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Análise Aparente de Tecnologia Educativa para Universitários sobre Abuso Sexual Infantil

Apparent Analysis of Educational Technology for University about Child Sexual Abuse

Análisis Aparente de Tecnología Educativa para Universitarios sobre el Abuso Sexual Infantil

Resumos

É importante desenvolver materiais educativos breves e de baixo custo para prevenção e diminuição do impacto do abuso sexual infantil. Em 2012, foi aprovada a lei 12.650, que estimula que adultos abusados sexualmente na infância busquem por justiça. Neste estudo, elaborou-se e realizou-se validação aparente de um folder, verificando se é compreensível pelo público-alvo e adequado ao tema. A validação aparente foi realizada por cinco especialistas em Psicologia Forense, três universitários e seis vítimas adultas, que responderam a um questionário fechado avaliando o panfleto. O folder foi elogiado quanto ao seu objetivo, formatação original e simplicidade da linguagem.

Abuso sexual infantil; educação em saúde; maus-tratos infantil


It is important to develop brief and inexpensive educational materials to prevent or reduce the impact of child sexual abuse. In 2012, the law 12.650 was enacted, encouraging adults who were sexually abused in their childhood to seek for justice. This study aimed at formulating and performing apparent validation of a child abuse prevention brochure, checking its understanding by the target audience and adequacy to the subject. The apparent validation was carried out by five experts in Forensic Psychology, three university students and six adult victims of child abuse, who answered a closed questionnaire evaluating the brochure. The brochure was well received and commended for its goal, original formatting, and simple language.

Child sexual abuse; health education; child abuse


Es importante desarrollar materiales educativos breves y económicos para la prevención y disminución del impacto del abuso sexual infantil. En 2012 fue aprobada la ley 12.650, que estimula a los adultos víctimas de abuso sexual infantil a buscar justicia. Este estudio elaboró y realizó la validación aparente de un folleto, verificando su comprensión por el público objetivo y adecuación al tema. La validación aparente fue realizada por cinco especialistas en Psicología Forense, tres estudiantes universitarios y seis víctimas adultas de abuso sexual infantil, que respondieron a un cuestionario objetivo de evaluación del panfleto. El folleto fue bien recibido y elogiado en cuanto a su objetivo, formato original y simplicidad del lenguaje.

Abuso sexual infantil; educación en salud; maltrato infantil


O abuso sexual na infância e adolescência é frequente. Estima-se uma prevalência de abuso sexual infantil de 8% em meninos e 20% em meninas antes dos 18 anos, de acordo com pesquisas internacionais (Pereda, Guilera, Forns, & Gómez-Benito 2009Pereda, N., Guilera, G., Forns, M., & Gómez-Benito, J. (2009). The prevalence of child sexual abuse in community and student samples: A meta-analysis. Clinical Psychology Review, 29, 328-338. doi: 10.1016/j.cpr.2009.02.007
https://doi.org/10.1016/j.cpr.2009.02.00...
). Entende-se por abuso sexual infantil, de acordo com o (Ministério da Saúde do Brasil 2002Ministério da Saúde (2002). Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes pelos profissionais de saúde: Um passo a mais na cidadania em saúde. Brasília: Secretaria de Assistência à Saúde. Retirado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ publicacoes/notificacao_maustratos_criancas_adolescentes.pdf
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) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), práticas sexuais de naturezas diversas, seja em uma relação heterossexual ou homossexual, no qual os agressores estão em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o adolescente, sendo estes as vítimas mais novas de 18 anos. O abuso sexual pode ou não ter o contato físico (voyerismo, exibicionismo, produção de vídeos e fotos), até diferentes tipos de ações que incluem contato físico com ou sem penetração. Envolve, ainda, situações de exploração sexual visando lucros, tais como a exploração sexual e a exposição à pornografia.

Entre as sequelas do abuso, a vítima tende a sentir muita culpa e a ter baixa autoestima, podendo apresentar problemas de crescimento e de desenvolvimento físico e emocional, e tende a ser mais vulnerável a ideias e tentativas de suicídio. Grande parte das vítimas costuma sofrer de enfermidades psicossomáticas e doenças sexualmente transmissíveis (Leeb, 2001Leeb, R., Lewis, T., Zolotor, A. T. (2011). A review of physical and mental health consequences of child abuse and neglect and implications for practice. American jornal of life style medicine, 5, 454-468. doi: 10.1177/1559827611410266
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). São poucos os indivíduos que realmente conhecem o fenômeno com profundidade, sendo importante disseminar o que é, o que causa, formas de evitar e o que fazer quando se sofreu violência sexual na infância.

As autoras deste trabalho, ao realizar busca no site Google Brasil com os descritores: "abuso sexual infantil e folder" e "abuso sexual infantil e panfleto", em maio de 2014, descobriram que a maioria desses materiais educativos destacou a exploração sexual infantil e os sinais/sintomas de uma criança vítima de abuso sexual, mas não identificaram ser possível a notificação sigilosa por parte do indivíduo que suspeita que uma criança esteja sendo vítima. Não foram encontrados pelas autoras do presente artigo panfletos direcionados a adultos que foram vítimas de abuso sexual na infância.

Diante disso, considera-se que há uma lacuna no Brasil de materiais educativos breves e de baixo custo sobre abuso sexual infantil direcionados a adultos que foram vítimas. Cabe ressaltar que essa lacuna, também, ocorre em relação a outros materiais educativos na área da saúde, segundo (Oliveira, Fernandes e Sawada 2008Oliveira, M. S., Fernandes, A. F. C., & Sawada, N. O. (2008). Manual educativo para o autocuidado da mulher mastectomizada: Um estudo de validação. Texto contexto - Enferm, 17(1), 115-123. doi: 0.1590/S0104-07072008000100013).

O público universitário apresenta grande potencial multiplicador de informações, pois, na universidade, formam-se profissionais que vão atuar em diversas áreas (Saúde, Educação, Segurança, Justiça), podendo disseminar e utilizar as informações aprendidas em diferentes contextos. Adicionalmente, o público universitário, em geral, constitui-se de indivíduos com idade maior de 18 anos, faixa etária que pode beneficiar-se recentemente da lei 12.650 de 17 de maio de 2012 (lei Joanna Maranhão). Tal lei considera que o prazo de prescrição nos crimes contra dignidade sexual praticados contra crianças e adolescentes deve ser contado da data em que a vítima completar dezoito anos de idade, e não da data em que o crime ocorrera, salvo se a ação penal já tiver iniciado em data anterior. Assim, um universitário que sofreu abuso sexual na infância, ao conhecer mais sobre o tema da agressão sexual, pode reconhecer à necessidade de buscar auxílio psicológico, evitando os impactos de longo prazo ao ter sofrido agressões sexuais na infância (Transtorno Depressivo Maior, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, doenças psicossomáticas, entre outras). O universitário pode, também, buscar assistência judicial, de modo que o ofensor sexual seja responsabilizado, encaminhado a um trabalho reeducativo, diminuindo as chances de que faça outras vítimas. Por tanto, elaborar um material simples e didático sobre abuso sexual infantil e a universitários parece ser relevante.

Cabe ressaltar que é necessário que as tecnologias informativas passem por um processo de validação antes de serem amplamente utilizadas, sendo que uma das primeiras etapas desse processo consiste na análise aparente do material. Não foram encontrados estudos de validação a respeito dos seis panfletos encontrados em revisão de literatura. A análise aparente se refere a investigar se as instruções estão adequadas (em relação à facilidade de leitura e entendimento), se o público-alvo ficou constrangido ao ler algum item, se o material contempla todos os aspectos mínimos necessários ao fenômeno e se é fidedigno com o que a literatura científica apontou (Pasquali, 1997Pasquali, L. (1997). Psicometria: Teoria e aplicações. Brasília: Editora Universidade de Brasília.). Um instrumento utilizado para esse tipo de avaliação se denomina Evaluation of Printed Education Materials EVALPEM, isto é, avaliação de materiais educativos impressos (Castro, 2007Castro, M. S., Pilger. F. D., & Ferreira, M. B. C. (2007). Development and validity of a method for the evaluation of printed education material. Pharm Prac, 5,89-94. doi: 10.4321/S1886-36552007000200007
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). O EVALPEM possui 17 afirmações no total, e as opções de respostas são "concordo totalmente", "concordo" e "discordo".

Diante dessas lacunas quanto a tecnologias informativas sobre abuso sexual infantil, foi elaborada e realizada a avaliação aparente de um panfleto. A elaboração do folder ocorreu a partir da leitura de vários materiais, por exemplo, lei 12.650, conhecida como lei Joana Maranhão, estudo de revisões de literatura, como a de (Pereda, Guilera, Forns e Gómez-Benito 2009Pereda, N., Guilera, G., Forns, M., & Gómez-Benito, J. (2009). The prevalence of child sexual abuse in community and student samples: A meta-analysis. Clinical Psychology Review, 29, 328-338. doi: 10.1016/j.cpr.2009.02.007
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) e da experiência clínica das autoras que são psicólogas. Este estudo faz parte da dissertação de mestrado da primeira autora, que recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa. A pesquisa se propõe avaliar o impacto na qualidade de vida adulta de pessoas vítimas de abuso sexual na infância.

O panfleto elaborado orienta universitários sobre o abuso sexual infantil e sobre a importância de que busquem assistência psicológica e jurídica, caso tenham sido vítimas na infância. O panfleto, também, tem como propósito orientar o que pode ser feito, caso se suspeite de que uma criança ou adolescente esteja sendo agredido sexualmente. O material está disponível gratuitamente em www.laprev.ufscar.br ou www.uece.br/prevenirnaescola e constitui-se de uma folha sulfite, em tamanho A4, de 4X4 cores, com três dobras e impressão frente e verso, com apresentação de 12 lâminas educativas. Na capa do folder, há um convite para o leitor e a expressão "Abuso sexual infantil: É possível superar!", que é o título do panfleto. Após o convite, há a sequência de lâminas que abordam: 1) definição de abuso sexual na infância e adolescência, 2) frequência de ocorrência do fenômeno, 3) descrição das consequências do abuso sexual infantil, 4) incentivo para que adultos que foram vítimas na infância busquem ajuda, 5) informações sobre a lei 12.659 e sobre como notificar, quando se suspeita que uma criança esteja sendo vítima.

Para realizar a análise aparente, o panfleto foi avaliado por cinco profissionais da área da Psicologia Forense (dois doutores, dois mestres e um psicólogo) e por nove adultos universitários ou com nível superior completo das áreas de Educação, Humanas e Saúde. Desses adultos, seis foram vítimas de abuso sexual na infância. Todos os participantes responderam a uma versão adaptada do EVALPEM, com 17 questões fechadas, as quais avaliaram a adequabilidade do conteúdo e forma do panfleto, e uma questão aberta para medir as impressões gerais sobre o material.

Percebeu-se que o conteúdo do folder foi considerado totalmente adequado pela maioria dos participantes na maior parte das questões. Todos os 14 participantes consideraram que não havia informações desnecessárias no folder e que ele estava inserido na cultura local e atual. No mínimo, 12 participantes (85%) concordaram totalmente que as orientações fornecidas no folder eram as necessárias e atuais, que os objetivos deste estavam evidentes e que habilitava o leitor a realizar as ações desejadas. Contudo, somente nove dos participantes (64%) consideraram que o material ajuda a prevenir possíveis casos de abuso. De todos os participantes, o grupo dos especialistas foi o que mais apontou limitações no material, mas nenhum apontou discordância total quanto a qualquer aspecto do conteúdo. Os especialistas apontaram limitações quanto à capacidade desse ser um material que previne abuso sexual infantil e incentiva a notificação, com o que as autoras desse estudo concordam. Certamente a prevenção do abuso sexual infantil e o aumento de notificações dependem de um conjunto de fatores, como políticas públicas adequadas de promoção dos Direitos Humanos, atuação dos serviços de assistência social e do Conselho Tutelar eficientes, de modo que a população acredite que a notificação será útil.. Alguns aprimoramentos foram realizados no folder quanto a seu conteúdo, a partir dos apontamentos dos especialistas, como detalhamento da definição de abuso sexual infantil e maior destaque para a importância da notificação de suspeita de abuso.

Já quanto à adequação da forma, 12 participantes (86%) apontaram ter concordado totalmente quanto à qualidade na forma. Quanto à linguagem ser neutra e explicativa, 11 (78%) apontaram-na como neutra e explicativa. Sobre o vocabulário utilizado no material, 12 participantes (86%) apontaram-no como simples e adequado ao público-alvo. Quanto às ideias expressadas no material, 13 participantes (92%) concordaram totalmente. Quanto aos termos técnicos e aos títulos utilizados, 12 participantes (86%) apontaram como informativos e claramente definidos. Os aspectos apontados como deficientes quanto à forma se referiram a: 1) uma figura de coração que ficava na capa, o qual os participantes analisaram como desnecessária; 2) a alta variedade das cores empregadas, as quais eram diversas para cada lâmina; 3) palavras de difícil compreensão ao público-alvo, como transtorno alimentar. Esses aspectos foram corrigidos de modo que se retirou a gravura do coração. O folder apresenta apenas as cores branca e azul, e o termo "Transtorno Alimentar" foi substituído por comer em excesso ou provocar vômito, recusa a alimentar-se.

No âmbito geral, o folder teve boa aceitação, sendo elogiado quanto ao seu objetivo, formatação original e simplicidade da linguagem. Assim, pode-se afirmar que o panfleto parece ser uma tecnologia promissora, mais ainda são necessários estudos que avaliem: 1) o impacto do material no aumento de notificações de suspeitas de abuso e de instauração de ações penais, 2) se as vítimas buscaram auxílio psicológico, após a leitura e 3) se as informações do folder foram propagadas pelos leitores a familiares, amigos e meio profissional. Espera-se que este estudo sirva como incentivo para que outros materiais breves, como cartilhas e folders, tenham sua validade aparente avaliada antes de serem disseminados de modo a diminuir gastos, especialmente, públicos, em materiais pouco adequados à população-alvo e ao tema que abordam.

  • Castro, M. S., Pilger. F. D., & Ferreira, M. B. C. (2007). Development and validity of a method for the evaluation of printed education material. Pharm Prac, 5,89-94. doi: 10.4321/S1886-36552007000200007
    » https://doi.org/10.4321/S1886-36552007000200007
  • Leeb, R., Lewis, T., Zolotor, A. T. (2011). A review of physical and mental health consequences of child abuse and neglect and implications for practice. American jornal of life style medicine, 5, 454-468. doi: 10.1177/1559827611410266
    » https://doi.org/10.1177/1559827611410266
  • Ministério da Saúde (2002). Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes pelos profissionais de saúde: Um passo a mais na cidadania em saúde. Brasília: Secretaria de Assistência à Saúde. Retirado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ publicacoes/notificacao_maustratos_criancas_adolescentes.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ publicacoes/notificacao_maustratos_criancas_adolescentes.pdf
  • Oliveira, M. S., Fernandes, A. F. C., & Sawada, N. O. (2008). Manual educativo para o autocuidado da mulher mastectomizada: Um estudo de validação. Texto contexto - Enferm, 17(1), 115-123. doi: 0.1590/S0104-07072008000100013
  • Pasquali, L. (1997). Psicometria: Teoria e aplicações. Brasília: Editora Universidade de Brasília.
  • Pereda, N., Guilera, G., Forns, M., & Gómez-Benito, J. (2009). The prevalence of child sexual abuse in community and student samples: A meta-analysis. Clinical Psychology Review, 29, 328-338. doi: 10.1016/j.cpr.2009.02.007
    » https://doi.org/10.1016/j.cpr.2009.02.007
  • World Health Organization, & International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect (2006). Preventing child maltreatment: A guide to taking action and generating evidence. Suisse: World Health Organization. Retirado de http://whqlibdoc.who.int/ publications/2006/9241594365_eng.pdf
    » http://whqlibdoc.who.int/ publications/2006/9241594365_eng.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2014
  • Revisado
    19 Mar 2015
  • Aceito
    14 Abr 2015
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