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Ambiente construído e sua associação com percepção de saúde em idosos brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde 2013

Resumo

O estudo objetivou investigar a associação entre o ambiente construído e percepção positiva de saúde em idosos das capitais brasileiras. Estudo transversal de base populacional com dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013 e do Observatório das Metrópoles. O desfecho foi percepção positiva de saúde. O ambiente construído foi investigado por meio do Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU). As análises foram realizadas por regressão logística multinível (IC95%). Entre os 4.643 idosos investigados, 51,5% reportaram percepção positiva de saúde (IC95%: 50,0-52,9). Idosos residentes em capitais com maiores tercis do IBEU apresentaram maiores chances de percepção positiva de saúde (OR: 1,42; IC95%: 1,08-1,86 (T2); OR: 1,78; IC95%: 1,35-2,33 (T3)). Quanto às dimensões do IBEU, associaram-se ao desfecho: a infraestrutura urbana (OR: 1,56 IC95%: 1,13-2,16), condições ambientais urbanas (OR: 1,49; IC95%: 1,10-2,04), condições habitacionais urbanas (OR: 1,45; IC95%: 1,05-1,99) e serviços coletivos urbanos (OR: 1,72; IC95%: 1,30-2,27). Evidenciou-se associação positiva entre melhores condições do ambiente construído e percepção de saúde, independente de características individuais. Promover mudanças no ambiente construído pode ser eficaz na melhora dos níveis de saúde, favorecendo o envelhecimento saudável.

Palavras-chave:
Saúde do idoso; Nível de saúde; Ambiente construído; Inquéritos Epidemiológicos

Abstract

The present study aims to investigate the association between the built environment and positive self-rated health among older adults from Brazilian capitals. It is a cross-sectional population-based study, which collected data from the National Health Survey 2013 and the Observatório das Metrópoles. The outcome was a positive self-rated health. The built environment was investigated by the Urban Wellbeing Index (IBEU, in Portuguese). Analyses were performed by multilevel logistic regression (95%CI). Among the 4,643 elderly individuals evaluated in this study, 51.5% reported a positive self-rated health (95%CI: 50.0-52.9). Elderly people living in capitals with higher IBEU terciles were more likely to have a positive self-rated health (OR: 1.42; 95%CI: 1.08-1.86 (T2); OR: 1.78; 95%CI: 1.35-2.33 (T3)). As for the dimensions of the IBEU, the following were associated with the outcome: urban infrastructure (OR: 1.56; 95%CI: 1.13-2.16), urban environmental conditions (OR: 1.49; 95%CI: 1.10-2.04), urban housing conditions (OR: 1.45; 95%CI: 1.05-1.99), and urban collective services (OR: 1.72; 95%CI: 1.30-2.27). A positive association was found between better conditions of the built environment and one’s perception of health, regardless of individual characteristics. Promoting changes in the built environment can be effective in improving health levels, thus favoring healthy aging.

Key words:
Healthy of the elderly; Health status; Built environment; Health Surveys

Introdução

Pesquisas de projeção populacional no Brasil apontam que o país apresenta um envelhecimento da população de forma bastante acentuada11 Bonifácio G, Guimarães R. Projeções populacionais por idade e sexo para o Brasil até 2100. Rio de Janeiro: Ipea; 2021., ao mesmo tempo, uma parte crescente desta população vive nas cidades22 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2011.,33 Health Organization (WHO). Global Age-friendly Cities: A Guide. Geneva: WHO; 2008.. Ambos os cenários impõem novos desafios no sentido de promover o envelhecimento saudável, ou seja, o processo de desenvolvimento e manutenção da capacidade funcional que possibilita o bem-estar na velhice, e que também reflete a maneira pelo qual os idosos interagem com o ambiente ao seu entorno; bem como planejar cidades com um ambiente urbano inclusivo e acessível que apoie tal processo44 World Health Organization (WHO). Decade of healthy ageing: baseline report. Geneva: WHO; 2020..

Nesse sentido, torna-se imprescindível avaliar as condições de saúde da população idosa, bem como seus determinantes e condicionantes, especialmente ao nível populacional. Assim, uma medida que tem se mostrado útil para tal fim é a percepção de saúde, um importante indicador de avaliação global da saúde55 Lima-Costa MF, Cesar CC, Chor D, Proietti FA. Self-rated Health Compared with Objectively Measured Health Status as a Tool for Mortality Risk Screening in Older Adults: 10-Year Follow-up of the Bambuí Cohort Study of Aging. Am J Epidemiol 2012; 175(3):228-235.,66 Idler EL, Benyamini Y. Self-Rated Health and Mortality: A Review of Twenty-Seven Community Studies. J Health Soc Behav 1997; 38(1):21-37.. A percepção de saúde compreende aspectos objetivos e subjetivos sob julgamento do indivíduo, dessa forma, representa, portanto, um construto multidimensional que engloba domínios relacionados ao bem-estar físico, social e mental77 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, D'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060..

Além disso, a percepção de saúde é considerada um bom preditor da morbimortalidade, utilização de serviços de saúde e do declínio funcional em idosos, evidenciando as diferenças entre subgrupos mais vulneráveis55 Lima-Costa MF, Cesar CC, Chor D, Proietti FA. Self-rated Health Compared with Objectively Measured Health Status as a Tool for Mortality Risk Screening in Older Adults: 10-Year Follow-up of the Bambuí Cohort Study of Aging. Am J Epidemiol 2012; 175(3):228-235.,66 Idler EL, Benyamini Y. Self-Rated Health and Mortality: A Review of Twenty-Seven Community Studies. J Health Soc Behav 1997; 38(1):21-37.,88 McFadden E, Luben R, Bingham S, Wareham N, Kinmonth AL, Khaw KT. Social inequalities in self-rated health by age: Cross-sectional study of 22 457 middle-aged men and women. BMC Public Health 2008; 8(1):1-8.. A percepção de saúde, ainda, é influenciada por diversos fatores, sendo os mais amplamente investigados aqueles relacionados às características individuais, tais como as condições demográficas e socioeconômicas, multimorbidades, hábitos de vida; relações estas que já estão bem estabelecidas na literatura77 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, D'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060.,99 Martin LG, Schoeni RF, Freedman VA, Andreski P. Feeling Better? Trends in General Health Status. J Gerontol Series B 2007; 62(1):S11-S21.

10 Borim FSA, Barros MBA, Neri AL. Autoavaliação da saúde em idosos: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2012; 28(4):769-780.

11 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Self-rated health and the association with social and demographic factors, health behavior, and morbidity: a national health survey. Cad Saude Publica 2013; 29(4):723-734.
-1212 Pagotto V, Bachion MM, Silveira EA. Autoavaliação da saúde por idosos brasileiros: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Publica 2013; 33(4):302-310..

Ademais, considerando as limitações dos atributos individuais para investigar fenômenos de saúde e adoecimento, torna-se necessária a compreensão das variáveis relacionadas ao ambiente construído onde as pessoas residem. Existe um número relevante de evidências que demonstram que as condições individuais de saúde, incluindo assim a percepção de saúde, apresentam uma variação conforme o local onde as pessoas residem1313 Rodrigues DE, César CC, Xavier CC, Caiaffa WT, Proietti FA. The place where you live and self-rated health in a large urban area. Cad Saude Publica 2015; 31:246-256.

14 Barnett DW, Barnett A, Nathan A, van Cauwenberg J, Cerin E. Built environmental correlates of older adults' total physical activity and walking: a systematic review and meta-analysis. Int J Behav Nutr Phys Act 2017; 14(1):1-24.

15 Cerin E, Nathan A, van Cauwenberg J, Barnett DW, Barnett A. The neighbourhood physical environment and active travel in older adults: A systematic review and meta-analysis. Int J Behav Nutr Phys Act 2017; 14(1):1-23.

16 Rachele JN, Sugiyama T, Davies S, Loh VHY, Turrell G, Carver A, Cerin E. Neighbourhood built environment and physical function among mid-to-older aged adults: A systematic review. Health Place 2019; 58.

17 Omariba DWR. Neighbourhood characteristics, individual attributes and self-rated health among older Canadians. Health Place 2010; 16(5):986-995.

18 Wen M, Hawkley LC, Cacioppo JT. Objective and perceived neighborhood environment, individual SES and psychosocial factors, and self-rated health: an analysis of older adults in Cook County, Illinois. Soc Sci Med 2006; 63(10):2575-2590.

19 Patel KV, Eschbach K, Rudkin LL, Peek MK, Markides KS. Neighborhood context and self-rated health in older Mexican Americans. Ann Epidemiol 2003; 13(9):620-628.

20 Stroope S, Cohen IFA, Tom JC, Franzen AB, Valasik MA, Markides KS. Neighborhood perception and self-rated health among Mexican American older adults. Geriatr Gerontol Int 2017; 17(12):2559-2564.
-2121 Cremonese C, Backes V, Olinto MTA, Dias-da-Costa JS, Pattussi MP. Neighborhood sociodemographic and environmental contexts and self-rated health among Brazilian adults: a multilevel study. Cad Saude Publica 2010; 26(12):2368-2378., demostrando que piores condições do ambiente construído estão associadas a piores condições e pior percepção de saúde. Por outro lado, ambientes que proporcionam locais seguros, e esteticamente agradáveis, com acesso a destinos para lazer e serviços em geral influenciam positivamente na adoção de hábitos saudáveis e, consequentemente, no estado de saúde.

Ainda, pesquisas demonstram que tais aspectos são relevantes para, além da adoção de comportamentos saudáveis, a interação social, funcionalidade e acesso a serviços, fatores estes que estão diretamente relacionados à percepção de saúde na população idosa1414 Barnett DW, Barnett A, Nathan A, van Cauwenberg J, Cerin E. Built environmental correlates of older adults' total physical activity and walking: a systematic review and meta-analysis. Int J Behav Nutr Phys Act 2017; 14(1):1-24.

15 Cerin E, Nathan A, van Cauwenberg J, Barnett DW, Barnett A. The neighbourhood physical environment and active travel in older adults: A systematic review and meta-analysis. Int J Behav Nutr Phys Act 2017; 14(1):1-23.
-1616 Rachele JN, Sugiyama T, Davies S, Loh VHY, Turrell G, Carver A, Cerin E. Neighbourhood built environment and physical function among mid-to-older aged adults: A systematic review. Health Place 2019; 58.. Contudo, grande parte dos estudos que investigaram a relação entre o ambiente construído e percepção de saúde entre idosos foi realizada em países de alta renda, sendo que os resultados apontam que quanto maior a desvantagem socioeconômica do local de residência pior a percepção do estado de saúde dos idosos, por outro lado, indivíduos que relataram haver uma maior coesão social nos seus bairros apresentaram menores chances de perceber negativamente sua saúde1717 Omariba DWR. Neighbourhood characteristics, individual attributes and self-rated health among older Canadians. Health Place 2010; 16(5):986-995.

18 Wen M, Hawkley LC, Cacioppo JT. Objective and perceived neighborhood environment, individual SES and psychosocial factors, and self-rated health: an analysis of older adults in Cook County, Illinois. Soc Sci Med 2006; 63(10):2575-2590.

19 Patel KV, Eschbach K, Rudkin LL, Peek MK, Markides KS. Neighborhood context and self-rated health in older Mexican Americans. Ann Epidemiol 2003; 13(9):620-628.
-2020 Stroope S, Cohen IFA, Tom JC, Franzen AB, Valasik MA, Markides KS. Neighborhood perception and self-rated health among Mexican American older adults. Geriatr Gerontol Int 2017; 17(12):2559-2564.. É importante destacar que tais associações ocorreram dentro de determinado contexto cultural, social e de infraestrutura física, e podem não ter o mesmo significado para países com diferentes situações econômicas. Ainda, a grande maioria dos estudos conduzidos no Brasil investigando a percepção de saúde é limitado à população adulta. Estes sugerem que residir em locais com piores condições socioeconômicas, menor densidade populacional, bem como com problemas físicos e sociais (lixo acumulado, falta de pavimentação, segurança e transporte público) se associam à pior percepção de saúde 1313 Rodrigues DE, César CC, Xavier CC, Caiaffa WT, Proietti FA. The place where you live and self-rated health in a large urban area. Cad Saude Publica 2015; 31:246-256.,2121 Cremonese C, Backes V, Olinto MTA, Dias-da-Costa JS, Pattussi MP. Neighborhood sociodemographic and environmental contexts and self-rated health among Brazilian adults: a multilevel study. Cad Saude Publica 2010; 26(12):2368-2378.

22 Höfelmann DA, Roux AVD, Antunes JLF, Peres MA. Association of perceived neighborhood problems and census tract income with poor self-rated health in adults: a multilevel approach. Cad Saude Publica 2015; 31:79-91.

23 Meireles AL, Xavier CC, Andrade ACS, Friche AAL, Proietti FA, Caiaffa WT. Autoavaliação da saúde em adultos urbanos, percepção do ambiente físico e social e relato de comorbidades: Estudo Saúde em Beagá. Cad Saude Publica 2015; 31:120-135.

24 Massa KHC, Filho ADPC. Saneamento básico e saúde autoavaliada nas capitais brasileiras: uma análise multinível. Rev Bras Epidemiol 2020; 23:1-13.
-2525 Santos SM, Werneck GL, Faerstein E, Lopes CS, Chor D. Focusing neighborhood context and self-rated health in the Pró-Saúde Study. Cad Saude Publica 2018; 34(5):e00029517., e um estudo com a população idosa demonstrou que residir em locais com marcantes desigualdades sociais foi um fator relacionado à uma pior saúde autoavaliada2626 Massa KHC, Chiavegatto Filho ADP. Income Inequality and Self-Reported Health Among Older Adults in Brazil. J Appl Gerontol 2021; 40(2):152-161..

Diante do exposto, torna-se essencial investigar se a direção e/ou magnitude das associações entre as características do ambiente construído e a percepção de saúde diferem dos países de alta renda, bem como na população idosa. Assim, o objetivo do presente estudo é analisar a prevalência de percepção positiva de saúde em idosos brasileiros e sua associação com fatores do ambiente construído nas capitais brasileiras. Este estudo baseia-se na hipótese de que idosos residentes em capitais com melhores condições do ambiente construído, representado neste estudo pelo Índice de Bem-Estar Urbano, apresentarão maiores chances de percepção positiva de saúde.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal com dados secundários provenientes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), inquérito populacional de abrangência nacional, conduzido entre 2013 e 2014 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde (MS).

A PNS foi planejada para incluir amostra representativa de adultos de 18 anos ou mais residentes em domicílios particulares do Brasil, à exceção daqueles localizados em setores censitários especiais (quartéis, bases militares, alojamentos, acampamentos, embarcações, penitenciárias, colônias penais, presídios, cadeias, asilos, orfanatos, conventos e hospitais). O objetivo da pesquisa foi produzir dados, em âmbito nacional, sobre características sociodemográficas, situação de saúde e os estilos de vida da população brasileira, e dados sobre atenção à saúde e utilização de serviços de saúde.

O processo de amostragem foi planejado de forma a se conseguir amostra representativa, com desagregação geográfica, considerando-se as macrorregiões do país, Unidades de Federação (UF) e capitais. Os dados da PNS foram coletados utilizando-se uma amostra probabilística em três estágios. No primeiro estágio as unidades primárias de amostragem (UPA) foram compostas por setores censitários ou conjunto de setores, selecionados por meio de amostragem aleatória simples, os domicílios como unidades secundárias (10 a 14 domicílios em cada UPA), e como unidades terciárias de amostragem os moradores adultos (18 anos ou mais).

A PNS-2013 contou com uma amostra de 205.546 adultos entrevistados em 60.202 domicílios, conduzida por três formulários para coleta de dados, referentes ao domicílio, aos moradores e ao indivíduo. As entrevistas foram pré-agendadas e os dados coletados em computadores de mão (Personal Digital Assistants - PDAs). No presente estudo foram utilizadas apenas as informações dos indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos (n=23.815) selecionados com equiprobabilidade entre todos os residentes adultos do domicílio, cujas informações eram provenientes dos dois últimos formulários. Maiores informações sobre a PNS 2013 constam em estudo prévio2727 Szwarcwald CL, Malta DC, Pereira CA, Vieira MLFP, Conde WL, Souza Júnior PRB, Damacena GN, Azevedo LO, Azevedo e Silva G, Theme Filha MM, Lopes CS, Romero DE, Almeida WS, Monteiro CA. Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil: concepção e metodologia de aplicação. Cien Saude Colet 2014; 19(2):333-342.,2828 Souza-Júnior PRB, Freitas MPS, Antonaci GA, Szwarcwald CL. Desenho da amostra da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(2):207-216..

Variáveis do estudo

Variável desfecho

A variável desfecho do presente estudo foi a percepção de saúde, mensurada por meio da seguinte questão: “Como o(a) Sr.(a) avalia a sua saúde?”. As categorias de resposta disponíveis eram: muito boa, boa, regular, ruim e muito ruim. Para fins de análise as respostas foram agrupadas em duas categorias, a partir da original, percepção positiva de saúde (muito boa e boa) e percepção negativa de saúde (regular, ruim e muito ruim) (categoria de referência).

Variável de exposição principal

Para analisar as características do ambiente construído foi utilizado o Índice de Bem-Estar Urbano Municipal (IBEU)2828 Souza-Júnior PRB, Freitas MPS, Antonaci GA, Szwarcwald CL. Desenho da amostra da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(2):207-216., o qual foi calculado para todos os municípios brasileiros utilizando informações do Censo Demográfico de 2010. O IBEU tem como objetivo avaliar a dimensão urbana do bem-estar usufruído pelos cidadãos quanto aos serviços sociais prestados pelo Estado, relacionando com as condições coletivas de vida na cidade promovidas pelo ambiente construído, nas escalas da habitação e da vizinhança próxima e pelos equipamentos e serviços urbanos.

O IBEU-Municipal foi composto por cinco dimensões: Mobilidade Urbana (D1), Condições Ambientais Urbanas (D2), Condições Habitacionais Urbanas (D3), Atendimento de Serviços Coletivos Urbanos (D4) e Infraestrutura Urbana (D5). Todas essas dimensões foram definidas considerando as propriedades necessárias do espaço urbano que podem possibilitar condições coletivas de vida para seus habitantes, tendo em comum a possibilidade de serem compreendidas a partir das condições urbanas que favorecem maior ou menor bem-estar para seus residentes2929 Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU). Observatório das Metrópoles. IBEU Municipal: Índice de Bem-Estar Urbano dos municípios brasileiros [Internet]. 2016 [acessado 2022 nov 12]. Disponível em: https://ibeu.observatoriodasmetropoles.net.br/ibeu-municipal/.
https://ibeu.observatoriodasmetropoles.n...
. O Quadro 1 apresenta a descrição dos indicadores que compõe cada uma das dimensões.

Quadro 1
Definição das dimensões e variáveis do Índice de Bem-estar Urbano (IBEU).

Para construção do IBEU, considerou-se que cada uma das dimensões teria o mesmo peso, sendo consideradas de igual importância para a garantia do bem-estar urbano. Contudo, a composição de cada uma das dimensões obedeceu a quantidade e a características dos indicadores a elas pertencentes. Por fim, os valores de cada um dos indicadores foram padronizados e definidos no intervalo entre zero e um, sendo que para todos eles, quanto mais próximo de um, melhor sua condição. Para maiores informações, os dados do IBEU estão disponíveis na página de Internet do Observatório das Metrópoles2929 Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU). Observatório das Metrópoles. IBEU Municipal: Índice de Bem-Estar Urbano dos municípios brasileiros [Internet]. 2016 [acessado 2022 nov 12]. Disponível em: https://ibeu.observatoriodasmetropoles.net.br/ibeu-municipal/.
https://ibeu.observatoriodasmetropoles.n...
. Para fins de análise estatística no presente estudo, tanto o IBEU como as suas dimensões foram categorizados em tercis.

Variáveis de ajuste do nível individual

As variáveis de ajuste individual incluídas foram: sexo (masculino/feminino), faixa-etária (60-69 anos, 70-79 e 80 anos ou mais); escolaridade (sem instrução e fundamental incompleto; fundamental completo e médio incompleto; médio completo e superior incompleto e superior completo); cor da pele (branca; preta ou parda), na categorização desta variável foram excluídas as categorias amarelos e indígenas pois representavam menos que 1,5% da amostra; vive com cônjuge ou companheiro(a) (sim e não); prática de atividade física no lazer, sendo que foram classificados como ativos no lazer aqueles participantes que relataram praticar pelo menos 150 minutos por semana de atividades físicas no lazer de acordo com critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto ao tempo semanal gasto3030 World Health Organization (WHO). Guidelines on physical activity and sedentary behaviour. Geneva: WHO; 2020..

A multimorbidade foi avaliada pelo corte de ≥2 doenças, utilizando-se uma lista de morbidades disponíveis na PNS, e foram investigadas por meio do diagnóstico médico autorreferido. A pergunta aplicada para mensurar cada doença com base no diagnóstico médico autorrelatado foi: “Algum médico já o diagnosticou como tendo (cada doença)?”. No presente estudo foram incluídas as seguintes doenças: hipertensão arterial (HAS), diabetes, colesterol alto, doenças cardíacas, acidente vascular encefálico (AVE), asma, artrite ou reumatismo, problemas crônicos de coluna, depressão, doenças mentais (esquizofrenia, transtorno bipolar ou transtorno compulsivo-obsessivo), doenças no pulmão (bronquite crônica, enfisema ou doença pulmonar obstrutiva crônica), câncer, insuficiência renal crônica e doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORT).

Análise Estatística

As variáveis do ambiente construído referentes às capitais brasileiras e as individuais foram combinadas em um único banco de dados. Os dados resultantes compuseram uma estrutura em dois níveis: individuais (nível 1) e capitais (nível 2).

Os dados foram analisados no programa estatístico STATA SE 14 e todas as análises levaram em consideração o efeito de delineamento e os pesos amostrais resultantes da amostragem complexa. Inicialmente, a amostra foi descrita por meio de estatística descritiva por meio de frequências absolutas e relativas com intervalos de confiança de 95% (IC95%) para variáveis categóricas.

A associação entre o ambiente construído e a percepção de saúde foi analisada por meio da construção de modelos de Regressão Logística Multinível, com o primeiro nível representado pelos indivíduos e o segundo nível pelas capitais brasileiras.

Esta abordagem foi escolhida para representar a estrutura em dois níveis dos dados, e pelo fato de a modelagem multinível com interceptos randômicos considerar esse efeito de cluster. Inicialmente, o efeito do nível 2 (capitais) sobre os desfechos foi determinado calculando-se o Coeficiente de Partição de Variância (VPC), definido como a razão entre a variabilidade entre as capitais dividida pelo somatório da variabilidade entre as capitais e dentro das capitais. No modelo logístico, assume-se que a variância do primeiro nível é constante e igual a π2 /3=3,293131 Rodríguez G, Elo I. Intra-class correlation in random-effects models for binary data. Stata J 2003; 3(1):32-46.. Para isto, em primeiro lugar foi testado um modelo nulo (com intercepção, mas sem as variáveis exploratórias), para estimar a proporção do total da variância da percepção de saúde atribuída às diferenças entre as capitais (nível 2).

Após esta etapa, foram elaborados modelos multiníveis com efeitos mistos, separados para cada variável do ambiente construído (IBEU e cada uma de suas dimensões). O modelo 1 correspondeu à análise bruta, onde foi testada a associação do desfecho com cada uma das variáveis contextuais.

A análise multivariada foi realizada por meio de dois modelos. Inicialmente, a associação entre o desfecho e cada variável do ambiente construído foi ajustada por sexo, faixa-etária, cor de pele, situação conjugal e escolaridade (modelo 2); e em seguida, foram incluídas no modelo a atividade física e a multimorbidade (modelo 3).

Para todas as análises foram adotados Intervalos de Confiança (IC) de 95% e foram considerados estatisticamente significantes valores de p<0,05.

Resultados

A amostra analítica do presente estudo totalizou 4.643 idosos das 26 capitais brasileiras e do Distrito Federal, com uma variação de 50 a 537 indivíduos em cada capital. A prevalência geral de percepção positiva de saúde entre os idosos foi de 51,5% (IC95%: 50,0-52,9). As capitais onde os idosos relataram melhores percepções de saúde foram Florianópolis, Vitória e Belo Horizonte, com prevalências de 67,7%, 67,2% e 61,9%, respectivamente (p<0,001) (dados não apresentados em tabelas).

Quanto às características da amostra, estas são apresentadas na Tabela 1, considerando-se as ponderações amostrais. A média de idade dos indivíduos foi de 70 anos (±8 anos) dos quais 60,2% eram do sexo feminino. Além disso, houve predominância de idosos que referiram cor da pele branca (59,8%) e mais de metade dos indivíduos relataram viver com companheiro. Em relação à escolaridade, mais da metade dos indivíduos não tinham instrução ou possuíam nível fundamental incompleto, por outro lado, a proporção de idosos com curso superior completo foi de aproximadamente 18%. Ainda, observou-se que mais de 80% dos idosos foram classificados como inativos no lazer e 48,8% apresentaram multimorbidade.

Tabela 1
Características sociodemográficas, condições de saúde e hábitos de vida dos idosos, bem como a prevalência de percepção positiva de saúde segundo variáveis individuais, entre idosos residentes das capitais brasileiras. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013 (n=4.643).

A prevalência de percepção positiva de saúde segundo as características individuais é apresentada na Tabela 1. Observou-se que este desfecho foi mais prevalente nos idosos do sexo masculino, com idade entre 60-69 anos, de cor da pele branca, que possuíam ensino superior completo, naqueles classificados como ativos fisicamente e nos que apresentaram menos de duas doenças crônicas.

Quanto às características do ambiente construído, representadas pelo IBEU, por capitais brasileiras, observou-se que as capitais com melhores indicadores do ambiente construído foram Vitória (IBEU=0,90), Goiânia (IBEU=0,87) e Curitiba (IBEU=0,87) (Figura 1).

Figura 1
Índice de Bem-Estar Urbano segundo as capitais das Unidades da Federação do Brasil.

A Tabela 2 apresenta os resultados das prevalências de percepção positiva de saúde conforme o ambiente construído representado pelo IBEU e suas dimensões. Verificou-se maiores prevalências do desfecho conforme maiores tercis do IBEU, bem como de suas dimensões de condições ambientais, condições habitacionais, serviços coletivos urbanos e de infraestrutura urbana.

Tabela 2
Prevalência de percepção positiva de saúde segundo variáveis do ambiente construído entre idosos residentes das capitais brasileiras. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013 (n=4.643).

Quanto à associação entre a percepção positiva de saúde e o ambiente construído, tais resultados são demostrados na Tabela 3. A variabilidade significativa na percepção positiva de saúde foi encontrada entre as capitais no modelo 1 (modelo nulo), de forma que a variação explicada pela diferença entre as capitais brasileiras para o desfecho foi de 4,0% (ICC=0,039, p<0,001). Nos modelos multinível 2 e 3, realizados com ajuste para as variáveis individuais, observou-se que em ambos, com exceção da mobilidade urbana, todas as demais variáveis contextuais associaram-se ao desfecho.

Tabela 3
Associação entre características do ambiente construído com a percepção positiva de saúde entre idosos residentes das capitais brasileiras. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013 (n=4.643).

Assim, considerando o Modelo 3, constatou-se que a percepção positiva de saúde foi associada ao Índice de Bem-Estar Urbano e com as suas dimensões, exceto com a mobilidade urbana. Idosos residentes em capitais com maiores tercis do IBEU (segundo e terceiro tercil) apresentaram chances 42% e 78% maior, respectivamente, de relatarem boa percepção de saúde (OR: 1,42, IC95%: 1,08-1,86; OR: 1,78, IC95%: 1,40-2,33).

Quanto às associações entre percepção positiva de saúde e as dimensões do IBEU, observou-se que idosos que residiam em capitais com maior tercil de condições ambientais e habitacionais urbanas tiveram chances aproximadamente 50% maiores de perceber positivamente sua saúde. Em relação à dimensão de serviços coletivos, tanto o tercil intermediário quanto o tercil mais elevado associaram-se positivamente ao desfecho (OR: 1,42, IC95%: 1,09-1,87; OR: 1,72, IC95%: 1,30-2,27). E por fim, a chance de relatar boa percepção de saúde foi 56% maior naqueles idosos residentes em capitais com maior tercil de infraestrutura urbana (Tabela 3).

Discussão

Os resultados encontrados no presente estudo suportam a hipótese de que as características do ambiente construído estão associadas com a percepção de saúde em idosos residentes das capitais brasileiras. De modo geral, maiores tercis do Índice de Bem-Estar Urbano, bem como de suas dimensões de Condições Ambientais, Condições Habitacionais, Serviços Coletivos e de Infraestrutura Urbana estiveram associados a maiores chances de percepção positiva de saúde.

Mais da metade dos idosos deste estudo relataram percepção positiva de sua saúde. Esses achados são consistentes com estudos prévios, os quais demonstraram prevalência entre 50,4% e 53,1% ao investigarem idosos residentes em municípios das regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil77 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, D'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060.,3232 Silva RJS, Smith-Menezes A, Tribess S, Rómo-Perez V, Virtuoso Júnior JS. Prevalência e fatores associados à percepção negativa da saúde em pessoas idosas no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2012; 15(1):49-62.,3333 Barbosa FDS, Morais DB, Júnior GSM, Santos CKA, Sampaio RAC, Santos Silva, RJ. Associated factors with negative health perception and quality of life of Brazilian older adults. Motricidade 2020; 16(S1):144-155..

Contudo, em duas pesquisas, uma realizada em Campinas-SP e outra na cidade do Rio de Janeiro-RJ, os autores encontraram uma prevalência maior de percepção positiva de saúde entre os indivíduos de 60 anos ou mais (80,9% e 83%, respectivamente)1010 Borim FSA, Barros MBA, Neri AL. Autoavaliação da saúde em idosos: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2012; 28(4):769-780.,2525 Santos SM, Werneck GL, Faerstein E, Lopes CS, Chor D. Focusing neighborhood context and self-rated health in the Pró-Saúde Study. Cad Saude Publica 2018; 34(5):e00029517.. Tal divergência entre as prevalências pode ser explicada devido à forma de avaliar, bem como de categorizar a percepção de saúde.

Os resultados da presente pesquisa evidenciaram que idosos residentes em locais com melhores condições ambientais urbanas, caracterizadas por maior arborização e menor esgoto ou lixo acumulados nos entornos de seus domicílios, apresentaram maior chance de referir percepção positiva de saúde comparados com idosos que residiam em capitais com piores condições destes indicadores. Tais achados corroboram com um estudo de coorte britânico que acompanhou 6.500 pessoas com idade entre 45 e 68 anos ao longo de 10 anos, o qual revelou que viver perto de espaços verdes tem potencial para aumentar a atividade física, reduzir a ansiedade autorrelatada, bem como mitigar ruídos e a poluição do ar, fatores estes que influenciam diretamente na percepção de saúde3434 de Keijzer C, Tonne C, Basagaña X, Valentín A, Singh-Manoux A, Alonso J, Antó JM, Nieuwenhuijsen MJ, Sunyer J, Dadvand P. Residential surrounding greenness and cognitive decline: A 10-year follow-up of the whitehall II cohort. Environ Health Perspect 2018; 126:7..

Além disso, estudos conduzidos no Brasil demonstraram que idosos referem maior tendência à interação social e comunitária em ambientes arborizados3535 Roppa C, Falkenberg JR, Stangerlin DM, König Brun FG, Brun EJ, Longhi, SJ. Diagnóstico da percepção dos moradores sobre a arborização urbana na Vila Estação Colônia - bairro Camobi, Santa Maria - RS. Rev Soc Bras Arbor Urbana 2019; 2(2):11. e com menor densidade urbana3636 Gonçalves Lourenço JDS. Percepção da população sobre a arborização da cidade de São João Del-Rei, Minas Gerais. Rev Soc Bras Arbor Urbana 2017; 12(2):62.. Dessa forma, o idoso sente-se estimulado a socialização ao mesmo tempo em que tende a ser mais fisicamente ativo, e a literatura evidencia que ambos os fatores estão associados à melhor percepção de saúde77 Confortin SC, Giehl MWC, Antes DL, Schneider IJC, D'Orsi E. Autopercepção positiva de saúde em idosos: estudo populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(5):1049-1060.,3333 Barbosa FDS, Morais DB, Júnior GSM, Santos CKA, Sampaio RAC, Santos Silva, RJ. Associated factors with negative health perception and quality of life of Brazilian older adults. Motricidade 2020; 16(S1):144-155.,3737 Czaja SJ, Moxley JH, Rogers WA. Social Support, Isolation, Loneliness, and Health Among Older Adults in the PRISM Randomized Controlled Trial. Front Psychol 2021; 12:728658.. Ainda, estudo transversal inglês, com 999 idosos com 65 anos ou mais, mostrou associação positiva entre boa avaliação de saúde com estrutura urbana, caracterizada pela presença de locais para lazer, disponibilidade de transporte público e locais agradáveis para caminhar. Salienta-se que tanto o desfecho quanto a exposição foram mensurados por meio da percepção individual3838 Bowling A, Barber J, Morris R, Ebrahim S. Do perceptions of neighbourhood environment influence health? Baseline findings from a British survey of aging. J Epidemiol Community Health 2017; 60(6):476-483..

Pesquisas também apontam que as condições habitacionais têm uma grande influência nos níveis de saúde bem como na percepção de saúde dos indivíduos3939 Amián JG, Alarcón D, Fernández-Portero C, Sánchez-Medina JA. Aging Living at Home: Residential Satisfaction among Active Older Adults Based on the Perceived Home Model. Int J Environ Res 2021; 18(17):8959.,4040 Chen Y, Cui PY, Pan YY, Li YX, Waili N, Li Y. Association between housing environment and depressive symptoms among older people: a multidimensional assessment. BMC Geriatr 2021; 21(1):1-10.. Associação esta que também foi demonstrada no presente estudo, onde idosos com melhores condições habitacionais, representada por indicadores como densidade domiciliar, número de banheiros por residente e o material em que é construído o domicílio, apresentaram maiores chances de referirem melhor percepção de saúde.

Nesta mesma perspectiva, a maioria dos idosos prefere envelhecer em suas residências e manter o máximo de independência possível. Bem como, representa a parcela da população que despende mais tempo no seu domicílio. Assim, residir em residências com condições adequadas pode influenciar positivamente a saúde, o bem-estar e autonomia destes indivíduos, o que reflete em melhor percepção de sua própria saúde.

Igualmente, é evidenciado na literatura o reflexo que serviços públicos coletivos como tratamento de água, esgoto e coleta de lixo exercem diretamente na saúde da população, principalmente no que concerne às doenças infecciosas e parasitárias, afetando desta forma a percepção de saúde de indivíduos que residem em locais que não dispõem de tais serviços essenciais2424 Massa KHC, Filho ADPC. Saneamento básico e saúde autoavaliada nas capitais brasileiras: uma análise multinível. Rev Bras Epidemiol 2020; 23:1-13.,4141 Razzolini MTP, Günther WMR. Impactos na saúde das deficiências de acesso a água. Saude Soc 2008; 17(1):21-32.. Fato evidenciado pela presente pesquisa, a qual demonstrou que idosos moradores de capitais com bons indicadores de provimento dos serviços acima mencionados apresentaram maior chance de relatarem melhor percepção de sua saúde.

Ainda, este achado vai de encontro ao estudo realizado com a população adulta das 27 capitais brasileiras, o qual evidenciou que maiores níveis de cobertura de serviços de rede de esgoto, abastecimento de água e coleta de lixo foram associados à menor probabilidade de autoavaliação negativa de saúde2424 Massa KHC, Filho ADPC. Saneamento básico e saúde autoavaliada nas capitais brasileiras: uma análise multinível. Rev Bras Epidemiol 2020; 23:1-13.. A precariedade do acesso à água e saneamento se associa a cenários de extrema pobreza e, consequentemente, de desigualdade social. Tal situação de risco está relacionada ao aumento da incidência de doenças infecciosas agudas e da prevalência de doenças crônicas4141 Razzolini MTP, Günther WMR. Impactos na saúde das deficiências de acesso a água. Saude Soc 2008; 17(1):21-32..

Em relação à infraestrutura urbana das capitais, composta por indicadores de iluminação pública, calçadas, meio-fio e rampas, observou-se que melhores condições destes fatores foram associadas a maiores chances de percepção positiva de saúde por parte dos idosos. Corroborando tal achado, estudos apontam que a saúde física e mental, a integração social, assim como a melhor qualidade de vida e de percepção de saúde dos idosos está intimamente relacionada a sua mobilidade ativa. Como tal comportamento ocorre em ambientes externos, este fato reforça a importância de ambientes urbanos que oferecem segurança e boa infraestrutura para pedestres, tais como calçadas e iluminação pública das ruas, pois estes estão diretamente relacionados a mobilidade ativa por parte da população idosa, e assim a melhores condições de saúde1414 Barnett DW, Barnett A, Nathan A, van Cauwenberg J, Cerin E. Built environmental correlates of older adults' total physical activity and walking: a systematic review and meta-analysis. Int J Behav Nutr Phys Act 2017; 14(1):1-24.

15 Cerin E, Nathan A, van Cauwenberg J, Barnett DW, Barnett A. The neighbourhood physical environment and active travel in older adults: A systematic review and meta-analysis. Int J Behav Nutr Phys Act 2017; 14(1):1-23.
-1616 Rachele JN, Sugiyama T, Davies S, Loh VHY, Turrell G, Carver A, Cerin E. Neighbourhood built environment and physical function among mid-to-older aged adults: A systematic review. Health Place 2019; 58.,4242 Ferreira FR, César CC, Camargos VP, Lima-Costa MF, Proietti FA. Aging and Urbanization: The Neighborhood Perception and Functional Performance of Elderly Persons in Belo Horizonte Metropolitan Area-Brazil. J Urban Health 2009; 87(1):54-66.

43 Balfour JL, Kaplan GJ. Neighborhood environment and loss of physical function in older adults: evidence from the Alameda County Study. Am J Epidemiol 2002; 155(6):507-515.
-4444 van Cauwenberg J, Nathan A, Barnett A, Barnett DW, Cerin E. Relationships Between Neighbourhood Physical Environmental Attributes and Older Adults' Leisure-Time Physical Activity: A Systematic Review and Meta-Analysis. Sports Med 2018; 48(7):1635-1660..

Este estudo é um dos primeiros realizados no Brasil que investigou a associação entre percepção de saúde e ambiente construído na população idosa, mostrando associações significativas entre esses fatores. Esses resultados são importantes por vários motivos: os idosos representam a faixa etária que mais cresce, principalmente em países de renda média como o Brasil, e tendem a apresentar pior percepção de saúde em comparação aos mais jovens. Ainda, essa população-alvo é mais suscetível a barreiras ou infraestrutura do ambiente construído devido ao declínio funcional e de mobilidade, bem como à redução de suas redes sociais.

Diante disso, estes achados a respeito da influência das caraterísticas do ambiente construído na percepção de saúde da população idosa das capitais brasileiras contribuem para ampliar o conhecimento científico na área dos determinantes e condicionantes ambientais da saúde.

Algumas limitações devem ser consideradas na interpretação dos resultados deste estudo. Em primeiro lugar, a utilização de um desenho transversal limita a identificação de um nexo de causalidade entre as variáveis do ambiente construído e a percepção de saúde, mas indica a magnitude das associações, podendo trazer novas abordagens para o desenvolvimento da área de estudo. Em segundo lugar, o uso de medidas autorreferidas pode superestimar a prevalência do desfecho. Além disso, a amostra utilizada é representativa da população idosa residente nas 27 capitais brasileiras, não possibilitando a interpretação dos resultados para as outras áreas do país. Ainda, neste estudo, a variância total da percepção de saúde individual não foi substancialmente explicada pelo nível contextual das capitais, mas ressalta-se que houve associação estatisticamente significativa entre as características do ambiente construído e a percepção de saúde, mesmo após considerar características individuais.

Conclusão

Os resultados demonstraram que melhores condições do ambiente construído, representada por maiores tercis do Índice de Bem-Estar Urbano, bem como de suas dimensões de Infraestrutura Urbana, Condições Ambientais e Habitacionais Urbanas e Serviços Coletivos Urbanos estão associados à maiores chances de percepção positiva de saúde entre os idosos residentes nas capitais brasileiras, corroborando a hipótese de que o ambiente influencia a saúde individual.

A percepção de saúde é um indicador amplamente utilizado para avaliar o estado geral de saúde, em especial da população idosa, pois é capaz de predizer condições físicas como a morbimortalidade e o declínio funcional, bem como a saúde mental e o bem-estar. Para melhorar as condições de saúde da população idosa brasileira é necessário que o ambiente construído das cidades seja otimizado, por meio da ampliação da disponibilidade de locais apropriados para mobilidade ativa, prática de atividade física e demais atividades de lazer, oferta de serviços urbanos, tais como coleta de lixo e saneamento a fim de promover hábitos saudáveis e reduzir o risco de doenças e agravos comuns a esta população.

Assim, faz-se necessário integrar as políticas de saúde ao planejamento urbano. Resultante de tal integração, os benefícios potenciais relacionados à melhoria do ambiente construído abrangem melhores condições de saúde e consequentemente percepção positiva de saúde por parte da população idosa.

Agradecimentos

MC Antunes agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - Brasil) pela bolsa recebida através do Programa Institucional de Iniciação Científica e Tecnológica da UFSC (PIICT) (Edital PROPESQ 01/2022).

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Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Nov 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2022
  • Aceito
    30 Maio 2023
  • Publicado
    02 Jun 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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