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Até quando?

O envelhecimento é um fenômeno polissêmico, com implicações no âmbito individual, familiar e coletivo. Em 2020, a Organização Mundial de Saúde propôs a definição da Década do Envelhecimento Saudável (2021-2030)11 World Health Organization (WHO). Decade of healthy ageing 2020-2030 [Internet]. 2020 [cited 2023 set 10]. Available from: https://www.who.int/docs/default-source/decade-of-healthy-ageing/final-decade-proposal/decade-proposal-final-apr2020-en.pdf.
https://www.who.int/docs/default-source/...
, buscando oferecer oportunidades para melhorar o envelhecimento individual e a vida em comunidade, com o protagonismo das pessoas idosas e a oferta de cuidados centrados na pessoa, coordenados e integrados com outras políticas.

No caso brasileiro, nas últimas décadas, o país experimenta uma rápida e intensa transição demográfica, epidemiológica e nutricional, com reflexos em diferentes políticas públicas - saúde, educação, assistência e previdência social, mobilidade urbana, entre outras. Além disso, observa-se um crescimento mais acentuado da população de 80 anos ou mais, com um aumento na proporção de pessoas que necessitarão de ajuda para o desempenho das atividades básicas de vida diária22 Camarano AA, Welle A, Romero DE, Silveira FG, Félix J, Giacomin KC, Botega LA, Maia L, Servo LMS, Ribeiro MM, Veras RP, Palomo TR, Noronha JC, Graever L, Gadelha P. Doenças crônicas e longevidade: desafios para o futuro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2023..

Contudo, não se observa a implantação de políticas públicas específicas que aliem a promoção do envelhecimento saudável, a criação de comunidades age-friendly e a oferta de cuidados de longa duração (CLD), como preconiza a OMS. Nossas políticas e serviços mostram-se em descompasso quanto às habilidades e competências necessárias para uma sociedade inclusiva para pessoas de todas as idades. E, a despeito das graves questões relacionadas às desigualdades sociais, étnico-raciais e de gênero brasileiras, tal descompasso certamente revela o etarismo ou idadismo estrutural em nossa sociedade.

Até o presente, a atenção à saúde da população idosa aparece atrelada ao controle de Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANT). A questão é que os profissionais da atenção primária não estão capacitados para abordar a pessoa idosa em sua especificidade e os serviços usualmente identificam a pessoa idosa quando ela apresenta complicações, ou demanda idas às urgências, internações hospitalares ou CLD pouco integrados na própria rede de saúde e junto a outras políticas sociais. Assim, este número temático da revista Ciência & Saúde Coletiva debate várias dessas lacunas e nos impele a repensar a oferta de serviços para a nossa realidade.

Para entregar um cuidado adequado às necessidades da parcela idosa, é importante conhecer a nossa população. Nesse sentido, inquéritos como a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), o ELSA-Brasil e o ELSI-Brasil são cruciais. A PNS serviu como fonte de dados para alguns dos artigos deste número e possibilitou avaliar na população idosa as mudanças nos comportamentos de saúde; a associação entre o ambiente construído e percepção positiva de saúde; a associação entre tempo assistindo televisão e a presença de obesidade; e a prevalência de complicações devido à Diabetes Mellitus. O ELSA-Brasil forneceu dados para investigar a saúde muscular e óssea. Outro artigo utilizou informações dos serviços para analisar a tendência temporal de quedas na população idosa no Brasil e no estado de São Paulo entre 2000 e 2020 e estimar o impacto econômico para o SUS em 2025.

Outros dois artigos abordam temas tabus: um discute preconceitos enraizados na sociedade, inclusive em profissionais da saúde e da assistência social, que resultam na falta de oferta de CLD para pessoas não pertencentes ao modelo cis-heteronormativo e o outro, a Tomada de Decisão Apoiada para que todas as pessoas possam exercer o direito de tomar decisões inerentes às suas vidas, inclusive aquelas com demências.

Dessa forma, diferenças e desigualdades ao longo da vida impactam nas múltiplas velhices, mas é preciso construir solidariedade para reduzir iniquidades. Isso implica em não mais categorizar as pessoas idosas em “vencedores” - aquelas que envelhecem de modo ativo e saudável - e “perdedores” - aquelas que demandam cuidados, especialmente os CLD -, mas criar comunidades que reforcem a participação e o protagonismo da pessoa idosa por meio de acessibilidade, moradia digna, espaços públicos inclusivos, atividades culturais e de lazer, e que também assegurem CLD no domicílio, na comunidade e em moradias coletivas para quem deles precisar.

Referências

  • 1
    World Health Organization (WHO). Decade of healthy ageing 2020-2030 [Internet]. 2020 [cited 2023 set 10]. Available from: https://www.who.int/docs/default-source/decade-of-healthy-ageing/final-decade-proposal/decade-proposal-final-apr2020-en.pdf
    » https://www.who.int/docs/default-source/decade-of-healthy-ageing/final-decade-proposal/decade-proposal-final-apr2020-en.pdf
  • 2
    Camarano AA, Welle A, Romero DE, Silveira FG, Félix J, Giacomin KC, Botega LA, Maia L, Servo LMS, Ribeiro MM, Veras RP, Palomo TR, Noronha JC, Graever L, Gadelha P. Doenças crônicas e longevidade: desafios para o futuro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2023.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Nov 2023
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