A estratégia de resposta da Nova Zelândia à COVID-19: lições aprendidas

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar as características do sistema de saúde e de vigilância e as medidas adotadas no enfrentamento à pandemia de COVID-19 na Nova Zelândia entre março de 2020 e dezembro de 2021. Revisão integrativa de literatura em que foram incluídos 29 artigos, além da consulta aos sites da OMS, do Banco Mundial e Our World in Data sobre a situação sociodemográfica e econômica do país, bem como testes, óbitos, vacinas e casos novos. Os dados foram importados em formato CSV, e os gráficos, elaborados no software RStudio. As evidências apontam que a Nova Zelândia pode ser considerada um caso de sucesso na resposta à pandemia de COVID-19, sendo um dos países com menor número de óbitos pela doença no mundo. Esse sucesso foi resultado de uma organização do sistema de saúde com rápida ação interna, elevada capacidade de testagem, rastreamento dos contatos, sem chegar ao colapso do sistema de saúde em 2020 e 2021. Apontou também que a população aderiu às condições de confinamento e seguiu as recomendações das autoridades, ainda que com baixa participação da comunidade nas decisões de governo. Há lições importantes que podem ser recomendadas e úteis para uma potencial nova epidemia com vírus desconhecido ou pandemias semelhantes.

Palavras-chave:
COVID-19; Nova Zelândia; Epidemia

Abstract

This study analyzed the characteristics of the health system, surveillance system, and the measures adopted to face the COVID-19 pandemic in New Zealand between March 2020 and December 2021. 29 fully read articles from an integrative literature review were included, and the websites of the WHO, the World Bank, the “Stringency Index” of “ourworldindata” were consulted to collect data on the socio-demographic situation, economic indicators of the country, as well as tests, deaths, vaccines and new cases. The data were imported in CSV format and the graphs elaborated in RStudio software. The evidence points out that New Zealand can be considered a success story regarding the nationwide response to the COVID-19 pandemic, it being one of the countries with the lowest number of deaths from the disease in the world. This success was the result of a health system organization with fast internal action, high testing capacity, and contact tracing, without causing the collapse of the health system. In turn, it also pointed out that the population adhered to the confinement conditions, and faithfully followed the authorities’ instructions, even with low community participation in government decisions. Important lessons can be learnt leading to useful recommendations for a potential new epidemic with an unknown virus or similar.

Key words:
COVID-19; New Zealand; Epidemic

Introdução

O mundo enfrentou uma pandemia de um novo coronavírus descoberto em dezembro de 2019 na província de Wuhan, na China, causando a doença COVID-19¹. Em março de 2020, a OMS declarou emergência mundial em saúde pública, gerando um conjunto de medidas para contenção da propagação do vírus que variou de uso obrigatório de máscaras e isolamento social a fechamento completo de serviços e fronteiras, com base em evidencias de epidemias anteriores^1-6. Alguns países se destacaram pela postura mais severa, mantendo apenas o funcionamento de serviços essenciais por alguns períodos, entre eles Vietnã, Taiwan, Coréia do Sul, China e Nova Zelândia^7-9. Estudos têm buscado identificar a efetividade das medidas de contenção-mitigação-supressão do vírus, evidenciando que o fechamento de serviços e escolas e a permanência em casa foram eficazes na redução da transmissão de SARS -CoV-2, em que pese os prejuízos causados para a economia e a saúde em geral^10,11.

A Nova Zelândia adotou no início da pandemia em 2020 a estratégia de supressão do vírus chamada “COVID zero”, buscando zerar a transmissão comunitária no país com a implementação de uma série de medidas que variaram de níveis 1 a 4¹². Quanto mais elevado o nível, mais severo e completo o fechamento de fronteiras e serviços não essenciais¹². Contudo, a partir de setembro de 2021, o país passou a adotar uma política de convivência e controle do vírus, visto que a eliminação se tornou insustentável, investindo em ações de controle, com incentivo à vacinação, acompanhamento de contatos e testagem inclusive de assintomáticos¹³.

Em todo o período da pandemia, que tirou a vida de quase 6 milhões de pessoas em todo o mundo entre março de 2020 e julho de 2022, a Nova Zelândia registrou cerca de 1.628 óbitos, e pouco mais um 1,4 milhão de infecções por COVID-19. É importante ressaltar que, até dezembro de 2021, período de análise desse estudo, foram registrados 51 óbitos no país e 420 mil casos da doença¹⁴. Diante da gravidade da pandemia e da magnitude dos dados no mundo, analisar a experiência da Nova Zelândia na resposta à pandemia nos anos de 2020 e 2021 pode auxiliar na compreensão sobre como as medidas adotadas interferiram no curso da pandemia, tendo em vista o inicial controle com estratégia de “COVID zero” e o posterior relaxamento das medidas.

Em função do que foi exposto, este estudo busca responder como a Nova Zelândia se tornou um caso de sucesso no controle da COVID-19 e qual a contribuição de seu sistema de saúde e se seria de seu modelo de vigilância para esse desempenho. O objetivo foi analisar as características dos sistemas de saúde e vigilância e as medidas adotadas no enfrentamento à pandemia de COVID-19 na Nova Zelândia.

Metodologia

Foi realizado estudo de caso mediante revisão integrativa de literatura tomando como objeto a resposta da Nova Zelândia à pandemia de COVID-19¹⁵. Para a identificação de estudos, foram consultadas bases a partir do Portal de Periódicos da Capes (https://www.periodicos.capes.gov.br/): PubMed Central, Science Direct, Web of Science, e Scopus. As buscas foram feitas por título, resumo e palavras-chave, utilizando os descritores “health system”, “surveillance” e “national response”, associados aos termos “COVID-19” e ao nome do país em inglês, no caso “New Zealand”. O período de inclusão das publicações foi de março de 2020 a dezembro de 2021, abarcando o maior número de textos que retratassem as características do sistema de saúde da Nova Zelândia e a resposta à COVID-19, com destaque para as estratégias de vigilância e controle adotadas pelo país.

Foram localizados 92 artigos, que passaram por um processo de identificação e remoção de duplicatas, além de seleção duplo cego, por meio do Rayyan, com duas pesquisadoras, restando 34 artigos que foram lidos na íntegra. Destes, foram excluídos aqueles que não tratavam da resposta do sistema de saúde da Nova Zelândia, editoriais de periódicos e artigos de opinião. Ao final, foram incluídos 29 artigos, listados no Quadro 1. Cada um dos estudos contribuiu c com uma ou mais das cinco categorias ou dimensões analisadas (características do país, do governo e do sistema de saúde; evolução da epidemia; medidas adotadas; governança e adesão da população e assistência à saúde).

Também foram consultados os sites da OMS (https://covid-19.who.int/table) e do governo da Nova Zelândia (https://www.health.govt.nz/covid-19). E para coleta de dados sobre a situação sociodemográfica e indicadores econômicos do país, o site https://www.nz.gov. As informações referentes a óbitos, vacinas, casos novos e Stringecy Index foram extraídos de https://ourworldindata.org/. Os dados foram importados em formato CSV e os gráficos foram elaborados no software RStudio, com as medidas sendo incluídas no gráfico por meio do PowerPoint.

Este estudo foi desenvolvido no âmbito de um projeto de pesquisa intitulado “Análise comparada de sistemas de saúde na resposta à COVID-19”, viabilizado por meio de edital do CNPq, chamada MCTIC/CNPq/FNDCT/MS/SCTIE/DECIT número 07/2020, processo CNPq 401744/2020-5. Insere-se em um projeto mais amplo denominado “Análise de modelos e estratégias de vigilância em saúde da pandemia da COVID-19 (2020-2022)”.

Resultados e discussão

A partir de documentos e dos artigos selecionados (Quadro 1) foi possível caracterizar a situação do país quanto ao sistema de saúde e ao processo de organização das ações de enfrentamento à COVID-19 em cinco dimensões: (1) as características do país, do governo e do sistema de saúde; (2) evolução da epidemia; (3) medidas adotadas em resposta à pandemia de COVID-19; (4) governança e adesão da população; e (5) assistência à saúde.

Quadro 1
Artigos selecionados sobre a resposta estatal da Nova Zelândia à COVID-19, março de 2020 a dezembro de 2021 (n = 29).

Autores	Título	Periódico, ano, volume, número e páginas
Fouda et al. 17	The COVID-19 pandemic in Greece, Iceland, New Zealand, and Singapore: health policies and lessons learned.	Health Policy and Technology 2020; 9(4):510-524.
Sharma et al. 28	Social determinants of health influencing the New Zealand COVID-19 response and recovery: a scoping review and causal loop diagram.	Systems 2021; 9(3):52.
Sokołowski29	Regulation in the COVID-19 pandemic and post-pandemic times: day-watchman tackling the novel coronavirus.	Transforming Government: People, Process and Policy 2020; 15(2):206-218.
Collins et al. 31	Rethinking the COVID-19 pandemic: back to public health.	Annals of Global Health 2020; 86(1):133
Chaple e Lekakis32	La pandemia de COVID-19, estudio de casos: Australia, Nueva Zelandia y Cuba.	Revista Habanera de Ciencias Médicas2020; 19(6):e3657.
Parag et al. 33	Deciphering early-warning signals of SARS-CoV-2 elimination and resurgence from limited data at multiple scales.	Journal of the Royal Society Interface 2021; 18(185):20210569.
Mazey e Richardson34	Lesson-Drawing from New Zealand and Covid-19: The Need for Anticipatory Policy Making	Political Quarterly 2020; 91(3):561-570.
Douglas et al. 35	Phylodynamics reveals the role of human travel and contact tracing in controlling the first wave of COVID-19 in four island nations.	Virus Evolution 2021; 7(2):veab052.
Smith et al. 36	Inequities and perspectives from the COVID-Delta outbreak: The imperative for strengthening the Pacific nursing workforce in Aotearoa New Zealand.	Nursing Praxis in Aotearoa New Zealand 2021; 37(3):94-103.
Sakib et al. 38	Considerations for an individual-level population notification system for pandemic response: a review and prototype.	Journal of medical Internet research 2020; 22(6):19930.
Baker et al. 39	New Zealand’s COVID-19 elimination strategy.	Medical Journal of Australia 202; 213(5):198-200.
Steyn et al. 40	Managing the risk of a COVID-19 outbreak from border arrivals.	Journal of the Royal Society Interface 2021; 18(177):2021006.
Desforges et al. 41	Uncertainty around the long-term implications of COVID-19.	Pathogens 2021; 10(10):1010-1267.
Huang et al. 42	Impact of the COVID-19 nonpharmaceutical interventions on influenza and other respiratory viral infections in New Zealand	Nature Communications 2021; 12(1):1-7.
Lee et al. 43	Should countries aim for elimination in the covid-19 pandemic?	BMJ 2020; 370:m3410.
Wilson et al. 44	Navigating the health system during COVID-19: primary care perspectives on delayed patient care.	New Zealand Medical Journal 2021; 134(1546):17-27.
Cook e Gray45	Official statistics in the search for solutions for living with COVID-19 and its consequences.	Statistical Journal of the IAOS 2020; 36(2):253-278.
Deckert et al. 47	‘Safer communities… together’? Plural policing and COVID-19 public health interventions in Aotearoa New Zealand.	Policing and Society 2021; 31(5):621-637.
Chen e Assefa48	The heterogeneity of the COVID-19 pandemic and national responses: an explanatory mixed-methods study.	BMC Public Health 2021; 21(1):835.
Dada et al. 49	Words matter: political and gender analysis of speeches made by heads of government during the COVID-19 pandemic.	BMJ Global Health 2021; 6(1):003910.
Han et al. 52	Lessons learnt from easing COVID-19 restrictions: an analysis of countries and regions in Asia Pacific and Europe.	The Lancet 2020; 396(10261):1525-1534.
Berger53	Encounters with uncertainty and complexity: Reflecting on infection prevention and control nursing in Aotearoa during the COVID-19 pandemic.	Nursing Praxis in Aotearoa New Zealand 2021; 37(3):15-19.
Panda et al. 54	Redeployment of health care workers in the COVID-19 pandemic: a qualitative study of health system leaders’ strategies.	Journal of Patient Safety 2021; 17(4):256-263.
Toh et al. 55	COVID‐19 response by New Zealand general surgical departments in tertiary metropolitan hospitals.	ANZ Journal of Surgery 2021; 91(7-8):1352-1357
Duncanson et al. 56	Delayed access to care and late presentations in children during the COVID‐19 pandemic New Zealand‐wide lockdown: a New Zealand Paediatric Surveillance Unit study.	Journal of Paediatrics and Child Health 2021; 57(10):1600-1604.
Imlach et al. 57	Seeking healthcare during lockdown: challenges, opportunities and lessons for the future.	International Journal of Health Policy and Management 2021; 11(8):1316-1324.
Nixon et al. 58	Exploring the response to the COVID-19 pandemic at the rural hospital-base hospital interface: experiences of New Zealand rural hospital doctors.	The New Zealand Medical Journal 2021; 134(1545):11-21.
McBride et al. 59	Using REACH, a new modelling and forecasting tool, to understand the delay and backlog effects of COVID-19 on New Zealand’s health system.	The New Zealand Medical Journal 2021; 134(1544): 159-168
Gonzenbach et al. 60	Impact of nonpharmaceutical interventions on ICU admissions during lockdown for coronavirus disease 2019 in New Zealand: a retrospective cohort study.	Critical Care Medicine 2021; 49(10):1749-1756

• Fonte: Autores.

Características do país, do governo e do sistema de saúde

A Nova Zelândia é um país insular, situado na Oceania, com território de 268.838 km² e população estimada de 4.917 milhões de habitantes em 2021. A população é dividida, aproximadamente, em 16% de indígenas maori, 7% de povos do Pacífico, 15% de asiáticos e 62% de europeus ou outros^16,17. Tem como língua oficial o inglês e o maori, sendo que o inglês neozelandês é reconhecido como língua materna por cerca de 76% da população¹⁸.

O governo do país é uma monarquia parlamentarista de regime democrático e capitalista. É um estado unitário com poder altamente centralizado no governo nacional. A monarquia inglesa exerce a chefia de Estado do país, representada localmente pela figura de um governador-geral, a quem cabe os poderes de nomear ministros e embaixadores. Por sua vez, a tomada de decisão cabe ao cargo de primeiro-ministro¹⁸.

Apresenta indicadores sociais elevados, com índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,91 em 2021 e índice de Gini de 0,44 em 2020. A taxa de desemprego variou próximo a 4% entre dezembro de 2019 e setembro de 2020, a expectativa média de vida em 2021 era de 81,6 anos, uma das maiores do mundo, e cerca de 99% da população maior que 15 anos é alfabetizada^16-19. Aproximadamente 88% da população referiu ter boas condições de saúde e apresenta padrões de adoecimento compatíveis com regiões desenvolvidas, com as neoplasias ocupando a principal causa de morte, sendo maior a mortalidade e o adoecimento entre a população de origem maori²⁰.

Por meio de um sistema de cobertura universal financiado por impostos, todos os residentes permanentes têm acesso a serviços de internação, ambulatoriais, preventivos, de saúde mental e farmacêuticos, que podem ser feitos por provedores públicos e privados. Com base na análise empreendida, o sistema de saúde se caracteriza por um sistema de proteção social de base beveridiana²¹.

O “sistema de saúde e deficiência da Nova Zelândia” está estruturado com base na existência de 20 conselhos distritais de saúde (District Health Basics - DHBs), que são responsáveis por fornecer e financiar a prestação de serviços de saúde em seus respectivos territórios. Parte desses serviços de apoio à pessoa com deficiência e alguns serviços de saúde são financiados e adquiridos nacionalmente pelo Ministério da Saúde²². Existem serviços regionais de saúde pública prestados por 12 unidades de saúde pública (Public Health United - PHUs) pertencentes aos DHBs e que podem ter a participação de organizações não governamentais. As PHUs ofertam ações de saúde ambiental, controle de doenças transmissíveis, controle do tabagismo e programas de promoção da saúde. As ONGs podem receber financiamento do Ministério da Saúde e dos conselhos distritais de saúde para prestar serviços à população, que podem ser hospitais privados, laboratórios, clínicas de imagem, de APS, médicos generalistas e enfermeiros, entre outros²³.

Quanto à infraestrutura de serviços, o país em 2019 apresentava 2,6 leitos por 1.000 habitantes, com uma distribuição 3,5/1.000 habitantes e 11,1 /1.000 habitantes de médicos e enfermeiros, respectivamente, em 2018^24,25. O país tinha 3,6 leitos de UTI/1 milhão habitantes, inferior à média de 12 leitos da OCDE^13,26.

A Nova Zelândia é vista como um país com forte política social, com ações voltadas para seguro-desemprego - Jobseeker Support -, suporte a cuidadores de crianças, idosos e pessoas com deficiência - Supported Living Payment - e um subsídio por invalidez que consiste em um pagamento semanal para ajudar com custos regulares e contínuos, como visitas ao médico ou hospital e medicação²⁷. Estudos revelam a preocupação de os governos estabeleceram medidas de suporte social durante e pós pandemia, por meio de apoio a entidades e indivíduos afetados pelas consequências negativas, sejam individuais ou devido à redução ou à paralisação de negócios^28,29.

Após a epidemia de gripe aviária em 2005, a Nova Zelândia desenvolveu planos de enfrentamento à influenza para mobilizar o país na adoção de medidas voltadas a disponibilizar recursos para responder a crises sanitárias. Esses planos incluem os DHBs e as PHUs, que devem manter planos regionais em suas áreas de abrangência, descrevendo como os serviços devem ser estruturados e oferecidos durante a resposta a emergências de saúde³⁰. Contudo, também foram referidas dificuldades na preparação de um país para enfrentar uma pandemia e a importância de um trabalho anterior às crises sanitárias, que deve prever investimentos de longo prazo, buscando fortalecer a capacidade do sistema de saúde³¹.

Evolução da epidemia no país

A Nova Zelândia relatou o primeiro caso de COVID-19 em 28 de fevereiro de 2020. Em meados de março de 2020, com 20 casos, o governo adotou as primeiras medidas de restrição, e dia 25 implementou um lockdown nacional, que vigorou por quase um mês (Quadro 2). Diante do não registro de casos, no final de maio, algumas medidas foram relaxadas, voltando ao nível 2, e em junho foram suspensas, retornando ao nível 1^12,32,33. No entanto, novos casos foram detectados no início de agosto em Auckland, novas restrições de contato e trabalho em casa foram rapidamente promulgados¹² (Figura 1 e Quadro 2)

Quadro 2
Principais medidas adotadas pelo governo da Nova Zelândia para o controle da Covid-19 em 2020 e 2021.

Períodos	Ações	Níveis
2 de fevereiro a 15 de março de 2020	Restrições de viagens; proibição de chegadas da China continental, do Irã, do Norte da Itália e Coreia do Sul; proibição de todos os navios de cruzeiro.	Nível 1
16 a 25 de março de 2020	Intervenções não farmacológicas como isolamento por 14 dias para todos os passageiros (viagem internacional); proibições de reuniões públicas de mais de 500 pessoas; fechamento de fronteira, exceto para cidadãos e residentes que retornam; alerta de nível 3 (estado de emergência declarado em 25 de março).	Nível 2
26 de março a 10 de abril de 2020	Estabelecimento do bloqueio com recomendação do ficar em casa; aprimoramento de rastreamento de contatos, testes, quarentena, incluindo a implementação de instalações de quarentena gerenciadas para cidadãos que retornam e residentes que não puderam se isolar com segurança; quarentena obrigatória para todos os viajantes que retornam.	Nível 3
11 a 27 de abril de 2020	Intensificação do bloqueio nacional.	Nível 4
Maio/junho 2020	Retomada e reabertura dos serviços no país mantendo restrições nas fronteiras	Nível 1
Agosto 2020	Novo surto em Auckland - fechamento de alguns serviços e restrições a reuniões e ordem de home office.	Níveis 2 e 3
Setembro 2020 a agosto de 2021	Abertura do país a todas a atividades.	Sem restrições
Outubro 2021	Abandono da estratégia COVID zero.	Restrições em locais específicos
Novembro 2021	Novo plano com estratégica de minimizar e proteger, com três níveis de ações: Vermelho, laranja e verde.	Pais em nível laranja até julho de 2022
Dezembro 2021	Chegada da variante ômicron no país.

• * Organizado com base na revisão integrativa e documentos oficiais e da imprensa.
• Fonte: Autores.

Figura 1
Número de mortes, casos por COVID-19 e stringency index (SI) na Nova Zelândia no ano de 2020.

Trabalho realizado por Jefferies et al.¹⁶(2020) descreveu o impacto da resposta nacional da Nova Zelândia na transmissão de COVID-19. Os autores constataram que grande parte da transmissão começou a partir de casos importados de pessoas mais jovens. Os casos adquiridos localmente atingiam os mais velhos, de origens socioeconômicas mais baixas e mais propensos a desfechos graves¹⁶. Entretanto, a transmissão atingiu todo o país, com maior incidência em áreas turísticas populares em grandes eventos, como casamentos, ampliando a transmissão para várias faixas etárias³⁴. Apesar de não apresentar diferenças significativas entre os grupos étnicos quanto à gravidade dos casos durante o primeiro ano de pandemia, no ano posterior, devido aos bloqueios restritivos regionais curtos, foi referido maior número de casos concentrados em áreas geográficas economicamente desfavorecidas^16,28,32.

A força das medidas pode ser vista no estudo de Douglas et al.³⁵ (2021) que revelou uma redução de 7,5 casos/por milhão de habitante no dia do início do bloqueio para 0,4 casos por milhão de habitantes após 25 dias³⁵.

Em 2021 foram 26 óbitos, chegando ao final do ano com o acumulado de 51 mortes e quase 18.000 casos de COVID-19 no país, uma das mais baixas taxas de mortalidade entre os países da OCDE¹⁴ (Figura 2). Do ponto de vista das variantes, o primeiro caso da delta ocorreu em agosto de 2021, e até setembro foram 1.249 casos, sendo que 818 (65%) ocorreram em povos do Pacífico, dentro de um dos DHBs³⁶. Com o aumento de casos, o governo anunciou em outubro de 2021 o abandono da estratégia “COVID zero” e propôs uma adaptação no seu plano de enfrentamento à pandemia, com um novo sistema de proteção em três níveis mais flexíveis, em que substituiu, a partir de dezembro de 2021, os níveis de alerta para uma nova configuração em três cores: vermelho, laranja e verde. Em julho de 2022, a situação na Nova Zelândia estava classificada na cor laranja³⁷.

Figura 2
Número de mortes, casos por COVID-19 e stringency index (SI) na Nova Zelândia no ano de 2021.

A chegada da variante ômicron no final de 2021 levou a uma explosão de casos em 2022, com mais de 100 óbitos entre janeiro e março de 2022, chegando a 151 óbitos nesse mês de março, sendo que 70 deles entre os dias 10 e 17¹⁴. Apesar disso, o país alcançou em 2022 a cobertura vacinal de 95% da população com o esquema primário e, desde agosto de 2021, vem mantendo suas taxas acima de 80%¹⁴. De acordo com o stringency index (SI) foi possível observar que a Nova Zelãndia atingiu valores elevados de rigidez na execução das medidas, com uma elevada taxa que chegou a 96,3% do índice em alguns meses analisados (Figuras 1 e 2). Observou-se também maior rigidez nas medidas no período de junho a agosto de 2020, importante para controlar da pandemia no país¹⁴. Em agosto de 2021, quando surgem novos casos, percebe-se que houve maior severidade das medidas, com o SI voltando a 96,3% (Figuras 1 e 2, Quadro 2).

Medidas adotadas em resposta à pandemia da COVID-19

A política adotada pela Nova Zelândia em 2020 foi pautada pela estratégia de COVID zero, baseada na proposta de supressão da circulação do vírus, em que a curva de casos deveria ser achatada até zerar a transmissão comunitária do vírus. Com esse processo, o país conseguiu eliminar temporariamente a circulação do vírus, permanecendo sem registo de casos por 101 dias até agosto de 2020.

Durante toda a pandemia de COVID-19, a ênfase das ações na Nova Zelândia estiveram focadas em: a) testes de PCR junto a populações prioritárias; b) registro de todas as pessoas sintomáticas no My COVID Record ou por meio do 0800 222 478; c) testes rápidos disponíveis em vários locais; e d) testes rápidos para assistência médica assintomática e confirmação de casos nos trabalhadores¹².

Nesse processo, o governo recomendou expressamente o fechamento de escolas e serviços não essenciais, proibiu reuniões sociais, estabeleceu quarentena obrigatória para viajantes e fechou as fronteiras, exceto para residentes no país³⁸. Por ser um país insular, houve grande movimento para reduzir o risco de contaminação nas fronteiras, criando estruturas próprias, com estratégias para atender todos os viajantes, mantendo-os em quarentena obrigatória^16,33,39-41.

A implementação das medidas eliminou efetivamente a transmissão comunitária de COVID-19 durante a primeira onda, sem detecção de casos novos entre 14 maio e 9 junho de 2020^14,42,43. Dessa forma, estudos evidenciaram que o sucesso no controle da pandemia na Nova Zelândia guardou relação com a força e a severidade das ações^16,44.

Houve um reconhecimento relativamente precoce pelo país da importância vital da modelagem epidemiológica no acompanhamento do comportamento da COVID-19 por meio de testes estatísticos caso não houvesse o bloqueio. Estima-se que teriam ocorrido mais de 14.000 óbitos no país em 2020 caso as medidas não tivessem sido adotadas⁴⁵. A estratégia incluiu também o fornecimento de testes e tratamento COVID-19 gratuitos para qualquer pessoa que apresentasse sintomas¹⁴.

Estudo realizado por Chaple e Gillies-Lekakis³² (2021) comparando Cuba, Austrália e Nova Zelândia, países que enfrentaram a pandemia com medidas mais drásticas, elencam que a medidas de distanciamento social, fechamento de fronteiras e isolamento de cidades e províncias ou estados contribuíram para o controle dos casos no primeiro ano da pandemia³².

Uma singularidade da Nova Zelândia foi o estabelecimento de postos de controle de circulação ao interior do país, liderados por povos maori/iwi, como uma forma de resposta humanitária, cultural e comunitária à COVID-19⁴⁶. A comunidade contribuiu para esse policiamento em alguns postos de controle, que posteriormente funcionou juntamente com o serviço oficial de polícia, mantendo a estratégia de proteger as comunidades^46,47.

Vale destacar que as restrições de circulação na fronteira do país foram implementadas antes da recomendação da OMS, a partir do primeiro caso no país, em 28 de janeiro de 2020. O Centro Nacional de Coordenação de Saúde em resposta à epidemia se manteve atuante durante todo o período.

A abertura gradual do bloqueio se deu a partir de junho de 2020, com flexibilização de algumas restrições, como a liberação de pequenas reuniões de até dez pessoas.

A Nova Zelândia complementou as abordagens tradicionais com ferramentas mais novas, como o uso de tecnologia digital por meio de um aplicativo móvel chamado “NZ COVID Tracer”, para localização e registro de todos os casos novos³². O país também apresentou uma política de testagem que avançou da realização de teste em qualquer pessoa com sintomas no ano de 2020 como postura majoritária para a inclusão e testagem de toda pessoa, inclusive assintomático, a partir de 2021¹⁴. Do mesmo modo, houve uma política de rastreamento que incluiu todos os casos caracterizados como comprehensive tracing (all cases) nos dois anos analisados¹⁴.

Governança na condução da pandemia e adesão da população às medidas

A coordenação da resposta à pandemia na Nova Zelândia esteve relacionada à força e à liderança da primeira-ministra Jacinda Ardern, que conduziu toda a estratégia de controle da ao lado do diretor-geral de Saúde Pública, Ashley Robin Bloomfield, profissional de carreira do Ministério da Saúde desde 2004, com mestrado em saúde pública e especialista em doenças não transmissíveis.

A primeira-ministra foi reconhecida por estabelecer o “padrão ouro” de gerenciamento da pandemia, e cuja proatividade colocou o país no topo do ranking do Índice de Desempenho COVID-19. Estudo realizado por Chen a Assefa⁴⁸ (2021) comparando nove países com diferentes níveis de renda afirma que Ardern transmitiu mensagens claras e consistentes, o que inspirou confiança e segurança e contribuiu para uma maior adesão da população^48,49. O governo publicou briefings diários da situação do coronavírus e campanhas de mídia social desde o início da pandemia, em janeiro de 2020⁴⁸. Foi apontado ainda que a primeira ministra adotou o que os autores chamaram de “abordagem ética do cuidado”, em que, durante seis meses, todos os ministros e executivos que trabalhavam em agências governamentais aceitaram um corte de 20% no salário para se solidarizar com aqueles que perderam seus empregos ou tiveram cortes de salários⁴⁸. Outro trabalho que analisou o discurso de 20 chefes de governo ao redor do mundo, que incluía a Nova Zelândia, destacou que as líderes mulheres abordaram com mais frequência o impacto na escala individual e ampliaram seus discursos incluindo a importância da saúde mental e a questão da violência doméstica⁴⁹

Um dado importante no caso da Nova Zelândia foi a adesão da população às medidas de isolamento, respeitando de forma exemplar e disciplinada as condições de confinamento e seguindo fielmente as instruções e recomendações das autoridades³². Por outro lado, estudos também revelaram discordâncias, com críticas ao processo de inclusão dessas comunidades tradicionais ao sistema de saúde e à não adequação das orientações de acordo com a língua, principalmente para os povos maori e refugiados, em que a língua representou um obstáculo à compreensão das medidas, disseminadas majoritariamente em inglês⁵⁰. Em que pese tais evidências, também citaram a existência de ações de cuidado para essas comunidades, incluindo números de telefone administrados por voluntários para ajudar no período de bloqueio, triagem digital de serviços das igrejas e trabalho com organizações locais para distribuição de alimentos⁵¹.

A Nova Zelândia também foi pioneira em um modelo de bolha social que permite que um grupo definido de pessoas mantivesse contato físico próximo entre si enquanto pratica regras de distanciamento físico com outras pessoas fora desse grupo⁵².

O papel dos povos indígenas no monitoramento da mobilidade ou nos efeitos do idioma levanta questões, juntamente com o papel do governo, para entender a natureza especial da resposta da Nova Zelândia. Pode-se sugerir que a resposta bem-sucedida foi alcançada porque política e ciência falaram com a mesma voz coerente, em que governo e comunidades implementaram o programa com cuidado. Nenhuma escolha falsa entre economia e COVID foi necessária e vozes dissoantes foram relativamente silenciadas. Isso não aconteceu no Brasil ou nos Estados Unidos^6,43.

Assistência à saúde

Em que pese a organização da atenção pautada pela existência dos DHB e sua área de atuação, foram identificadas situações que revelam deficiências no processo de referência e articulação entre a atenção primária e outros níveis de atenção, principalmente em áreas rurais.

Um aspecto relevante no sistema de saúde neozelandês foi referido por Berger et al.¹⁷ (2021), sobre o reduzido número de especialistas na área da enfermagem de prevenção e controle de infecções em nível nacional, o que exigiu um ajuste na nova forma de trabalhar diante da situação e do ritmo implementado⁵³. Para superar tais limitações, a antecipação de ações foi vista como positiva e diferentes estratégias foram implantadas para racionalizar os recursos hospitalares e reduzir o risco de exposição da equipe.

No âmbito hospitalar, os centros precisaram adaptar rotinas e reestruturar as equipes de trabalho, e as lideranças hospitalares foram chamadas a pensar estratégias de reorganização tendo em vista, em muitos casos, a deficiente oferta de profissionais de saúde. As operações não urgentes, endoscopias e consultas clínicas foram adiadas, com a alocação de salas de operação para COVID-19^54,55.

Todos os centros adotaram a estratégia da telemedicina como principal meio de comunicação entre médicos e para consultas. Isso levanta a questão da aplicabilidade da telemedicina no futuro da prestação de cuidados de saúde⁵⁵.

Entretanto, também foi evidenciada a baixa articulação entre os serviços de saúde^56-58.

Está referido no trabalho de Duncanson et al.⁵⁶ (2021) que o acesso reduzido aos cuidados primários e secundários durante a pandemia geraram prejuízos potenciais à saúde de crianças na Nova Zelândia, com ênfase na deficiência dos cuidados aos recém-nascidos. Estudo conduzido por Imlach⁵⁷ (2020) revelou que, diante do foco excessivo na COVID-19 e das dificuldades de contactar o serviço de referência, mais da metade dos entrevistados atrasou a procura de assistência médica durante o bloqueio, indicando haver uma baixa integração dos serviços de saúde. Do ponto de vista da atenção primária, as dificuldades estiveram relacionadas ao uso de novas tecnologias, às novas formas de trabalho e à segurança do ambiente. Para os indivíduos, foi o medo da infecção, o reconhecimento da sobrecarga dos serviços, a baixa capacidade de autogestão e a autotriagem⁵⁷.

O trabalho de Nixon⁵⁸ (2021) referiu uma boa resposta local dos hospitais rurais, porém uma compreensão ruim dos DHBs sobre esses hospitais, levando à incerteza acerca da transferência de pacientes graves de COVID-19⁵⁸.

Buscando superar tais deficiências, o trabalho de McBride⁵⁹ revelou o teste de uma ferramenta para identificar atrasos na lista de espera e em consultas eletivas, de modo a entender os efeitos de atraso pela COVID-19 no sistema de saúde da Nova Zelândia e evitar futuros problemas.

De toda forma, Gozenbach⁶⁰ (2021) revelou que as intervenções não farmacêuticas estavam associadas a uma diminuição significativa nas admissões eletivas e agudas na UTI e no uso de recursos da UTI⁶⁰.

Considerações finais

As evidências desta revisão integrativa apontam que a Nova Zelândia pode ser considerada um caso de sucesso na resposta nacional à pandemia de COVID-19, sendo um dos países com menor número de óbitos pela doença no mundo. A aliança entre liderança do governo, adesão da população e a existência de políticas compensatórias e estratégias de redução da transmissão comunitária resultou no controle da pandemia até a entrada da variante ômicron no final de 2021. A Nova Zelândia foi o único país a conseguir zerar a transmissão da COVID-19 por um período superior a 100 dias. Três aspectos considerados importantes em estudo comparativo entre países⁶¹ foram observados no caso neozelandês: 1) grande densidade das estratégias de governança e de coordenação nacional; 2) ampla abrangência de medidas de contenção e mitigação da pandemia, com ações de controle, distanciamento físico, uso de máscaras, entre outras, associadas a ações de proteção a grupos vulneráveis; e 3) boa capacidade de resposta do sistema de saúde, com retaguarda na identificação, testagem e assistência à saúde. O caso brasileiro é emblemático porque, do ponto de vista da governança, houve negação da liderança nacional, resposta fragmentada e pouca articulação entre medidas legais e normativas nos âmbitos federal, estadual e municipal, com informação divergente e pouca comunicação com a população⁶¹.

O sucesso da Nova Zelândia foi resultado de uma organização do sistema de saúde com rápida ação interna, que conseguiu reduzir os efeitos da pandemia sem chegar ao colapso do sistema de saúde. Por sua vez, o extenso pacote econômico liberado pelo governo contribuiu para reduzir e amenizar os problemas decorrentes do intenso bloqueio nos dois primeiros anos da pandemia. Contudo, isso não se deu sem prejuízos do ponto de vista econômico, principalmente por se tratar de um país insular que tem no turismo grande parte de sua receita de impostos.

Conclui-se que intervenções precoces, proativas e rígidas, juntamente com o aproveitamento de experiência anterior em doenças transmissíveis e a evolução das estratégias de teste, são lições importantes que podem ser recomendadas e úteis para uma potencial nova epidemia por um vírus desconhecido ou pandemias semelhantes.

Cabe ressaltar a importância de dar seguimento à análise da experiência da Nova Zelândia no enfrentamento da pandemia de COVID-19, sobretudo a partir de 2022, com a maior incidência e mortalidade pela doença no país, e suas implicações para a organização do sistema de saúde e o retorno das atividades econômicas e sociais com reabertura das fronteiras do país para o turismo. Torna-se relevante analisar em estudos subsequentes o papel das políticas socais preexistentes e as implementadas no período da pandemia, principalmente para as comunidades tradicionais e os grupos sociais mais vulneráveis.

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• Financiamento

  O presente artigo resulta da pesquisa “Análise comparada de sistemas de saúde e a resposta à COVID-19”, que integra o projeto “Análise de modelos e estratégias de vigilância em saúde da pandemia de COVID-19 (2020-2022)”, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Dez 2023
• Data do Fascículo
  Dez 2023

Histórico

• Recebido
  28 Set 2022
• Aceito
  17 Fev 2023
• Publicado
  19 Fev 2023