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Tempo de tela, qualidade da dieta de adolescentes e características do entorno escolar

Screen time, quality of the adolescent diet, and profile of the school environment

Resumo

Objetivou-se investigar a associação entre o tempo de uso excessivo de diferentes telas, a qualidade da dieta em adolescentes e características do entorno escolar. Adolescentes de 30 escolas estaduais de Curitiba/PR relataram tempo de tela: televisão, videogame e portáteis. A qualidade da dieta foi avaliada pela frequência de consumo de alimentos. A renda do entorno escolar foi obtida do Censo. O ambiente construído para atividade física investigado por observação sistemática do entorno escolar. A regressão de Poisson multinível foi empregada para estimar associações com as variáveis de exposição. Entre 1.200 adolescentes, 50,9% do sexo masculino, 74,4% tiveram tempo excessivo de tela. O tempo excessivo de TV (56,5%) esteve associado à pior qualidade da alimentação. O tempo excessivo de videogame (22,0%) foi menor no sexo feminino (RP 0,25; IC95% 0,18;0,36), associado à pior qualidade da alimentação, à menor renda do entorno escolar, e à pior classificação do ambiente construído para atividade física. O tempo excessivo de telas portáteis (53,2%) apresentou tendência de aumento com a renda do entorno escolar. O uso excessivo de TV e telas portáteis foi amplamente praticado por adolescentes, com diferentes variáveis demográficas e contextuais associadas de acordo com o tipo de dispositivo utilizado.

Palavras-chave:
Adolescente; Tempo de tela; Renda; Estudos transversais

Abstract

Adolescents from 30 state schools in Curitiba, State of Paraná, reported total screen time, namely television, video games and laptops. Diet quality was assessed by the frequency of food consumption. The income of the school environment was taken from the Census. The built environment for physical activity was investigated by systematic observation of the school surroundings. Multilevel Poisson Regression was used to estimate associations with the exposure variables. Among 1,200 adolescents, 50.9% being male, and 74.4% were found to be exposed to excessive screen time. Excessive TV screen time (56.5%) was associated with poor diet quality. Excessive video game time (22.0%) was lower among females (PR 0.25; 95%CI 0.18;0.36), associated with poor diet quality, lower school environment income, and the worst classification of the built environment for physical activity. Excessive use of portable screens (53.2%) tended to increase with the income of the school environment. Excessive use of TV and laptops was widespread among adolescents, with different demographic and contextual variables associated according to the type of device used.

Key words:
Adolescent; Screen time; Income; Cross-sectional studies

Introdução

O uso de dispositivos eletrônicos em telas é crescente nas últimas décadas e a Academia Americana de Pediatria (AAP) recomenda o limite de uso diário de duas horas para crianças e adolescentes11 Chassiakos YLR, Radesky J, Christakis D, Moreno MA, Cross C. Children and adolescents and digital media. Pediatrics 2016; 138(5):e20162593.. Entretanto, é comum que a exposição às telas ultrapasse essa recomendação.

Nos Estados Unidos, crianças de 8 a 12 anos passam, em média, de quatro a seis horas por dia em uso de telas, enquanto os adolescentes passam em torno de nove horas22 American Academy of Child and Adolescent Psychiatry (AACAP). Screen time and Children [Internet]. 2020 [cited 2022 ago 3]. Available from: https://www.aacap.org/AACAP/Families_and_Youth/Facts_for_Families/FFF-Guide/Children-And-Watching-TV-054.aspx#:~:text=For%20children%202%2D5%2C%20limit,during%20family%20meals%20and%20outings
https://www.aacap.org/AACAP/Families_and...
. Já no Brasil, a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PENSE) de 2019, publicada em 2022, mostrou que 40% dos escolares do nono ano no ensino fundamental assistiam à TV por duas ou mais horas diariamente33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Pesquisa nacional de saúde do escolar: análise de indicadores comparáveis dos escolares do 9º ano do ensino fundamental municípios das capitais: 2009/2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2022.. Com o avanço da tecnologia, dispositivos como celulares (smartphones) são usados igualmente ou mais do que televisão. Dados de uma da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) demonstraram dois aparelhos eletrônicos per capita em média no Brasil, sendo o mais comum deles o celular44 Felisoni DD, Godoi AS. Cell phone usage and academic performance: an experiment. Computers Education 2018; 117:175-187.. Com isso, a popularização no acesso a computadores, celulares e tablets tem ampliado a gama de dispositivos eletrônicos a serem considerados quanto ao tempo de tela55 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2018 [Internet]. 2020. [acessado 2022 ago 3]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101705
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php...
.

O uso excessivo de tela está associado ao risco de sobrepeso e obesidade em diversos estudos66 Robinson TN, Banda JA, Hale L, Lu AS, Fleming-Milici F, Calvert SL, Wartella E. Screen media exposure and obesity in children and adolescents. Pediatrics 2017; 140(Suppl. 2):S97-S101.

7 Pinho MGM, Adami F, Benedet J, Vasconcelos FAG. Association between screen time and dietary patterns and overweight/obesity among adolescents. Rev Nutr 2017; 30(3):377-389.

8 Fang K, Mu M, Liu K, He Y. Screen time and childhood overweight/obesity: a systematic review and meta-analysis. Child Care Health Dev 2019; 45(5):744-753.
-99 Wong CKH, Wong RS, Cheung JPY, Tung KTS, Yam JCS, Rich M, Fu KW, Cheung PWH, Luo N, Au CH, Zhang A, Wong WHS, Fan J, Lam CLK, Ip P. Impact of sleep duration, physical activity, and screen time on health-related quality of life in children and adolescents. Health Qual Life Outcomes 2021; 19(1):145., além de baixos níveis de atividade física, menor duração do sono1010 Souza Neto JM, Costa FF, Barbosa AO, Prazeres Filho A, Santos EVO, Farias Júnior JC. Physical activity, screen time, nutritional status and sleep in adolescentes in Northeast Brazil. Rev Paul Pediatr 2021; 39:e2019138.,1111 Silva SS, Silveira MAC, Almeida HCR, Nascimento MCP, Santos MAM, Heimer MV. Use of digital screens by adolescents and association on sleep quality: a systematic review. Cad Saude Publica 2022; 38(10):e00300721. e menor qualidade de vida relacionada à saúde1212 Lucena JMS, Loch MR, Silva ECC, Farias Júnior JC. Sedentary behavior and health-related quality of life in adolescents. Cienc Saude Colet 2022; 27(6):2143-2152.. Além disso, estudo com adolescentes de escolas públicas e privadas no Brasil demonstrou que o maior tempo em frente às telas foi associado ao maior consumo de alimentos ultraprocessados1313 Rocha LL, Gratão LHA, Carmo ASD, Costa ABP, Cunha CF, Oliveira TPR, Mendes LL. School type, eating habits, and screen time are associated with ultra-processed food consumption among Brazilian adolescents. J Acad Nutr Diet 2021; 121(6):1136-1142.. Estudos envolvendo essa temática, com adolescentes de diferentes nacionalidades, são importantes para comparar comportamentos de indivíduos de mesma faixa etária e que vivem em países com realidades diferentes1414 Collese TS, Moraes ACF, Fernández-Alvira JM, Michels N, De Henauw S, Manios Y, Androutsos O, Kafatos A, Widhalm K, Galfo M, Beghin L, Sjöström M, Pedrero-Chamizo R, Carvalho HB, Moreno LA; HELENA Study Group. How do energy balance-related behaviors cluster in adolescents? Int J Public Health 2019; 64(2):195-208..

Fatores socioeconômicos podem influenciar a disponibilidade de dispositivos eletrônicos, consumo de alimentos de proteção ou de risco ao sobrepeso e a prática de atividade física1515 Sousa GR, Silva DAS. Sedentary behavior based on screen time: prevalence and associated sociodemographic factors in adolescents. Cien Saude Colet 2017; 22(12):4061-4072.. Bairros com maior vulnerabilidade econômica apresentam opções alimentares de varejo menos favoráveis1616 Laxy M, Malecki KC, Givens ML, Walsh MC, Nieto FJ. The association between neighborhood economic hardship, the retail food environment, fast food intake, and obesity: findings from the Survey of the Health of Wisconsin. BMC Public Health 2015; 15(1):237., assim como pior ambiente construído para prática de atividade física1717 Santos DSD, Hino AAF, Höfelmann DA. Iniquities in the built environment related to physical activity in public school neighborhoods in Curitiba, Paraná State, Brazil. Cad Saude Publica 2019; 35(5):e00110218..

O objetivo do presente estudo foi investigar a associação entre o tempo de uso de diferentes telas, a qualidade da dieta em adolescentes e características do entorno escolar na rede pública estadual de Curitiba/PR.

Métodos

Para este estudo transversal, analítico e de base escolar foram avaliados adolescentes matriculados na rede de ensino estadual em Curitiba/PR, participantes do estudo “Excesso de peso e características do ambiente escolar em estudantes de Curitiba, Paraná”. Capital do estado, Curitiba é um município brasileiro urbanizado, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em 2010 de 0,823, considerado muito alto1818 Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES). Caderno Estatístico Município de Curitiba-PR. Paraná: IPARDES; 2022..

No Brasil, o ensino fundamental II contempla do 6° ao 9°ano, e compreende a educação para adolescentes dos 11 incompletos até 14 anos. O ensino médio compreende dos 15 aos 17 anos de idade. Dessa forma, optou-se por selecionar alunos do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio, por serem anos escolares compatíveis com a adolescência (10 anos completos até 19 anos incompletos)1919 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Panorama da distorção idade-série no Brasil. Brasília: UNICEF; 2018.. Em 2015, os dados do Censo apontaram a existência de 210 escolas que ofertavam ensino médio e 483 escolas de ensino fundamental em Curitiba, sendo 181 municipais, 152 privadas, 149 públicas estaduais e uma pública federal, totalizando 180.719 matrículas nos anos finais do ensino fundamental (n = 101.865) e médio (n = 78.854)2020 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ensino - matrículas, docentes e rede escolar, 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016..

Segundo o Censo 2015, havia 125.286 alunos matriculados nas escolas estaduais do município nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, distribuídos em 4.305 turmas, sendo 48,0% no turno matutino, 39,1% no vespertino, 11,6% no noturno e o restante distribuído em turnos intermediário matutino (0,47%), intermediário vespertino (0,30%) e integral (0,48%). Para este estudo foram considerados os alunos matriculados nas escolas estaduais nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio, e nos turnos diurnos (matutino, vespertino, intermediário manhã, intermediário tarde e integral), totalizando 110.238 alunos, distribuídos em 3.824 turmas, sendo 2.423 turmas do 6º ao 9º ano e 1.401 dos anos do ensino médio, a maioria no turno matutino (54,3%) ou vespertino (44,2%).

O cálculo do tamanho da amostra para o presente estudo foi feito no programa OpenEpi, versão 3 - online, de livre acesso, utilizando-se a fórmula: n = [EDFF*Np(1-p)]/[d2/Z21-α/2*(N-1) + p*(1-p)]. Com o objetivo de maximizar o tamanho amostral, foi utilizada prevalência desconhecida do desfecho de 50%, com margem de erro de quatro pontos percentuais e nível de confiança de 95%, resultando em uma amostra de 597 estudantes. Considerando o efeito de delineamento de α, a amostra foi duplicada, resultando em 1.194 estudantes. A fim de sanar resultados de eventuais perdas ou recusas, foram acrescentados 20% a este valor. Assim, o tamanho amostral foi de 1.433 estudantes. Com essa estimativa amostral foi possível identificar razão de prevalência de 1,14, equivalente a 50% entre expostos e 44% não-expostos, com poder de 80% e nível de confiança de 95%. Contudo, as recusas foram superiores àquelas inicialmente esperadas, e 190 (15,9%) alunos adicionais foram convidados a participar, totalizando 1.623 estudantes.

Com o tamanho de amostra definido, optou-se por uma amostragem com aproximadamente o mesmo tamanho em cada escola, para viabilizar a operacionalização da coleta de dados, resultando em 30 unidades escolares. As escolas foram definidas por meio de sorteio aleatório simples, seguido do sorteio dos anos escolares a serem avaliados. Se o número de alunos da turma ultrapassasse o número da amostra, os alunos eram sorteados.

Para o sorteio aleatório simples das escolas públicas estaduais, estas foram listadas sequencialmente, em ordem alfabética e numeradas. Após o sorteio de todas as escolas, procedeu-se ao sorteio dos anos escolares. Por meio de uma caixa de sorteio contendo em triplicata os números 7, 8, 1 e 2, mais os números 6, 9 e 3 em quadruplicata, ambos correspondentes aos anos escolares do 6º do ensino fundamental ao 3º do ensino médio, os anos escolares de cada escola foram selecionados, de modo a manter a representatividade da amostra.

Coleta de dados

Os dados utilizados foram obtidos por meio de questionário aplicado aos adolescentes entre março de 2016 e abril de 2017. Todos os participantes da coleta de dados receberam capacitação pela pesquisadora principal antes do início das atividades para que pudessem esclarecer dúvidas dos adolescentes ao responderem ao questionário. O instrumento de pesquisa foi testado previamente em adolescentes a fim de avaliar a compreensão das perguntas. Foi realizado estudo-piloto em unidade escolar não sorteada, sendo que os adolescentes que participaram desta etapa não foram inseridos na amostra do estudo. Durante o preenchimento do questionário, os adolescentes tiveram privacidade para responder às questões e acompanhamento dos pesquisadores para eventuais dúvidas.

Os dados que permitiram a caracterização demográfica da amostra foram: faixa etária, dividida em três categorias (10-13, 14-16 e 17-19,9 anos); sexo (masculino; feminino); e turno de estudo (matutino; vespertino; integral/intermediário).

A prática de exercício físico foi investigada por meio da participação em time ou treinamento desportivo, supervisionada pela presença de um treinador, desconsiderando aulas de educação física na escola.

O índice de qualidade da dieta foi estabelecido por meio de instrumento baseado em estudos realizados no Brasil com crianças2121 Mondini L, Levy RB, Saldiva SRDM, Venâncio SI, Aguiar JA, Stefanini MLR. Prevalência de sobrepeso e fatores associados em crianças ingressantes no ensino fundamental em um município da região metropolitana de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2007; 23(8):1825-1834. e adolescentes2222 Castro IRR, Cardoso LO, Engstrom EM, Levy RB, Monteiro CA. Vigilância de fatores de risco para doenças não transmissíveis entre adolescentes: a experiência da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica 2008; 24(10):2279-2288. e compreende a frequência de consumo semanal de variados itens alimentícios. Nesse instrumento, para cada frequência é dada uma pontuação, positiva ou negativa2323 Molina MCB, Lopéz PM, Faria CP, Cade NV, Zandonade E. Preditores socioeconômicos da qualidade da alimentação de crianças. Rev Saude Publica 2010; 44(5):785-732.. Os valores das frequências individuais foram somados e categorizados em tercis, com o objetivo de classificar os índices de qualidade da dieta em: baixo (-11 a -1); médio (entre 0 e 2) e alto (3 a 13).

O tempo de tela foi coletado separadamente para três tipos de dispositivo: televisão, videogame e telas portáteis (computador, tablet e celular). Os alunos indicaram o número de vezes por semana em que utilizavam cada dispositivo e o tempo de uso diário. A partir dessas informações foi calculada a média diária de uso semanal. A estratégia de perguntar o número de dias e tempo médio de uso dos dispositivos foi utilizada na PENSE de 20152424 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico (IBGE). Pesquisa nacional de saúde do escolar: 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016.. O tempo de uso de cada dispositivo foi considerado excessivo quando superior a duas horas diárias11 Chassiakos YLR, Radesky J, Christakis D, Moreno MA, Cross C. Children and adolescents and digital media. Pediatrics 2016; 138(5):e20162593.. O tempo total das diferentes telas foi somado, e considerado excessivo quando superior a duas horas diárias.

Para determinação da renda foi avaliada a área de 500 metros no entorno das escolas, que foram georreferenciadas, a partir do endereço, com o auxílio do software de informação geográfica (SIG), de acesso livre, QGIS (v.2.14.0) (http://qgisbrasil.org/). Com base no Censo Demográfico de 20102525 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2011., calculou-se a média do rendimento nominal dos responsáveis por domicílio do conjunto de setores censitários que compunham cada área. As faixas de renda foram agrupadas em três tercis: baixa (R$ 246,20-R$474,70); média (R$ 493,70-R$ 884,30) e alta (R$ 901,90-R$ 2.632,20).

Para avaliação do ambiente construído para atividade física no entorno das escolas foi utilizado o escore de Microscale Audit of Pedestrian Streets-capes - MAPS (Auditoria em Microescala de Ruas de Pedestres) em sua versão completa2626 Millstein RA, Cain KL, Sallis JF, Conway TL, Geremia C, Frank LD, Chapman J, Van Dyck D, Dipzinski LR, Kerr J, Glanz K, Saelens BE. Development, scoring, and reliability of the Microscale Audit of Pedestrian Streetscapes (MAPS). BMC Public Health 2013; 13(1):403., aplicada ao contexto brasileiro2727 Cain KL, Geremia CM, Conway TL, Frank LD, Chapman JE, Fox EH, Timperio A, Veitch J, Van Dyck D, Verhoeven H, Reis R, Augusto A, Cerin E, Mellecker RR, Queralt A, Molina-García J, Sallis JF. Development and reliability of a streetscape observation instrument for international use: MAPS-global. Int J Behav Nutr Phys Act 2018;15(1):19., com avaliação de rotas, segmentos de rua e cruzamentos nos entornos das escolas, via plataforma virtual do Google Street View. Considerando atributos positivos ou negativos em relação ao efeito esperado sobre atividade física, foram somados ou subtraídos pontos. O escore do MAPS foi dividido em três tercis: baixo (11,0-18,0), médio (18,1-26,0) e alto (26,1-40,0). O escore baixo se refere à pior qualidade do ambiente construído para atividade física no entorno das escolas e o alto se refere à melhor qualidade1717 Santos DSD, Hino AAF, Höfelmann DA. Iniquities in the built environment related to physical activity in public school neighborhoods in Curitiba, Paraná State, Brazil. Cad Saude Publica 2019; 35(5):e00110218..

Análise estatística

Os dados coletados foram duplamente digitados e conferidos. As análises descritivas foram realizadas por meio do cálculo das frequências absolutas (n), relativas (%) e respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%), pela média, desvio-padrão, valores medianos, mínimo e máximo. Os registros com dados faltantes para as variáveis do estudo foram excluídos por meio do procedimento listwise deletion.

Foram estimadas razões de prevalência (RP) e IC95% do tempo excessivo de tela de cada dispositivo (superior a duas horas ao dia): 1) televisão, 2) computador e 3) telas portáteis; e as variáveis de exposição por meio de regressão de Poisson multinível, considerando nas análises os seguintes níveis: 1) aluno, 2) turma e 3) escola. As estimativas foram corrigidas para efeito de delineamento e pesos amostrais. Os pesos amostrais foram construídos a partir da probabilidade inversa de participação em cada nível.

O ajuste das variáveis foi feito em etapas. Inicialmente, foram inseridas as variáveis demográficas (sexo e faixa etária), em seguida, comportamentos relacionados à saúde (prática de exercício físico e índice de qualidade da dieta), depois por renda do entorno escolar e, por fim, ambiente construído para atividade física. O valor de p < 0,05 foi considerado significativo nas análises, realizadas no aplicativo Stata 14.

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Paraná. Foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido do responsável pelo adolescente e Termo de Assentimento Livre e Esclarecido dos alunos com idades entre 12 e 18 anos. Foi preservado o anonimato de suas respostas e o direito de voluntariamente não participarem do estudo. As normas da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) foram seguidas em todas as etapas de pesquisa e divulgação dos dados.

Resultados

Foram convidados 1.623 alunos, sendo que 1.232 (75,9%) participaram, e 32 foram excluídos por dados faltantes, resultando em amostra analítica de 1.200 adolescentes. Desses, 50,9% eram do sexo masculino, 90,9% na faixa etária de 10 a 16 anos, sendo 49,4% de 10 a 13 anos e 41,5% de 14 a 16 anos; 27,1% relataram praticar exercício físico supervisionado. A prevalência de tempo excessivo de tela foi de 74,4% (IC95% 70,4; 78,1). Televisão e telas portáteis foram os dispositivos com maior prevalência de tempo excessivo, 56,5% e 53,2%, respectivamente, enquanto para videogame foi de 22,0% (Tabela 1). Além disso, 23,1% dos adolescentes não apresentaram tempo excessivo de tela em nenhum dos dispositivos investigados, 32,8% em um, 33,5% em dois e 10,7% nos três dispositivos concomitantemente.

Tabela 1
Caracterização de adolescentes de escolas estaduais de Curitiba/PR, 2016/2017 (N= 1.200).

A única variável significativamente associada ao tempo excessivo de TV foi a qualidade da dieta (p = 0,024). Adolescentes classificados no tercil de alta qualidade da dieta apresentaram menor prevalência de tempo excessivo de TV (RP 0,85; IC95% 0,74; 0,98) (Tabela 2).

Tabela 2
Associação entre características demográficas e tempo excessivo de TV EM ADOLESCENTES de escolas estaduais de Curitiba/PR, 2016/2017 (N = 1.200).

As adolescentes do sexo feminino tiveram menor prevalência de tempo excessivo de videogame (RP 0,25; IC95% 0,18; 0,36; p < 0,001) do que os do sexo masculino. Na análise não ajustada, os praticantes de exercício físico supervisionado apresentaram maior prevalência de tempo excessivo nesse dispositivo (RP 1,26; IC95% 1,04; 1,56; p = 0,018). Contudo, após ajuste para variáveis demográficas e outros comportamentos relacionados à saúde, essa associação deixou de ser significativa (IC95% 0,79; 1,25; p = 0,959). Adolescentes com maior qualidade da dieta apresentaram menor prevalência de tempo excessivo de videogame (RP 0,70; IC95% 0,55; 0,90; p = 0,010). Os estudantes de escolas localizadas em entornos com renda alta tiveram menor prevalência de tempo excessivo do dispositivo (RP 0,60; IC95 0,47; 0,78; p = 0,004). Observou-se menor prevalência de tempo excessivo de videogame para adolescentes de escolas com entornos classificados com escore médio (RP 0,72; IC95% 0,59; 0,88) e alto do MAPS (RP 0,74; IC95% 0,56; 0,96) (Tabela 3).

Tabela 3
Associação entre características demográficas e tempo excessivo de videogame em adolescentes de escolas estaduais de Curitiba/PR, 2016/2017 (N = 1.200).

A prevalência de tempo excessivo de telas portáteis apresentou tendência de elevação com o aumento da renda no entorno da escola, mesmo após ajuste para demais variáveis. No entorno de alta renda a RP foi 1,41 (IC95% 1,02; 1,94) (Tabela 4).

Tabela 4
Associação entre características demográficas e tempo excessivo de telas portáteis em adolescentes de escolas estaduais de Curitiba/PR, 2016/2017 (N = 1.200).

Discussão

A maioria dos adolescentes avaliados apresentou tempo excessivo de televisão e telas portáteis, enquanto aproximadamente um quinto apresentou tempo excessivo de videogame, dispositivo cujo uso esteve predominantemente associado aos adolescentes do sexo masculino. Qualidade da dieta e renda do entorno das escolas foram as características que mais tiveram associação com o tempo excessivo de uso das três categorias de dispositivos.

O tempo excessivo de uso de telas, considerando o uso de TV, computador e videogame, é frequentemente encontrado em estudos com adolescentes brasileiros em nível nacional33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Pesquisa nacional de saúde do escolar: análise de indicadores comparáveis dos escolares do 9º ano do ensino fundamental municípios das capitais: 2009/2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2022.,1313 Rocha LL, Gratão LHA, Carmo ASD, Costa ABP, Cunha CF, Oliveira TPR, Mendes LL. School type, eating habits, and screen time are associated with ultra-processed food consumption among Brazilian adolescents. J Acad Nutr Diet 2021; 121(6):1136-1142. e municipal77 Pinho MGM, Adami F, Benedet J, Vasconcelos FAG. Association between screen time and dietary patterns and overweight/obesity among adolescents. Rev Nutr 2017; 30(3):377-389.,2828 Dias PJP, Domingos IP, Ferreira MG, Muraro AP, Sichieri R, Gonçalves-Silva RMV. Prevalência e fatores associados aos comportamentos sedentários em adolescentes. Rev Saude Publica 2014; 48(2):266-274.. Revisão sistemática de estudos transversais e de coorte apontou tempo excessivo de tela (maior do que duas horas diárias) por 70,9% dos adolescentes brasileiros2929 Schaan CW, Cureau FV, Sbaraini M, Sparrenberger K, Kohl Iii HW, Schaan BD. Prevalence of excessive screen time and TV viewing among Brazilian adolescents: a systematic review and meta-analysis. J Pediatr (Rio J) 2019; 95(2):155-165., similar ao encontrado no presente estudo (74,4%) e em pesquisa em Florianópolis (71,4%)3030 Costa BGG, Chaput JP, Lopes MVV, Malheiros LEA, Tremblay MS, Silva KS. Prevalence and sociodemographic factors associated with meeting the 24-hour movement guidelines in a sample of Brazilian adolescents. PLoS One 2020; 15(9):e0239833.. O tempo de TV (58,8%) identificado na referida revisão sistemática2929 Schaan CW, Cureau FV, Sbaraini M, Sparrenberger K, Kohl Iii HW, Schaan BD. Prevalence of excessive screen time and TV viewing among Brazilian adolescents: a systematic review and meta-analysis. J Pediatr (Rio J) 2019; 95(2):155-165. foi próximo ao encontrado no presente estudo (56,5%).

O desenvolvimento da tecnologia e da mobilidade de telas portáteis fazem com que os dispositivos eletrônicos se tornem cada vez mais indispensáveis na vida cotidiana3131 Delfino LD, Silva DAS, Tebar WR, Zanuto EF, Codogno JS, Fernandes RA, Christofaro DG. Screen time by different devices in adolescents: association with physical inactivity domains and eating habits. J Sports Med Phys Fitness 2018; 58(3):318-325.. Assim, a recomendação do limite máximo de duas horas diárias de uso de telas poderá se tornar inalcançável. Pesquisa com adolescentes brasileiros da cidade de Cuiabá estabeleceu como critério de comportamento sedentário o tempo de tela diário ≥ 4 horas, e mesmo assim a prevalência de tempo excessivo foi de 58,1%2828 Dias PJP, Domingos IP, Ferreira MG, Muraro AP, Sichieri R, Gonçalves-Silva RMV. Prevalência e fatores associados aos comportamentos sedentários em adolescentes. Rev Saude Publica 2014; 48(2):266-274..

No presente estudo, destacou-se o uso excessivo dos dispositivos TV e telas portáteis, assim como em revisão sistemática e meta-análise envolvendo indivíduos brasileiros de 10 a 19 anos de diversas regiões do país2929 Schaan CW, Cureau FV, Sbaraini M, Sparrenberger K, Kohl Iii HW, Schaan BD. Prevalence of excessive screen time and TV viewing among Brazilian adolescents: a systematic review and meta-analysis. J Pediatr (Rio J) 2019; 95(2):155-165. e em investigação com adolescentes de 14 a 19 anos de cidade da região Sul1515 Sousa GR, Silva DAS. Sedentary behavior based on screen time: prevalence and associated sociodemographic factors in adolescents. Cien Saude Colet 2017; 22(12):4061-4072..

A prevalência de tempo excessivo de TV encontrada na presente pesquisa foi menor em adolescentes com melhor qualidade da dieta. Estudo realizado com crianças no estado de Minas Gerais demonstrou resultado semelhante, com o menor tempo de tela contribuindo para uma alimentação mais saudável3232 Viola PCdAF, Ribeiro SAV, Carvalho RRS, Andreoli CS, Novaes JF, Priore SE, et al. Situação socioeconômica, tempo de tela e de permanência na escola e o consumo alimentar de crianças. Cien Saude Colet 2023; 28(1):257-267.. O tempo em frente à TV está ligado ao hábito alimentar não saudável e ao consumo de ultraprocessados3333 Fraga RS, Silva SLR, Santos LC, Titonele LRO, Carmo AS. The habit of buying foods announced on television increases ultra-processed products intake among schoolchildren. Cad Saude Publica 2020; 36(8):e00091419.,3434 Maia EG, Gomes FMD, Alves MH, Huth YR, Claro RM. Hábito de assistir à televisão e sua relação com a alimentação: resultados do período de 2006 a 2014 em capitais brasileiras. Cad Saude Publica 2016; 32(9):e00104515.. Em revisão sistemática de estudos transversais, observou-se associação entre comportamento sedentário, principalmente relacionado ao tempo excessivo de TV, e uma dieta não saudável, potencialmente cariogênica3535 Shqair AQ, Pauli LA, Costa VPP, Cenci M, Goettems ML. Screen time, dietary patterns and intake of potentially cariogenic food in children: a systematic review. J Dent 2019; 86:17-26.. Os hábitos alimentares adquiridos na infância e adolescência acompanham o indivíduo nas etapas futuras e influenciam os comportamentos na vida adulta3636 Bezerra MKA, Carvalho EF, Oliveira JS, Cesse EAP, Lira PIC, Cavalcante JGT, et al. Estilo de vida de adolescentes estudantes de escolas públicas e privadas em Recife: ERICA. Cien Saude Colet 2021; 26(1):221-232..

No Brasil 60,7% dos anúncios na publicidade televisiva são representados por produtos ultraprocessados3737 Maia EG, Costa BVL, Coelho FS, Guimarães JS, Fortaleza RG, Claro RM. Análise da publicidade televisiva de alimentos no contexto das recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira. Cade Saude Publica 2017; 33(4):e00209115.. O fato de a televisão ser um dispositivo que permite que o usuário consuma alimentos e bebidas com facilidade pode interferir na qualidade da dieta, pois alimentos não saudáveis são os mais consumidos nessas ocasiões3333 Fraga RS, Silva SLR, Santos LC, Titonele LRO, Carmo AS. The habit of buying foods announced on television increases ultra-processed products intake among schoolchildren. Cad Saude Publica 2020; 36(8):e00091419., em que a atenção sobre a quantidade consumidas é perdida3838 Spence C, Mancini M, Huisman G. Digital commensality: eating and drinking in the company of technology. Front Psychol 2019; 10:2252..

A maior prevalência de uso do videogame por adolescentes do sexo masculino é um resultado também encontrado em outros estudos1515 Sousa GR, Silva DAS. Sedentary behavior based on screen time: prevalence and associated sociodemographic factors in adolescents. Cien Saude Colet 2017; 22(12):4061-4072.,3131 Delfino LD, Silva DAS, Tebar WR, Zanuto EF, Codogno JS, Fernandes RA, Christofaro DG. Screen time by different devices in adolescents: association with physical inactivity domains and eating habits. J Sports Med Phys Fitness 2018; 58(3):318-325.,3939 Shakir RN, Coates AM, Olds T, Rowlands A, Tsiros MD. Not all sedentary behaviour is equal: Children's adiposity and sedentary behaviour volumes, patterns and types. Obes Res Clin Pract 2018; 12(6):506-512.,4040 Gómez-Gonzalvo F, Molina P, Devís-Devís J. Which are the patterns of video game use in Spanish school adolescents? Gender as a key factor. Entertain Comp 2020; 34:100366.. Atividades que envolvam jogos e competições são mais frequentes no processo de socialização do sexo masculino, e o uso do videogame permanece mais comum entre os homens nas diferentes faixas etárias4040 Gómez-Gonzalvo F, Molina P, Devís-Devís J. Which are the patterns of video game use in Spanish school adolescents? Gender as a key factor. Entertain Comp 2020; 34:100366..

O tempo excessivo de videogame esteve associado à pior qualidade da dieta entre os adolescentes avaliados. Outras pesquisas avaliaram o consumo alimentar e o uso desses dispositivos, como em adolescentes australianos, evidenciando o uso de videogames inversamente associado ao consumo diário de vegetais e positivamente ao de bebidas adoçadas4141 Fletcher EA, McNaughton SA, Crawford D, Cleland V, Della Gatta J, Hatt J, Dollman J, Timperio A. Associations between sedentary behaviours and dietary intakes among adolescents. Public Health Nutr 2018; 21(6):1115-1122., e em norte-americanos, associando o uso desses dispositivos, juntamente com outros portáteis, ao consumo de bebidas adoçadas4242 Kenney EL, Gortmaker SL. United States adolescents' television, computer, videogame, smartphone, and tablet use: associations with sugary drinks, sleep, physical activity, and obesity. J Pediatr 2017; 182:144-149..

A relação entre renda do entorno da escola e uso excessivo de dispositivos diferiu para videogame e telas portáteis: enquanto o tempo excessivo de videogame foi menor entre os adolescentes que estudavam em escolas localizadas em entornos de maior renda, o de dispositivos portáteis foi maior nas escolas de maior renda. Adolescentes de escolas localizadas em regiões de maior renda podem estar sujeitos a maior controle parental e influência de adultos nos momentos em que não estão em aula, com maior interferência no uso de telas com finalidades predominantemente recreativas, como é o caso do videogame4343 Pyper E, Harrington D, Manson H. The impact of different types of parental support behaviours on child physical activity, healthy eating, and screen time: a cross-sectional study. BMC Public Health 2016; 16(1):568..

A melhor qualidade do ambiente construído para atividade física nas escolas localizadas em entornos de maior renda1717 Santos DSD, Hino AAF, Höfelmann DA. Iniquities in the built environment related to physical activity in public school neighborhoods in Curitiba, Paraná State, Brazil. Cad Saude Publica 2019; 35(5):e00110218. pode indicar maior disponibilidade de locais adequados para realização de atividades físicas, que também propiciam maior interação social. É possível que as escolas localizadas em entornos com maior renda possibilitem acesso a computadores para aulas e outras atividades escolares. Áreas urbanas mais desenvolvidas e com maior renda têm maior frequência de domicílios com computadores disponíveis. Além disso, a posse de aparelhos eletrônicos, como celular para uso pessoal, tem relação direta com o rendimento domiciliar per capita 55 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2018 [Internet]. 2020. [acessado 2022 ago 3]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101705
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A associação entre tempo excessivo de videogame e maior prática de exercício físico supervisionado deixou de ser significativa após ajuste para o sexo. Contudo, indica a adoção de comportamentos protetores do ganho de peso corporal por adolescentes com tempo excessivo do dispositivo. O tempo dispendido em comportamentos sedentários (telas) pode não interferir diretamente na prática de atividades físicas em geral, uma vez que podem ser realizadas em momentos distintos4444 Spengler S, Mess F, Mewes N, Mensink GB, Woll A. A cluster-analytic approach towards multidimensional health-related behaviors in adolescents: the MoMo-Study. BMC Public Health 2012; 12:1128.. Isso reforça a importância de se analisar comportamentos em conjunto, e não isoladamente. Sendo assim, a análise do tempo de tela vai além da relação direta com atividade física. A prática de atividades físicas não supervisionadas e educação física na escola também podem ser fator de proteção ao sedentarismo.

A amostra, que incluiu apenas adolescentes das escolas estaduais de Curitiba-PR dos turnos diurnos, pode ser destacada como uma limitação do presente estudo. Assim, os resultados não podem ser inferidos para as escolas privadas e municipais, tampouco para alunos matriculados no turno noturno, o que exclui áreas de abrangência e entornos escolares com perfis socioeconômicos diferenciados. As restrições foram aplicadas em função de questões logísticas e operacionais da equipe. É importante destacar que, enquanto educação infantil e ensino fundamental são considerados competências do nível municipal, o ensino fundamental é compartilhado com a esfera estadual, que tem sob sua responsabilidade principalmente o ensino médio.

Além disso, a coleta de dados por meio de preenchimento dos adolescentes está sujeita ao viés de desejabilidade social, pois o indivíduo pode responder o que é o esperado ou o desejável, especialmente adolescentes, indivíduos em fase com grande transitoriedade de comportamentos, e resultar em dados sub ou supernotificados. No entanto, os estudantes tiveram privacidade para responder às questões e o acompanhamento dos pesquisadores durante o preenchimento para que pudessem ter suas dúvidas esclarecidas.

A prática de exercício físico foi considerada na investigação como participação em time ou treinamento desportivo com presença de treinador, porém não foi incluída a prática de exercício físico em academias, por exemplo. Outra limitação diz respeito à possibilidade de distorção da percepção de tempo de exercício físico que adolescentes de 10 a 11 anos podem apresentar nos anos iniciais da adolescência.

A renda avaliada no estudo foi exclusivamente do entorno da escola, e não domiciliar. Entretanto, a proximidade da escola em relação ao domicílio é critério para designação dos alunos nas escolas, dessa forma, espera-se uma correlação entre a renda do entorno da escola e a renda dos alunos. Além disso, a informação da renda é do último Censo demográfico disponível, 2010, sujeita, portanto, a variações ao longo do tempo. Contudo, é provável que isso tenha pouco reflexo na mudança de tercil de classificação das escolas. A avaliação do entorno escolar por meio do uso de observação social sistemática é um ponto forte do estudo, pois permite investigar características relativas à qualidade do ambiente construído para atividade física.

Por se tratar de um estudo transversal, foram captadas as características do momento em que os dados foram coletados, impossibilitando o estabelecimento de relações causais entre as variáveis estudadas. Nesse sentido, pesquisas longitudinais são interessantes, especialmente tratando-se de adolescentes, que estão em fase de crescimento e desenvolvimento, mas também pelo tema tratar de tecnologia, que está em constante evolução e rápida transformação. É desafiador fazer com que a coleta de dados de pesquisa envolvendo este tema e a publicação de artigos científicos acompanhe a interação das inovações tecnológicas e o comportamento humano.

Conclusão

Aproximadamente três a cada quatro adolescentes avaliados apresentaram tempo excessivo de tela. A associação entre o uso excessivo de telas, como TV e videogame, e pior qualidade da dieta indica que o uso desses dispositivos e o consumo alimentar devem ser considerados pelos responsáveis pelos adolescentes e nas ações e políticas públicas destinadas à melhoraria da qualidade da alimentação.

A associação entre maior renda e tempo excessivo em dispositivos portáteis e de menor renda com o uso de videogame mostram que o uso excessivo de diferentes tipos de telas foi amplamente praticado por adolescentes, com diferenças em relação ao tipo de dispositivo empregado. Dessa forma, é necessário ampliar as condições de acesso seguro a lazer e práticas físicas, especialmente nas regiões com renda baixa e com pior qualidade do ambiente construído para atividade física.

Por fim, destaca-se a perspectiva de prevalência crescente de uso de dispositivos eletrônicos em tela. A recomendação de duas horas diárias de telas pode ser viável para crianças, porém, tratando-se de adolescentes ou adultos, é provável que tenha se tornado impraticável no século XXI, sobretudo após a pandemia de COVID-19, iniciada em 2020, devido à ampla utilização das tecnologias nas diversas dimensões das atividades diárias.

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  • Financiamento

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Bolsas de iniciação científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Araucária por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica.

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Jan 2024

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2023
  • Aceito
    25 Abr 2023
  • Publicado
    27 Abr 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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