Introdução
Existe grande variabilidade no envelhecimento cognitivo entre os indivíduos, dada à heterogeneidade de aspectos biológicos, socioeconômicos, culturais e ambientais que podem modular esse processo (Reuter-Lorenz, & Park, 2010; Wilson et al., 2002). Dessa forma, pesquisadores investigam a influência da participação social e do engajamento em atividades intelectuais e físicas na trajetória de envelhecimento cognitivo (Wang, Karp, Winblad, & Fatiglioni, 2002; Vemuri et al., 2014).
As Atividades avançadas de vida diária (AAVDs) constituem um conjunto de atividades de lazer, realizadas no tempo livre, independentes do trabalho, que incluem o voluntariado, atividades educacionais, participação social na comunidade, sendo dependentes de motivação pessoal (Neri, 2005). As AAVDs podem ser divididas em físicas e sociais (Reuben, Laliberti, Hiris & Mor, 1990) ou em sociais, produtivas, físicas e de lazer (Dias, 2009), sobrepondo-se conforme a finalidade e a natureza das atividades. Na literatura gerontológica, as AAVDs podem indicar boa saúde física e mental, e a redução no engajamento nessas atividades pode sugerir início de declínio funcional, alterações cognitivas e fragilidade (Dias, Duarte & Lebrão, 2010; Kono, Kai, Sakato & Rubenstein, 2007; Melo, 2009; Silva et al. 201).
As evidências indicam que idosos socialmente participativos e engajados em atividades de lazer tenderiam a ter melhor desempenho cognitivo (Figueiredo, Assis, Silva, Dias & Mancini, 2013; Silva et al. 2014; Wang et al., 2002; Wang et al., 2012). Esses resultados indicam que a realização dessas atividades poderia ser recomendada como uma estratégia de prevenção para postergar o declínio cognitivo e possível início de síndromes demenciais (Vemuri et al., 2014; Wang et al., 2012).
Em estudo recente, (Vemuri et al. 2014) observaram que idosos que possuíam o gene APOE4 e que encontravam-se no 75º percentil de enriquecimento intelectual (maior escolaridade, ocupação estimulante ao longo da vida e maiores índices de participação em atividades na velhice) postergaram em 8,7 anos o aparecimento de declínio cognitivo em comparação aos idosos com baixo enriquecimento. Dessa forma, alguns pesquisadores defendem que a exposição do indivíduo a atividades complexas ao longo da vida pode estar associada à formação de reserva cerebral e cognitiva (Fratiglioni, Paillard-Borg, & Winblad, 2004; Scarmeas et al., 2001; Stern, 2009).
(Di Rienzo 2009), em estudo epidemiológico realizado no município de São Paulo, avaliou a participação de 1.520 idosos em atividades sociais, físicas, cognitivas e cotidianas e a relação com o desempenho cognitivo. Após 24 meses, 1.243 idosos foram reavaliados. Os resultados revelaram uma associação positiva entre a participação em atividades e o funcionamento cognitivo. Tal participação esteve associada à redução no risco para o comprometimento cognitivo amnésico e para demência, sugerindo que a realização dessas atividades pode contribuir com a preservação da cognição.
Embora o conhecimento acumulado permita inferir que as atividades estabelecem associações com a trajetória de desenvolvimento cognitivo na velhice (Hertzog, Kramer, Wilson, & Lindenberger, 2009), o modo como essas variáveis interagem gera debates. Uma das questões colocadas é se haveria uma relação de causa e efeito entre a realização de AAVDs e desempenho cognitivo e os fatores predisponentes para a participação. Pergunta-se se os idosos que se engajaram em atividades cognitivamente complexas teriam maior reserva cognitiva ou cerebral ou se demonstram ganhos advindos da participação mesmo com baixa reserva cognitiva (Hertzog et al., 2009; Silva et al. 201; Silva & Yassuda, 2013).
Teóricos, como (Rowe & Kahn 1998) propuseram que o engajamento com a vida é um dos aspectos essenciais do envelhecimento bem-sucedido, aliando-se ao adiamento da instalação das doenças crônicas e ao elevado desempenho físico e cognitivo. (Salthouse 1991), por sua vez, propôs que idosos expostos a ambientes menos estimulantes reduziriam o uso de suas habilidades cognitivas, o que os levaria a um padrão de desempenho cada vez pior e, consequentemente, ao desuso de certas habilidades.
Contudo, o afastamento de algumas atividades pode ser subjacente a processos motivacionais e cognitivos complexos, envolvendo fatores como seleção e avaliação de custos e benefícios, tanto cognitivos quanto afetivos e emocionais, aliando-se ao significado que as atividades possuem para os idosos (Hess, 2014). De acordo com (Hess 2014), quanto maior o custo em participar de uma atividade, menor o engajamento. O custo seria mensurado tanto por medidas fisiológicas (glicose, batimento cardíaco, funcionamento sensorial e cortical) quanto psicológicas (sensação de fadiga, atitudes, crenças, humor), aliando-se à avaliação dos resultados e consequências das atividades. Deve-se ressaltar ainda que certas atividades de lazer são frequentadas majoritariamente por idosos com maior renda, escolaridade e acesso, sendo que essas variáveis também impactam a cognição na velhice (Silva & Yassuda, 2013; Zaitune et al., 2010).
A relação entre a realização de AAVDs e o desempenho cognitivo entre idosos brasileiros encontra-se relativamente pouco explorada. As atividades de lazer representam um campo importante para ações preventivas que podem ajudar a postergar o declínio cognitivo. Assim, o objetivo desse estudo foi verificar se a realização de AAVDs estaria associada ao melhor desempenho cognitivo entre idosos, após ajustes de variáveis moderadoras de natureza sociodemográfica e de humor.
Método
Participantes
Foram utilizados os dados obtidos pela pesquisa Perfis de fragilidade em idosos brasileiros, realizada pela Rede FIBRA. Essa é uma rede de pesquisa de caráter multicêntrico e multidisciplinar que investigou as características, a prevalência e os fatores de risco relacionados à síndrome da fragilidade em idosos brasileiros. Fragilidade caracteriza-se como uma síndrome clínica que possui como fenótipo perda de massa muscular, lentidão na marcha, pouca força manual, autorrelato de fadiga e redução nas atividades realizadas. A síndrome da fragilidade encontra-se associada a desfechos negativos em saúde, como hospitalização e morte (Fried et al., 2001). A pesquisa realizada no distrito de Ermelino Matarazzo fez parte do polo coordenado pela UNICAMP, e as coletas ocorreram entre 2008 e 2009. Tratou-se de pesquisa de base domiciliar com recrutamento de participantes, realizado em duas ondas de arrolamento, em que os moradores do bairro que possuíam 65 anos ou mais, eram convidados a participar da pesquisa.
O distrito de Ermelino Matarazzo se localiza no extremo leste da cidade São Paulo, com população superior a 100.000 habitantes. Caracteriza-se como região de baixo nível socioeconômico num país em desenvolvimento ou de renda média. Segundo a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE, 2010), apresenta área de 8,7 km2, subdividida em 143 setores censitários urbanos, com densidade populacional de 12.551,1 habitantes/km2. A população idosa (≥ 65 anos) representa 4,5% dos habitantes do distrito.
A amostragem foi probabilística, por conglomerados, em dois estágios: setor censitário e domicílio. O método de sorteio das unidades primárias de amostragem (setores censitários) seguiu o mesmo padrão de todo o polo FIBRA UNICAMP. Para cálculo do tamanho da amostra no distrito de Ermelino Matarazzo, utilizou-se a expressão algébrica referente à estimação de proporções (Kish, 1965; Silva, 2001). O valor obtido, como tamanho mínimo da amostra, foi 384,16.
A amostra final de Ermelino Matarazzo (n=384) foi composta, em sua maioria, por pessoas na faixa etária entre 65 e 69 anos (38,0%; M=72,3; DP=5,8), com predominância do sexo feminino (67,2%). A maioria possuía o nível de escolaridade primário completo (60,2%; M=3,4; DP=2,8) e renda familiar de 1 a 3 salários mínimos (53,8%; M=3,4; DP=3,1). A amostra utilizada na presente análise foi composta por indivíduos que pontuaram acima da nota de corte do MEEM adotada no projeto FIBRA (17 pontos para analfabetos, 22 pontos para escolaridade entre 1 e 4 anos, 24 pontos entre 5 e 8 anos e 26 pontos para 9 e mais anos de escolaridade). Essasnotas foram calculadas a partir da média para cada faixa de escolaridade relatada em estudo anterior (Brucki, Nitrini, Caramelli, Bertolucci, & Okamoto, 2003) menos um desvio padrão.
Procedimentos
Após sorteados os 66 setores censitários, os recrutadores (agentes comunitários de saúde e alunos de graduação em Gerontologia da Universidade de São Paulo) realizaram o arrolamento dos setores e localizaram as residências que continham moradores idosos. Estes foram, então, convidados a participar voluntariamente da pesquisa, recebendo um cartão com a data e local para a coleta de dados (uma igreja ou centro comunitário).
Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 65 anos, compreender as instruções, concordar em participar e ser residente permanente no domicílio e no setor censitário. Os critérios de exclusão foram: 1. déficit cognitivo grave sugestivo de demência; 2. uso de cadeira de rodas ou estar acamado; 3. ter sequelas graves de acidente vascular encefálico, com perda localizada de força e/ou afasia; 4. doença de Parkinson em estágio grave ou instável; 5. grave déficit de audição ou de visão, que dificultasse a comunicação; e 6. doenças em estágio terminal. Os critérios de inclusão e de exclusão foram os utilizados no Cardiovascular Health Study e no Women's Health and Aging Studies, cujos dados foram usados para derivar o fenótipo de fragilidade, adotado pelo FIBRA (Ferrucci, Guralnik, Studenski, Fried, Cutler, & Walston, 2004). A referida pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa UNICAMP.
Instrumentos
Para esta pesquisa, foram utilizados os dados de dois blocos de questões do protocolo da rede FIBRA polo UNICAMP. O primeiro utilizado foi o bloco C "status mental, autoavaliação da memória e rastreio cognitivo" do qual foram extraídos o Mini exame do estado mental (MEEM) (Brucki et al., 2003) e a Bateria breve de rastreio cognitivo (BBRC) (Vitiello, Ciríaco, Takahashi, Nitrini, & Caramelli, 2007). O MEEM avalia, brevemente, sete aspectos da cognição (orientação temporal e espacial, memória imediata e tardia, atenção e cálculo, leitura, nomeação, praxia) e sua pontuação varia de 0 a 30 (Folstein, Folstein, & McHugh, 1975). A BBRC avalia a nomeação, memória incidental, memória imediata, aprendizado e regate tardio para 10 figuras em preto e branco apresentadas em uma lâmina plastificada. Entre o aprendizado e o resgate tardio das figuras, foram realizados o teste de Fluência Verbal categoria animais (FV) e o Teste do Desenho do Relógio (TDR). Posteriormente, o idoso foi submetido à tarefa de reconhecimento das 10 figuras, quando se apresentou uma lâmina com 20 figuras, com as 10 figuras estudadas e 10 figuras distratoras. A BBRC gera escores que variam de 0 a 10 para a nomeação e cada tentativa de memorização das figuras. O escore de FV refere-se ao número de animais falados pelo participante em 60 segundos. O TDR foi avaliado pelos critérios de (Shulman, Gold, Cohen e Zuchero 1993), que variam de 0 a 5 pontos. Para avaliação dos sintomas depressivos foi utilizada a Escala de Depressão Geriátrica (EDG) com 15 itens (Paradela, Lourenço, & Veras, 2005).
Do bloco J sobre "capacidade funcional para AAVDs, AIVDs (Atividades instrumentais de vida diária) e ABVDs (Atividades básicas de vida diária) e expectativa de cuidado" foi utilizado o conjunto de questões relativas às AAVDs, quando o participante foi perguntado sobre a realização de atividades educacionais, cívicas, religiosas e de lazer. As respostas foram indicadas nas alternativas "nunca fez", "parou de fazer" e "ainda faz". Essas questões foram adaptadas de (Baltes, Mayr, Borchelt, Maas e Wilms 1993); (Reuben et al. 1990); (Souza, Magalhães e Teixeira-Salmela 2006); e (Strawbridge, Wallagen e Cohen 2002), e encontram-se no Anexo 1.
Para o presente estudo, foi calculado o número total de atividades que cada participante relatou fazer. Os participantes foram classificados em dois grupos: mais ativos, com maior participação nas AAVD, ou menos ativos, de acordo com sua pontuação nesse total. Foram considerados como mais ativos aqueles que realizavam quatro ou mais atividades e, como menos ativos, os idosos que relataram realizar três ou menos atividades, o que indicava estar no menor quartil da distribuição para essa variável. Estudos anteriores (Scarmeas et al., 2001) também dividiram a amostra entre idosos com alta e baixa participação em atividades de lazer (menos ou mais de seis atividades) a partir dos dados oriundos da população estudada, visto que não existe um consenso sobre a quantidade de atividades ou frequência/intensidade de participação que pudesse demarcar essas categorias.
Análises estatísticas
Foram realizadas análises descritivas para comparação do desempenho cognitivo e das características sociodemográficas entre idosos muito ativos e pouco ativos (variável categórica), utilizando-se o teste Mann-Whitney, devido à ausência de distribuição normal para as variáveis cognitivas. A associação entre AAVDs (variável ordinal - 0 a 7) e as variáveis cognitivas e sociodemográficas foi analisada por modelo de regressão linear univariada e regressão linear múltipla. Foram consideradas como variáveis dependentes as variáveis de desempenho cognitivo (MEEM e TDR - para as quais foram identificadas diferenças significativas entre idosos muito ativos e pouco ativos) e, como variáveis independentes, a idade, escolaridade, sexo, pontuação na EDG, número de doenças e a pontuação nas AAVDs. Nas análises de regressão, optou-se por não incluir renda familiar para evitar efeito de colinearidade, devido à associação significativa entre escolaridade e renda. Ajustou-se a análise múltipla por variáveis que na análise univariada apresentaram valor de significância menor ou igual a 0,20. Para todas as análises, utilizou-se nível de significância de 5% (p<0,05).
Resultados
A amostra de idosos em Ermelino Matarazzo foi composta por 384 idosos. Destes, 302 apresentaram pontuação acima da nota de corte no MEEM e compuseram a amostra para o presente estudo. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas e clínicas da amostra. Na Tabela 2, encontram-se as comparações entre os idosos mais e menos ativos nas AAVDs. Observou-se que os idosos menos ativos eram mais velhos, apresentavam pior desempenho no MEEM e no TDR, bem como maior pontuação na EDG.
Tabela 1 Características Sociodemográficas e Clínicas da Amostra, Estudo FIBRA - Ermelino Matarazzo, 2009
Variável | N | Média | D.P. | Mín | Máx |
Idade | 302 | 71,83 | 5,44 | 65 | 90 |
Anos de escolaridade | 302 | 3,32 | 2,62 | 0 | 16 |
Renda familiar (SM) | 257 | 3,33 | 2,95 | 0 | 24,10 |
Número de doenças | 301 | 2,18 | 1,53 | 0 | 7 |
EDG | 298 | 3,36 | 2,95 | 0 | 13 |
MEEM | 302 | 24,90 | 2,82 | 17 | 30,0 |
Nota. SM= salário mínimo, EDG=Escala de depressão geriátrica, MEEM=Mini exame do estado mental. Para renda familiar, alguns participantes optaram por não responder.
Tabela 2 Comparação entre Idosos mais Ativos e Menos Ativos nas AAVDs quanto às Características Sociodemográficas e Cognitivas, Estudo FIBRA - Ermelino Matarazzo, 2009
Amostra total | Menos ativos | Mais ativos | p valor* | |
Idade | 71,83 (5,44) | 73,45 (5,90) | 71,32 (5,20) | 0,005 |
Escolaridade | 3,32 (2,62) | 2,93 (2,37) | 3,45 (2,68) | 0,104 |
Nº de doenças | 2,18 (1,53) | 2,21 (1,55) | 2,17 (1,53) | 0,854 |
MEEM | 24,90 (2,82) | 24,01 (3,09) | 25,21 (2,65) | 0,003 |
Memória tardia | 7,71 (1,74) | 7,70 (1,91) | 7,72 (1,66) | 0,472 |
FV | 12,31 (3,48) | 11,93 (3,51) | 12,44 (3,47) | 0,540 |
TDR | 2,78 (1,65) | 2,30 (1,68) | 2,93 (1,61) | 0,01 |
EDG | 3,36 (2,56) | 4,04 (2,70) | 3,15 (2,49) | 0,007 |
Nota. P valor refere-se ao teste Mann-Whitney, p<0,05. MEEM=Mini exame do estado mental. FV=fluência verbal. TDR=Teste do desenho do relógio. EDG=Escala de depressão geriátrica.
Tabela 3 Comparação entre Idosos mais Ativos e Menos Ativos nas AAVDs quanto a Sexo e Renda. Estudo FIBRA - Ermelino Matarazzo, 2009
Menos ativos % (n) | Mais ativos % (n) | p valor* | ||
Sexo | Masculino | 33,33 (42) | 66,67 (84) | 0,064 |
Feminino | 43,19 (111) | 56,81 (146) | ||
Faixa de renda | 0 a 1 SM | 45,81 (71) | 54,19 (84) | 0,058 |
1,1 - 3 SM | 41,61 (67) | 58,39 (94) | ||
3,1 - 5 SM | 21,43 (9) | 78,57 (33) | ||
5,1 - 10 SM | 25 (2) | 75 (6) | ||
> 10 SM | 50 (2) | 50 (2) |
Nota. P valor refere-se ao teste Qui quadrado. SM=salários mínimos.
Tabela 4 Modelos de Regressão Univariada com o Desempenho no MEEM e TDR como Variáveis Dependentes e Variáveis Sociodemográficas, Clínicas e Participação em AAVDs, como Variáveis Independentes,. Estudo FIBRA - Ermelino Matarazzo, 2009
Modelos univariados | ||||
MEEM Coef. (EP) * | p-valor | TDR Coef. (EP) * | P-valor | |
Idade | -1,62 (0,28) | 0,00 | -0,00047 (0,017) | 0,02 |
Escolaridade | 0,55 (0,05) | 0,00 | 0,244 (0,034) | 0,00 |
Nº de doenças | -0,221 (0,105) | 0,36 | -0,142 (0,062) | 0,02 |
EDG | -0,268 (0,62) | 0,00 | -0,085 (0,037) | 0,02 |
AAVD | 0,184 (0,74) | 0,01 | 0,104 (0,043) | 0,02 |
Sexo | -0,83 (0,31) | 0,01 | -0,31 (0,18) | 0,89 |
* Nota. Coeficiente (EP=erro padrão). EDG=Escala de depressão geriátrica. AAVD=Atividades avançadas de vida diária.
Tabela 5 Modelo de Regressão Linear Múltiplo para o Desempenho no MEEM e TDR como Variáveis Dependentes e Variáveis Sociodemográficas, Clínicas e Participação em AAVDs, como Variáveis Independentes. Estudo FIBRA - Ermelino Matarazzo, 2009
Modelo múltiplo | ||||
MEEM | p-valor | TDR | p-valor | |
Idade | -1,27 (0,25) | 0,00 | 0,0002 (0,017) | 0,10 |
Escolaridade | 0,48 (0,54) | 0,00 | 0,219 (0,035) | 0,00 |
Nº de doenças | -0,005 (0,89) | 0,53 | -0,09 (0,063) | 0,14 |
EDG | -0,144 (0,55) | 0,01 | -0,019 (0,037) | 0,60 |
AAVD | -0,009 (0,71) | 0,89 | 0,041 (0,047) | 0,38 |
Sexo | -0,84 (0,29) | 0,01 | 0,05 (0,19) | 0,79 |
Constante (B0) | 34,22 (1,96) | 0,00 | 4,068 (1,268) | 0,01 |
* Nota. Coeficiente (EP=erro padrão). EDG=Escala de depressão geriátrica. AAVD=Atividades avançadas de vida diária.
Aproximou-se da significância estatística a comparação entre a porcentagem de homens e mulheres e faixa de renda entre idosos menos e mais ativos. Houve tendência à significância, indicando maior número de homens e maior renda entre os mais ativos.
Para as variáveis MEEM e TDR, para as quais houve diferença significativa entre idosos mais e menos ativos, foram construídos modelos de regressão linear simples e múltipla. Conforme as Tabelas 4 e 5, foi observado que o número de AAVDs realizadas esteve associado com o escore do MEEM e do TDR, nas análises univariadas, com escores mais elevados entre os mais ativos, mas essa associação perdeu significância estatística após ajustes segundo idade, escolaridade, sexo, número de doenças e sintomas depressivos. Na modelagem múltipla, estiveram associados ao melhor desempenho no MEEM ter menor idade, escolaridade mais elevada, ser do sexo masculino e apresentar menor pontuação na EDG. Após ajustes, o escore no TDR apresentou associação significativa apenas com a escolaridade, indicando que os idosos com maior escolaridade apresentaram melhor desempenho nesse teste.
Discussão
O presente estudo objetivou investigar a relação entre a realização de AAVDs e o desempenho cognitivo em idosos residentes na comunidade, controlando-se o impacto de variáveis sociodemográficas e o número de sintomas depressivos, visto que são fatores que sabidamente influenciam a cognição. Nas análises de regressão simples, as AAVDs apresentaram associação com os escores do MEEM e o do TDR, mas a associação perdeu significância estatística após ajustes segundo idade, escolaridade, sexo, número de doenças e sintomas depressivos.
Embora diversos estudos tenham destacado a associação entre a realização de atividades e melhor desempenho cognitivo na velhice (Figueiredo et al., 2013; Hultsch, Hertzog, Small, & Dixon, 1999; Vemuri et al., 2014; Wang et al., 2012), estudo anterior, em consonância com os dados apresentados, relatou que a relação entre atividades e cognição é moderada por condições socioeconômicas (Aartsen, Smits, van Tilburg, Knipscheer, & Deeg, 2002). Os resultados observados sugerem que a associação entre cognição e a realização de atividades é complexa, sendo, possivelmente, mediada pela escolaridade, hábitos culturais, nível socioeconômico, saúde física, mobilidade, saúde emocional e motivação em desempenhar as atividades (Dias, 2009; Hess, 2014). Ademais, a motivação parece exercer um papel na seleção e engajamento nas atividades, envolvendo uma interação entre custos (fisiológicos, psicológicos), avaliação dos riscos associados à participação e significado pessoal em desempenhá-las (Hess, 2014).
No que se refere aos custos, o engajamento e a realização das AAVDs tende a declinar com o envelhecimento devido ao surgimento de problemas de saúde e barreiras sociais enfrentadas pelos idosos. (Ashworth e Reuben 1994) mostraram que idosos desempenham menos AAVDs que jovens, por receio dos riscos associados a essas atividades. No presente estudo, embora a amostra tenha sido composta por indivíduos idosos com 65 anos ou mais, foi possível verificar um padrão semelhante a este, visto que os idosos menos ativos eram mais velhos. Na pesquisa FIBRA realizada no município de Campinas, encontrou-se que as AAVDs mais desempenhadas são aquelas que envolvem receber visitas e frequentar cultos, missas e encontros religiosos, ainda assim, com menor participação entre os mais longevos (Neri, Costa, Maríncolo, & Ribeiro, 2011).
(Kono et al. 2007) avaliaram 107 idosos e a relação entre ser frágil e a frequência de saídas de casa. Foi constatado que os idosos que saíam de casa mais de quatro vezes por semana tiveram suas AVDs preservadas por 22 meses, enquanto os indivíduos que saíam entre uma e três vezes apresentaram manutenção nas AVDs por apenas nove meses. Esses dados sugeriram que existe uma relação entre a realização de AAVDs e a independência na vida diária.
Além dos recursos físicos para desempenhar as atividades, fatores motivacionais teriam relação tanto com o desempenho cognitivo quanto com variáveis emocionais (Hess, 2014). Em consonância com o presente estudo, (Isaak, Stewart, Artero, Ancelin e Ritchie 2009), após avaliarem 1.849 idosos, verificaram que quanto maior a frequência de realização de atividades sociais, menor a prevalência de sintomas depressivos. Na presente pesquisa, os idosos com menor participação em AAVDs, também, apresentaram maior número de sintomas depressivos. Esses achados sugerem que há um importante componente motivacional para a realização das AAVDs. Sabe-se, no entanto, que os sintomas depressivos influenciam negativamente a cognição de idosos (Plati, Covre, Lukasova, & Macedo, 2006; Rook, Mavandadi, Sorkin, & Zettel, 2007; Shimada et al., 2014), predizendo o declínio cognitivo (Paterniti, Verdier-Taillefer, Dufouil, & Alpérovitch, 2002).
Em estudo recente, (Shimada et al. 2014) observaram que idosos com sintomas depressivos, além de apresentaram pior desempenho cognitivo, manifestaram menor concentração sérica de Brain derived neurotrophic fator (BDNF) e maior atrofia no lobo temporal medial direito, quando comparados a idosos sem sintomas depressivos. Desse modo, os sintomas depressivos em idosos podem explicar menor engajamento em atividades complexas e pior desempenho cognitivo.
No presente estudo, a análise de regressão ajustada indicou a usual associação entre o escore no MEEM e idade, escolaridade e pontuação na EDG, e entre o TDR e a escolaridade. Esses resultados estão em consonância com a literatura, indicando que idosos mais jovens e com maior escolaridade tenderiam a apresentar melhor desempenho cognitivo (Silva et al., 2014).
Dentre as limitações do estudo, aponta-se a ausência do histórico de desempenho nas AAVDs, o que impossibilitou a identificação de idosos que estariam reduzindo a participação em atividades. Adicionalmente, o número de AAVDs realizadas pode não ser a maneira ideal de avaliar o grau de envolvimento com atividades. Frequência semanal ou mensal de engajamento nas atividades, número de horas de participação e o número de anos de realização das atividades poderiam ser informativos. Ademais, existem evidências de que o engajamento em AAVDs simbolizaria a disponibilidade de uma gama considerável de recursos cognitivos e/ou socioeconômicos presentes no curso de vida, na meia-idade e na velhice, possivelmente não avaliados na presente pesquisa (Kareholt, Lennartsson, Gatz, & Parker, 2011; Wang et al., 2012). Quanto aos méritos do estudo, destaca-se o fato de ser de base populacional e ter incluído uma bateria cognitiva que avaliou aspectos diversos da cognição.
Destaca-se, ainda, que a ausência de um consenso sobre a melhor maneira de avaliar o engajamento em AAVDs representa um desafio nesse campo de investigação. Existe grande variabilidade no tipo de atividades associadas ao conceito de AAVD, o que dificulta a construção de uma escala de mensuração desse construto. Nesse campo, ainda não há um consenso quanto aos protocolos ideais de avaliação, terminologia e conjunto de atividades envolvidas, visto que esse é um construto recente (Dias, 2009).
Conclusões e Considerações Finais
Os dados do presente estudo indicaram que idosos com maior participação nas AAVDs apresentaram melhor desempenho no MEEM e TDR. Entretanto, os dados sugerem que a associação entre a realização de atividades e o desempenho cognitivo é modulada por variáveis sociodemográficas e sintomas depressivos. Os dados também sugerem que os idosos que se engajam nas AAVDs com maior frequência são aqueles com melhor desempenho cognitivo, maior escolaridade, mais jovens e com menor número de sintomas depressivos.
A contribuição da realização de AAVDs para a saúde mental na velhice deve ser alvo de novas investigações. Os próximos estudos devem aperfeiçoar as estratégias de avaliação das AAVDs na velhice, com propostas de instrumentos que contemplem simultaneamente o número, a frequência e a intensidade de participação em AAVDs. Novos estudos, também, devem investigar a relação entre AAVDs e cognição por meio de intervenções controladas, para que se possa avaliar o impacto da realização de AAVDs em comparação a um grupo que não as realiza. Esses estudos poderão fortalecer dados epidemiológicos recentes que sugerem que políticas públicas devem apoiar o engajamento de idosos em atividades significativas de lazer e participação social para a promoção da saúde geral e preservação da cognição na velhice.