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Avaliação da sonolência em estudantes universitários de turnos distintos

Evaluation of sleepiness in college students from different shifts

Evaluación de la somnolencia en estudiantes universitarios de turnos distintos

Resumos

Estudantes de graduação possuem altas chances de apresentar Sonolência Diurna Excessiva, devido aos horários escolares e às demandas acadêmicas. Por isso, pretendeu-se analisar níveis de sonolência de estudantes de turnos distintos. O universo foi constituído por 109 graduandos do turno matutino e 125 do noturno. Utilizou-se a Escala de Sonolência de Epworth. A amostra apresentou média total de 9,38 (DP=4,03), sendo 9,03 (DP=4,01) para o turno matutino e 9,7 (DP=3,93) para o noturno. Foram detectadas diferenças significativas nos níveis de sonolência entre turnos (η² =0,10;p < 0,00), e entre os indivíduos do gênero masculino e feminino nos dois turnos (η²=0,45; p<0,00). Assim, deve ser considerado o papel das demandas acadêmicas em cada turno, já que elas afetam diretamente a qualidade do sono.

Sono; Escala de Sonolência Epworth; Estudantes universitários


Undergraduate students are a population with high chances of developing Excessive Daytime Sleepiness, due to school schedules and academic demands. Our aim was to examine the levels of sleepiness of students belonging to morning and night classes. The universe has consisted of 109 undergraduate students of the morning shift and 125 of the night shift. We have used the Epworth Sleepiness Scale. The sample had an average of 9.38 (SD=4.03), and 9.03 (SD=4.01) for the morning shift and 9.7 (SD=3.93) for the night shift. Statistical analysis showed significant differences in sleepiness between shifts (η²=0,10; p<0,00), and among male subjects and female in the two shifts (η²=0,45; p<0,00). It should therefore be considered the role of academic demands, since they are directly affecting the quality of sleep and the demands inherent to women.

Sleep; Epworth Sleepiness Scale; College students


Estudiantes de graduación poseen altas posibilidades de presentar Somnolencia Diurna Excesiva, debido a los horarios escolares y a las demandas académicas. Por eso, se pretendió analizar niveles de somnolencia de estudiantes de turnos distintos. El universo fue constituido por 109 graduandos del turno matutino y 125 del nocturno. Se utilizó la Escala de Somnolencia de Epworth. La muestra presentó promedio total de 9,38 (DP=4,03), siendo 9,03 (DP=4,01) para el turno matutino y 9,7 (DP=3,93) para el nocturno. Fueron detectadas diferencias significativas en los niveles de somnolencia entre turnos (η²=0,10; p<0,00), y entre los individuos del género masculino y femenino en los dos turnos (η²=0,45; p<0,00). Así, debe ser considerado el papel de las demandas académicas en cada turno, ya que ellas afectan directamente la calidad del sueño.

Sueño; Escala de Somnolencia Epworth; Estudiantes universitarios


ARTIGOS

Avaliação da sonolência em estudantes universitários de turnos distintos

Evaluation of sleepiness in college students from different shifts

Evaluación de la somnolencia en estudiantes universitarios de turnos distintos

Danilo de Freitas AraújoI; Katie Moraes de AlmondesII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

Contato com as autores

RESUMO

Estudantes de graduação possuem altas chances de apresentar Sonolência Diurna Excessiva, devido aos horários escolares e às demandas acadêmicas. Por isso, pretendeu-se analisar níveis de sonolência de estudantes de turnos distintos. O universo foi constituído por 109 graduandos do turno matutino e 125 do noturno. Utilizou-se a Escala de Sonolência de Epworth. A amostra apresentou média total de 9,38 (DP=4,03), sendo 9,03 (DP=4,01) para o turno matutino e 9,7 (DP=3,93) para o noturno. Foram detectadas diferenças significativas nos níveis de sonolência entre turnos (η2 =0,10;p < 0,00), e entre os indivíduos do gênero masculino e feminino nos dois turnos (η2=0,45; p<0,00). Assim, deve ser considerado o papel das demandas acadêmicas em cada turno, já que elas afetam diretamente a qualidade do sono.

Palavras-chave: Sono; Escala de Sonolência Epworth; Estudantes universitários.

ABSTRACT

Undergraduate students are a population with high chances of developing Excessive Daytime Sleepiness, due to school schedules and academic demands. Our aim was to examine the levels of sleepiness of students belonging to morning and night classes. The universe has consisted of 109 undergraduate students of the morning shift and 125 of the night shift. We have used the Epworth Sleepiness Scale. The sample had an average of 9.38 (SD=4.03), and 9.03 (SD=4.01) for the morning shift and 9.7 (SD=3.93) for the night shift. Statistical analysis showed significant differences in sleepiness between shifts (η2=0,10; p<0,00), and among male subjects and female in the two shifts (η2=0,45; p<0,00). It should therefore be considered the role of academic demands, since they are directly affecting the quality of sleep and the demands inherent to women.

Keywords: Sleep; Epworth Sleepiness Scale; College students.

RESUMEN

Estudiantes de graduación poseen altas posibilidades de presentar Somnolencia Diurna Excesiva, debido a los horarios escolares y a las demandas académicas. Por eso, se pretendió analizar niveles de somnolencia de estudiantes de turnos distintos. El universo fue constituido por 109 graduandos del turno matutino y 125 del nocturno. Se utilizó la Escala de Somnolencia de Epworth. La muestra presentó promedio total de 9,38 (DP=4,03), siendo 9,03 (DP=4,01) para el turno matutino y 9,7 (DP=3,93) para el nocturno. Fueron detectadas diferencias significativas en los niveles de somnolencia entre turnos (η2=0,10; p<0,00), y entre los individuos del género masculino y femenino en los dos turnos (η2=0,45; p<0,00). Así, debe ser considerado el papel de las demandas académicas en cada turno, ya que ellas afectan directamente la calidad del sueño.

Palabras-clave: Sueño; Escala de Somnolencia Epworth; Estudiantes universitarios.

Estima-se que os distúrbios do sono afetam, no Brasil, pelo menos 10 a 20 milhões de pessoas (Danda, Ferreira, Azenha, Souza & Bastos, 2005). Dentre os sintomas provocados pelos distúrbios do sono encontram-se mal-estar, fadiga, irritabilidade, prejuízo na agilidade e eficiência mental (Campos & Martino, 2004). Outro sintoma muito recorrente diz respeito à Sonolência Diurna Excessiva (SDE). Estatísticas apontam que 4% a 12% da população em geral se queixam deste sintoma (Souza, Souza, Arashiro & Schaedler, 2007), que é uma das principais causas de acidentes automobilísticos, acidentes de trabalho, erros em atividades que demandam atenção (controle de tráfego aéreo, por exemplo), dentre outras (Moreno, Fischer & Rotenberg, 2003).

A sonolência diurna excessiva relaciona-se ao sono que ocorre nas situações em que seria esperado que o indivíduo estivesse alerta e desperto. Por isso, este estado é constituído por ataques do sono, cochilos involuntários e necessidade subjetiva para dormir (Bittencourt, Silva, Santos, Pires & Mello, 2007). Dessa forma, sonolência excessiva pode ser conceituada como um estado em que ocorre desordem dos processos fisiológicos e cognitivos, repercutindo durante o estado de vigília do indivíduo (García & colaboradores, 2004). Associa-se, muitas vezes, a irregularidades do padrão de sono e duração de sono encurtada ou privação de sono, o que afeta a qualidade de sono.

Assim, ela afeta diversos aspectos da vida de um indivíduo, como saúde, estudo, trabalho e relações interpessoais (Bittencourt & colaboradores, 2007). Dentre os prejuízos na esfera cognitiva estão a dificuldade de dirigir e manter constante a atenção, comprometimento na capacidade de planejamento, lapsos de memória, déficits na agilidade e precisão da coordenação motora, dentre outros (Danda & colaboradores, 2005).

Dados da literatura apontam para as altas chances dos estudantes (sobretudo os do ensino superior) desenvolverem sonolência excessiva diurna. Justifica-se essa afirmativa ao se mencionarem os períodos extensos destinados aos horários de aulas, aos estudos e às outras atividades curriculares (Medeiros & colaboradores, 2002), típicos de quem cursa a graduação de nível superior. Um exemplo disso é o estudo de Sai (2007) com uma amostra constituída por 150 estudantes de graduação chineses, cujos dados demonstraram uma correlação significativa entre altos níveis de sonolência e a duração do sono, sugerindo que o grande número de demandas acadêmicas afetava a duração do sono desses indivíduos, influenciando diretamente seus níveis de sonolência. Já o estudo de Morales, Flores, Meneses, Figueiras e Guerrero (2005) discute não só a prevalência de sonolência em estudantes, como também as consequências desta. Nessa pesquisa (realizada com 64 graduandos de psicologia), eles mostraram que havia altos níveis de sonolência diurna excessiva na amostra, relacionados a decréscimos nos níveis de compreensão e resolução de problemas matemáticos, indicando, com isso, uma associação significativa entre sonolência excessiva e rendimento acadêmico.

O turno em que os graduandos estudam também pode se constituir num importante fator que influencia os níveis de sonolência diurna excessiva. De acordo com Lima, Medeiros e Araújo (2002), numa pesquisa com alunos de graduação, aqueles que estudavam muito cedo no turno matutino, em detrimento daqueles que estudavam mais tarde, apresentavam qualidade do sono ruim e, dessa forma, sonolência diurna. Natal e colaboradores (2009) demonstram que os estudantes com o sono mais negativamente afetado eram aqueles que cursavam o turno da manhã. Em ambos os estudos, as aulas começavam às 7h, e os estudantes tinham que acordar mais cedo para chegar a tempo nas aulas. Além disso, como resultado de cumprir as demandas acadêmicas, eles sofriam de privação de sono durante a semana e, por isso, a organização de suas atividades diárias em função dos seus horários de aula estava fortemente relacionada à privação.

Por outro lado, além das demandas mencionadas, muitos dos estudantes de graduação dedicam-se também ao trabalho. Numa pesquisa com estudantes que cursavam o turno noturno e, além disso, trabalhavam, Fischer, Oliveira, Teixeira, Teixeira e Amaral (2003) encontraram que 46,3% desses alunos afirmaram sentir sonolência excessiva, e que ela estava relacionada à redução da duração do sono noturno, já que deviam acordar mais cedo para trabalhar. Teixeira (2002), em seu estudo, afirma que os padrões de sonolência de estudantes não-trabalhadores são diferentes dos de estudantes trabalhadores, uma vez que estes exercem atividades de trabalho que demandam horários alternativos para estudar (depois das 22h, por exemplo). Por isso, eles dormem mais tarde e têm menor duração do sono noturno, bem como menor qualidade do sono.

Dessa forma, dados apontam que tanto no turno matutino como no turno noturno ocorrem exigências que afetam os níveis de sonolência dos estudantes (Agudelo & colaboradores, 2005; Natal & colaboradores, 2009). Em primeiro lugar, os horários de estudo no turno matutino que iniciam muito cedo (por volta das 7h) podem afetar a qualidade do sono e acarretar sonolência excessiva. Em segundo lugar, no turno noturno o trabalho pode se constituir num fator que estende o período de vigília e, juntamente com as atividades acadêmicas, afeta a duração de sono. Assim, a proposta deste estudo é analisar os níveis de sonolência de estudantes universitários, pertencentes a turmas de turnos diferentes (manhã e noite) de uma faculdade privada da cidade de Natal (RN), e verificar se há diferenças nos níveis de sonolência entre elas.

Método

Participantes

O universo foi constituído por graduandos de uma faculdade privada de Natal, Rio Grande do Norte, totalizando 234 estudantes, dos quais 109 cursavam o turno matutino e 125 o turno noturno.

A média de idade da amostra geral foi de 24 anos (DP=8,09 anos). No turno matutino constatou-se uma média de idade de 23,26 (DP=7,03 anos), enquanto no turno noturno os alunos apresentaram uma média de idade de 25,1 (DP=8,85 anos).

Dos graduandos que compuseram a amostra, 66,7% foram mulheres, enquanto 33,3% foram homens, sendo que na amostra do turno matutino 73,4% foram do gênero feminino e 26,6% do gênero masculino, e na amostra do turno noturno, 60,8% foram do gênero feminino e 39,2% do masculino.

A pesquisa, desta forma, coletou informações dos turnos da manhã (composto pelos cursos de Enfermagem, Nutrição, Fisioterapia e Direito) e da noite (abrangendo os cursos de Administração, Psicologia, Ciências Contábeis e Direito). As aulas do turno matutino iniciavam às 7h40, com término às 12h00, e as do turno noturno iniciavam às 19h00 e terminavam às 22h35.

Instrumento e procedimentos

Logo após ter sido efetivada a aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição onde se realizou o presente estudo (sob o n° de protocolo 12/2007), procedeu-se ao levantamento dos cursos e turmas existentes. Assim, optou-se por realizar a pesquisa com os discentes que se encontravam no segundo semestre do primeiro ano, pois essas turmas já estavam adaptadas ao regime de horários e demandas inerentes a uma instituição de ensino superior.

Por meio de ofícios, requereu-se a autorização de cada coordenador dos cursos de graduação para a realização da pesquisa. Obtida essa autorização, efetivou-se a coleta: antes do começo das aulas ou ao término (com o consentimento dos professores que ocupavam o horário), adentrava-se nas salas de aula e procedia-se à leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ao mesmo tempo em que os objetivos da pesquisa eram expostos.

Após a leitura do Termo, os estudantes voluntários o assinavam, concordando em participar do estudo; em seguida, preenchiam uma ficha de identificação, em que constavam os dados demográficos de perfil da amostra, como nome, gênero, local de trabalho, horários de aula e horários de esquema de trabalho, presença de problemas de saúde, dentre outros.

O instrumento que se prestou a cumprir os objetivos desta pesquisa foi a Escala de Sonolência de Epworth (ESE), um questionário constituído por oito situações, tanto ativas como passivas, associadas a diferentes graus de sonolência (Johns, 1991). O indivíduo deveria responder qual seria a chance de cochilar em cada uma das ocasiões apresentadas, pontuando de 0 (nenhuma chance) a 3 (alta chance). Escores obtidos acima de 10 são diagnósticos de sonolência diurna excessiva.

Análise dos dados

Foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov para avaliar a existência de normalidade dos referidos dados. Foram realizadas, ainda, análises descritivas (frequências, médias e desvios padrão). Foi usada a ANOVA de duas vias, turno e gênero, com o objetivo de investigar a interação entre os dois fatores. Foi utilizado também o teste quiquadrado para comparar as frequências de ocorrência de sonolência excessiva entre os dois turnos. E ainda, foi calculado o Coeficiente de Correlação de Pearson entre os níveis de sonolência diurna excessiva e os dados sociodemográficos, nos dois turnos. Foi utilizado o software Statistic (versão 11.0).

Resultados

Os dados obtidos foram considerados normais pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. A amostra da presente pesquisa foi constituída por um total de 234 estudantes. Desse total, 13,2% já possuíam uma formação de nível superior (correspondendo a 12% dos estudantes do turno matutino e 15% do turno noturno); 83,8% dos estudantes eram solteiros (86,2% do turno matutino e 81,6% do noturno); e 82,9% não possuíam filhos (88,1% do turno matutino e 78,4% do turno noturno). Além disso, 70,6% do turno matutino e 32% do turno noturno afirmaram não possuir nenhuma outra ocupação além dos estudos, demonstrando que no turno noturno havia um número maior de indivíduos com vínculo empregatício (ver Tabela 1).

Em relação à sonolência, verificou-se que a amostra apresentou uma média total de 9,4 (DP=4,03) na Escala de Sonolência de Epworth (conforme apresentado na Tabela 2). O turno matutino obteve uma média de 9,03 (DP=4,01) na escala, enquanto o turno noturno alcançou uma média de 9,7 (DP=3,93). Esses dados apontam que os indivíduos dos dois grupos não foram diagnosticados com sonolência excessiva, mas as médias elevadas e o desvio padrão demonstraram tendência para o diagnóstico de sonolência. A ANOVA demonstrou que há diferenças significativas entre os níveis de sonolência do turno matutino e os níveis de sonolência do turno noturno (η2=0,10; p<0,00), sugerindo que o turno noturno obteve médias de níveis de sonolência significativamente maiores em relação ao turno matutino.

Considerando a tendência para o diagnóstico de sonolência excessiva nos dois turnos, verificou-se que 33,94% dos estudantes do turno matutino e 42,4% dos estudantes do turno noturno foram diagnosticados com sonolência diurna excessiva (Tabela 2). Os dados sugerem que o turno noturno não apresentou ocorrência significativamente maior de casos diagnosticados de sonolência excessiva, em relação ao turno matutino, já que a diferença não foi estatisticamente significativa, segundo o Teste Quiquadrado (χ2=0,84; p=0,36).

Na análise da interação entre as variáveis gênero e turno, os homens que estudavam no turno matutino obtiveram média de 7,93 (DP=3,98), ao passo que as mulheres alcançaram 9,42 (DP=4,09). Os homens que estudavam no turno noturno obtiveram 9,31 (DP=4,29) na Escala de Sonolência e as mulheres, 9,95 (DP=3,74). A ANOVA demonstrou que há diferenças significativas entre os níveis de sonolência dos indivíduos do gênero masculino e os indivíduos do gênero feminino nos dois turnos (η2=0,45; p<0,00), revelando que as mulheres apresentaram níveis maiores de sonolência excessiva do que os homens, independentemente dos turnos.

Quando foi realizado o Teste de Correlação de Pearson para analisar se havia correlação entre os níveis de sonolência e os dados demográficos, os resultados indicaram apenas uma correlação entre os níveis de sonolência e a condição de ter filhos no turno noturno (r=-0,18; p<0,05), sugerindo que os filhos parecem ser uma variável influenciadora para os indivíduos que apresentaram altos níveis de sonolência excessiva no turno noturno (Tabela 3).

Discussão e considerações finais

O presente estudo buscou avaliar os níveis de sonolência diurna excessiva em estudantes de graduação, pertencentes a turmas de turnos diferentes (manhã e noite). Em relação à amostra geral e aos turnos matutino e noturno, embora os dados não tenham apontado para o diagnóstico de sonolência excessiva, as médias encontradas se mostraram elevadas, com tendência para o diagnóstico. Tal fato indica a influência que as demandas inerentes a cada turno exercem sobre o sono dos estudantes de graduação, e demonstra que as médias de sonolência não dependem diretamente do turno de estudo.

Considerando os achados, não se pode ignorar que ocorrem, em ambos os turnos, atividades acadêmicas, extensos horários direcionados aos estudos, demandas extracurriculares inerentes ao curso universitário e aulas, que podem estar relacionados à privação do sono, acarretando, com isso, níveis elevados de sonolência ao longo do dia (Laberge & colaboradores, 2010). É possível perceber, por isso, que durante os anos de graduação, ocorre uma diminuição da duração total do sono, bem como um atraso em seu início (Carskadon, Acebo & Seifer, 2001; Ohayon, Carskadon, Guilleminault & Vitiello, 2004). O estudante é obrigado a restringir o sono durante a semana e a estendê-lo nos fins de semana e feriados para compensá-lo, ocasionando o chamado "efeito sanfona" (Thorleifsdottir, Bjõrnsson, Benediktsdottir, Gislason & Kristbjarnarson, 2002).

A sonolência excessiva, dessa forma, influencia de modo significativo a vida do estudante universitário, principalmente quanto ao seu rendimento acadêmico. Segundo Gianotti e Cortesi (1997), estudantes italianos que dormiam menos durante a semana queixavam-se mais de sonolência diurna e cochilavam um número maior de vezes do que a população em geral e, em decorrência disso, havia uma forte associação entre sono e baixo desempenho acadêmico. Num outro estudo, Gibson e colaboradores (2006) procuraram avaliar a sonolência em estudantes e verificaram níveis elevados de SDE nessa amostra, comprometendo a consolidação da memória e, consequentemente, o êxito acadêmico. Os autores discutem que o atraso do início do sono é um dos responsáveis pela queda do rendimento acadêmico.

Na presente investigação, os níveis de sonolência do turno noturno foram significativamente maiores em relação aos estudantes do turno matutino. Considerando que 68% dos alunos do turno noturno trabalhavam (em detrimento dos alunos do turno matutino, cuja parcela de 29,4% possuía vínculo empregatício), é possível perceber que a variável trabalho assume um papel de destaque, já que foi um tipo de demanda frequente dos alunos participantes da amostra que estudavam no turno noturno.

Assim, muitos estudantes de graduação que estudam à noite também trabalham durante o dia. Em estudos anteriores, buscou-se avaliar a relação entre os horários de aula e vínculo de trabalho. Assim, conforme estudo proposto por Machado, Varella e Andrade (1998), alunos que desempenham alguma atividade rotineira (trabalho, por exemplo) têm maior chance de relatar privação do sono. Os autores verificaram que estudantes comprometidos com atividades laborais, sejam pela manhã, sejam pela noite, demonstraram privação parcial do sono em dias da semana. Isso era mais evidente no grupo dos estudantes que trabalhavam à noite, que não atrasaram horários de dormir em fins de semana, talvez por causa da maior necessidade de sono, acumulado durante a semana.

No entanto, os estudantes do turno matutino também apresentaram forte tendência para sonolência diurna excessiva. Em especial, ao contrário das demais pesquisas sobre a temática, esses alunos iniciavam suas aulas um pouco mais tarde, às 7h40min. Isso reflete que eles também estão privados de sono, isto é, o atraso de fase de sono verificado e consequente mudança no ritmo circadiano, provocado pela necessidade de acordarem mais cedo pela manhã, restringe a duração do seu sono (Gibson & colaboradores, 2006). Assim, Machado e colaboradores (1998) também buscaram avaliar no seu estudo os níveis de sonolência de estudantes de graduação do turno matutino, verificando que a dificuldade para despertar espontaneamente foi maior, por causa da obrigação de acordar mais cedo para ir às aulas (que iniciavam às 7h30). Também foi relatado no estudo da autora um aumento da duração do sono nos fins de semana, para compensar o débito acumulado de sono no decorrer da semana. Outras atividades diárias, como atividades acadêmicas e horários dedicados ao lazer, tiveram um papel importante na organização de fase e na duração do sono dos estudantes universitários.

Além disso, quando foi analisado se havia diferenças nos níveis de SDE por gênero, encontrou-se que as mulheres apresentavam níveis maiores de sonolência excessiva do que os homens, independentemente dos turnos. Tal fato pode indicar que as demandas vivenciadas pelo gênero feminino podem ser muito maiores em relação ao gênero masculino. Rotenberg, Portela, Marcondes, Moreno e Nascimento (2001) discutem que sobre o gênero feminino recaem responsabilidades inerentes ao cuidado da casa, bem como tarefas ligadas ao marido e aos filhos. Assim, no estudo que realizaram com trabalhadores do gênero masculino e feminino, observaram uma tendência nas trabalhadoras sonolentas, casadas e com filhos, a dormir menos de manhã e a dormir mais vezes por dia, quando comparadas às colegas que eram solteiras e não tinham filhos.

No presente estudo, níveis de sonolência e a condição de ter filhos no turno noturno estavam correlacionados, apontando para o fato de que os estudantes com filhos do turno noturno, apresentaram maiores níveis de sonolência em relação aos indivíduos sem filhos.

Danda e colaboradores (2005), num estudo com alunos de medicina, não encontraram diferenças significativas ente os gêneros. No entanto, reconhecem que os estudantes de graduação são considerados uma população suscetível a desenvolver privação do sono, uma vez que, além de enfrentar uma carga curricular em horário integral, em busca de uma boa qualificação profissional, complementam o curso com atividades extracurriculares como plantões, pesquisas e monitorias. Assim, submetem-se a forte pressão e estresse, sobretudo em decorrência das exigências de alto rendimento acadêmico e pelo tempo demandado em estudos. Dedicam muito do seu tempo livre para conseguir atender a tais solicitações, inclusive horários que deveriam ser dedicados ao sono. Consequentemente, privados de sono, tenderão a experimentar os sintomas mencionados.

Considerando que outros estudos poderão ampliar o alcance dos achados, algumas limitações podem ser destacadas. Por exemplo, ao restringir os participantes da amostra aos alunos do segundo semestre, a avaliação do sono focou apenas nesse período de graduação. No entanto, com a participação de turmas de outros semestres, a influência da sonolência diurna excessiva seria analisada ao longo de toda a graduação, que possui grande variação no número de demandas entre os períodos (é o caso dos últimos semestres, com a presença de estágios). No presente estudo também não foram abordadas as consequências da sonolência excessiva sobre o cotidiano acadêmico dos estudantes. Poderia ser considerado o rendimento acadêmico e possíveis correlações com a sonolência diurna excessiva, como forma de avaliação dos efeitos desse sintoma.

Estudos posteriores poderão verificar também até que ponto a sonolência está relacionada às demandas diárias dos estudantes de graduação, analisando outros horários de aula. Numa sociedade que funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, e que busca produzir cada vez mais bens e serviços (Rotenberg & colaboradores, 2001), estudantes de graduação se constituem numa população amplamente afetada. Em virtude de estarem inseridos nessa sociedade 24 horas, é importante considerar a influência do turno vespertino ou de aulas em mais de um turno, por exemplo, para só então investigar achados que beneficiem o bem-estar dos alunos de graduação.

Contato com os autores:

Campus Universitário

Caixa Postal 1622 - Lagoa Nova

CEP 59078-970 - Natal-RN

E-mail: kmalmondes@ufrnet.br

Recebido em 10/02/2011

Reformulado em 16/04/2012

Aprovado em 08/05/2012

Sobre os autores:

Danilo de Freitas Araújo é graduado em Psicologia pela Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte (2009) finalizando mestrado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2012). É psicólogo clínico/saúde.

Katie Moraes de Almondes possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual da Paraíba (1996), mestrado em Psicobiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2001) e doutorado em Psicobiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2007). É psicóloga clínica e hospitalar/saúde e professora adjunta do Departamento de Psicologia e da Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2012
  • Data do Fascículo
    Ago 2012

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2011
  • Aceito
    08 Maio 2012
  • Revisado
    16 Abr 2012
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