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Inventário de Fatores de Estresse nos alunos do 12º ano: construção e validação de um instrumento

Inventory of Stress Factors in 12th grade students: construction and validation of an instrument

Resumos

Os estudantes do 12º ano constituem um grupo em constante exposição a situações de estresse, pois, a par das transformações físicas e psicológicas caraterísticas da adolescência, são confrontados com a eminência da realização de uma série de decisões com impacto significativo no seu percurso atual e futuro. Visando um conhecimento mais aprofundado dos estressores mais frequente e intensamente vivenciados, no contexto português, procedeu-se à construção e validação do Inventário de Fatores de Estresse - 12º ano (IFS). O estudo envolveu um total de 341 alunos do 12º ano de três escolas do Norte de Portugal. Uma análise de componentes principais fez emergir 4 fatores, com alfas de Cronbach oscilando entre 0,72 e 0,93, e explicando 52% da variância. As caraterísticas métricas do IFS sugerem-no como um instrumento válido na identificação da prevalência e intensidade dos fatores de estresse entre alunos do 12º ano.

Instrumento de medida; Estudantes; Transições; Psychological assessment instrument; Students; Transitions


The 12th grade students are a group in constant exposure to stressful situations. Besides the physical and psychological changes that they experience during adolescence, they usually face the imminent completion of a series of decisions with important impact on their current and future lives. Seeking a better understanding of the most common and intense stress factors experienced by the Portuguese students, the authors built up the questionnaire and also the validation of the Inventory of 12th graders' Stress Factors (ISF - 12th). The study involved a total of 341students, all of them 12th graders from three schools from Northern Portugal. A Principal Component Analyses highlights a four dimension instrument with Cronbach's alphas varying between .72 and .93, and explaining 52% of variance. The results suggest the ISF as a valid instrument in the identification of the prevalence and intensity of stress factors among Portuguese 12th graders.


ARTIGOS

Inventário de Fatores de Estresse nos alunos do 12º ano: construção e validação de um instrumento

Inventory of Stress Factors in 12th grade students: construction and validation of an instrument

Cândida SilvaI,1 1 Endereço para correspondência: Travessa Sra. dos Bons Caminhos, nº 14, 4495 – 245 Navais – Póvoa de Varzim – Portugal - E-mail: candida_silva3@hotmail.com ; Susana CairesII

IEscola Secundária José Régio, Vila do Conde, Portugal

IIUniversidade do Minho, Braga, Portugal

RESUMO

Os estudantes do 12º ano constituem um grupo em constante exposição a situações de estresse, pois, a par das transformações físicas e psicológicas caraterísticas da adolescência, são confrontados com a eminência da realização de uma série de decisões com impacto significativo no seu percurso atual e futuro. Visando um conhecimento mais aprofundado dos estressores mais frequente e intensamente vivenciados, no contexto português, procedeu-se à construção e validação do Inventário de Fatores de Estresse – 12º ano (IFS). O estudo envolveu um total de 341 alunos do 12º ano de três escolas do Norte de Portugal. Uma análise de componentes principais fez emergir 4 fatores, com alfas de Cronbach oscilando entre 0,72 e 0,93, e explicando 52% da variância. As caraterísticas métricas do IFS sugerem-no como um instrumento válido na identificação da prevalência e intensidade dos fatores de estresse entre alunos do 12º ano.

Palavras-chave: Instrumento de medida, Estudantes, Transições.

ABSTRACT

The 12th grade students are a group in constant exposure to stressful situations. Besides the physical and psychological changes that they experience during adolescence, they usually face the imminent completion of a series of decisions with important impact on their current and future lives. Seeking a better understanding of the most common and intense stress factors experienced by the Portuguese students, the authors built up the questionnaire and also the validation of the Inventory of 12th graders' Stress Factors (ISF – 12th). The study involved a total of 341students, all of them 12th graders from three schools from Northern Portugal. A Principal Component Analyses highlights a four dimension instrument with Cronbach's alphas varying between .72 and .93, and explaining 52% of variance. The results suggest the ISF as a valid instrument in the identification of the prevalence and intensity of stress factors among Portuguese 12th graders.

Keywords: Psychological assessment instrument, Students, Transitions.

A adolescência constitui uma etapa do desenvolvimento humano crucial para o crescimento e maturação física e psicológica dos indivíduos. Durante esse período, são múltiplos os processos de mudança e adaptação em curso, dos quais são exemplo: a adaptação às modificações físicas e psicológicas, a conquista de uma maior autonomia pessoal e independência dos pais, a procura de uma identidade pessoal, o estabelecimento de relações próximas com os pares, ou as transições escolares (Buhrmester, 1996; Campos, 1990; Fonseca, 2005; Leffert & Petersen, 1996; Ribeiro, 2008; Sprintahll & Collins, 2003; Steinberg & Silk, 2002). Os desafios inerentes às mudanças normativas e às exigências de reorganização (interna e externa) que o adolescente terá que realizar para atingir a idade adulta (Ribeiro, 2008) poderão originar a experienciação de estresse e afetar o seu equilíbrio psicológico, traduzindo-se em experiências de vulnerabilidade acrescida (Bizarro, 1999; Compas, 1987; Silva, 2009; Sprinthall & Colins, 2003).

O estresse como processo de transacção

À luz da Teoria Transacional de Lazarus e Folkman (1984, 1986) – um dos modelos mais consensuais e reconhecidos na concepção e compreensão dos fenômenos de estresse – a resposta de estresse decorre de um conjunto de ajustamentos e interações contínuas e mútuas entre o indivíduo e o meio (denominados de transações ou trocas). No seio destas, o indivíduo influencia e é influenciado pelo meio. Nessas transações se destacam dois processos: a avaliação cognitiva e o coping.

Por avaliação cognitiva, Lazarus e Folkman (1984; 1986) entendem a interpretação que os indivíduos fazem do significado de um determinado acontecimento e da adequação dos seus recursos para fazer face ao mesmo. Os autores assumem que a resposta de estresse ocorre quando o indivíduo avalia as exigências do meio como excedendo os seus recursos e capacidades para lidar com as mesmas. A experiência de estresse é, assim, determinada não só pelas propriedades objetivas dos estressores, mas, também, pela percepção que o indivíduo tem da sua capacidade de resposta; da "eficácia" das suas estratégias de coping. À luz da Teoria Transacional, o coping é definido como os esforços – cognitivos e comportamentais – mobilizados pelo indivíduo para enfrentar (reduzir, minimizar ou tolerar) as exigências internas ou externas resultantes da interação com o meio (Lazarus & Folkman, 1984, 1986).

Fatores de estresse na adolescência

Vários foram os investimentos tendo em vista identificação e o estudo dos fatores geradores de respostas de estresse: os estressores ou fatores de estresse. Na sua definição, Derogatis e Coons (1993) assumem um estressor como todo e qualquer estímulo interpretado pelo sujeito como ameaçador, suscitando uma reação de estresse, perturbando, por isso, a homeostase. No que se refere à sua natureza, eles poderão ser físicos, psicológicos, emocionais e/ou sociais. Em relação à duração/frequência um estressor pode ser agudo, sequencial, episódico, intermitente ou crônico.

Adicionalmente, apontam-se as circunstâncias indutoras de estresse como variando não só de pessoa para pessoa, mas, na mesma pessoa, em diferentes etapas da sua vida, nomeadamente na adolescência (De Anda e colaboradores, 2000). Assim, por exemplo, existem evidências de que o estresse familiar (Small, Eastman, & Cornelius, 1988) e estresse amoroso (Nieder & Seiffge-Krenke, 2001) têm maior incidência e são vivenciados com maior intensidade no início (10-14 anos) e na fase intermédia (14-17 anos) da adolescência. Em contrapartida, na fase final da adolescência (17-20 anos), os estressores acadêmicos são apontados como os mais prevalentes (Armacost, 1989; McGuire & Mitic, 1987; Omizo, Omizo & Suzuki, 1988; Seiffge-Krenke, 1995; Sheridan & Smith, 1987; Stark, Spirito, Williams & Guevremont, 1989). Entre estes constam os testes, os resultados escolares, as expetativas de desempenho para o presente e futuro, bem como a concretização dos objectivos futuros (Elkind, 1981; Omizo & cols., 1988; Sheridan & Smith, 1987). Nesses estudos salienta-se, também, o caráter múltiplo e cumulativo dos estressores ambientais, incluindo dificuldades econômicas (Lempers, Clark-Lempers & Simons, 1989), discussões familiares (Fontana & Dovidio, 1984;; Montemayor, 1986; Omizo & cols., 1988) e as relações com os pares (McCubbin & Patterson, 1983; Newcombe, Huba & Bentler, 1986).

Centrando-nos nos adolescentes tardios, mais particularmente naqueles que estão concluindo o ensino secundário (12º ano), destacam-se determinadas situações de estresse quer pela sua especificidade, quer pela intensidade das respostas de estresse a que dão lugar. Assim, a par das tarefas desenvolvimentais nucleares dessa etapa (e da reorganização do conceito e imagens de si próprio que estas acarretam) têm também que lidar com um novo conjunto de expectativas – dos pais, do sistema educativo, da sociedade em geral – quanto a autonomia, sentido de responsabilidade e capacidade de tomar decisões relativamente ao seu futuro académico, profissional e/ou pessoal (Campos, 1990; Silva, 2009). Mais concretamente, no final do ensino secundário têm que, primeiramente, decidir entre o prosseguimento de estudos e o mercado de trabalho. Caso optem pela primeira alternativa, têm que selecionar um curso superior e instituição correspondente, bem como investir para a obtenção de uma média no ensino secundário e exames de ingresso que viabilizem a concretização dos seus projetos vocacionais. A antecipação da mudança de residência e/ou o afastamento da família, amigos e/ou namorados poderão constar, igualmente, entre o amplo leque de desafios que se colocam aos adolescentes que ambicionam uma formação de nível superior. Alguns deles poderão constituir-se em verdadeiros fatores de estresse, potenciadores de situações de desequilíbrio físico e/ou emocional (Pascarella & Terenzini, 1991; Silva, 2009).

Para aqueles que optam pela inserção no mercado de trabalho, os estressores poderão surgir entre expetativas de emprego pouco otimistas e algo frustrantes (ex. pouco "estimulantes", baixas remunerações) ou a não integral autonomia em relação à família de origem (Almeida, Soares & Ferreira, 2002; Silva, 2009). O próprio desenvolvimento econômico dos países industrializados tornaram o mercado de trabalho muito competitivo, pelo que, as preocupações e receios dos adolescentes em torno da sua educação e carreira profissional parecem assumir a maior legitimidade e premência (Matheney, Aycock & McCarthy, 1993).

Numa tentativa de identificar os principais fatores de estresse experienciados pelos alunos do 12º ano no contexto português, as autoras desenvolveram um estudo cujo principal contributo se traduziu na construção e validação do Inventário de Fatores de Estresse – 12º ano. As suas caraterísticas métricas são, em seguida, alvo de análise.

Método

Participantes

O estudo contou com a participação de 341 alunos do 12º ano de escolaridade, frequentando cursos da área científico – humanística do ensino secundário: Ciências e Tecnologias (CT); Ciências Socioeconômicas (SE); Ciências Sociais e Humanas (SH) e Artes Visuais (AV). Os alunos são provenientes de três escolas secundárias da Zona Norte do País, duas pertencentes ao distrito do Porto (uma privada e outra pública) e uma ao distrito de Braga (pública), procurando-se garantir a heterogeneidade socioeconômica dos participantes. Na Tabela 1 procede-se à caraterização do grupo de participantes, tendo em consideração o curso frequentado e a sua distribuição por sexo e idade.

Os dados da Tabela 1 revelam um grupo majoritariamente feminino no grupo total e em todos os cursos isoladamente considerados. No que se refere ao leque de idades, este varia entre os 17 e os 20 anos, situando-se a média nos 17,5 anos. Tomando os alunos em função do seu curso, verifica-se que a média das idades dos alunos de Ciências Sociais e Humanas é superior aos restantes, embora com maior variabilidade na área de Ciências e Tecnologias (17-20). Relativamente à distribuição da amostra por curso, constata-se a concentração no curso de Ciências de Tecnologias (70%); tal deve-se à abrangência de opções que esse curso possibilita em termos de acesso ao ensino superior, pelo que é o de maior preferência pelos alunos.

Instrumento

O Inventário de Fatores de Estresse – 12 º ano (IFS) tem como objetivo identificar os principais fatores de estresse entre a população estudantil do 12º ano, bem como a intensidade com que cada um deles é experienciado. O instrumento conta com um total de 36 itens, reportados a situações potencialmente geradoras de estresse e cuja intensidade é avaliada por intermédio de uma escala Likert de 6 pontos. A cotação para cada item oscila entre 0 e 5 pontos, correspondendo as respostas de nível 0 às situações em que o estressor descrito "Não se aplica" à situação experienciada pelo estudante. No que se refere à restante escala, os seus valores traduzem, respectivamente: 1 – Nenhum Estresse, 2 – Pouco Estresse, 3 – Algum Estresse, 4 – Bastante Estresse e 5 – Muito Estresse.

A construção do IFS foi estruturada em três fases. Numa 1ª fase foram realizadas pesquisas bibliográficas, privilegiando as produções científicas no domínio dos fatores de estresse, em especial na população em estudo. Foram igualmente revistos alguns instrumentos já existentes nessa área. A aproximação dos conteúdos do instrumento a construir à realidade a ser avaliada fez-se, também, por intermédio dos dois focus groups realizados junto de 6 alunos (cada) do 12º ano. Nestes foi pedido que identificassem as principais fontes de estresse presentes no seu quotidiano escolar, pessoal e familiar. Esse esforço inicial permitiu organizar um conjunto de dados para a conceptualização do instrumento e para a posterior redação dos seus itens. No que se refere a esta última, uma das preocupações centrais referiu-se à clareza da linguagem utilizada e da delimitação do estressor em análise.

Em resultado dos anteriores investimentos obteve-se um instrumento estruturado em duas partes essenciais: uma primeira centrada na recolha de elementos sociodemográficos (sexo, idade, curso frequentado; habilitações, profissão e situação profissional dos pais; o valor da média escolar do aluno e o respectivo apoio dos pais, e a preferência, ou não, por uma universidade da área de residência) e a segunda parte, abarcando um total de 36 afirmações/itens fechados, que compõem o IFS.

Uma vez concluída a construção da 1ª versão do IFS (12º ano) procedeu-se à exploração da sua adequação à população-alvo, realizando-se, para isso, reflexões faladas junto de dois grupos de 4 alunos (cada) do 12º ano. O objetivo foi averiguar a clareza e compreensibilidade das instruções e dos itens, a adequação da escala Likert utilizada e a sua apresentação gráfica. Desse processo não resultou qualquer alteração à versão inicialmente proposta.

Procedimentos

Aquando da aplicação do IFS, todos os alunos foram devidamente esclarecidos sobre o âmbito e objetivos do estudo, bem como do seu caráter voluntário, anônimo e confidencial. Relativamente ao momento de aplicação do instrumento, optou-se pelo início do 2.º período letivo, de modo a serem evitados eventuais efeitos de contaminação acarretados pela proximidade temporal dos testes, final de ano letivo e exames nacionais, situações que, por si só, são potencialmente estressantes. O IFS foi aplicado no contexto coletivo da turma durante o período da aula da disciplina de Área de Projeto. A opção por esta disciplina deveu-se à tentativa de minimizar qualquer transtorno decorrente da ocupação do período de aulas. A sua aplicação ficou a cargo dos professores da disciplina, com a orientação dos psicólogos das respectivas escolas.

Resultados

Os 36 itens do IFS (12º ano) foram submetidos a uma análise de componentes principais (ACP), precedida pela averiguação da adequabilidade dos dados para efeitos dessa análise. A verificação da matriz de correlações revelou a presença de coeficientes com valor ³0,30. O valor de Kaiser-Meyer-Oklin foi de 0,93, e o Teste Bartlett de esfericidade atingiu a significância estatística (p<0,001), apoiando a fatoriabilidade da matriz de correlação. Foi adotada uma abordagem exploratória para testar várias soluções abarcando um diferente número de fatores.

A ACP inicial revelou a presença de 7 componentes com valores próprios superiores a 1, explicando 62% da variância. Uma apreciação da screeplot (teste de Catell) mostrou uma quebra depois do 2º fator, optando-se pela retenção destes 2 primeiros fatores para uma exploração mais aprofundada. Por seu lado, uma análise paralela revelou a existência de 4 componentes com valores próprios excedendo o critério dos valores correspondentes para uma matriz de dados do mesmo tamanho e aleatoriamente gerada (36 variáveis x 341 sujeitos, cf. Pallant, 2007). Mediante as diferentes alternativas apresentadas, decidiu-se por uma solução de 4 fatores, explicando 37,7%, 5,3%, 5% e 4,1% da variância, respectivamente (num total de 52%). Para ajudar na interpretação dessa solução foi realizada uma rotação varimax. Refira-se que a opção por esta 3ª alternativa – 4 fatores – deveu-se ao fato de se considerar aquela que pareceu melhor representar a diversidade de estressores com que se debatem os adolescentes nessa etapa do seu percurso.

Os resultados referentes à análise da consistência interna de cada um dos fatores/subescalas são apresentados entre as Tabelas 2 e 5 , correspondentes a cada subescala.

Apreciando a consistência interna desta primeira subescala, verificamos um valor claramente favorável (alfa =0,93), suplantando largamente o limiar de 0,70 definido na literatura (Almeida & Freire, 2007). Aliás, vão também nesse sentido os índices de correlação item x total corrigido (ritc), todos eles superiores a 0,53. Em face dos valores apresentados, podemos concluir pela validade interna dos itens e pela consistência interna dessa subescala. Analisando a distribuição das respostas aos 16 itens dessa subescala, verifica-se a oscilação da sua média entre os valores 2,06 e 4,09. No que se refere aos desvios padrão (DP) encontrados nas suas distribuições, estes surgem um pouco acima do valor desejado (1,00).

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Olhando a consistência interna da subescala, verifica-se a subida do valor de alfa de Cronbach de 0,64 para 0,72 se eliminado o item reportado à "Relação com os professores" como fonte de estresse. De salientar a tendência para a concentração das respostas no extremo inferior da escala likert de 5 pontos (médias entre 1,45 e 2,67) e os menores índices de correlação item x total corrigido (ritc) quando comparados com a subescala anterior. Relativamente aos desvios-padrão (DP), uma vez mais se verificam valores acima do desejado, oscilando entre 1,12 (item 14) e 1,27 (item 16).

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Neste fator, uma vez mais a dispersão dos itens circunscreve-se ao extremo inferior da escala, oscilando as médias entre 1,88 e 3,00. No que se refere aos DP, novamente o valor 1 é superado. Tomando a validade interna dos itens (poder discriminativo), os valores do ritc são bastante satisfatórios (todos acima de .42). Tais índices refletem-se na consistência interna da escala assumindo o alfa de Cronbach o valor de 0,83.

Apreciando a consistência interna da subescala, verificamos que o seu valor inicial (alfa= 0,68) ascende para 0,76, quando o item "Relações amorosas" é eliminado. No que se refere à dispersão das respostas, constata-se, uma vez mais, a sua concentração no extremo inferior da escala (médias entre 1,69 e 2,79), superando o DP, em quase todos os itens, largamente o valor recomendado, em especial no item 27 cujo valor de DP (1,716) superou o valor da Média (1,69).

Na Tabela VI sintetizam-se as principais características, dimensões e conteúdos do IFS (12º ano).

Discussão

O estudo empreendido na validação do IFS originou um instrumento com 34 itens, pelo que se verificou uma redução relativamente ao instrumento original (36 itens), já que foram eliminados os itens 35 e 17 dos fatores 2 e 4, respectivamente, uma vez que tal beneficiava a sua consistência interna. Os 34 itens estão organizados em torno de quatro dimensões estruturantes: "Tarefas acadêmicas e vocacionais"; "Relações interpessoais"; "Desafios do ensino superior" e "Compromissos".

Tais dimensões parecem representar adequadamente os estressores apontados pela literatura na área, sendo que entre estes se destacam a manifestação, nessa fase da adolescência, de maiores níveis de estresse na esfera académica e vocacional (Armacost, 1989; McGuire & Mitic, 1987; Omizo, Omizo & Suzuki, 1988; Seiffge-Krenke, 1995; Sheridan & Smith, 1987; Stark, Spirito, Williams & Guevremont, 1989). Entre os principais estressores, a literatura destaca as preocupações dos adolescentes tardios relativamente aos seus resultados escolares (pelo peso que assumem na viabilização das escolhas em termos de ensino superior) ou com as pressões associadas às expectativas (suas e dos outros) relativamente ao seu desempenho presente e futuro, às suas tomadas de decisão e ao atingir dos objetivos – académicos, profissionais e/ou pessoais – que definiram para si (Elkind, 1981; Omizo & cols., 1988; Sheridan & Smith, 1987). As transições escolares – neste caso correspondentes à entrada no ensino superior –, a conquista da sua autonomia relativamente aos pais e família, o afastamento da rede de amigos, o estabelecimento (ou o quebrar) de relações de maior proximidade e intimidade (no presente e num futuro próximo como no ingresso no ensino superior) aparecem também representadas nas outras três dimensões do IFS – "Relações interpessoais", "Compromissos" e "Desafios do ensino superior"-, sintetizando outros estressores comumente identificados pela literatura nesta área (Buhrmester, 1996; Campos, 1990; Fonseca, 2005; Leffert & Petersen, 1996; Ribeiro, 2008; Silva, 2009; Sprintahll & Collins, 2003; Steinberg & Silk, 2002).

Quanto às características métricas do instrumento, verifica-se a presença de índices de consistência interna, nas 4 subescalas, bastante adequados, superando todos eles o limiar definido na literatura (0,70). No que toca à dispersão, os resultados não são tão satisfatórios, verificando-se uma tendência para a concentração das médias no extremo inferior da escala de 5 pontos e desvios padrão superiores ao valor recomendado.

Os valores obtidos no nível da dispersão das respostas dos participantes nas subescalas "Relações interpessoais", "Desafios do Ensino Superior" e "Compromissos" poderão dever-se, essencialmente, ao fato de 89,5% dos alunos que participaram no estudo terem objetivos no nível do ingresso no ensino superior. Ou seja, tendo em conta o papel determinante das notas/médias no acesso aos cursos/instituições da sua eleição, bem como as pressões e as expectativas existentes em torno deste projeto, facilmente se explicam os maiores índices de estresse reportados às "tarefas acadêmicas e vocacionais". Dado o seu elevado enfoque nessas questões, é provável que situações mais ligadas à esfera interpessoal ou ao futuro a médio prazo (desafios do ensino superior) não sejam, nesta fase, tão prementes e, por isso, serão percebidas como menos estressantes.

Conclusão

No decorrer do presente estudo procurou-se investigar uma temática tão atual como crucial para o desenvolvimento adaptativo dos adolescentes: o estresse vivenciado durante o 12º ano. Tal como anteriormente salientado, entre os adolescentes, as exigências e desafios colocados pelas diversas tarefas desenvolvimentais desta etapa, bem como os resultantes das mudanças ocorridas na relação consigo próprio, com os outros e com os seus diferentes contextos de vida, poderão dar lugar à experienciação de situações de estresse, uma vez que poderão implicar recursos e/ou competências que os adolescentes poderão perceber como não detendo. Entre os estudantes do 12º ano, atendendo aos desafios específicos que esta etapa encerra e suas implicações ao nível da performance escolar, do bem-estar físico e psicológico e/ou da concretização (ou não) dos seus objetivos pessoais, académicos e/ou profissionais, o estudo dos principais fatores de estresse parece-nos da maior relevância. Tal relevância prende-se não apenas com a identificação, quantificação e conhecimento mais aprofundado desses estressores, mas, também, com a intervenção que daí poderá decorrer, uma vez que sustentada num "diagnóstico" apoiado nas dificuldades vivenciadas.

Em face da escassez da investigação nesta temática e nesta população assumiu-se, então, como principais objetivos deste trabalho a construção e validação de um instrumento que impulsionasse esse investimento. Desse esforço resultou o Inventário de Fatores de Estresse – 12º ano (IFS). O estudo visando à validação do IFS originou um instrumento com 34 itens organizados em torno de quatro dimensões nucleares: "Tarefas académicas e vocacionais"; "Relações interpessoais"; "Desafios do ensino superior" e "Compromissos".

Este estudo poderá constituir-se como o primeiro esforço para a sua concretização como instrumento de trabalho, como fonte de informação para uma possível intervenção junto da população em estudo. Dadas as potencialidades deste instrumento e algumas das fragilidades apontadas a partir da análise das suas características métricas, recomenda-se a realização de outros estudos, adotando grupos de participantes com caraterísticas distintas do presente estudo, principalmente no que se refere aos seus objetivos formativos e profissionais. Sugere-se, em particular, um estudo que considere um número mais representativo de alunos com objetivos no nível do ingresso no mundo do trabalho logo após a conclusão do ensino secundário. Salienta-se, de igual modo, o fato deste estudo ter considerado apenas a realidade portuguesa, pelo que deverão ser empreendidos esforços para a sua normatização em outras culturas.

Recebido em junho de 2010

Reformulado em setembro de 2010

Aprovado em novembro de 2010

Sobre as autoras:

Cândida Silva é psicóloga na Escola Secundária José Régio. Possui Licenciatura e Mestrado em Psicologia Escolar e da Educação pela Universidade do Minho.

Susana Caires é professora auxiliar do Departamento de Psicologia da Educação e Educação Especial – Instituto de Educação da Universidade do Minho e doutorada em Psicologia, especialidade em Psicologia da Educação com as seguintes áreas de interesse: Estresse, Parentalidade, Família e Psicologia Pediátrica.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      Nov 2010
    • Revisado
      Set 2010
    • Recebido
      Jun 2010
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