Acessibilidade / Reportar erro

Interfaces entre família e bullying escolar: uma revisão sistemática

Interfaces between family and school bullying: an systematic revision

Interfase entre familia y bullying escolar: una revisión sistemática

Resumos

Objetivou-se conhecer e mapear a produção científica que evidencia relações entre o contexto familiar e o envolvimento em situações de bullying escolar, por meio de uma revisão sistemática da literatura. Foram consultadas as bases de dados Lilacs, Web of Science e a biblioteca Scielo. A busca resultou em 54 artigos publicados em português, inglês e espanhol, entre 2008 e 2013, e a análise dos dados permitiu a identificação de sete categorias analíticas: 1) características estruturais; 2) práticas parentais; 3) estilos parentais; 4) clima familiar; 5) sentimentos dos pais em relação aos filhos; 6) saúde mental dos pais; e 7) violências. Constatou-se um predomínio de publicações internacionais e de estudos quantitativos e, no conjunto, verificou-se que algumas características e aspectos familiares estavam associados ao envolvimento de estudantes em situações de bullying. O estudo amplia o olhar interpretativo sobre o fenômeno e suas complexidades com uma abordagem contextual, indicando caminhos para novas pesquisas.

violência; relações familiares; vulnerabilidade; promoção da saúde


This study aimed to know and map the scientific evidence that relationships between family background and involvement in bullying situations at school through a systematic literature review. Lilacs, Web of Science were the databases that were consulted, in addition to the Scielo library. The search resulted in 54 articles published in Portuguese, English and Spanish, between 2008 and 2013, and data analysis allowed the identification of seven analytical categories: 1) structural characteristics; 2) parental practices; 3) parental styles; 4) family environment; 5) the parents feelings about their children; 6) the parents mental health; and 7) violence. The study found a predominance of international publications and quantitative studies and on the set, we found that some familiar features and aspects were associated to the involvement of students in situations of bullying. The study expands the interpretive look at the phenomenon and their complexities with a contextual approach, suggesting pathways for further research.

violence; family relations; vulnerability; health promotion


Este estudio tuvo como objetivo conocer y mapear la producción científica que evidencia relaciones entre el contexto familiar y el envolvimiento en situaciones de bullying escolar, a través de una revisión sistemática de la literatura. Fueron consultadas las bases de datos Lilacs, Web of Science y la biblioteca Scielo. De la búsqueda resultaron 54 artículos publicados en Portugués, Inglés y Español, entre 2008 y 2013, y el análisis de los datos permitió la identificación de siete categorías analíticas: 1) características estructurales; 2) prácticas parentales; 3) estilos parentales; 4) clima familiar; 5) sentimientos de los padres hacia sus hijos; 6) salud mental de los padres; e 7) violencia. Se encontró un predominio de publicaciones internacionales y estudios cuantitativos, y se verificó que algunas características y aspectos familiares estaban relacionados con el envolvimiento de los estudiantes en situaciones de bullying. El estudio amplía la visión interpretativa sobre el fenómeno y sus complejidades con un abordaje contextual, indicando caminos para nuevas investigaciones.

violencia; relaciones familiares; vulnerabilidad; promoción de la salud


O objetivo deste estudo foi conhecer e mapear a produção científica que evidencia relações entre o contexto familiar e o envolvimento em situações de bullying escolar. Trata-se de uma análise sobre as adversidades que influenciam negativamente no desenvolvimento e na saúde de crianças e adolescentes, numa perspectiva contextual de compreensão do fenômeno estudado.

A violência nas escolas é um fenômeno antigo, porém, somente nas últimas décadas, tem sido reconhecida como problema para o desenvolvimento e a qualidade de vida dos estudantes e comunidade escolar. O bullying, nomenclatura internacional pela qual é reconhecido um dos tipos de violência escolar, constitui um problema de saúde pública que requer investimentos e políticas que ampliem o foco sobre a questão, na medida em que é compreendido como objeto intersetorial de investigação e intervenção (Araújo, Coutinho, Miranda, & Saraiva, 2012Araújo, L. S., Coutinho, M. P. d. L., Miranda, R. S., & Saraiva, E. R. d. A. (2012). Universo consensual de adolescentes acerca da violência escolar. Psico-USF, 17(2), 243-251.; Knous-Westfall, Ehrensaft, MacDonell, & Cohen, 2012Knous-Westfall, H. M., Ehrensaft, M. K., MacDonell, K. W., & Cohen, P. (2012). Parental intimate partner violence, parenting practices, and adolescent peer bullying: A prospective study. Journal of Child and Family Studies, 21(5), 754-766.).

Trata-se de um fenômeno complexo, multidimensional e relacional entre pares, caracterizado como um comportamento violento, repetido e intencional, que ocorre ao longo do tempo em relações caracterizadas pelo desequilíbrio de poder e por uma diversidade de formas em sua manifestação (Barboza et al., 2009Barboza, G. E., Schiamberg, L. B., Oehmke, J., Korzeniewski, S. J., Post, L. A., & Heraux, C. G. (2009). Individual characteristics and the multiple contexts of adolescent bullying: An ecological perspective. Journal of Youth and Adolescence, 38(1), 101-121.; Olweus, 2013Olweus, D. (2013). School bullying: Development and some important challenges. Annual Review of Clinical Psychology, 9(1), 751-780.). Ele pode ser classificado em três tipos (físico, verbal e indireto) e se constitui em importante tema de estudo, dado suas características e os danos que causa aos envolvidos, acompanhando suas vidas e direcionando a maneira como atribuem sentidos, significados e/ou respondem às relações sociais (Bowes, Maughan, Caspi, Moffitt, & Arseneault, 2010Bowes, L., Maughan, B., Caspi, A., Moffitt, T. E., & Arseneault, L. (2010). Families promote emotional and behavioural resilience to bullying: Evidence of an environmental effect. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 51(7), 809-817.; Lee, 2011Lee, C. H. (2011). An ecological systems approach to bullying behaviors among Middle School students in the United States. Journal of Interpersonal Violence, 26(8), 1664-1693.).

O foco, na literatura científica, sobre o assunto tem explorado sua prevalência, as características dos envolvidos, a caracterização e descrição das ocorrências, avaliações de intervenções adotadas por instituições e a função protetora da escola. A tônica dos estudos, de regra, concentra-se nas características das crianças e dos adolescentes envolvidos com o fenômeno, e poucos pesquisadores examinaram outras variáveis, explorando pontos mais contextuais e amplos da problemática (Bowes et al., 2010Bowes, L., Maughan, B., Caspi, A., Moffitt, T. E., & Arseneault, L. (2010). Families promote emotional and behavioural resilience to bullying: Evidence of an environmental effect. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 51(7), 809-817.; Hong & Espelage, 2012Hong, J. S., & Espelage, D. L. (2012). A review of research on bullying and peer victimization in school: An ecological system analysis. Aggression and Violent Behavior, 17(4), 311-322.).

Nesse sentido, justifica-se a abordagem deste estudo por considerar o bullying um fenômeno não circunscrito apenas ao ambiente escolar, cujo modelo explicativo deve abranger outros contextos, como o familiar. Sabe-se que a família é o primeiro espaço de desenvolvimento do ser humano e onde são internalizados emoções e repertórios de comportamento que serão experimentados em outros lugares de socialização, como a escola (Bowes et al., 2010Bowes, L., Maughan, B., Caspi, A., Moffitt, T. E., & Arseneault, L. (2010). Families promote emotional and behavioural resilience to bullying: Evidence of an environmental effect. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 51(7), 809-817.; Lee & Song, 2012Lee, C. H., & Song, J. (2012). Functions of parental involvement and effects of school climate on bullying behaviors among South Korean Middle School students. Journal of Interpersonal Violence, 27(12), 2437-2464.; Voisin & Hong, 2012Voisin, D. R., & Hong, J. S. (2012). A meditational model linking witnessing intimate partner violence and bullying behaviors and victimization among youth. Educational Psychology Review, 24(4), 479-498.).

Ao incorporar e analisar evidências científicas sobre as relações entre a experiência familiar e o bullying escolar, este estudo discute os fatores identificados para o estabelecimento dessas relações. Ao mesmo tempo, amplia-se o olhar sobre o fenômeno e suas abordagens, implicando na problematização de projetos de intervenção e de enfrentamento da questão.

Método

Este estudo se caracteriza como uma revisão sistemática da literatura, implementada em sua modalidade qualitativa. Trata-se de um tipo de investigação que pode ser utilizado para orientar ou subsidiar outros projetos de pesquisa ou indicar estratégias de intervenção na medida em que sintetiza elementos presentes na literatura sobre as temáticas investigadas (Sampaio & Mancini, 2007Sampaio, R. F., & Mancini, M. C. (2007). Estudos de revisão sistemática: um guia para síntese criteriosa da evidência científica. Revista Brasileira de Fisioterapia, 11(1), 83-89.). Especificamente, o desenvolvimento desta revisão foi guiado pela seguinte questão norteadora: quais são as relações entre o contexto familiar e o envolvimento de escolares em situações de bullying? A pesquisa foi operacionalizada mediante buscas nas bases de dados Web of Science e Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e na biblioteca virtual Scielo. A seleção dessas fontes foi justificada pelo conteúdo e abrangência de estudos multidisciplinares, contemplando produções nacionais e internacionais.

Na construção do estudo, as seguintes etapas foram percorridas: 1) definição do objetivo; 2) busca ou amostragem na literatura (estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão de artigos); 3) coleta de dados; 4) análise crítica dos estudos incluídos; 5) discussão dos resultados; e 6) apresentação da revisão sistemática.

No que se refere às fontes dos dados, destaca-se que elas não possuem vocabulário e/ou descritores controlados para a busca, assim, foi possível utilizar os seguintes cruzamentos: 1. bullying and family e 2. bullying and parents, e seus correlatos em português e espanhol no Lilacs e Scielo. As estratégias utilizadas para localizar os artigos consideraram a proposta do estudo e os critérios de inclusão estabelecidos antecipadamente.

Nesse sentido, como critérios de inclusão, na seleção dos artigos, foram estabelecidos um recorte temporal de cinco anos (2008-2013), relacionado ao ano de publicação e a definição dos idiomas contemplados (inglês, português e espanhol). Para definição amostral do estudo, a partir da leitura dos títulos e resumos dos artigos, seguiram-se, também, os seguintes critérios de inclusão: 1) modalidade de produção científica (estudos teóricos, empíricos e relatos de casos); 2) produções cuja metodologia adotada permitia obter evidências claras sobre o tema em estudo (objetivo); 3) estudos que relatassem investigações sobre o papel da família e/ou dos pais em situações de bullying; 4) referências que ofereciam associações entre o bullying escolar e o contexto familiar; 5) outros estudos pertinentes ao tema estudado, considerando-se o objetivo da revisão e sua questão norteadora.

Numa primeira etapa, todos os resultados possíveis foram considerados, eliminando-se as repetições entre os cruzamentos ou entre as bases e a biblioteca para que, em seguida, ocorresse o primeiro refinamento dos achados (leitura de títulos e resumos) e a consequente exclusão daqueles que não se referiam à temática ou possuíam foco em outras dimensões do fenômeno em suas análises. Posteriormente, foram recuperados e lidos os artigos originais (selecionados) na íntegra, delimitando o corpus de análise. A partir da leitura analítica do material, identificou-se os temas dos estudos, as principais ideias, os objetivos e a síntese dos resultados relacionados ao foco desta revisão, elementos que foram sintetizados nas categorias exploradas. Os trabalhos excluídos não atenderam aos critérios fixados previamente pela proposta da revisão, sobretudo com relação ao objetivo indicado, à questão norteadora da revisão e por não apresentarem resultados convergentes ao tema investigado.

O fluxo do processo de construção do corpus do estudo está sintetizado na Figura 1.

Figura 1
Diagrama de fluxo dos artigos revisados.

A sumarização do material revisado sustentou avaliações e apreciações críticas e permitiu a identificação de sete categorias analíticas que se relacionam com o envolvimento de crianças e adolescentes com o bullying escolar: 1) características e realidade concreta das famílias; 2) práticas parentais; 3) estilos parentais; 4) clima familiar; 5) sentimentos dos pais em relação aos filhos; 6) saúde mental dos pais; e 7) violências (violência doméstica, maus tratos, abusos, uso de álcool).

Resultados e Discussão

Identificou-se uma produção científica variada no que se refere aos contextos de produção e publicação do conhecimento, oferecendo informações consolidadas acerca da relação entre experiências de bullying escolar e o contexto familiar. O corpus revisado foi constituído por 54 estudos. Desse total, 49 possuíam original em inglês, três em espanhol e dois em português. Não houve maior incidência de estudos em nenhum dos anos compreendidos pela revisão.

No que se refere ao contexto de desenvolvimento dos estudos, houve um predomínio de publicações de pesquisas dos Estados Unidos (33%, n=18), seguidas pelas produções do Canadá (7%, n=4). Peru (n=3), Coréia do Sul (n=3) e estudos multicêntricos realizados na Europa e América do Norte (n=3), conjuntamente, representaram 19% do corpus. Brasil, China, Finlândia, Grécia e Turquia tiveram dois estudos cada, e outros países (Alemanha, Austrália, Chipre, Colômbia, Espanha, Holanda, Inglaterra, Israel, Itália, Japão, Lituânia, Noruega e Portugal), uma publicação. No Brasil, observou-se uma grande carência de estudos que integrassem as temáticas do bullying e das relações familiares (4%, n=2). Existem outras produções nacionais que não foram negligenciadas, mas que não exploram a perspectiva desta revisão.

Sobre o delineamento metodológico, estudos de natureza quantitativa foram predominantes (n=49, 91%), sendo 39 pesquisas transversais, seis investigações longitudinais e quatro oriundas de análises secundárias de dados. Quatro estudos eram teóricos (7%) e apenas uma, investigação qualitativa (2%). O delineamento metodológico identificado nos estudos define a força das evidências científicas obtidas nos artigos, tendo valor significativo as abordagens longitudinais, transversais ou multicêntricas. A escassez de estudos de natureza qualitativa, por outro lado, assim como de estudos de casos, explicita a ausência de análises sobre percepções e significados produzidos sobre o bullying em relação à família, por exemplo.

Nesse sentido, pesquisas com referencial teórico conseguiram problematizar outras questões relacionadas às suas investigações. Essas abordagens foram consideradas na fundamentação dos estudos e, consequentemente, na construção de modelos explicativos para o bullying. Sendo que, 79% (n=43) do corpus não apresentou o referencial teórico adotado em suas análises. Nos estudos que apresentaram suas posições teóricas, destacam-se a teoria bioecológica do desenvolvimento (11%, n=6), a teoria do apego (4%, n=2), a teoria da aprendizagem social (4%, n=2) e a teoria da tensão geral (2%, n=1).

A análise dos dados, também, permitiu a construção de sete categorias analíticas de acordo com os principais resultados arregimentados sobre a relação entre bullying e família, e a obtenção de um panorama geral acerca do material produzido nacional e internacionalmente (Tabela 1). As categorias apresentadas estão associadas aos resultados encontrados em termos de se apresentarem como fatores de proteção ou de risco para o envolvimento em situações de bullying, como características familiares que foram associadas com maior chance de vitimização dos estudantes ou maior implicação e o desempenho de diferentes papéis no desenvolvimento do fenômeno, por exemplo.

Tabela 1
Caracterização das Categorias Analíticas Extraídas de Estudos Revisados

Apenas um dos estudos revisados não identificou relações entre o bullying e a família (Idsoe, Solli, & Cosmovici, 2008Idsoe, T., Solli, E., & Cosmovici, E. M. (2008). Social psychological processes in family and school: More evidence on their relative etiological significance for bullying behavior. Aggressive Behavior, 34(5), 460-474.). Os autores analisaram percepções de alunos sobre os processos de socialização em relação aos pais e professores, e possíveis associações desses processos com o bullying. Identificou-se que a percepção, em relação às medidas adotadas pelos professores no que se refere ao bullying, era um fator que regulava e impedia novas condutas dessa natureza na escola. Entretanto, nenhum efeito significativo foi observado em relação aos pais. Os autores inferiram que, nos primeiros estágios de desenvolvimento, os pais podem ter maior efeito regulador em condutas como o bullying.

O detalhamento da análise realizada acerca dos principais achados dos demais artigos que relacionam o contexto familiar ao bullying escolar será apresentado a seguir e se adotou como princípio de organização as categorias analíticas sublinhadas na Tabela 1, que sintetizam as principais ideias e resultados dos estudos revisados.

Características e realidade concreta das famílias

Questões da conformação e da estrutura social das famílias são consideradas como determinantes para o envolvimento de escolares com o bullying. Notoriamente, nessa direção, as três características mais exploradas pelos estudos revisados foram: a) estado civil dos pais (Ball et al., 2008Ball, H. A., Arseneault, L., Taylor, A., Maughan, B., Caspi, A., & Moffitt, T. E. (2008). Genetic and environmental influences on victims, bullies and bully-victims in childhood. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 49(1), 104-112.; Barker et al., 2008Barker, E. D., Boivin, M., Brendgen, M., Fontaine, N., Arseneault, L., Vitaro, F., ... Tremblay, R. E. (2008). Predictive validity and early predictors of peer-victimization trajectories in preschool. Archives of General Psychiatry, 65(10), 1185-1192.; Finkelhor, Ormrod, Turner, & Holt, 2009Finkelhor, D., Ormrod, R., Turner, H., & Holt, M. (2009). Pathways to poly-victimization. Child Maltreatment, 14(4), 316-329.; Fu, Land, & Lamb, 2013Fu, Q., Land, K. C., & Lamb, V. L. (2013). Bullying victimization, socioeconomic status and behavioral characteristics of 12th graders in the United States, 1989 to 2009: Repetitive trends and persistent risk differentials. Child Indicators Research, 6(1), 1-21.; Jansen, Veenstra, Ormel, Verhulst, & Reijneveld, 2011Jansen, D., Veenstra, R., Ormel, J., Verhulst, F. C., & Reijneveld, S. A. (2011). Early risk factors for being a bully, victim, or bully/victim in late elementary and early secondary education. The longitudinal TRAILS study. Bmc Public Health, 11, 440.; Kim, Boyce, Koh, & Leventhal, 2009Kim, Y. S., Boyce, W. T., Koh, Y. J., & Leventhal, B. L. (2009). Time trends, trajectories, and demographic predictors of bullying: A prospective study in Korean Adolescents. Journal of Adolescent Health, 45(4), 360-367.; Romaní, Gutiérrez, & Lama, 2011Romaní, F., Gutiérrez, C., & Lama, M. (2011). Auto-reporte de agresividad escolar y factores asociados en escolares peruanos de educación secundaria. Revista Peruana de Epidemiología, 15(2), 1-8.; Sevda & Sevim, 2012Sevda, A., & Sevim, S. (2012). Effect of high school students' self concept and family relationships on peer bullying. Revista Brasileira de Promoção de Saúde, 25(4), 405-412.; Shetgiri, Lin, Avila, & Flores, 2012Shetgiri, R., Lin, H., Avila, R. M., & Flores, G. (2012). Parental characteristics associated with bullying perpetration in US children aged 10 to 17 years. American Journal of Public Health, 102(12), 2280-2286.; Shetgiri, Lin, & Flores, 2013Shetgiri, R., Lin, H., & Flores, G. (2013). Trends in risk and protective factors for child bullying perpetration in the United States. Child Psychiatry & Human Development, 44(1), 89-104.); b) condição socioeconômica (Chaux, Molano, & Podlesky, 2009Chaux, E., Molano, A., & Podlesky, P. (2009). Socio-economic, socio-political and socio-emotional variables explaining school bullying: A country-wide multilevel analysis. Aggressive Behavior, 35(6), 520-529.; Christie-Mizell, Keil, Laske, & Stewart, 2011Christie-Mizell, C. A., Keil, J. M., Laske, M. T., & Stewart, J. (2011). Bullying behavior, parents' work hours and early adolescents' perceptions of time spent with parents. Youth & Society, 43(4), 1570-1595.; Due et al., 2009Due, P., Merlo, J., Harel-Fisch, Y., Damsgaard, M. T., Holstein, B. E., Hetland, J., ... Lynch, J. (2009). Socioeconomic inequality in exposure to bullying during adolescence: A comparative, cross-sectional, multilevel study in 35 countries. American Journal of Public Health, 99(5), 907-914.; Garner & Hinton, 2010Garner, P. W., & Hinton, T. S. (2010). Emotional display rules and emotion self-regulation: Associations with bullying and victimization in community-based after school programs. Journal of Community & Applied Social Psychology, 20(6), 480-496.; Lemstra, Rogers, Redgate, Garner, & Moraros, 2011Lemstra, M., Rogers, M., Redgate, L., Garner, M., & Moraros, J. (2011). Prevalence, risk indicators and outcomes of bullying among on-reserve first nations youth. Canadian Journal of Public Health-Revue Canadienne De Sante Publique, 102(6), 462-466.; Onder & Yurtal, 2008Onder, F. C., & Yurtal, F. (2008). An investigation of the family characteristics of bullies, victims, and positively behaving adolescents. Kuram Ve Uygulamada Egitim Bilimleri, 8(3), 821-832.; Shetgiri et al., 2012Shetgiri, R., Lin, H., Avila, R. M., & Flores, G. (2012). Parental characteristics associated with bullying perpetration in US children aged 10 to 17 years. American Journal of Public Health, 102(12), 2280-2286.; Shetgiri et al., 2013Shetgiri, R., Lin, H., & Flores, G. (2013). Trends in risk and protective factors for child bullying perpetration in the United States. Child Psychiatry & Human Development, 44(1), 89-104.; Vlachou, Andreou, Botsoglou, & Didaskalou, 2011Vlachou, M., Andreou, E., Botsoglou, K., & Didaskalou, E. (2011). Bully/victim problems among preschool children: A review of current research evidence. Educational Psychology Review, 23(3), 329-358.; Wang et al., 2012Wang, H., Zhou, X. L., Lu, C. Y., Wu, J., Deng, X. Q., Hong, L. Y., ... He, Y. (2012). Adolescent bullying involvement and psychosocial aspects of family and school life: A cross-sectional study from Guangdong Province in China. Plos One, 7(7).); e c) nível de escolaridade dos pais (Analitis et al., 2009Analitis, F., Velderman, M. K., Ravens-Sieberer, U., Detmar, S., Erhart, M., Herdman, M. (2009). Being bullied: Associated factors in children and adolescents 8 to 18 years old in 11 European countries. Pediatrics, 123(2), 569-577.; Fu et al., 2013Fu, Q., Land, K. C., & Lamb, V. L. (2013). Bullying victimization, socioeconomic status and behavioral characteristics of 12th graders in the United States, 1989 to 2009: Repetitive trends and persistent risk differentials. Child Indicators Research, 6(1), 1-21.; Garner & Hinton, 2010Garner, P. W., & Hinton, T. S. (2010). Emotional display rules and emotion self-regulation: Associations with bullying and victimization in community-based after school programs. Journal of Community & Applied Social Psychology, 20(6), 480-496.; Kim et al., 2009Kim, Y. S., Boyce, W. T., Koh, Y. J., & Leventhal, B. L. (2009). Time trends, trajectories, and demographic predictors of bullying: A prospective study in Korean Adolescents. Journal of Adolescent Health, 45(4), 360-367.; Von Marees & Petermann, 2010Von Marees, N., & Petermann, F. (2010). Bullying in German primary schools gender differences, age trends and influence of parents' migration and educational backgrounds. School Psychology International, 31(2), 178-198.).

Verificou-se que as famílias monoparentais são mais associadas ao envolvimento dos alunos com o bullying, tanto vítimas como agressores (Fu et al., 2013Fu, Q., Land, K. C., & Lamb, V. L. (2013). Bullying victimization, socioeconomic status and behavioral characteristics of 12th graders in the United States, 1989 to 2009: Repetitive trends and persistent risk differentials. Child Indicators Research, 6(1), 1-21.; Jansen et al., 2011Jansen, D., Veenstra, R., Ormel, J., Verhulst, F. C., & Reijneveld, S. A. (2011). Early risk factors for being a bully, victim, or bully/victim in late elementary and early secondary education. The longitudinal TRAILS study. Bmc Public Health, 11, 440.; Sevda & Sevim, 2012Sevda, A., & Sevim, S. (2012). Effect of high school students' self concept and family relationships on peer bullying. Revista Brasileira de Promoção de Saúde, 25(4), 405-412.). Entretanto, o fato de ter existido uma união e depois uma separação é menos associado com o fenômeno do que aqueles alunos cujos pais nunca estiveram em união. Famílias intactas são consideradas protetivas em relação ao bullying (Kim et al., 2009Kim, Y. S., Boyce, W. T., Koh, Y. J., & Leventhal, B. L. (2009). Time trends, trajectories, and demographic predictors of bullying: A prospective study in Korean Adolescents. Journal of Adolescent Health, 45(4), 360-367.; Shetgiri et al., 2013). O baixo nível socioeconômico das famílias predizia mais o envolvimento de estudantes com o bullying, porém com muitas associações dessa dimensão relacionadas ao estado civil e escolaridade dos pais (Analitis et al., 2009Analitis, F., Velderman, M. K., Ravens-Sieberer, U., Detmar, S., Erhart, M., Herdman, M. (2009). Being bullied: Associated factors in children and adolescents 8 to 18 years old in 11 European countries. Pediatrics, 123(2), 569-577.; Garner & Hinton, 2010Garner, P. W., & Hinton, T. S. (2010). Emotional display rules and emotion self-regulation: Associations with bullying and victimization in community-based after school programs. Journal of Community & Applied Social Psychology, 20(6), 480-496.; Onder & Yurtal, 2008Onder, F. C., & Yurtal, F. (2008). An investigation of the family characteristics of bullies, victims, and positively behaving adolescents. Kuram Ve Uygulamada Egitim Bilimleri, 8(3), 821-832.; Shetgiri et al., 2012Shetgiri, R., Lin, H., Avila, R. M., & Flores, G. (2012). Parental characteristics associated with bullying perpetration in US children aged 10 to 17 years. American Journal of Public Health, 102(12), 2280-2286.; Vlachou et al., 2011Vlachou, M., Andreou, E., Botsoglou, K., & Didaskalou, E. (2011). Bully/victim problems among preschool children: A review of current research evidence. Educational Psychology Review, 23(3), 329-358.).

A monoparentalidade e o risco para o bullying é explicado pelo menor tempo para a interação pais-filhos e o aumento do estresse familiar nesse tipo de composição, o que resulta em déficits na qualidade do clima familiar, exercendo influências adversas sobre os comportamentos de crianças e adolescentes (Jansen et al., 2011Jansen, D., Veenstra, R., Ormel, J., Verhulst, F. C., & Reijneveld, S. A. (2011). Early risk factors for being a bully, victim, or bully/victim in late elementary and early secondary education. The longitudinal TRAILS study. Bmc Public Health, 11, 440.). No nível socioeconômico, observou-se que a desigualdade social estimula a intolerância à diversidade e o preconceito, componentes do fenômeno (Due et al., 2009Due, P., Merlo, J., Harel-Fisch, Y., Damsgaard, M. T., Holstein, B. E., Hetland, J., ... Lynch, J. (2009). Socioeconomic inequality in exposure to bullying during adolescence: A comparative, cross-sectional, multilevel study in 35 countries. American Journal of Public Health, 99(5), 907-914.). Por seu turno, o baixo nível educacional dos pais pode refletir em recursos intelectuais, conhecimentos e habilidades sociais limitados, aspectos relacionados aos quadros de bullying (Fu et al., 2013Fu, Q., Land, K. C., & Lamb, V. L. (2013). Bullying victimization, socioeconomic status and behavioral characteristics of 12th graders in the United States, 1989 to 2009: Repetitive trends and persistent risk differentials. Child Indicators Research, 6(1), 1-21.).

Essas condições macrossociais são associadas a uma pior saúde e qualidade de vida para todos os membros do grupo familiar e ocasionam outros fatores de risco, como o aumento do estresse familiar e dos conflitos, que foram igualmente relacionados com o bullying (Chaux et al., 2009Chaux, E., Molano, A., & Podlesky, P. (2009). Socio-economic, socio-political and socio-emotional variables explaining school bullying: A country-wide multilevel analysis. Aggressive Behavior, 35(6), 520-529.; Von Marees & Petermann, 2010Von Marees, N., & Petermann, F. (2010). Bullying in German primary schools gender differences, age trends and influence of parents' migration and educational backgrounds. School Psychology International, 31(2), 178-198.). Numa perspectiva de entendimento dinâmico do fenômeno, pode-se inferir um modelo em cascata em que um contexto social desfavorável, marcado pela monoparentalidade, a baixa escolaridade dos pais ou a o baixo nível socioeconômico dos pais, implica em dificuldades de relacionamento interpessoal no contexto familiar, o que prevê problemas de comportamento dos filhos dessas famílias, como o bullying.

Esses resultados demonstraram que os problemas de comportamento de estudantes, como o bullying, estão associados às características familiares, mas não somente a elas. As variáveis familiares, isoladamente, não explicam o fenômeno e, em geral, nos estudos, elas foram associadas e relacionadas entre si, compondo investigações que não objetivavam demonstrar relações de causa e efeito, evidenciando, dessa forma, a relevância dos aspectos macrossociais e econômicos nas situações de bullying.

Práticas parentais

O uso de castigos físicos ou medidas disciplinares severas, relações parentais endurecidas e punitivas são considerados pela literatura científica (Barboza et al., 2009Barboza, G. E., Schiamberg, L. B., Oehmke, J., Korzeniewski, S. J., Post, L. A., & Heraux, C. G. (2009). Individual characteristics and the multiple contexts of adolescent bullying: An ecological perspective. Journal of Youth and Adolescence, 38(1), 101-121.; Knous-Westfall et al., 2012Knous-Westfall, H. M., Ehrensaft, M. K., MacDonell, K. W., & Cohen, P. (2012). Parental intimate partner violence, parenting practices, and adolescent peer bullying: A prospective study. Journal of Child and Family Studies, 21(5), 754-766.; Lepisto, Luukkaala, & Paavilainen, 2011Lepisto, S., Luukkaala, T., & Paavilainen, E. (2011). Witnessing and experiencing domestic violence: A descriptive study of adolescents. Scandinavian Journal of Caring Sciences, 25(1), 70-80.) como ineficazes e foram fortemente associados ao envolvimento em situações de bullying por escolares. Evidenciou-se que os agressores (Barboza et al., 2009Barboza, G. E., Schiamberg, L. B., Oehmke, J., Korzeniewski, S. J., Post, L. A., & Heraux, C. G. (2009). Individual characteristics and the multiple contexts of adolescent bullying: An ecological perspective. Journal of Youth and Adolescence, 38(1), 101-121.) e, em alguns casos de estudantes vítimas (Duong, Schwartz, Chang, Kelly, & Tom, 2009Duong, M. T., Schwartz, D., Chang, L., Kelly, B. M., & Tom, S. R. (2009). Associations between maternal physical discipline and peer victimization among Hong Kong Chinese children: The moderating role of child aggression. Journal of Abnormal Child Psychology, 37(7), 957-966.), tendem a ter pais autoritários que usam de técnicas pouco assertivas de disciplina e castigo físico. As práticas parentais ineficazes, também, foram associadas a outros fatores, como autopercepção e cuidados de saúde, satisfação com a vida e com as relações familiares, o próprio bullying escolar e a vida sexual quando adolescentes (Lepisto et al., 2011Lepisto, S., Luukkaala, T., & Paavilainen, E. (2011). Witnessing and experiencing domestic violence: A descriptive study of adolescents. Scandinavian Journal of Caring Sciences, 25(1), 70-80.).

As práticas parentais, em geral relacionadas aos modelos de disciplina utilizados pelos pais em relação aos filhos, são necessárias para o processo de educação e desenvolvimento de crianças e adolescentes. Elas são responsáveis pela maneira como a socialização e as condutas sociais se definirão ao longo do tempo. Assim, quando são ineficazes, elas afetam negativamente os estudantes que adotam como estratégias de relacionamento interpessoal a violência e a agressão, mediadas por sentimentos de raiva e falta de disposição para resolver conflitos de forma positiva. Além disso, esse modelo punitivo de disciplina é associado a menor satisfação em relação à família e resistência à autoridade parental, aspectos também associados ao bullying (Georgiou & Fanti, 2010Georgiou, S. N., & Fanti, K. A. (2010). A transactional model of bullying and victimization. Social Psychology of Education, 13(3), 295-311.; Knous-Westfall et al., 2012Knous-Westfall, H. M., Ehrensaft, M. K., MacDonell, K. W., & Cohen, P. (2012). Parental intimate partner violence, parenting practices, and adolescent peer bullying: A prospective study. Journal of Child and Family Studies, 21(5), 754-766.; Pepler, Jiang, Craig, & Connolly, 2008Pepler, D., Jiang, D. P., Craig, W., & Connolly, J. (2008). Developmental trajectories of bullying and associated factors. Child Development, 79(2), 325-338.).

Compreende-se que o bullying, assim como outros comportamentos agressivos das crianças e adolescentes, tem como pano de fundo os comportamentos dos pais e outros fatores familiares. Perspectiva que permite problematizar a existência de um ciclo de violência, em que há uma transmissão e perpetuação intergeracional de comportamentos agressivos e suas manifestações. Considera-se pertinente, nessa seara, ponderar que comportamentos de bullying também são reflexos de processos de internalização de valores e práticas parentais, onde o sujeito significa internamente as relações familiares e devolve para o meio com suas contribuições, numa perspectiva de construção histórica, social e subjetiva dos processos de violência e das interações familiares em si.

Estilos parentais

As análises revelaram que os estilos parentais e os problemas entre pares se influenciaram mútua e simultaneamente. Os fatores relacionados a esses estilos que influenciam no comportamento dos estudantes em relação ao bullying ou às experiências negativas na escola são aqueles estilos considerados inadequados, principalmente, no que se refere às tendências aos conflitos e às práticas parentais autoritárias.

Em geral, os alunos mais propensos a se envolverem em situações de bullying apresentaram relações menos favoráveis com seus pais, menos sentimentos de envolvimento e empatia familiar (Barboza et al., 2009Barboza, G. E., Schiamberg, L. B., Oehmke, J., Korzeniewski, S. J., Post, L. A., & Heraux, C. G. (2009). Individual characteristics and the multiple contexts of adolescent bullying: An ecological perspective. Journal of Youth and Adolescence, 38(1), 101-121.; Barker et al., 2008Barker, E. D., Boivin, M., Brendgen, M., Fontaine, N., Arseneault, L., Vitaro, F., ... Tremblay, R. E. (2008). Predictive validity and early predictors of peer-victimization trajectories in preschool. Archives of General Psychiatry, 65(10), 1185-1192.; Chaux et al., 2009Chaux, E., Molano, A., & Podlesky, P. (2009). Socio-economic, socio-political and socio-emotional variables explaining school bullying: A country-wide multilevel analysis. Aggressive Behavior, 35(6), 520-529.; Kouwenberg, Rieffe, Theunissen, & Rooij, 2012Kouwenberg, M., Rieffe, C., Theunissen, S., & Rooij, M. (2012). Peer victimization experienced by children and adolescents who are deaf or hard of hearing. Plos One, 7(12).; Lee, 2011Lee, C. H. (2011). An ecological systems approach to bullying behaviors among Middle School students in the United States. Journal of Interpersonal Violence, 26(8), 1664-1693.; Moon, Morash, & McCluskey, 2012Moon, B., Morash, M., & McCluskey, J. D. (2012). General Strain theory and school bullying: An empirical test in South Korea. Crime & Delinquency, 58(6), 827-855.; Yamagata et al., 2013Yamagata, S., Takahashi, Y., Ozaki, K., Fujisawa, K. K., Nonaka, K., & Ando, J. (2013). Bidirectional influences between maternal parenting and children's peer problems: A longitudinal monozygotic twin difference study. Developmental Science, 16(2), 249-259.). Experiências positivas com pais que eram menos autoritários e em situações de menor abuso doméstico, bem como supervisão parental, maior envolvimento entre pai e filho e apego seguro com a figura materna são considerados fatores protetivos em relação ao bullying (Georgiou & Fanti, 2010Georgiou, S. N., & Fanti, K. A. (2010). A transactional model of bullying and victimization. Social Psychology of Education, 13(3), 295-311.; Lee, 2011Lee, C. H. (2011). An ecological systems approach to bullying behaviors among Middle School students in the United States. Journal of Interpersonal Violence, 26(8), 1664-1693.; Ma & Bellmore, 2012Ma, T. L., & Bellmore, A. (2012). Peer victimization and parental psychological control in adolescence. Journal of Abnormal Child Psychology, 40(3), 413-424.).

Nota-se que os estilos parentais se referem aos afetos e à maneira como os pais se relacionam com os filhos, ou seja, se há apoio, aceitação, indiferença e negligência, e, por outro lado, se há controle e supervisão das atividades dos filhos sem que haja superproteção, mas o favorecimento da autonomia e do desenvolvimento (Georgiou, 2008Georgiou, S. N. (2008). Bullying and victimization at school: The role of mothers. British Journal of Educational Psychology, 78, 109-125.). Numa abordagem psicossocial e emocional em que os estilos parentais podem se apresentar como positivos ou negativos, por exemplo, os problemas de comportamento e de relacionamento dos filhos podem ser associados a pais que não estimulam a independência e o autocuidado (Bibou-Nakou, Tsiantis, Assimopoulos, & Chatzilambou, 2013Bibou-Nakou, I., Tsiantis, J., Assimopoulos, H., & Chatzilambou, P. (2013). Bullying/victimization from a family perspective: A qualitative study of secondary school students' views. European Journal of Psychology of Education, 28(1), 53-71.).

Embora fatores individuais sejam mais facilmente associados com o bullying, reconhece-se que os estilos parentais, ou seja, a maneira como os pais educam os filhos, os tipos de supervisão exercidos, como estabelecem a comunicação com os filhos e o afeto percebido como negativo, são agentes essenciais no processo de desenvolvimento psicossocial das crianças e adolescentes. Estudantes com padrões seguros de vinculação no ambiente doméstico são mais propensos a serem socialmente competentes e contribuírem para a construção de uma sociedade de não violência.

Clima familiar

Famílias que dão suporte aos filhos vítimas de bullying permitem que estes possam romper com o ciclo de violência e abusos, fortalecendo-os a desenvolverem mecanismos de enfrentamento para lidar com o processo de vitimização. As pesquisas destacam que estudantes cujos pais se reúnem com os amigos dos filhos apresentam probabilidade significativamente menor de se envolverem em situações de bullying (Onder & Yurtal, 2008Onder, F. C., & Yurtal, F. (2008). An investigation of the family characteristics of bullies, victims, and positively behaving adolescents. Kuram Ve Uygulamada Egitim Bilimleri, 8(3), 821-832.; Shetgiri et al., 2012Shetgiri, R., Lin, H., Avila, R. M., & Flores, G. (2012). Parental characteristics associated with bullying perpetration in US children aged 10 to 17 years. American Journal of Public Health, 102(12), 2280-2286.; Wang, Iannotti, & Nansel, 2009Wang, J., Iannotti, R. J., & Nansel, T. R. (2009). School bullying among adolescents in the United States: Physical, verbal, relational, and cyber. Journal of Adolescent Health, 45(4), 368-375.). O mesmo ocorre quando os pais compartilham ideias, ajudam nas tarefas escolares de casa e conversam com os filhos (Barboza et al., 2009Barboza, G. E., Schiamberg, L. B., Oehmke, J., Korzeniewski, S. J., Post, L. A., & Heraux, C. G. (2009). Individual characteristics and the multiple contexts of adolescent bullying: An ecological perspective. Journal of Youth and Adolescence, 38(1), 101-121.; Bowes et al., 2010Bowes, L., Maughan, B., Caspi, A., Moffitt, T. E., & Arseneault, L. (2010). Families promote emotional and behavioural resilience to bullying: Evidence of an environmental effect. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 51(7), 809-817.; Finkelhor et al., 2009Finkelhor, D., Ormrod, R., Turner, H., & Holt, M. (2009). Pathways to poly-victimization. Child Maltreatment, 14(4), 316-329.; Hong & Espelage, 2012Hong, J. S., & Espelage, D. L. (2012). A review of research on bullying and peer victimization in school: An ecological system analysis. Aggression and Violent Behavior, 17(4), 311-322.; Lee & Song, 2012Lee, C. H., & Song, J. (2012). Functions of parental involvement and effects of school climate on bullying behaviors among South Korean Middle School students. Journal of Interpersonal Violence, 27(12), 2437-2464.; Lopez, Perez, Ochoa, & Ruiz, 2008Lopez, E. E., Perez, S. M., Ochoa, G. M., & Ruiz, D. M. (2008). Adolescent aggression: Effects of gender and family and school environments. Journal of Adolescence, 31(4), 433-450.; Shetgiri et al., 2013Shetgiri, R., Lin, H., & Flores, G. (2013). Trends in risk and protective factors for child bullying perpetration in the United States. Child Psychiatry & Human Development, 44(1), 89-104.).

Esses comportamentos dos pais são interpretados como de envolvimento positivo entre eles e os filhos, aspecto que recebe grande destaque na literatura e é apontado como fator significativo de proteção. Esse envolvimento é traduzido pela supervisão, estabelecimento de regras e comunicação positiva. Além disso, a aceitação dos pais em relação às dificuldades, diferenças e aparência dos filhos diminui as chances de envolvimento em situações agressivas, assim como ocorre com aqueles que possuem famílias democráticas e que estimulam comportamentos de não violência (Bibou-Nakou et al., 2013Bibou-Nakou, I., Tsiantis, J., Assimopoulos, H., & Chatzilambou, P. (2013). Bullying/victimization from a family perspective: A qualitative study of secondary school students' views. European Journal of Psychology of Education, 28(1), 53-71.; Chaux et al., 2009Chaux, E., Molano, A., & Podlesky, P. (2009). Socio-economic, socio-political and socio-emotional variables explaining school bullying: A country-wide multilevel analysis. Aggressive Behavior, 35(6), 520-529.; Georgiou & Fanti, 2010Georgiou, S. N., & Fanti, K. A. (2010). A transactional model of bullying and victimization. Social Psychology of Education, 13(3), 295-311.; Lee, 2011Lee, C. H. (2011). An ecological systems approach to bullying behaviors among Middle School students in the United States. Journal of Interpersonal Violence, 26(8), 1664-1693.; Lee & Song, 2012Lee, C. H., & Song, J. (2012). Functions of parental involvement and effects of school climate on bullying behaviors among South Korean Middle School students. Journal of Interpersonal Violence, 27(12), 2437-2464.).

Esse propalado envolvimento dos pais com os filhos, por outro lado, também deve ser percebido pelos filhos como algo da ordem do afeto e do carinho, sendo entendido como elemento de segurança, e não como uma "superproteção". A supervisão excessiva ou figuras paternas excessivamente controladoras e, consequentemente, positivamente relacionadas ao bullying, impedem a construção de formas positivas de relacionamento grupal e social amplo (Georgiou, 2008Georgiou, S. N. (2008). Bullying and victimization at school: The role of mothers. British Journal of Educational Psychology, 78, 109-125.; Georgiou & Fanti, 2010Georgiou, S. N., & Fanti, K. A. (2010). A transactional model of bullying and victimization. Social Psychology of Education, 13(3), 295-311.).

Avaliações sobre como se desenvolvem as funções familiares indicam que famílias de agressores e vítimas são menos funcionais do que as famílias de alunos sem envolvimento com bullying (Murray-Harvey & Slee, 2010Murray-Harvey, R., & Slee, P. T. (2010). School and home relationships and their impact on school bullying. School Psychology International, 31(3), 271-295.). As vítimas apresentaram mais dificuldades na negociação e cooperação com os pais, e são mais propensas a ter dificuldades correspondentes à competência social (Nation, Vieno, Perkins, & Santinello, 2008Nation, M., Vieno, A., Perkins, D. D., & Santinello, M. (2008). Bullying in school and adolescent sense of empowerment: An analysis of relationships with parents, friends, and teachers. Journal of Community & Applied Social Psychology, 18(3), 211-232.). Por outro lado, famílias que provocam suas crianças e adolescentes em idade escolar sobre a aparência física e padrões de comunicação inadequados na família foram significativamente associados com a tendência a se envolver em situações de bullying (Gofin & Avitzour, 2012Gofin, R., & Avitzour, M. (2012). Traditional versus internet bullying in Junior High School students. Maternal and Child Health Journal, 16(8), 1625-1635.; Jankauskiene, Kardelis, Sukys, & Kardeliene, 2008Jankauskiene, R., Kardelis, K., Sukys, S., & Kardeliene, L. (2008). Associations between school bullying and psychosocial factors. Social Behavior and Personality, 36(2), 145-161.; Lemstra, Nielsen, Rogers, Thompson, & Moraros, 2012Lemstra, M. E., Nielsen, G., Rogers, M. R., Thompson, A. T., & Moraros, J. S. (2012). Risk indicators and outcomes associated with bullying in youth aged 9-15 years. Canadian Journal of Public Health-Revue Canadienne De Sante Publique, 103(1), 9-13.; Nation et al., 2008Nation, M., Vieno, A., Perkins, D. D., & Santinello, M. (2008). Bullying in school and adolescent sense of empowerment: An analysis of relationships with parents, friends, and teachers. Journal of Community & Applied Social Psychology, 18(3), 211-232.).

O clima familiar, nesse sentido, é entendido como elemento básico para se explicar comportamentos de bullying na escola. É nessa dimensão da vida que ocorrem aprendizagens de comportamento e manejo social, e a internalização de métodos que podem se traduzir em estratégias de relacionamento que extrapolam o contexto familiar que se converte em produtor de fatores determinantes de proteção ou de risco.

Tão importante como a estrutura da família são seus aspectos qualitativos (estilos parentais e clima familiar). Dentro de seus efeitos interacionais, o clima afetivo, a comunicação, as práticas educativas, a supervisão e a maneira como as interações acontecem e são percebidas, são variáveis que influenciam na conduta social de crianças e adolescentes, podendo exercer efeitos diretos ou indiretos no envolvimento com o bullying.

Sentimentos dos pais em relação aos filhos

Pais que, frequentemente, irritavam-se com seus filhos e/ou sentiam que os filhos incomodavam aumentavam as probabilidades de envolvimento e perpetração do bullying escolar. Essa relação entre os sentimentos negativos dos pais para com os filhos e o bullying também podem ser cíclicos, uma vez que os fatores parentais contribuem para os comportamentos e a capacidade de desenvolver relações interpessoais adoecidas, e esse funcionamento dos filhos exacerba sentimentos negativos dos pais em relação a eles (Lemstra et al., 2011Lemstra, M., Rogers, M., Redgate, L., Garner, M., & Moraros, J. (2011). Prevalence, risk indicators and outcomes of bullying among on-reserve first nations youth. Canadian Journal of Public Health-Revue Canadienne De Sante Publique, 102(6), 462-466.; Shetgiri et al., 2012Shetgiri, R., Lin, H., Avila, R. M., & Flores, G. (2012). Parental characteristics associated with bullying perpetration in US children aged 10 to 17 years. American Journal of Public Health, 102(12), 2280-2286.; Shetgiri et al., 2013Shetgiri, R., Lin, H., & Flores, G. (2013). Trends in risk and protective factors for child bullying perpetration in the United States. Child Psychiatry & Human Development, 44(1), 89-104.).

O bullying pode, assim, ser entendido como resposta que traduz um padrão global de interações negativas dos pais com os filhos. A raiva, a irritação dos pais e o sentimento incômodo em relação aos filhos podem refletir em frustração e modelagens de respostas emocionais voltadas para a adoção de comportamentos problemáticos, como o bullying.

Saúde mental dos pais

Estudos revelaram que a saúde mental materna está associada ao aumento ou à diminuição da intimidação. Isso pode ocorrer pela qualidade da interação estabelecida entre a díade mãe/filho, que produz interferências no estado psicológico de ambas as partes e na socialização (Shetgiri et al., 2012Shetgiri, R., Lin, H., Avila, R. M., & Flores, G. (2012). Parental characteristics associated with bullying perpetration in US children aged 10 to 17 years. American Journal of Public Health, 102(12), 2280-2286.; Shetgiri et al., 2013Shetgiri, R., Lin, H., & Flores, G. (2013). Trends in risk and protective factors for child bullying perpetration in the United States. Child Psychiatry & Human Development, 44(1), 89-104.). A depressão ou a presença de alguma psicopatologia materna foi, significativamente, relacionada com comportamentos de bullying escolar (Eiden et al., 2010Eiden, R. D., Ostrov, J. M., Colder, C. R., Leonard, K. E., Edwards, E. P., & Orrange-Torchia, T. (2010). Parent alcohol problems and peer bullying and victimization: Child gender and toddler attachment security as moderators. Journal of Clinical Child and Adolescent Psychology, 39(3), 341-350.; Georgiou, 2008Georgiou, S. N. (2008). Bullying and victimization at school: The role of mothers. British Journal of Educational Psychology, 78, 109-125.). A experiência de estudantes com mães com problemas de saúde mental resulta no estabelecimento de relacionamentos primários pouco seguros e não permite que se estabeleçam, no contexto social amplo, relações de proteção diante das adversidades ou, ainda, de tolerância à diversidade.

Os estudos que apresentam discussões e dados sobre a saúde mental dos pais e a associação com o bullying (Eiden et al., 2010Eiden, R. D., Ostrov, J. M., Colder, C. R., Leonard, K. E., Edwards, E. P., & Orrange-Torchia, T. (2010). Parent alcohol problems and peer bullying and victimization: Child gender and toddler attachment security as moderators. Journal of Clinical Child and Adolescent Psychology, 39(3), 341-350.; Georgiou, 2008Georgiou, S. N. (2008). Bullying and victimization at school: The role of mothers. British Journal of Educational Psychology, 78, 109-125.; Shetgiri et al., 2012Shetgiri, R., Lin, H., Avila, R. M., & Flores, G. (2012). Parental characteristics associated with bullying perpetration in US children aged 10 to 17 years. American Journal of Public Health, 102(12), 2280-2286.; Shetgiri et al., 2013Shetgiri, R., Lin, H., & Flores, G. (2013). Trends in risk and protective factors for child bullying perpetration in the United States. Child Psychiatry & Human Development, 44(1), 89-104.) não são conclusivos e possuem limitações em muitas dimensões, como no tipo de desenho metodológico adotado ou na composição amostral dos estudos. Infere-se que a relação entre a saúde mental dos pais, o envolvimento e a perpetração da violência escolar ocorrem na perspectiva de análise da qualidade das interações, que pode ser comprometida diante um diagnóstico ou um funcionamento psíquico adoecido.

Violências (violência doméstica, maus tratos, abusos, uso de álcool)

Evidenciou-se que a experiência de violência doméstica de alunos, diretamente ou a exposição a ela, aumentava a probabilidade do envolvimento em situações de bullying, respeitando-se nuances e diferenças entre os sexos. Assim, a violência na família está correlacionada à produção do bullying nas escolas, num processo de naturalização e banalização do comportamento agressivo (Bibou-Nakou et al., 2013Bibou-Nakou, I., Tsiantis, J., Assimopoulos, H., & Chatzilambou, P. (2013). Bullying/victimization from a family perspective: A qualitative study of secondary school students' views. European Journal of Psychology of Education, 28(1), 53-71.; Bowes et al., 2009Bowes, L., Arseneault, L., Maughan, B., Taylor, A., Caspi, A., & Moffitt, T. E. (2009). School, neighborhood, and family factors are associated with children's bullying involvement: A nationally representative longitudinal study. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 48(5), 545-553.; Castro-Morales, 2011Castro-Morales, J. (2011). Acoso escolar. Rev. neuropsiquiatr, 74(2), 242-249.; Eiden et al., 2010Eiden, R. D., Ostrov, J. M., Colder, C. R., Leonard, K. E., Edwards, E. P., & Orrange-Torchia, T. (2010). Parent alcohol problems and peer bullying and victimization: Child gender and toddler attachment security as moderators. Journal of Clinical Child and Adolescent Psychology, 39(3), 341-350.; Hong & Espelage, 2012Hong, J. S., & Espelage, D. L. (2012). A review of research on bullying and peer victimization in school: An ecological system analysis. Aggression and Violent Behavior, 17(4), 311-322.; Knous-Westfall et al., 2012Knous-Westfall, H. M., Ehrensaft, M. K., MacDonell, K. W., & Cohen, P. (2012). Parental intimate partner violence, parenting practices, and adolescent peer bullying: A prospective study. Journal of Child and Family Studies, 21(5), 754-766.; Lee, 2011Lee, C. H. (2011). An ecological systems approach to bullying behaviors among Middle School students in the United States. Journal of Interpersonal Violence, 26(8), 1664-1693.; Lepisto et al., 2011Lepisto, S., Luukkaala, T., & Paavilainen, E. (2011). Witnessing and experiencing domestic violence: A descriptive study of adolescents. Scandinavian Journal of Caring Sciences, 25(1), 70-80.; Mustanoja et al., 2011Mustanoja, S., Luukkonen, A. H., Hakko, H., Rasanen, P., Saavala, H., & Riala, K. (2011). Is exposure to domestic violence and violent crime associated with bullying behaviour among underage adolescent psychiatric inpatients? Child Psychiatry & Human Development, 42(4), 495-506.; Pinheiro & Williams, 2009Pinheiro, F. M. F., & Williams, L. C. A. (2009). Violência intrafamiliar e intimidação entre colegas no ensino fundamental. Cadernos de Pesquisa, 39(138), 995-1018.; Sevda & Sevim, 2012Sevda, A., & Sevim, S. (2012). Effect of high school students' self concept and family relationships on peer bullying. Revista Brasileira de Promoção de Saúde, 25(4), 405-412.; Tortorelli, Carreiro, & Araújo, 2010Tortorelli, M. F. P., Carreiro, L. R. R., & Araújo, M. V. (2010). Correlações entre a percepção da violência familiar e o relato de violência na escola entre alunos da cidade de São Paulo. Revista Psicologia Teoria e Prática, 12(1), 32-42.; Voisin & Hong, 2012Voisin, D. R., & Hong, J. S. (2012). A meditational model linking witnessing intimate partner violence and bullying behaviors and victimization among youth. Educational Psychology Review, 24(4), 479-498.).

Nos estudos revisados, são fornecidas fortes evidências empíricas de que estudantes que testemunharam violência doméstica estavam em maior risco para comportamentos de bullying e vitimização de pares (Bowes et al., 2009Bowes, L., Arseneault, L., Maughan, B., Taylor, A., Caspi, A., & Moffitt, T. E. (2009). School, neighborhood, and family factors are associated with children's bullying involvement: A nationally representative longitudinal study. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 48(5), 545-553.; Mustanoja et al., 2011Mustanoja, S., Luukkonen, A. H., Hakko, H., Rasanen, P., Saavala, H., & Riala, K. (2011). Is exposure to domestic violence and violent crime associated with bullying behaviour among underage adolescent psychiatric inpatients? Child Psychiatry & Human Development, 42(4), 495-506.; Pinheiro & Williams, 2009Pinheiro, F. M. F., & Williams, L. C. A. (2009). Violência intrafamiliar e intimidação entre colegas no ensino fundamental. Cadernos de Pesquisa, 39(138), 995-1018.; Tortorelli et al., 2010Tortorelli, M. F. P., Carreiro, L. R. R., & Araújo, M. V. (2010). Correlações entre a percepção da violência familiar e o relato de violência na escola entre alunos da cidade de São Paulo. Revista Psicologia Teoria e Prática, 12(1), 32-42.; Voisin & Hong, 2012Voisin, D. R., & Hong, J. S. (2012). A meditational model linking witnessing intimate partner violence and bullying behaviors and victimization among youth. Educational Psychology Review, 24(4), 479-498.). Além disso, crianças cujos pais apresentavam problemas com álcool tinham risco aumentado para problemas interpessoais, o que evidenciou uma associação direta entre os problemas com álcool dos pais e o comportamento de bullying dos filhos (Eiden et al., 2010Eiden, R. D., Ostrov, J. M., Colder, C. R., Leonard, K. E., Edwards, E. P., & Orrange-Torchia, T. (2010). Parent alcohol problems and peer bullying and victimization: Child gender and toddler attachment security as moderators. Journal of Clinical Child and Adolescent Psychology, 39(3), 341-350.).

Quando crianças e adolescentes são expostos à violência, favorece-se a experiência de um mundo pouco seguro, em que os únicos papéis sociais a serem desempenhados é o de agressor e o de vítima. Tal concepção perpetua a violência como alternativa para as relações sociais e se reduz a possibilidade de relações positivas, numa lógica muito mais associada ao risco e à vulnerabilidade que à emancipação, à ressignificação de processos de vida e à melhora da dignidade e das condições de vida e saúde (Bibou-Nakou et al., 2013Bibou-Nakou, I., Tsiantis, J., Assimopoulos, H., & Chatzilambou, P. (2013). Bullying/victimization from a family perspective: A qualitative study of secondary school students' views. European Journal of Psychology of Education, 28(1), 53-71.; Castro-Morales, 2011Castro-Morales, J. (2011). Acoso escolar. Rev. neuropsiquiatr, 74(2), 242-249.; Knous-Westfall et al., 2012Knous-Westfall, H. M., Ehrensaft, M. K., MacDonell, K. W., & Cohen, P. (2012). Parental intimate partner violence, parenting practices, and adolescent peer bullying: A prospective study. Journal of Child and Family Studies, 21(5), 754-766.; Sevda & Sevim, 2012Sevda, A., & Sevim, S. (2012). Effect of high school students' self concept and family relationships on peer bullying. Revista Brasileira de Promoção de Saúde, 25(4), 405-412.).

É importante ressaltar que o mal-estar provocado pela violência no contexto familiar se manifesta em problemas de comportamento em outras dimensões da vida. Essa manifestação não se refere apenas à reprodução ou manutenção do ciclo de agressividade estabelecido na primeira instituição de cuidado, mas representa o empobrecimento das relações familiares e os baixos níveis de apoio e proteção social. Ambientes marcados pela violência, ou seu testemunho, pouco estimulam o desenvolvimento das crianças e adolescentes e terminam fazendo das famílias instâncias disfuncionais para o desenvolvimento e a manutenção da saúde.

Considerações Finais

A partir da análise dos estudos revisados, verificou-se que os contextos a que crianças e adolescentes estão expostos contribuem para o envolvimento, ou não, em situações de bullying escolar. O desenvolvimento de uma cultura da não violência, dessa forma, passa pela implicação dos diferentes atores e espaços em sua produção. No geral, os resultados apresentados demonstram a importância da família no processo de desenvolvimento saudável da criança e do adolescente, mas também no desenvolvimento adoecido, como pode ser entendido pelo envolvimento em situações de violência entre pares. Ao mesmo tempo, corrobora-se com a literatura científica, na medida em que compreende o bullying, ultrapassando a dimensão das características individuais dos estudantes agressores e/ou vítimas, sem, contudo, perdê-las de vista, abordando aspectos da coletividade e da experiência relacional com a família, que são constitutivos para o fenômeno.

Entrementes, algumas limitações devem ser consideradas na interpretação dos resultados apresentados. Em primeiro lugar, o delineamento transversal da maioria dos estudos não permite inferências sobre causas e efeitos a partir das associações estabelecidas, pois possuem foco na construção de evidências sobre como o ambiente e as relações familiares podem ser precursores do bullying. Em segundo lugar, a escassez de estudos brasileiros sinaliza para lacunas na abordagem contextual do fenômeno na realidade nacional, reflexo do foco das investigações estabelecidas no país e o caráter ainda novo que a problemática possui no âmbito da produção acadêmica. Ainda, a ausência de referenciais teóricos na análise dos dados impediu a construção de análises aprofundadas sobre as temáticas em associação. A abordagem do bullying e sua interface com as famílias, a partir de referenciais que proporcionem modelos explicativos para o fenômeno, podem enriquecer a compreensão científica acerca dessa interface e qualificar o desenvolvimento de intervenções e práticas de cuidado dos escolares.

Esse trabalho, ainda, fornece elementos para trabalhos futuros na área e mudanças nos modelos de abordagem da problemática, principalmente, estudos baseados na realidade nacional. Sinaliza-se para a necessidade de se construir uma agenda de pesquisa que reúna estudos que avaliem o bullying a partir de seus diferentes atores e como se pode associar cada um dos tipos de envolvimento às relações familiares. Além disso, delineamentos longitudinais podem oferecer exames da complexa relação entre essas temáticas e a existência de potenciais fatores de vulnerabilidade ou proteção para o bullying no Brasil. Por fim, destaca-se que, embora o presente estudo explore questões relacionadas ao contexto familiar e suas relações com o bullying, os resultados não devem ser interpretados como sugerindo a culpabilização ou responsabilização exclusiva dos pais e das famílias diante do fenômeno. Deve-se reconhecer os fatores múltiplos relacionados à violência e ao desenvolvimento humano, que por si e isoladamente, não os explicam completamente.

  • Analitis, F., Velderman, M. K., Ravens-Sieberer, U., Detmar, S., Erhart, M., Herdman, M. (2009). Being bullied: Associated factors in children and adolescents 8 to 18 years old in 11 European countries. Pediatrics, 123(2), 569-577.
  • Araújo, L. S., Coutinho, M. P. d. L., Miranda, R. S., & Saraiva, E. R. d. A. (2012). Universo consensual de adolescentes acerca da violência escolar. Psico-USF, 17(2), 243-251.
  • Ball, H. A., Arseneault, L., Taylor, A., Maughan, B., Caspi, A., & Moffitt, T. E. (2008). Genetic and environmental influences on victims, bullies and bully-victims in childhood. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 49(1), 104-112.
  • Barboza, G. E., Schiamberg, L. B., Oehmke, J., Korzeniewski, S. J., Post, L. A., & Heraux, C. G. (2009). Individual characteristics and the multiple contexts of adolescent bullying: An ecological perspective. Journal of Youth and Adolescence, 38(1), 101-121.
  • Barker, E. D., Boivin, M., Brendgen, M., Fontaine, N., Arseneault, L., Vitaro, F., ... Tremblay, R. E. (2008). Predictive validity and early predictors of peer-victimization trajectories in preschool. Archives of General Psychiatry, 65(10), 1185-1192.
  • Bibou-Nakou, I., Tsiantis, J., Assimopoulos, H., & Chatzilambou, P. (2013). Bullying/victimization from a family perspective: A qualitative study of secondary school students' views. European Journal of Psychology of Education, 28(1), 53-71.
  • Bowes, L., Arseneault, L., Maughan, B., Taylor, A., Caspi, A., & Moffitt, T. E. (2009). School, neighborhood, and family factors are associated with children's bullying involvement: A nationally representative longitudinal study. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 48(5), 545-553.
  • Bowes, L., Maughan, B., Caspi, A., Moffitt, T. E., & Arseneault, L. (2010). Families promote emotional and behavioural resilience to bullying: Evidence of an environmental effect. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 51(7), 809-817.
  • Castro-Morales, J. (2011). Acoso escolar. Rev. neuropsiquiatr, 74(2), 242-249.
  • Chaux, E., Molano, A., & Podlesky, P. (2009). Socio-economic, socio-political and socio-emotional variables explaining school bullying: A country-wide multilevel analysis. Aggressive Behavior, 35(6), 520-529.
  • Christie-Mizell, C. A., Keil, J. M., Laske, M. T., & Stewart, J. (2011). Bullying behavior, parents' work hours and early adolescents' perceptions of time spent with parents. Youth & Society, 43(4), 1570-1595.
  • Due, P., Merlo, J., Harel-Fisch, Y., Damsgaard, M. T., Holstein, B. E., Hetland, J., ... Lynch, J. (2009). Socioeconomic inequality in exposure to bullying during adolescence: A comparative, cross-sectional, multilevel study in 35 countries. American Journal of Public Health, 99(5), 907-914.
  • Duong, M. T., Schwartz, D., Chang, L., Kelly, B. M., & Tom, S. R. (2009). Associations between maternal physical discipline and peer victimization among Hong Kong Chinese children: The moderating role of child aggression. Journal of Abnormal Child Psychology, 37(7), 957-966.
  • Eiden, R. D., Ostrov, J. M., Colder, C. R., Leonard, K. E., Edwards, E. P., & Orrange-Torchia, T. (2010). Parent alcohol problems and peer bullying and victimization: Child gender and toddler attachment security as moderators. Journal of Clinical Child and Adolescent Psychology, 39(3), 341-350.
  • Finkelhor, D., Ormrod, R., Turner, H., & Holt, M. (2009). Pathways to poly-victimization. Child Maltreatment, 14(4), 316-329.
  • Fu, Q., Land, K. C., & Lamb, V. L. (2013). Bullying victimization, socioeconomic status and behavioral characteristics of 12th graders in the United States, 1989 to 2009: Repetitive trends and persistent risk differentials. Child Indicators Research, 6(1), 1-21.
  • Garner, P. W., & Hinton, T. S. (2010). Emotional display rules and emotion self-regulation: Associations with bullying and victimization in community-based after school programs. Journal of Community & Applied Social Psychology, 20(6), 480-496.
  • Georgiou, S. N. (2008). Bullying and victimization at school: The role of mothers. British Journal of Educational Psychology, 78, 109-125.
  • Georgiou, S. N., & Fanti, K. A. (2010). A transactional model of bullying and victimization. Social Psychology of Education, 13(3), 295-311.
  • Gofin, R., & Avitzour, M. (2012). Traditional versus internet bullying in Junior High School students. Maternal and Child Health Journal, 16(8), 1625-1635.
  • Hong, J. S., & Espelage, D. L. (2012). A review of research on bullying and peer victimization in school: An ecological system analysis. Aggression and Violent Behavior, 17(4), 311-322.
  • Idsoe, T., Solli, E., & Cosmovici, E. M. (2008). Social psychological processes in family and school: More evidence on their relative etiological significance for bullying behavior. Aggressive Behavior, 34(5), 460-474.
  • Jankauskiene, R., Kardelis, K., Sukys, S., & Kardeliene, L. (2008). Associations between school bullying and psychosocial factors. Social Behavior and Personality, 36(2), 145-161.
  • Jansen, D., Veenstra, R., Ormel, J., Verhulst, F. C., & Reijneveld, S. A. (2011). Early risk factors for being a bully, victim, or bully/victim in late elementary and early secondary education. The longitudinal TRAILS study. Bmc Public Health, 11, 440.
  • Kim, Y. S., Boyce, W. T., Koh, Y. J., & Leventhal, B. L. (2009). Time trends, trajectories, and demographic predictors of bullying: A prospective study in Korean Adolescents. Journal of Adolescent Health, 45(4), 360-367.
  • Knous-Westfall, H. M., Ehrensaft, M. K., MacDonell, K. W., & Cohen, P. (2012). Parental intimate partner violence, parenting practices, and adolescent peer bullying: A prospective study. Journal of Child and Family Studies, 21(5), 754-766.
  • Kouwenberg, M., Rieffe, C., Theunissen, S., & Rooij, M. (2012). Peer victimization experienced by children and adolescents who are deaf or hard of hearing. Plos One, 7(12).
  • Lee, C. H. (2011). An ecological systems approach to bullying behaviors among Middle School students in the United States. Journal of Interpersonal Violence, 26(8), 1664-1693.
  • Lee, C. H., & Song, J. (2012). Functions of parental involvement and effects of school climate on bullying behaviors among South Korean Middle School students. Journal of Interpersonal Violence, 27(12), 2437-2464.
  • Lemstra, M., Rogers, M., Redgate, L., Garner, M., & Moraros, J. (2011). Prevalence, risk indicators and outcomes of bullying among on-reserve first nations youth. Canadian Journal of Public Health-Revue Canadienne De Sante Publique, 102(6), 462-466.
  • Lemstra, M. E., Nielsen, G., Rogers, M. R., Thompson, A. T., & Moraros, J. S. (2012). Risk indicators and outcomes associated with bullying in youth aged 9-15 years. Canadian Journal of Public Health-Revue Canadienne De Sante Publique, 103(1), 9-13.
  • Lepisto, S., Luukkaala, T., & Paavilainen, E. (2011). Witnessing and experiencing domestic violence: A descriptive study of adolescents. Scandinavian Journal of Caring Sciences, 25(1), 70-80.
  • Lopez, E. E., Perez, S. M., Ochoa, G. M., & Ruiz, D. M. (2008). Adolescent aggression: Effects of gender and family and school environments. Journal of Adolescence, 31(4), 433-450.
  • Ma, T. L., & Bellmore, A. (2012). Peer victimization and parental psychological control in adolescence. Journal of Abnormal Child Psychology, 40(3), 413-424.
  • Moon, B., Morash, M., & McCluskey, J. D. (2012). General Strain theory and school bullying: An empirical test in South Korea. Crime & Delinquency, 58(6), 827-855.
  • Murray-Harvey, R., & Slee, P. T. (2010). School and home relationships and their impact on school bullying. School Psychology International, 31(3), 271-295.
  • Mustanoja, S., Luukkonen, A. H., Hakko, H., Rasanen, P., Saavala, H., & Riala, K. (2011). Is exposure to domestic violence and violent crime associated with bullying behaviour among underage adolescent psychiatric inpatients? Child Psychiatry & Human Development, 42(4), 495-506.
  • Nation, M., Vieno, A., Perkins, D. D., & Santinello, M. (2008). Bullying in school and adolescent sense of empowerment: An analysis of relationships with parents, friends, and teachers. Journal of Community & Applied Social Psychology, 18(3), 211-232.
  • Olweus, D. (2013). School bullying: Development and some important challenges. Annual Review of Clinical Psychology, 9(1), 751-780.
  • Onder, F. C., & Yurtal, F. (2008). An investigation of the family characteristics of bullies, victims, and positively behaving adolescents. Kuram Ve Uygulamada Egitim Bilimleri, 8(3), 821-832.
  • Pepler, D., Jiang, D. P., Craig, W., & Connolly, J. (2008). Developmental trajectories of bullying and associated factors. Child Development, 79(2), 325-338.
  • Pinheiro, F. M. F., & Williams, L. C. A. (2009). Violência intrafamiliar e intimidação entre colegas no ensino fundamental. Cadernos de Pesquisa, 39(138), 995-1018.
  • Romaní, F., Gutiérrez, C., & Lama, M. (2011). Auto-reporte de agresividad escolar y factores asociados en escolares peruanos de educación secundaria. Revista Peruana de Epidemiología, 15(2), 1-8.
  • Sampaio, R. F., & Mancini, M. C. (2007). Estudos de revisão sistemática: um guia para síntese criteriosa da evidência científica. Revista Brasileira de Fisioterapia, 11(1), 83-89.
  • Sevda, A., & Sevim, S. (2012). Effect of high school students' self concept and family relationships on peer bullying. Revista Brasileira de Promoção de Saúde, 25(4), 405-412.
  • Shetgiri, R., Lin, H., Avila, R. M., & Flores, G. (2012). Parental characteristics associated with bullying perpetration in US children aged 10 to 17 years. American Journal of Public Health, 102(12), 2280-2286.
  • Shetgiri, R., Lin, H., & Flores, G. (2013). Trends in risk and protective factors for child bullying perpetration in the United States. Child Psychiatry & Human Development, 44(1), 89-104.
  • Tortorelli, M. F. P., Carreiro, L. R. R., & Araújo, M. V. (2010). Correlações entre a percepção da violência familiar e o relato de violência na escola entre alunos da cidade de São Paulo. Revista Psicologia Teoria e Prática, 12(1), 32-42.
  • Vlachou, M., Andreou, E., Botsoglou, K., & Didaskalou, E. (2011). Bully/victim problems among preschool children: A review of current research evidence. Educational Psychology Review, 23(3), 329-358.
  • Voisin, D. R., & Hong, J. S. (2012). A meditational model linking witnessing intimate partner violence and bullying behaviors and victimization among youth. Educational Psychology Review, 24(4), 479-498.
  • Von Marees, N., & Petermann, F. (2010). Bullying in German primary schools gender differences, age trends and influence of parents' migration and educational backgrounds. School Psychology International, 31(2), 178-198.
  • Wang, H., Zhou, X. L., Lu, C. Y., Wu, J., Deng, X. Q., Hong, L. Y., ... He, Y. (2012). Adolescent bullying involvement and psychosocial aspects of family and school life: A cross-sectional study from Guangdong Province in China. Plos One, 7(7).
  • Wang, J., Iannotti, R. J., & Nansel, T. R. (2009). School bullying among adolescents in the United States: Physical, verbal, relational, and cyber. Journal of Adolescent Health, 45(4), 368-375.
  • Yamagata, S., Takahashi, Y., Ozaki, K., Fujisawa, K. K., Nonaka, K., & Ando, J. (2013). Bidirectional influences between maternal parenting and children's peer problems: A longitudinal monozygotic twin difference study. Developmental Science, 16(2), 249-259.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2013
  • Revisado
    12 Jun 2014
  • Aceito
    10 Nov 2014
Universidade de São Francisco, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia R. Waldemar César da Silveira, 105, Vl. Cura D'Ars (SWIFT), Campinas - São Paulo, CEP 13045-510, Telefone: (19)3779-3771 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: revistapsico@usf.edu.br