease 2019 (COVID-19) and implications for future practice. Am J Obstet Gynecol MFM 2020; 223(3):372-378. sugerem o uso de tecnologias digitais como possíveis ferramentas de auxílio nessa tarefa. Já Sharma et al.2727 Sharma A, Borah SB. COVID-19 and domestic violence: an indirect path to social and economic crisis. J Fam Vio-lence 2020; 37(5):759-765. apontam para a importância de agilidade e rapidez nos processos de notificação de violência, buscando compreender a heterogeneidade das situações e os diferentes graus de vulnerabilidade decorrentes de situações como migração, doenças e velhice. O monitoramento digital das vítimas também é preconizado por esses autores.

Atento às gestantes e puérperas, Farewell4343 Farewell CV, Jewell J, Walls J, Leiferman JA. A mixed-methods pilot study of perinatal risk and resilience during COVID-19. J Prim Care Community Health 2020; 11:2150132720944074. aponta as dificuldades relatadas por esse público quando em presença de sintomatologia de estresse, depressão e ansiedade. Com isso, propõe trabalho de intervenção (baseado em resultados de um estudo-piloto) para apoiar essa população vulnerável. Já em artigo voltado para a saúde mental da população migrante, Dalexis et al.4444 Dalexis RD, Cénat, JM. Asylum seekers working in Quebec (Canada) during the COVID-19 pandemic: tisk of deporta-tion, and threats to physical and mental health. Psychiatry Res 2020; 292:113299. destacam a urgência da regularização da documentação migratória desses indivíduos como forma de mitigar o problema.

Grande parte dos artigos voltados aos serviços de saúde recomendam o uso da telemedicina e a identificação de sinais de violência nas consultas clínicas. Cohen et al.4141 Cohen MA, Powell AM, Coleman JS, Keller JM, Livingston A, Anderson JR. Special ambulatory gynecologic consider-ations in the era of coronavirus disease 2019 (COVID-19) and implications for future practice. Am J Obstet Gynecol MFM 2020; 223(3):372-378. apontam a necessidade da garantia do acesso contínuo aos cuidados de saúde e defendem o uso de instrumentos validados para triagem de casos de violência e depressão, como já sinalizado anteriormente. Hudson et al.4545 Hudson LC, Lowenstein EJ, Hoenig LJ. Domestic violence in the coronavirus disease 2019 era: insights from a survi-vor. Clin Dermatol 2020; 38(6):737-143. apontam as limitações da telemedicina para realização do diagnóstico de violência doméstica, a importância de fazer um histórico adequado do caso e a habilidade necessária para avaliar as vítimas de forma compassiva e sensível. Johnson et al.4646 Johnson K, Green L, Volpelier M, Kidenda S, Mchale T, Naimer K, Mishori R. The impact of COVID-19 on services for people affected by sexual and gender-based violence. Int J Gynecol Obstetr 2020; 150(3):285-287. fornecem recomendações sobre a implementação segura do cuidado clínico e da documentação médica forense dos sobreviventes de violência sexual e de gênero.

Coulthard et al.4747 Coulthard P, Hutchison I, Bell AJ, Coulthard DI, Kennedy H. COVID-19, domestic violence and abuse, and urgent dental and oral and maxillofacial surgery care. British Dent J 2020; 228 (12):923-926. destacam a necessidade de as equipes de odontologia questionarem as causas de lesões e fazerem uma avaliação de riscos para o/a paciente, para além de seu tratamento. Matoori et al.4949 Matoori S, Khurana B, Balcom MC, Froehlich JM, Janssen S, Forstner R, King AD, Koh DM, Gutzeit A. Intimate part-ner violence crisis in the COVID-19 pandemic: how can radiologists make a difference? Eur Radiol 2020; 30(12):6933-6936. ressalta a importância da revisão de protocolos de identificação de violência por parceiro íntimo pelas equipes de emergência e radiologia, bem como o treinamento delas. Em outro trabalho, registra que a maioria das fraturas oriundas desse tipo de violência ocorrem na face, dedos e parte superior do tronco, e que podem ser facilmente interpretadas como trauma de rotina. Com isso, orienta a revisão cuidadosa do histórico médico de casos suspeitos e os encaminhamentos pertinentes. Destacamos ainda um conjunto de recomendações elaborado pela OMS: 1) fornecimento de informações sobre os serviços disponíveis, indicando local, horário de funcionamento, dados de contato e disponibilidade de serviços remotos; 2) escuta empática; 3) uso de telefonia móvel e da telemedicina.

Os artigos focados na saúde mental enfatizam: 1) o fortalecimento do sistema de saúde e da prevenção primária4848 Carbone SR. Flattening the curve of mental ill-health: the importance of primary prevention in managing the men-tal health impacts of COVID-19. Ment Health Prevent 2020; 19:200185.; 2) o uso de serviços online/teleatendimento2929 Galea S, Merchant RM, Lurie N. The mental health consequences of COVID-19 and physical distancing: the need for prevention and early intervention. JAMA Intern Med 2020; 180(6):817-818.,5050 Gunnell D, Appleby L, Arensman E, Hawton K, John A, Kapur N, Khan M, O'Connor RC, Pirkis J. Suicide risk and pre-vention during the COVID-19 pandemic. Lancet Psychiatry 2020; 7(6):468-471.

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53 Nicolini H. Depresión y ansiedad en los tiempos de la pandemia de COVID-19. Cir Cir 2020; 88(5):542-547.

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-5555 Serlachius A, Badawy SM, Thabrew H. Psychosocial challenges and opportunities for youth with chronic health con-ditions during the COVID-19 pandemic. JMIR Pediatr Parent 2020; 3(2):e23057.; 3) as intervenções/apoio psicossocial5353 Nicolini H. Depresión y ansiedad en los tiempos de la pandemia de COVID-19. Cir Cir 2020; 88(5):542-547.,5656 Fatke B, Hölzle P, Frank A, Förstl H. COVID-19 crisis: early observations on a pandemic's psychiatric problems. Dtsch Med Wochenschr 2020; 145(10):675-681.; 4) o treinamento dos profissionais5353 Nicolini H. Depresión y ansiedad en los tiempos de la pandemia de COVID-19. Cir Cir 2020; 88(5):542-547.; e 5) a não descontinuidade do atendimento em saúde mental para crianças e adolescentes durante a pandemia5353 Nicolini H. Depresión y ansiedad en los tiempos de la pandemia de COVID-19. Cir Cir 2020; 88(5):542-547..

O cuidado com a saúde mental das vítimas, em especial o estresse pós-traumático, é fonte de preocupação entre Ghosh et al.2525 Ghosh R, Dubey MJ, Chatterjee S, Dubey S. Impact of COVID-19 on children: Special focus on the psychosocial as-pect. Minerva Pediatr 2020; 72(3):226-235., Calleja-Agius et al.5757 Calleja-Agius J, Calleja N. Domestic violence among the elderly during the COVID-19 pandemic. Rev Esp Geriatr Gerontol 2021; 56(1):64. e outros, uma vez que frequentemente está associado a comorbidades como depressão, ansiedade e problemas gastrointestinais e respiratórios. Dois trabalhos abordam os suicídios durante a pandemia. Gunnell et al.5050 Gunnell D, Appleby L, Arensman E, Hawton K, John A, Kapur N, Khan M, O'Connor RC, Pirkis J. Suicide risk and pre-vention during the COVID-19 pandemic. Lancet Psychiatry 2020; 7(6):468-471. propõem diferentes estratégias para os serviços de saúde mental, tais como: avaliação dos caminhos de cuidado, vigilância daqueles com ideação suicida, divulgação sobre a importância de restringir o acesso aos meios e locais comumente usados para o suicídio, atuação responsável da mídia na divulgação de reportagens sobre suicídios e monitoramento do consumo de álcool pelos serviços de saúde, ponto também destacado por Ramalho5858 Ramalho R. Alcohol consumption and alcohol-related problems during the COVID-19 pandemic: a narrative review. Australasian Psychiatry 2020; 28(5):524-526.. Já Joiner et al.5959 Joiner TE, Lieberman A, Stanley IH, Reger MA. Might the COVID-19 pandemic spur increased murder-suicide? J Ag-gress Confl Peace Res 2020; 12(3):177-182. incentivam a promoção de esforços para prevenir a ocorrência de homicídios e suicídios.

Hegarty6060 Hegarty K. How can general practitioners help all members of the family in the context of domestic violence and COVID-19? Aust J Gen Pract 2020; 49. elenca medidas que os clínicos gerais podem tomar para envolver e apoiar pacientes que usam da violência em suas relações, como acessar linhas de apoio à não violência e ferramentas online para estabelecer relacionamentos saudáveis, fazer uma pausa quando se sentirem estressados ou ansiosos, fazer exercícios ou entrar em contato com um amigo ou parente, identificar os gatilhos que levam à violência e procurar ajuda o quanto antes, evitar drogas e álcool, negociar um local de “tempo limite” em casa - um lugar onde os familiares saibam que os agressores devem ser deixados em paz. Perguntas sobre como estão as coisas em casa e se querem auxílio em relação a algum comportamento prejudicial à saúde ou negativo em seu relacionamento familiar são bem-vindas. Nesse sentido, incentiva o uso de técnicas de entrevista motivacional, sobretudo em pacientes que desejam buscar ajuda voluntariamente. Segundo a autora, pesquisas mostram que homens agressores também veem o profissional de saúde como alguém confiável para ouvi-los e aconselhá-los.

Redes informais e virtuais de suporte social devem ser encorajadas22 Vieira PR, Garcia LP, Maciel ELN. The increase in domestic violence during the social isolation: what does it re-veals? Rev Bras Epidemiol 2020; 23:e200033., uma vez que são meios que ajudam as mulheres a se sentirem conectadas e apoiadas, além de servirem de alerta aos agressores de que elas não estão completamente isoladas. Dado que as vítimas tendem a informar sobre a violência doméstica primeiramente a vizinhos, testemunhas e membros da comunidade, é importante a ampla divulgação pela mídia e até a capacitação online das pessoas por agências governamentais sobre como reconhecer e atuar nesses casos2727 Sharma A, Borah SB. COVID-19 and domestic violence: an indirect path to social and economic crisis. J Fam Vio-lence 2020; 37(5):759-765.,3838 Slakoff DC, Aujla W, Penzeymoog E. The role of service providers, technology, and mass media when home isn't safe for intimate partner violence victims: best practices and recommendations in the Era of COVID-19 and beyond. Arch Sex Behav 2020; 49(8):2779-2788..

A importância da conscientização pública, por meio da mobilização da mídia de massa sobre os mais variados tipos de violência contra as mulheres, formas de se buscar ajuda e o repúdio a qualquer ato de violência, é enfatizada por Dahal et al.1212 Dahal M, Khanal P, Maharjan S, Panthi B, Nepal S. Mitigating violence against women and young girls during COVID-19 induced lockdown in Nepal: a wake-up call. Global Health 2020; 16(1):84. e Ghoshal3333 Ghoshal R. Twin public health emergencies: COVID-19 and domestic violence. Indian J Med Ethics 2020; 5(3):195-199.. Já Walters3030 Walters J. COVID-19 shelter-at-home orders: impacts and policy responses in the context of intimate partner vio-lence. World Med Health Policy 2020; 12(4):533-539. reforça a importância de se direcionar esses esforços também a homens e meninos. Além de seu papel de divulgar e educar, a pressão política exercida pela mídia sobre governos visando a responsabilização pública pelo enfrentamento à violência doméstica é destacada por Slakoff et al.3838 Slakoff DC, Aujla W, Penzeymoog E. The role of service providers, technology, and mass media when home isn't safe for intimate partner violence victims: best practices and recommendations in the Era of COVID-19 and beyond. Arch Sex Behav 2020; 49(8):2779-2788.

Proteção e cuidado infanto-juvenil

Na vida das crianças, as repercussões da pandemia de COVID-19 são percebidas em várias dimensões, como alimentação, educação formal, saúde mental e calendário de vacinação6161 Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM). Vacinação de rotina durante a pandemia de COVID-19 [Internet]. 2020. [acessado 2020 mar 30]. Disponível em: https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/nota-tecnica-sbim-vacinacao-rotina-pandemia.pdf
https://sbim.org.br/images/files/notas-t...
. Portanto, as recomendações voltadas para a população infanto-juvenil, apresentadas nesta seção, abarcam os aspectos recém-comentados, acrescidos de outras situações que podem ocasionar violências. Tais recomendações sinalizam que distintas realidades no mundo revelam os valores e o que importa para os países quando falamos de crianças e jovens. Nesse sentido, consideramos que as recomendações nos desvelam especificidades acerca das distintas realidades nacionais e internacionais.

O fechamento de escolas suscitou grande preocupação. Fegert et al.6262 Fegert JM, Schulze UME. COVID-19 and its impact on child and adolescent psychiatry - A German and personal per-spective. Ir J Psychol Med 2020; 37(3):243-245. apontam a necessidade de proteção das crianças nesse contexto, salientando sobretudo as repercussões na saúde mental dessa população. A partir das experiências de escolas “de portas abertas”, Roca et al.6363 Roca E, Melgar P, Gairal-Casadó R, Pulido-Rodríguez MA. Schools that "open doors" to prevent child abuse in con-finement by COVID-19. Sustainability 2020; 12(11):10.3390/su12114685.
https://doi.org/10.3390/su12114685....
afirmam que muitos professores, famílias e comunidades são agentes de mudança social que criam relacionamentos de apoio e ambientes seguros que protegem a infância. Donagh6464 Donagh B. From unnoticed to invisible: the impact of COVID-19 on children and young people experiencing do-mestic violence and abuse. Child Abuse Rev 2020; 29(4):387-391. comenta que as escolas são muitas vezes o único lugar em que crianças e adolescentes se sentem seguros e que este é também o principal local de denúncias. A suspensão de suas atividades teve efeitos intensificados em crianças de famílias em situação socioeconômica desfavorável, com familiares que perderam o emprego e cujo acesso à internet é precário, sem falar na insuficiência de dispositivos eletrônicos para atender a todos os membros da família em idade escolar6565 Morais AC, Miranda JOF. Repercussões da pandemia na saúde das crianças brasileiras para além da COVID-19. Physis 2021; 31(1):e310102.,6666 Anjos CI, Francisco DJ. Educação infantil e tecnologias digitais: reflexões em tempos de pandemia. Zero-a-Seis 2021; 23(Esp.):125-146..

É interessante observar que o acesso indiscriminado a telas pelas crianças durante a pandemia foi abruptamente desencadeado e poucos artigos discutem as repercussões negativas e positivas de tais dispositivos nas vidas das crianças. Ghosh et al.2525 Ghosh R, Dubey MJ, Chatterjee S, Dubey S. Impact of COVID-19 on children: Special focus on the psychosocial as-pect. Minerva Pediatr 2020; 72(3):226-235. mencionam o tema e recomendam intervenções proativas e direcionadas para garantir que todas as crianças voltem para suas escolas, por qualquer meio, quando a pandemia diminuir. Pais, pediatras, psicólogos, assistentes sociais, autoridades hospitalares, incluindo organizações governamentais e não governamentais, devem garantir “zero abandono escolar” e preconizam o apoio financeiro para as famílias. Esses autores apontam ainda que os pais precisam respeitar a identidade, o espaço livre e as necessidades especiais, além de monitorar atividades online, comportamento e autodisciplina da criança.

A mesma associação entre perdas socioeconômicas e provável aumento dos maus tratos é mencionada por Cohen et al.6767 Cohen RIS, Bosk EA. Vulnerable youth and the COVID-19 pandemic. Pediatrics 2020; 146(1): e20201306., que recomendam o uso da telemedicina no atendimento de jovens LGBTI+, jovens com transtornos por uso de substâncias e aqueles em risco de maus-tratos, embora reconheça dificuldades em se manter a privacidade durante as consultas. Destacam ainda a necessidade de criação de serviços de proteção à criança, como abrigos. A importância da denúncia e de formas seguras e eficazes de notificação e atendimento dos casos é enfatizada por Platt et al.6868 Platt VB, Guedert JM, Coelho EBS. Violence against children and adolescents: notification and alert in times of pandemic. Rev Paul Pediatr 2021; 39:e2020267. Donagh6464 Donagh B. From unnoticed to invisible: the impact of COVID-19 on children and young people experiencing do-mestic violence and abuse. Child Abuse Rev 2020; 29(4):387-391. comenta que, apesar do isolamento social e do fechamento de instituições, foram realizadas adaptações pelos serviços especializados, como suporte telefônico, videoconferência e apoio por meio de parentes/cuidadores seguros6464 Donagh B. From unnoticed to invisible: the impact of COVID-19 on children and young people experiencing do-mestic violence and abuse. Child Abuse Rev 2020; 29(4):387-391. (p. 388).

Ramaswamy et al.6969 Ramaswamy S, Seshadri S. Children on the brink: Risks for child protection, sexual abuse, and related mental health problems in the COVID-19 pandemic. Indian J Soc Psychiatry 2020; 62(9):S404-S413. sugerem intervenções governamentais voltadas para as preocupações emergentes de proteção infantil, psicossociais e de saúde mental, que devem ser tratadas universalmente, já que a pandemia de COVID-19 afetou crianças em todo o mundo. Nessa mesma linha, Clark et al.7070 WHO-UNICEF - Lancet Commissioners. After COVID-19, a future for the world's children? Lancet 2020; 396(10247):298-300. recomendam a coordenação entre os setores e as comunidades para implementar uma agenda centrada na criança. Đapic et al.7171 Ðapic MR, Flander GB, Prijatelj K. Children behind closed doors due to COVID-19 isolation: abuse, neglect and do-mestic violence. Arch Psychiatry Res 2020; 56(2):181-192. assinalam a importância da atenção dos profissionais às crianças vulneráveis em risco.

Autores diversos7272 Sacco MA, Caputo F, Ricci P, Sicilia F, De Aloe L, Bonetta CF, Cordasco F, Scalise C, Cacciatore G, Zibetti A, Gratteri S, Aquila I. The impact of the COVID-19 pandemic on domestic violence: The dark side of home isolation during quarantine. Med Leg J 2020; 88(2):71-73.,7373 Pereda N, Díaz-Faes DA. Family violence against children in the wake of COVID-19 pandemic: a review of current perspectives and risk factors. Child Adolesc Psychiatry Ment Health 2020; 14:40. demandam maior atenção das autoridades às famílias em que já há relatos de violência, a fim de evitar novos episódios. Nesse sentido, Dahal et al.1212 Dahal M, Khanal P, Maharjan S, Panthi B, Nepal S. Mitigating violence against women and young girls during COVID-19 induced lockdown in Nepal: a wake-up call. Global Health 2020; 16(1):84. sugerem que grupos de mães sejam orientados e mobilizados durante este período para avaliar mulheres e crianças em risco de violência e atuar como um sistema de apoio.

Discussão

Algumas observações devem ser feitas acerca dos resultados encontrados. A primeira diz respeito ao fato de que o levantamento de dados ocorreu no ano de 2020. Apesar de um número acentuado de publicações versando sobre violência contra mulheres e meninas, os artigos acessados tinham o intuito de alertar sobre a possibilidade de aumento da violência contra esses grupos sociais, não sendo, em sua maioria, artigos oriundos de pesquisas empíricas. Tal fato é bastante compreensível, uma vez que a pandemia assolou o mundo rapidamente e de forma repentina, obviamente não reduzindo o mérito do esforço empreendido. Outro aspecto importante diz respeito à imprecisão das recomendações originárias desses trabalhos e que são foco de nosso estudo, pela falta ora de clareza, ora de aplicabilidade. Do mesmo modo, nem sempre evidencia a que população se destina: o uso de categorias muito amplas do tipo “mulheres” foi recorrente.

Ao pensar a categoria mulher de forma ampla, totalizante, vários dos estudos invisibilizaram a pluralidade da experiência de ser mulher em diferentes culturas mundo, apagando também suas necessidades particulares para o enfrentamento da pandemia de COVID-19. Mulheres latinas negras e transexuais não estão, por exemplo, representadas nesses estudos. Nesse quadro, ressalta-se o fato de que as mulheres negras foram as mais penalizadas durante a crise sanitária por várias razões, das quais destacamos duas: a grande maioria se situa nas classes mais pobres e está inserida no mercado informal de trabalho. Elas sofreram com o aumento da carga de trabalho relacionada ao cuidado não só das crianças, mas de idosos e doentes, além do trabalho doméstico, conforme sinalizaram Moreira et al.1414 Moreira LE, Alves JS, Oliveira RG, Natividade C. Women in a pandemic context: a theoretical-political essay about house and warfare. Psicol Soc 2020; 32:e0200144., bem como com a impossibilidade de realizar seu trabalho remunerado.

Entendemos que a relevância dada ao gênero nas recomendações se deve ao fato de ser uma categoria estruturante das relações sociais, pautada por uma hierarquia socio-simbólica entre os gêneros, instituindo desigualdades que repercutem em todos os âmbitos da vida social. Na pandemia, essas desigualdades se acentuaram, fazendo com que os autores insistissem na inclusão do gênero na formulação de políticas públicas consideradas universais, ditas como neutras em relação às diferenças de gênero, raça e classe. Sabemos que esses marcadores sociais se interseccionam, definindo o lugar que cada pessoa ocupa na estrutura social e promovendo iniquidades que serão vivenciadas de formas específicas, conforme o grupo social a que se pertença7474 Collins PH. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Bo-itempo; 2019..

Um ponto importante reiterado por diversos autores foi a necessidade de envolver toda a sociedade, particularmente os vizinhos, na denúncia de violência doméstica contra mulheres, crianças e adolescentes, preconizando a ampliação de canais digitais, linhas telefônicas, códigos para pedido de socorro e teleatendimento que favoreçam o acesso rápido a serviços de acolhimento e proteção. A máxima de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” precisa ser abolida de fato. A denúncia deve ser vista não como intromissão, mas como proteção à vida. Por outro lado, chama a atenção a escassez de recomendações voltadas a ações com os agressores e outras iniciativas voltadas para prevenção primária. Conforme sinalizaram Ruxton et al.7575 Ruxton S, Burrell SR. Masculinities and COVID-19: making the connections. Washington, DC: Promundo-US; 2020., as políticas precisam envolver os homens, por meio de campanhas que estimulem a interrupção da violência de gênero em seus primórdios.

Quanto às recomendações voltadas ao cuidado e à proteção de crianças e adolescentes, tem-se, por um lado, a proximidade de familiares com as crianças no ambiente doméstico, vivenciada por alguns de maneira positiva, traduzindo-se em maior conhecimento entre crianças e responsáveis e um convívio saudável, e por outro lado a convivência familiar pode ter sido marcada por tensões geradas pela sobrecarga de trabalho dos responsáveis em diversas esferas. Os pais ou responsáveis se viram divididos em diversos papéis, antes desempenhados pela escola, pela sociabilidade do dia a dia, pelo compartilhamento de tarefas com as crianças antes vivida entre avós, parentes ou rede de amigos. Consequentemente, o confinamento de famílias em espaços exíguos, somado à vivência de um cenário imprevisível, inseguro, incerto, expressou-se em algumas situações em aumento da violência doméstica33 Marques ES, Moraes CL, Hasselmann MH, Deslandes SF, Reichenheim ME. Violence against women, children, and adolescents during the COVID-19 pandemic: Overview, contributing factors, and mitigating measures. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00074420..

Nesse sentido, Øverlien7676 Øverlien C. The COVID-19 pandemic and its impact on children in domestic violence refuges. Child Abuse Rev 2020; 29(4):379-386. também confirma tal configuração de recrudescimento da violência doméstica e destaca a importância dos refúgios e serviços voltados para crianças e adolescentes no momento da pandemia. As crianças perderam o dia a dia de brincadeiras e o contato com os seus amigos - práticas fundamentais para a formação da subjetividade da criança e para a sua saúde mental. Essas mudanças causaram tensões emocionais, sentimento de insegurança, medo de perda dos pais, alterações de comportamentos7777 Marin A, organizador. Saúde mental e atenção psicossocial na pandemia COVID-19: crianças na pandemia COVID-19. Rio de Janeiro: Fiocruz/CEPEDES; 2020., entre outras tantas expressões emocionais vividas pelas crianças durante a pandemia.

Considerações finais

As recomendações sistematizadas e discutidas ao longo do texto são promissoras no sentido de ampliar discussões sobre estratégias para lidar com o cenário de violências contra mulheres e meninas na pandemia de COVID-19. O enfrentamento dessa pandemia, ainda em curso, e de outras futuras crises sanitárias passa pela atenção às singularidades das mulheres e meninas, sobretudo aquelas que vivem em situações de vulnerabilidades. A falta desse cuidado nas políticas adotadas durante a pandemia revela o quanto ainda é necessário se avançar na redução das desigualdades sociais e de gênero.

Fica evidente a necessidade de se empreender novos estudos a respeito da violência de gênero contra mulheres e meninas em contextos de emergências sanitárias. Abordagens tradicionais de violência de gênero reificadas durante a pandemia não deram conta da complexidade do problema que envolvia não só atuar no atendimento às mulheres em situação de violência, mas também fazer frente às demandas de saúde em decorrência da COVID-19.

Contudo, ressaltamos que estratégias criativas também foram pensadas e difundidas por alguns países, inclusive no Brasil, de modo a abranger essa crise multifacetada, que aguçou os casos de violência de gênero. Esse conjunto de exortações apontadas pela literatura, portanto, demonstram a necessidade de se agir proativamente na prevenção de violências, na proteção e no atendimento a mulheres em situação de violência. Essa pandemia nos ensinou que aumentar investimentos em políticas de prevenção à violência continuada é imprescindível tanto quanto o enfrentamento à própria pandemia.

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    Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca - Programa Inova Fiocruz - Chamada para submissão.

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2022
  • Aceito
    08 Nov 2022
  • Publicado
    10 Nov 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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