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Construindo o Vínculo Pai-Bebê: A Experiência dos Pais

Building the Father-Infant Bond: The Experience of Fathers

Construcción de vínculo padre-bebé: experiencia de los padres

Resumo

Este artigo se propõe a discutir as experiências subjetivas dos homens relativas ao estabelecimento do vínculo pai-bebê. Realizou-se uma pesquisa qualitativa, na qual foram entrevistados oito homens que se tornaram pais recentemente, com idades entre 24 e 36 anos, pertencentes à classe média carioca. Da análise das entrevistas emergiram oito categorias temáticas: mãe é mãe; ser “pãe”; demandas contraditórias: patriarca e cuidador; o homem grávido; ultrassonografia como ritual de passagem; o nascimento do pai; a construção de um vínculo; e dos indivíduos à família. Neste trabalho, serão discutidas as três últimas categorias, por estarem diretamente relacionadas com o objetivo deste artigo. Constatou-se que os pais estão afirmando, cada vez mais, seu desejo de participação na gestação e no parto de seus filhos e que as trocas diárias entre pai e filho, desde o nascimento, facilitam a construção do vínculo pai-bebê.

Palavras-chave:
paternidade; relação pai-filho; parto

Abstract

The purpose of this article was to discuss the subjective experiences of men during the establishment of the father-infant bond. We conducted a qualitative research, in which we interviewed eight men who recently became fathers, aged between 24 and 36, members of the middle class from the city of Rio de Janeiro. Eight theme categories emerged from the analysis of the interviews: mother is mother; being a “solo father”: conflicting demands; patriarch and caretaker; the pregnant man; ultrasound as a rite of passage; the birth of the father; the construction of a bond; and from individuals to family. In this paper we will discuss the last three categories, which are directly related to the purpose of this article. We verified that fathers are increasingly asserting their desire to participate during pregnancy and in the birth of their children and that the daily exchanges between father and child, since birth, facilitate the establishment of the father-infant bond.

Keywords:
fatherhood; father-infant relation; childbirth

Resumen

Este artículo se propone discutir las experiencias subjetivas de los individuos relativas al establecimiento del vínculo padre-bebé. Se realizó una investigación cualitativa, en la cual fueron entrevistados ocho hombres que se convirtieron en padres recientemente, con edades entre 24 y 36 años, pertenecientes a la clase media carioca (de Rio de Janeiro). Del análisis de las entrevistas surgieron ocho categorías temáticas: madre es madre; ser “padre”; demandas contradictorias; patriarca y cuidador; el hombre embarazado; ecografía como ritual de paso; el nacimiento del padre; construcción de un vínculo; y de los individuos a la familia. En este trabajo discutiremos las tres últimas categorías, porque están directamente relacionadas con el objetivo de este artículo. Constatamos que, los padres se están afirmando cada vez más, su deseo de participar durante el embarazo y en el parto de sus hijos y los intercambios diarios entre padre e hijo desde el nacimiento, facilitan la construcción del vínculo padre-bebé.

Palabras-clave:
paternidad; relación padre-hijo; parto

O nascimento de um filho pode constituir-se em uma fonte de satisfação, pela realização pessoal que promove, pelo novo significado que os pais atribuem à vida e pela aproximação que pode proporcionar entre os cônjuges e a família extensa. Ao mesmo tempo, pode ser fonte de estresse devido à necessidade de reorganização individual, conjugal, familiar e profissional e às exigências de prestação contínua de cuidados que o bebê demanda (Ramos & Canavarro, 2007Ramos, M. M., & Canavarro, M. C. (2007). Adaptação parental ao nascimento de um filho: Comparação da reatividade emocional e psicossintomatologia entre pais e mães nos primeiros dias após o parto e oito meses após o parto. Análise Psicológica, 3(25), 399-413. Recuperado de http://repositorio.ispa.pt/handle/10400.12/109
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). Nesse sentido, há diversas demandas emocionais relacionadas à construção do vínculo entre pais e filhos. O movimento de reorganização familiar para incluir um novo membro geralmente leva os pais a repensarem sobre o sentido da vida e a redimensionarem valores, expectativas e prioridades (Jardim & Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
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; Maldonado, Nahoum, & Dickstein, 1985Maldonado, M. T., Nahoum, J. C., & Dickstein, J. (1985) Nós estamos grávidos. Rio de Janeiro: Bloch.).

O nascimento é um momento muito importante para a construção do vínculo entre pai e filho na medida em que representa o início da passagem do bebê imaginário para o bebê real. É nesse momento que se dá a primeira grande separação mãe-bebê. O filho, que antes habitava o corpo da mãe - fazendo, nesse sentido, parte dela própria - e era imaginado no psiquismo dos pais, passa a ser concretamente visto como uma pessoa, encontrando o mundo e dando lugar ao bebê da realidade (Berlinck, 2014Berlinck, M. T. (2014). As bases do amor materno, fundamento da melancolia. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 17(3), 403-406. doi: 10.1590/1415-4714.2014v17n3p403-1
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; Jardim & Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
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; Maldonado et al., 1985Maldonado, M. T., Nahoum, J. C., & Dickstein, J. (1985) Nós estamos grávidos. Rio de Janeiro: Bloch.).

É no parto que os homens/pais vão ter a primeira possibilidade de estabelecerem trocas diádicas com seus filhos. Nesse sentido, o envolvimento do pai durante a gravidez e no parto parece favorecer a vinculação precoce entre pai e bebê. A participação paterna no parto contribui para a ativação de respostas emocionais protetivas do pai em relação ao filho, provavelmente favorecidas pela partilha de intimidade e proximidade com o recém-nascido nos primeiros momentos de sua vida (Brandão, 2009Brandão, S. M. P. A. (2009). Envolvimento emocional do pai com o bebé: Impacto da experiência de parto (Dissertação de mestrado não publicada). Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar/Universidade do Porto, Porto, Portugal.; Jardim & Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
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).

O nascimento é, portanto, um rito de passagem, que simboliza a entrada em uma vida com novas responsabilidades familiares e sociais. Nesse sentido, pode gerar sentimentos contraditórios, como ansiedade, insegurança, estresse, alegria e medo. O medo de que algo ruim aconteça à mãe ou ao bebê durante o parto é bastante comum, ocorrendo em variadas intensidades. O medo do parto pode estar relacionado ao medo da morte, na medida em que nascimento e morte são situações semelhantes por serem irreversíveis (Antunes, Pereira, Vieira, & Lima, 2014Antunes, J. T., Pereira, L. B., Vieira, M. A., & Lima, C. A. (2014). Presença paterna na sala de parto: Expectativas, sentimentos e significados durante o nascimento. Revista de Enfermagem da UFSM, 4(3), 536-545. doi: 10.5902/2179769212515
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; Ferreira, Martendal, Santos, Birolo, & Lopes, 2014Ferreira, A. D., Martendal, M. L. N., Santos, C. M. S., Birolo, I. V. B., & Lopes, R. (2014). Participação do pai no nascimento: Sentimentos revelados. Revista Inova Saúde, 3(2), 16-36. Recuperado de http://periodicos.unesc.net/index.php/Inovasaude/article/view/1662
http://periodicos.unesc.net/index.php/In...
; Jardim & Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
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; Mazzieri & Hoga, 2006Mazzieri, S. P. M., & Hoga, L. A. K. (2006). Participação do pai no nascimento e parto: Revisão da literatura. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 10(2), 166-170. Recuperado de http://reme.org.br/artigo/detalhes/402
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). Segundo (Maldonado, Nahoum e Dickstein, 1985Maldonado, M. T., Nahoum, J. C., & Dickstein, J. (1985) Nós estamos grávidos. Rio de Janeiro: Bloch.), os polos opostos se tocam, gerando a sensação de que a mulher pode estar carregando dentro de si tanto a vida como a morte.

Apesar de geralmente vivenciarem insegurança e medo, é comum que os homens guardem para si a tensão anterior ao parto e toda sua preocupação referente à forma como transcorrerá o processo, a fim de não passar sua angústia para a parturiente. Geralmente, somente quando o filho nasce e o pai se certifica de que mãe e filho estão bem é que se sente livre para expressar seus sentimentos. Frequentemente, é então que a tensão dá lugar a uma euforia paterna, repleta de emoção (Antunes et al., 2014Antunes, J. T., Pereira, L. B., Vieira, M. A., & Lima, C. A. (2014). Presença paterna na sala de parto: Expectativas, sentimentos e significados durante o nascimento. Revista de Enfermagem da UFSM, 4(3), 536-545. doi: 10.5902/2179769212515
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; Jardim & Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
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; Maldonado et al., 1985Maldonado, M. T., Nahoum, J. C., & Dickstein, J. (1985) Nós estamos grávidos. Rio de Janeiro: Bloch.).

Segundo (Oliveira e Silva, 2012Silva, B. T., Santiago, L. B., & Lamounier, J. A. (2012). Apoio paterno ao aleitamento materno: Uma revisão integrativa. Revista Paulista de Pediatria, 30(1), 122-30. doi: 10.1590/S0103-05822012000100018
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), há certa dificuldade por parte dos homens em transpor em palavras os sentimentos por eles experimentados durante o parto, apesar de qualificarem-no como uma experiência significativa em suas vidas, parecendo ter vivenciado esse momento de forma prazerosa e com satisfação. (Jardim e Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
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) constataram que a emoção indizível é concretizada pelos pais em expressões como “um momento único” e “uma experiência única”, denotando o nascimento de um filho como um momento singular e inesquecível, que marca emocionalmente as pessoas e transforma profundamente suas relações familiares.

A experiência do parto pode encorajar os homens a desenvolverem uma paternidade mais participativa, envolvendo-se mais nos cuidados iniciais com o bebê. Parece constituir-se em uma possibilidade de amadurecimento pessoal, na medida em que propicia reflexões sobre o valor da vida e da relação conjugal. De modo geral, os pais que participam do nascimento de seus filhos tendem a considerar essa experiência como positiva, propulsora de sentido para a paternidade e facilitadora do processo de transição para a parentalidade (Brandão, 2009Brandão, S. M. P. A. (2009). Envolvimento emocional do pai com o bebé: Impacto da experiência de parto (Dissertação de mestrado não publicada). Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar/Universidade do Porto, Porto, Portugal.; Jardim & Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/5...
; Mazzieri & Hoga, 2006Mazzieri, S. P. M., & Hoga, L. A. K. (2006). Participação do pai no nascimento e parto: Revisão da literatura. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 10(2), 166-170. Recuperado de http://reme.org.br/artigo/detalhes/402
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).

A implicação do homem nesse momento, que inaugura sua paternidade, permite que se ligue ao bebê, investindo-se afetivamente nele e, assim, favorecendo a formação precoce do vínculo pai-filho. É nessa interação mútua, organizada por uma série de representações e narrativas, que são constituídos o reconhecimento e o senso de pertencimento na família. Dessa forma, os pais ocupam o lugar que lhes pertence na cadeia genealógica, possibilitando a transmissão do legado e semeando modelos de identificação para a subjetividade do filho (Eiguer, 2012Eiguer, A. (2012). Os vínculos intersubjetivos na família: Função da identificação. Em I. C., Gomes, M. I. Fernandes & R. B. Levisky (Eds.). Diálogos psicanalíticos sobre família e casal (pp.19-32). São Paulo: Zagodoni.).

As primeiras semanas do bebê geralmente são percebidas de forma semelhante por pais e mães no sentido da tentativa de adaptação ao sono interrompido durante a noite, ao aumento das responsabilidades, às incertezas experimentadas e à vivência de sentimentos contraditórios. É comum haver em pais e mães o sentimento de insegurança durante essa fase. As tarefas de cuidado com o bebê recém-nascido demandam mais do que os pais imaginam, sendo as restrições na rotina do casal mais intensas depois do parto do que durante a gestação (Jager & Bottoli, 2011Jager, M. E., & Bottoli, C. (2011) Paternidade: Vivência do primeiro filho e mudanças familiares. Psicologia: Teoria e Prática, 13(1), 141-153. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1516-36872011000100011&script=sci_arttext
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; Maldonado et al., 1985Maldonado, M. T., Nahoum, J. C., & Dickstein, J. (1985) Nós estamos grávidos. Rio de Janeiro: Bloch.; Medeiros & Santos, 2009Medeiros, C. R. G., & Santos, B. R. L. (2009). As vivências da família no retorno ao lar com o primeiro filho. Revista Ciência & Saúde, 2(1), 16-24. Recuperado de http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faenfi/article/view/5216
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; Oliveira & Brito, 2009Oliveira, E. M. F., & Brito, R. S. (2009). Ações de cuidado desempenhadas pelo pai no puerpério. Escola anna nery revista de enfermagem, 13(3), 595-601. doi: 10.1590/S1414-81452009000300020
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).

No que diz respeito à construção do vínculo entre os pais e o bebê, contudo, durante as primeiras semanas, a mulher é considerada a figura principal para o filho na medida em que este depende dela para suas necessidades básicas (Maldonado et al., 1985Maldonado, M. T., Nahoum, J. C., & Dickstein, J. (1985) Nós estamos grávidos. Rio de Janeiro: Bloch.; Oliveira & Brito, 2009Oliveira, E. M. F., & Brito, R. S. (2009). Ações de cuidado desempenhadas pelo pai no puerpério. Escola anna nery revista de enfermagem, 13(3), 595-601. doi: 10.1590/S1414-81452009000300020
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). Dessa forma, o pai vê-se obrigado a ceder à companheira o papel principal na relação com o bebê, uma vez que foi ela quem gestou, pariu e agora amamenta o filho (Brandão, 2009Brandão, S. M. P. A. (2009). Envolvimento emocional do pai com o bebé: Impacto da experiência de parto (Dissertação de mestrado não publicada). Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar/Universidade do Porto, Porto, Portugal.). Nesse sentido, no início, o homem pode sentir-se excluído e frustrado, sem saber como se aproximar, posto que ele também necessita de proximidade e atenção nesse período. Devido ao fato de não gestar e não amamentar seu filho, alguns autores apontam que a formação do vínculo pai-bebê parece ocorrer de forma mais lenta do que o estabelecimento do vínculo mãe-bebê, costumando consolidar-se gradualmente após o nascimento e ao longo do desenvolvimento da criança (Maldonado et al., 1985; Nogueira, 2011Nogueira, J. R. D. F. (2011). As implicações do envolvimento do pai na gravidez/parto na ligação emocional com o bebé (Dissertação de mestrado não publicada). Escola Superior de Saúde de Viseu, Viseu, Portugal.; Piccinini, Silva, Golçalves, Lopes, & Tudge, 2004Piccinini, C. A., Silva, M. R., Golçalves, T. R., Lopes, R. S., & Tudge, J. (2004) O Envolvimento paterno durante a gestação. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17(3), 303-314. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/prc/v17n3/a03v17n3.pdf
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; Piccinini, Levandowski, Gomes, Lindenmeyer, & Lopes, 2009Piccinini, C. A., Levandowski, D. C., Gomes, A. G., Lindenmeyer, D., & Lopes, R. S. (2009) Expectativas e sentimentos de pais em relação ao bebê durante a gestação. Estudos de Psicologia, 26(3), 373-382. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v26n3/v26n3a10.pdf
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; Serafi & Lindsey, 2002Serafim, D., & Lindsey, P. C. (2002). O aleitamento materno na perspectiva do pai. Revista Ciência, Cuidado e Saúde, 1(1), 19-23. Recuperado de http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/5635
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).

Vivenciar momentos de intimidade com o bebê por meio de cuidados, como troca de fraldas, banhos e afagos, pode ser assegurador para o pai, na medida em que essa rotina de envolvimento lhe confere um papel importante na família. Ao prestar cuidados ao bebê, o pai desenvolve estratégias de comunicação com ele diferentes daquelas que o recém-nascido tem com a mãe, o que contribui para o fortalecimento do vínculo entre pai e filho. Dessa forma, o bebê aprende a reconhecer o pai e a esperar acolhimento também por parte dele. Ao mesmo tempo, o homem se sente incluído na medida em que é reconhecido pelo filho e estabelece com ele uma relação de proximidade (Brandão, 2009Brandão, S. M. P. A. (2009). Envolvimento emocional do pai com o bebé: Impacto da experiência de parto (Dissertação de mestrado não publicada). Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar/Universidade do Porto, Porto, Portugal.; Piazzalunga & Lamounier, 2011Piazzalunga, C. R. C., & Lamounier, J. A. (2011). O contexto atual do pai na amamentação: Uma abordagem qualitativa. Revista Médica de Minas Gerais, 21(2), 133-141. Recuperado de http://www.clinicaventura.com.br/arquivos/central/3256751cde19b16c0e92a9425ba1fd37.pdf
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; Resende et al., 2014Resende, T. C., Dias, E. P., Cunha, C. M. C., Mendonça, G. S., Júnior, A. L. R., Santos, L. R. L., & Silva, E. P. (2014). Participação paterna no período da amamentação: Importância e contribuição. Bioscience Journal, 30(3), 925-932. Recuperado de http://www.seer.ufu.br/index.php/biosciencejournal/article/view/23591
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).

Alguns estudos recentes constataram que os pais têm participado ativamente do período puerperal, desenvolvendo atitudes de cuidado com a companheira, preocupando-se com a saúde do filho, garantindo o sustento familiar e realizando as atividades domésticas. Contudo, (Medeiros e Santos, 2009Medeiros, C. R. G., & Santos, B. R. L. (2009). As vivências da família no retorno ao lar com o primeiro filho. Revista Ciência & Saúde, 2(1), 16-24. Recuperado de http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faenfi/article/view/5216
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) averiguaram que a maior participação dos pais no período posterior ao parto é na realização das tarefas domésticas, e que o cuidado com os bebês geralmente fica a cargo da mãe ou de outras mulheres da família (Oliveira & Brito, 2009Oliveira, E. M. F., & Brito, R. S. (2009). Ações de cuidado desempenhadas pelo pai no puerpério. Escola anna nery revista de enfermagem, 13(3), 595-601. doi: 10.1590/S1414-81452009000300020
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; Piazzalunga & Lamounier, 2011Piazzalunga, C. R. C., & Lamounier, J. A. (2011). O contexto atual do pai na amamentação: Uma abordagem qualitativa. Revista Médica de Minas Gerais, 21(2), 133-141. Recuperado de http://www.clinicaventura.com.br/arquivos/central/3256751cde19b16c0e92a9425ba1fd37.pdf
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; Resende et al., 2014Resende, T. C., Dias, E. P., Cunha, C. M. C., Mendonça, G. S., Júnior, A. L. R., Santos, L. R. L., & Silva, E. P. (2014). Participação paterna no período da amamentação: Importância e contribuição. Bioscience Journal, 30(3), 925-932. Recuperado de http://www.seer.ufu.br/index.php/biosciencejournal/article/view/23591
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).

Segundo (Medeiros e Santos, 2009Medeiros, C. R. G., & Santos, B. R. L. (2009). As vivências da família no retorno ao lar com o primeiro filho. Revista Ciência & Saúde, 2(1), 16-24. Recuperado de http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faenfi/article/view/5216
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) e (Oliveira e Brito, 2009Oliveira, E. M. F., & Brito, R. S. (2009). Ações de cuidado desempenhadas pelo pai no puerpério. Escola anna nery revista de enfermagem, 13(3), 595-601. doi: 10.1590/S1414-81452009000300020
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), o cuidado direto do pai com o recém-nascido ainda ocorre de forma limitada, sendo suas ações muitas vezes mediadas por terceiros. (Serafim e Lindsey, 2002Serafim, D., & Lindsey, P. C. (2002). O aleitamento materno na perspectiva do pai. Revista Ciência, Cuidado e Saúde, 1(1), 19-23. Recuperado de http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/5635
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) afirmam que, de modo geral, nos primeiros meses de vida do bebê o pai se mantém à margem dos processos de cuidado com o filho. Uma vez que seus conhecimentos sobre o assunto geralmente não são valorizados pela mulher, pela família e pelos profissionais de saúde, o homem acredita que sua participação no que tange aos cuidados com o bebê é irrelevante, o que faz com que não se envolva efetivamente no processo.

A transição para a parentalidade, que compreende um período de tempo que vai desde a concepção até os primeiros anos de vida do bebê, constitui-se em um dos momentos mais importantes do ciclo vital, pois modifica o psiquismo dos pais e impõe uma reorganização ao sistema familiar (Jager & Bottoli, 2011Jager, M. E., & Bottoli, C. (2011) Paternidade: Vivência do primeiro filho e mudanças familiares. Psicologia: Teoria e Prática, 13(1), 141-153. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1516-36872011000100011&script=sci_arttext
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; Pincus & Dare, 1978Pincus, L., & Dare, C. (1978). Psicodinâmica da família. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda.; Zornig, 2010Zornig, S. (2010) Tornar-se pai, tornar-se mãe: O processo de construção da parentalidade. Tempo psicanalítico, 42(2), 453-470. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tpsi/v42n2/v42n2a10.pdf
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). Os pais também passam por elaborações psíquicas extremamente importantes nessa etapa do ciclo de vida, sendo imprescindível que o debate a respeito desse tema seja ampliado. Nesse sentido, no presente artigo, propõe-se discutir as experiências subjetivas dos homens no estabelecimento do vínculo pai-bebê.

Método

Participantes

Participaram do estudo oito homens dos segmentos médios da população carioca, com idades entre 24 e 36 anos, que se tornaram pais há, no mínimo, dois meses e, no máximo, um ano, e que coabitam com a mãe do bebê. A escolha da faixa etária dos filhos está relacionada ao fato de se pretender focalizar o período inicial do estabelecimento do vínculo pai-bebê, ou seja, o primeiro ano de vida do bebê. Além disso, a delimitação da faixa etária dos pais e dos bebês foi um critério adotado para buscar homogeneidade mínima no perfil dos participantes. Ao selecionar pais que coabitam com as mães, buscou-se entrevistar sujeitos que tivessem maiores oportunidades de contato diário durante a gestação e o primeiro ano de vida do bebê.

Instrumentos

Como instrumento de investigação, realizou-se, com cada participante, uma entrevista com roteiro semiestruturado, delineado a partir da fundamentação teórica estudada, contendo questões abertas, formuladas com base nos seguintes eixos temáticos: experiências subjetivas durante a transição para a paternidade; participação masculina nos cuidados com o filho; experiências corporais; redes de apoio.

Procedimentos

Após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade onde foi realizada a investigação, os participantes foram selecionados a partir de contatos informais em diferentes redes de sociabilidade da pesquisadora. As entrevistas ocorreram em locais de preferência dos participantes e foram gravadas em áudio, com a devida autorização dos entrevistados, mediante a assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O presente estudo refere-se a uma parte dos resultados de pesquisa mais ampla, cujo objetivo geral foi investigar as experiências subjetivas durante a transição para a paternidade. As entrevistas realizadas na referida pesquisa foram transcritas para posterior análise (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo, Edições 70.). Das falas dos entrevistados emergiram oito categorias de análise: mãe é mãe; ser pãe; demandas contraditórias: patriarca e cuidador; o homem grávido; ultrassonografia como ritual de passagem; o nascimento do pai; a construção de um vínculo; dos indivíduos à família. Foram escolhidas para apresentação e discussão neste trabalho as três últimas categorias, relacionadas ao objetivo, ou seja, discutir as experiências subjetivas dos homens relativas ao estabelecimento do vínculo pai-bebê. As demais categorias estão sendo discutidas em outros trabalhos a serem publicados.

Resultados e Discussão

Os resultados serão apresentados e discutidos por categorias, na seguinte ordem: o nascimento do pai; a construção de um vínculo; dos indivíduos à família. Para a apresentação dos resultados, os pais foram nomeados de P1 a P8.

O Nascimento do Pai

Todos os entrevistados estavam presentes no nascimento de seus filhos e não demonstraram nenhuma dúvida com relação à importância de sua presença na sala de parto, apontando para certa naturalização do envolvimento do pai no processo do nascimento nas camadas médias dos grandes centros urbanos.

Eu acompanhei todo o parto, fiz questão de estar lá (P3).

Eu acompanhei o parto todo, fiquei na sala de cirurgia, vi tudo, fotografei, não desmaiei, enfim, foi legal (P2).

De acordo com os estudos de (Brandão, 2009Brandão, S. M. P. A. (2009). Envolvimento emocional do pai com o bebé: Impacto da experiência de parto (Dissertação de mestrado não publicada). Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar/Universidade do Porto, Porto, Portugal.), (Mazzieri e Hoga, 2006Mazzieri, S. P. M., & Hoga, L. A. K. (2006). Participação do pai no nascimento e parto: Revisão da literatura. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 10(2), 166-170. Recuperado de http://reme.org.br/artigo/detalhes/402
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) e (Oliveira e Brito, 2009Oliveira, E. M. F., & Brito, R. S. (2009). Ações de cuidado desempenhadas pelo pai no puerpério. Escola anna nery revista de enfermagem, 13(3), 595-601. doi: 10.1590/S1414-81452009000300020
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), os pais têm expressado cada vez mais seu desejo de estarem presentes no parto, entendendo o nascimento como uma possibilidade de vinculação precoce com o bebê. Segundo (Brandão, 2009Brandão, S. M. P. A. (2009). Envolvimento emocional do pai com o bebé: Impacto da experiência de parto (Dissertação de mestrado não publicada). Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar/Universidade do Porto, Porto, Portugal.) e (Jardim e Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
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), o parto consiste na primeira grande separação mãe-bebê, sendo o primeiro momento em que os pais entram em contato com a concretude do filho. Os entrevistados falaram sobre a importância do parto para os homens, por ser o momento em que se sentem de fato pais.

Eu acho que o momento mais marcante é o parto, pelo menos pra mim, assim (P5).

Esse momento em que você vê que você se tornou pai eu acho que é o momento do nascimento. (...) quando você vê o bebê pela primeira vez que você vê que o negócio é sério, não é só uma barriga (P2).

Agora o nascimento, claro, é um momento muito mágico, porque de um minuto para o outro não existe o filho e, por mais que exista gravidez, gravidez não é filho ainda, gravidez é uma outra coisa (P4).

É no parto que as expectativas e ansiedades do pai com relação ao filho tomam uma dimensão real, confirmando ou não os medos sentidos durante a gestação. O medo do parto apareceu no discurso de dois dos entrevistados, referido tanto à morte como à possibilidade de que o bebê passasse por algum tipo de sofrimento no nascimento, corroborando as postulações de (Antunes, Pereira, Vieira e Lima, 2014Antunes, J. T., Pereira, L. B., Vieira, M. A., & Lima, C. A. (2014). Presença paterna na sala de parto: Expectativas, sentimentos e significados durante o nascimento. Revista de Enfermagem da UFSM, 4(3), 536-545. doi: 10.5902/2179769212515
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), (Jardim e Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
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) e (Maldonado et al., 1985Maldonado, M. T., Nahoum, J. C., & Dickstein, J. (1985) Nós estamos grávidos. Rio de Janeiro: Bloch.) sobre o medo no parto.

Eu vi a médica nessa hora também muito preocupada e aí essa preocupação passou pra mim. Será que tá tudo bem, será que o ele (o filho) tá passando mal, tá doente, tá com alguma falta de ar? (P2)

O quadro que pintava na minha cabeça, uma coisa que me assustava profundamente, era a possibilidade de eu ter que criar uma criança sozinho, eu ter que lidar ao mesmo tempo com o luto da minha mulher e a responsabilidade de criar uma criança (P1).

Em consonância com os estudos de (Antunes et al., 2014Antunes, J. T., Pereira, L. B., Vieira, M. A., & Lima, C. A. (2014). Presença paterna na sala de parto: Expectativas, sentimentos e significados durante o nascimento. Revista de Enfermagem da UFSM, 4(3), 536-545. doi: 10.5902/2179769212515
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), (Jardim e Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
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) e (Maldonado et al., 1985Maldonado, M. T., Nahoum, J. C., & Dickstein, J. (1985) Nós estamos grávidos. Rio de Janeiro: Bloch.), que apontam para o fato de o homem geralmente guardar para si as preocupações anteriores ao parto, os pais entrevistados também relataram ter expressado seus sentimentos somente após seus filhos terem nascido. Ficou clara a passagem de um momento de tensão para um momento posterior de alívio e alegria quando atestaram o bem-estar de suas parceiras e de seus filhos.

Quando ele saiu e eu olhei pra médica e eu perguntei se tava tudo bem e ela falou que tava tudo bem, e quando ele chorou, principalmente, aí eu vi que tava tudo ok (...) então eu fiquei tranquilo (P2).

Eu vi ela saindo e é engraçado porque sai meio que um trapinho roxo e eu fiquei olhando, meu Deus, eu olhei pra médica tipo “tá vivo?” Porque não tava se mexendo, tava roxo, sabe? E a médica tava com uma cara normal, então eu pensei beleza, tá vivo, senão ela estaria com uma cara desesperada (P6).

Ao longo da gravidez eu pensei que várias coisas poderiam dar errado, quando eu vi que tava tudo bem, aí nessa hora, quando eu vi o quadro, quando eu vi a cena, eu lembro claramente, essa foi a única hora que eu fiquei emocionado (P1).

De acordo com os participantes, foi nesse momento, em que o bebê saiu e que atestaram que estava tudo bem, que se sentiram emocionados, o que sugere a sensação de terem vencido o medo da morte, como postulado por (Jardim e Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
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).

Quando nasceu, você fica emocionado, você vê que, pô, todo seu esforço deu certo, você vê que nasce com saúde, é muito legal (P8).

Foi maravilhoso, ver aquela criancinha saindo, chorando, e vai pro colo da mãe e tal. Sua filha ali, é muito doido, né cara (P7).

É uma alegria muito grande, é uma... você fica ali observando ele saindo assim, e ele sai perfeitinho.. é uma emoção, eu acho que a maior emoção da minha vida, certamente eu acho que foi essa (P3).

Corroborando as postulações de (Jardim e Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
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) e (Oliveira e Silva, 2012Silva, B. T., Santiago, L. B., & Lamounier, J. A. (2012). Apoio paterno ao aleitamento materno: Uma revisão integrativa. Revista Paulista de Pediatria, 30(1), 122-30. doi: 10.1590/S0103-05822012000100018
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) sobre a dificuldade dos homens de expressar em palavras os sentimentos experimentados durante o parto, apesar de qualificarem-no como um momento singular e inesquecível, os entrevistados relataram:

(...) quando sai é uma emoção muito diferente. Mas sei lá, não tem muito como descrever (P5).

(...) é difícil até falar em palavras como é o sentimento, mas é um momento acho que único na vida de um homem (P3)

A singularidade desse momento e as emoções descritas nos trechos apresentados permitem pensar no parto como representação da inauguração do lugar de pai. A concretude da presença do bebê, vê-lo vivo e interagindo, inaugura a troca mútua que é fundamental para o estabelecimento do vínculo pai-filho. O nascimento do bebê parece confirmar a posição de pai, marcada pelo contato com o desamparo do bebê que necessita de alguém que lhe ofereça proteção e cuidados. Constata-se que, para os pais, ver o estado de imaturidade, inerente a todo recémnascido, favorece o surgimento das representações mentais da ordem da parentalidade. Nesse sentido, para todos os entrevistados, o parto constituiu-se em um marco na transição para a paternidade, apontando para a participação no nascimento do filho como um evento fundamental para o nascimento do pai e para o estabelecimento do vínculo pai-bebê.

Acho que o momento do nascimento foi um marco pra mim (P2).

O momento do parto foi bem marcante (P6).

Um dos entrevistados chegou a expressar sua identificação com o filho no momento do nascimento, sugerindo a noção de um nascimento também por parte do pai, que a partir daí passa a desempenhar um novo papel social, tem que reorganizar seu sistema familiar e passa por uma reestruturação psíquica (Jager & Bottoli, 2011Jager, M. E., & Bottoli, C. (2011) Paternidade: Vivência do primeiro filho e mudanças familiares. Psicologia: Teoria e Prática, 13(1), 141-153. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1516-36872011000100011&script=sci_arttext
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; Pincus & Dare, 1978Pincus, L., & Dare, C. (1978). Psicodinâmica da família. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda.; Zornig, 2010Zornig, S. (2010) Tornar-se pai, tornar-se mãe: O processo de construção da parentalidade. Tempo psicanalítico, 42(2), 453-470. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tpsi/v42n2/v42n2a10.pdf
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).

Ah, e eu fiquei muito identificado! Eu quase chamava ele pelo meu próprio nome, de verdade. Quando eu vi, eu queria falar meu nome, pra mim era eu que eu tava vendo, era eu bebê. (...) é uma coisa de olhar e ver na hora, nossa, sou eu nascendo (P4).

Como ressaltado por (Brandão, 2009Brandão, S. M. P. A. (2009). Envolvimento emocional do pai com o bebé: Impacto da experiência de parto (Dissertação de mestrado não publicada). Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar/Universidade do Porto, Porto, Portugal.), (Jardim e Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
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) e (Mazzieri e Hoga, 2006Mazzieri, S. P. M., & Hoga, L. A. K. (2006). Participação do pai no nascimento e parto: Revisão da literatura. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 10(2), 166-170. Recuperado de http://reme.org.br/artigo/detalhes/402
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), a experiência do parto contribui para a elaboração da transição para a parentalidade e pode encorajar os homens a se envolverem mais nos cuidados iniciais com seus filhos. Em consonância com os resultados obtidos nesses estudos, nossos entrevistados também atribuíram extrema importância ao nascimento, apontando sua presença no parto como facilitadora da construção do vínculo pai-bebê e da reorganização do sistema familiar, na medida em que confere sentido à paternidade.

A Construção de um Vínculo

Indícios da construção gradual do vínculo pai-bebê (Maldonado et al., 1985Maldonado, M. T., Nahoum, J. C., & Dickstein, J. (1985) Nós estamos grávidos. Rio de Janeiro: Bloch.; Nogueira, 2011Nogueira, J. R. D. F. (2011). As implicações do envolvimento do pai na gravidez/parto na ligação emocional com o bebé (Dissertação de mestrado não publicada). Escola Superior de Saúde de Viseu, Viseu, Portugal.; Piccinini et al., 2004Piccinini, C. A., Silva, M. R., Golçalves, T. R., Lopes, R. S., & Tudge, J. (2004) O Envolvimento paterno durante a gestação. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17(3), 303-314. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/prc/v17n3/a03v17n3.pdf
http://www.scielo.br/pdf/prc/v17n3/a03v1...
; Piccinini et.al., 2009Piccinini, C. A., Levandowski, D. C., Gomes, A. G., Lindenmeyer, D., & Lopes, R. S. (2009) Expectativas e sentimentos de pais em relação ao bebê durante a gestação. Estudos de Psicologia, 26(3), 373-382. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v26n3/v26n3a10.pdf
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; Serafim & Lindsey, 2002Serafim, D., & Lindsey, P. C. (2002). O aleitamento materno na perspectiva do pai. Revista Ciência, Cuidado e Saúde, 1(1), 19-23. Recuperado de http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/5635
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) apareceram na fala da maioria dos entrevistados, que relataram perceber o filho, de início, como uma pessoa desconhecida.

Porque você não conhece aquela criança, você não conhece. (...) Acho que é importante respeitar isso, você não pode achar que já vai sair ali de primeira com uma coisa de uma intimidade, de um amor. Não, na verdade você vai construindo isso (P7).

Meu tio falou uma coisa que agora eu tô entendendo: filho a gente vai amando cada vez mais. E é verdade. Embora seja um produto da nossa união, metade eu metade ela, quando ele nasce ele é um estranho, ele não é alguém conhecido. (P4).

Até brinco com a minha mulher né, de como é que pode, uma pessoa que você não conhecia, e de repente você passa a amar mais do que tudo, então isso é muito louco da paternidade (P2).

Um dos entrevistados falou sobre a diferença entre o estabelecimento do vínculo mãe-bebê e o do vínculo pai-bebê.

Eu acho que o amor... não sei, talvez o de mãe tenha algumas variações, mas o de pai pra filho é certamente algo que vai se construindo (...) (P4).

Os entrevistados falaram sobre a sensação de crescimento do vínculo a cada dia que passa, sugerindo a noção de um vínculo que vai gradativamente sendo investido por ambas as partes.

Meu filho não tá plenamente constituído, então eu não conheço ele tão bem e vou conhecer ele melhor. E conforme eu conhecer ele mais eu acho que eu vou amar ele mais, porque essa construção é conjunta, não é uma construção independente. E essa construção eu acho que é o amor (P4).

Eu acho que o vínculo emocional ele é construído com o tempo, então assim, meu vínculo emocional com a minha filha ele cresce a cada vez e cresce muito, exponencialmente (P8).

Ao contrário do que afirmam alguns estudos (Medeiros & Santos, 2009Medeiros, C. R. G., & Santos, B. R. L. (2009). As vivências da família no retorno ao lar com o primeiro filho. Revista Ciência & Saúde, 2(1), 16-24. Recuperado de http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faenfi/article/view/5216
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/...
; Oliveira & Brito, 2009Oliveira, E. M. F., & Brito, R. S. (2009). Ações de cuidado desempenhadas pelo pai no puerpério. Escola anna nery revista de enfermagem, 13(3), 595-601. doi: 10.1590/S1414-81452009000300020
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; Serafim & Lindsey, 2002Serafim, D., & Lindsey, P. C. (2002). O aleitamento materno na perspectiva do pai. Revista Ciência, Cuidado e Saúde, 1(1), 19-23. Recuperado de http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/5635
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) sobre o cuidado direto do pai com o recém-nascido ainda ocorrer de forma limitada nos dias atuais, os entrevistados, em sua maioria, relataram participar intensamente das rotinas de cuidado e demonstraram empenho na construção da intimidade na relação com seus filhos.

Quando eu tô ninando, eu canto, eu boto um DVD, eu converso. Ela não entende exatamente o contexto da conversa, mas eu acho que a voz, o ritmo, eu acho que isso influencia (P3).

A maioria dos entrevistados falou sobre o desejo de se envolver nos cuidados com o filho desde o nascimento a fim de investir na vinculação precoce com o bebê, ressaltando os ganhos obtidos no acompanhamento do desenvolvimento de seus filhos desde o início.

Eu acho assim, eu espero criar um canal com ele de muita intimidade, de muita amizade, companheirismo, camaradagem. (...) Eu queria ter a intimidade que eu tenho com a minha mãe, com o meu pai, e eu não tenho. E eu quero que meu filho tenha comigo a mesma que eu tive com a minha mãe. (P4).

A primeira vez que ela acompanhou um copo com o rostinho, foi “meu deus ela acompanhou o copo!” E eu fiquei passando o copo só pra ver aquilo, sabe? Então, é isso, eu acho que com o passar do tempo você vê as coisas aparecendo, as coisas nascendo (P6).

Em consonância com as pesquisas de (Brandão, 2009Brandão, S. M. P. A. (2009). Envolvimento emocional do pai com o bebé: Impacto da experiência de parto (Dissertação de mestrado não publicada). Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar/Universidade do Porto, Porto, Portugal.), (Piazzalunga e Lamounier, 2011Piazzalunga, C. R. C., & Lamounier, J. A. (2011). O contexto atual do pai na amamentação: Uma abordagem qualitativa. Revista Médica de Minas Gerais, 21(2), 133-141. Recuperado de http://www.clinicaventura.com.br/arquivos/central/3256751cde19b16c0e92a9425ba1fd37.pdf
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) e (Resende et al., 2014Resende, T. C., Dias, E. P., Cunha, C. M. C., Mendonça, G. S., Júnior, A. L. R., Santos, L. R. L., & Silva, E. P. (2014). Participação paterna no período da amamentação: Importância e contribuição. Bioscience Journal, 30(3), 925-932. Recuperado de http://www.seer.ufu.br/index.php/biosciencejournal/article/view/23591
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), percebeu-se no discurso dos participantes que o papel que o pai ocupa na família quando vivencia momentos de intimidade com o bebê é crucial para o estabelecimento do vínculo pai-bebê. Os homens entrevistados ressaltaram a importância do envolvimento no cuidado com seus filhos para o desenvolvimento da intimidade entre ambos e para o estabelecimento de uma relação de proximidade. Dessa forma, parecem também garantir seu lugar no grupo familiar, minimizando o sentimento de exclusão geralmente experimentado pelo pai no pós-parto (Brandão, 2009Brandão, S. M. P. A. (2009). Envolvimento emocional do pai com o bebé: Impacto da experiência de parto (Dissertação de mestrado não publicada). Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar/Universidade do Porto, Porto, Portugal.; Maldonado et al., 1985Maldonado, M. T., Nahoum, J. C., & Dickstein, J. (1985) Nós estamos grávidos. Rio de Janeiro: Bloch.; Oliveira & Brito, 2009Oliveira, E. M. F., & Brito, R. S. (2009). Ações de cuidado desempenhadas pelo pai no puerpério. Escola anna nery revista de enfermagem, 13(3), 595-601. doi: 10.1590/S1414-81452009000300020
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).

Dos Indivíduos à Família

No discurso dos entrevistados, o movimento reorganizativo que um bebê impõe ao casal apareceu de forma clara, marcando a passagem das individualidades à família. A construção do vínculo pai-bebê implica na reorganização da vida paterna em relação aos aspectos individuais, conjugais, familiares e profissionais, modificando intensamente a rotina vivenciada pelos homens/pais antes do parto (Jardim & Penna, 2012Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. REME - Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. Recuperado de http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/540
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; Maldonado et al., 1985Maldonado, M. T., Nahoum, J. C., & Dickstein, J. (1985) Nós estamos grávidos. Rio de Janeiro: Bloch.; Ramos & Canavarro, 2007Ramos, M. M., & Canavarro, M. C. (2007). Adaptação parental ao nascimento de um filho: Comparação da reatividade emocional e psicossintomatologia entre pais e mães nos primeiros dias após o parto e oito meses após o parto. Análise Psicológica, 3(25), 399-413. Recuperado de http://repositorio.ispa.pt/handle/10400.12/109
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).

Você tem que ter consciência pra saber que com uma criança pequena eu não vou poder largar ela à noite pra ir ao teatro, ao cinema, viajar, não. Você tem que ter maturidade pra saber que a privação dessas coisas, desses prazeres, nesse momento, é compensada pela felicidade que uma criança traz (P3).

E eu acho que é um aprendizado muito importante você começar a não poder fazer as coisas que você quer pra você porque você tem que cuidar de uma outra pessoa, mas de uma maneira leve, sabe? Porque você quer, não porque você é obrigado. Mas eu passo por isso às vezes, é uma coisa que eu fico pensando, não chega a ser um mal-estar não, mas ressignificando, sabe? (P7).

Os pais entrevistados falaram sobre como vivenciaram as alterações em suas rotinas de alimentação, higiene, sono, trabalho e programas que costumavam realizar, corroborando as postulações de autores como (Maldonado et al., 1985Maldonado, M. T., Nahoum, J. C., & Dickstein, J. (1985) Nós estamos grávidos. Rio de Janeiro: Bloch.), (Medeiros e Santos, 2009Medeiros, C. R. G., & Santos, B. R. L. (2009). As vivências da família no retorno ao lar com o primeiro filho. Revista Ciência & Saúde, 2(1), 16-24. Recuperado de http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faenfi/article/view/5216
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) e (Oliveira e Brito, 2009Oliveira, E. M. F., & Brito, R. S. (2009). Ações de cuidado desempenhadas pelo pai no puerpério. Escola anna nery revista de enfermagem, 13(3), 595-601. doi: 10.1590/S1414-81452009000300020
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), sobre a necessidade de adaptação ao sono interrompido durante a noite, ao aumento das responsabilidades e às incertezas experimentadas nas primeiras semanas do bebê.

Se você viveu 35 anos e você tem sua vida profissional desde os 20 e poucos, a tua independência é muito grande, então você faz o que você quer. (...) E quando você tem um filho, você passa a ter uma outra pessoa pautando a sua vida. Então no fim de semana você não acorda a hora que você quer, você acorda na hora que a criança acordar (P2).

Eu tive que fazer umas mudanças na minha vida, tive que sair mais cedo do trabalho alguns dias, porque antes eu saia bem tarde algumas vezes na semana, eu tenho que chegar aqui pra poder tomar conta dela de noite porque minha mulher vai trabalhar. De manhã eu acordo mais cedo pra poder ficar com ela, porque antes eu acordava mais tarde pra ir pro trabalho... (P5).

Na fala de um dos entrevistados a diminuição da atenção da parceira também apareceu como uma das mudanças difíceis durante os primeiros meses do bebê.

Você tem, na verdade, um turbilhão de sensações, porque você também deixa de ser a prioridade pra mãe. A mãe também volta as atenções pro bebê, então a vida muda muito, e é uma mudança muito importante na vida (P2).

No pós-parto, o homem pode sofrer também com a diminuição da atenção que outrora recebia da parceira e sentir que ocupa agora um segundo plano, tanto para ela como para o filho, percebendo-se como menos importante, abandonado e excluído (Brandão, 2009Brandão, S. M. P. A. (2009). Envolvimento emocional do pai com o bebé: Impacto da experiência de parto (Dissertação de mestrado não publicada). Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar/Universidade do Porto, Porto, Portugal.; Oliveira & Brito, 2009Oliveira, E. M. F., & Brito, R. S. (2009). Ações de cuidado desempenhadas pelo pai no puerpério. Escola anna nery revista de enfermagem, 13(3), 595-601. doi: 10.1590/S1414-81452009000300020
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; Resende et al., 2014Resende, T. C., Dias, E. P., Cunha, C. M. C., Mendonça, G. S., Júnior, A. L. R., Santos, L. R. L., & Silva, E. P. (2014). Participação paterna no período da amamentação: Importância e contribuição. Bioscience Journal, 30(3), 925-932. Recuperado de http://www.seer.ufu.br/index.php/biosciencejournal/article/view/23591
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; Silva, Santiago, & Lamounier, 2012Silva, B. T., Santiago, L. B., & Lamounier, J. A. (2012). Apoio paterno ao aleitamento materno: Uma revisão integrativa. Revista Paulista de Pediatria, 30(1), 122-30. doi: 10.1590/S0103-05822012000100018
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).

Os participantes expressaram muita satisfação por estarem vivenciando essa etapa do ciclo vital, mas, ao mesmo tempo, apontaram para o descontentamento por terem flexibilizado a delimitação de suas individualidades.

Os teus projetos de vida você tem que dar uma freada porque tem o bebê, isso tá pegando pra mim agora, que é essa coisa de compartilhar tempo. O tempo que eu tinha pra mim (...) tenho que fazer muito menos em função do bebê. E tem um lado prazeroso nisso que é o lado “pô, você tá cuidando de um filho, que é maravilhoso”, mas tem um lado frustrante, que é um lado “pô, eu queria tá podendo fazer mais coisas” (P7).

Eu tenho sentido um pouco falta do meu espaço (P4).

(o bebê) Te pauta muito e ele te dá essa real noção do teu egoísmo. Você fala: pô queria ter meu tempo, queria ter meu espaço, mas você ao mesmo tempo entra naquele serzinho (P2).

Tabela 1
Perfil dos Participantes

A ambivalência emocional vivenciada pelo casal na transição para a parentalidade (Ramos & Canavarro, 2007Ramos, M. M., & Canavarro, M. C. (2007). Adaptação parental ao nascimento de um filho: Comparação da reatividade emocional e psicossintomatologia entre pais e mães nos primeiros dias após o parto e oito meses após o parto. Análise Psicológica, 3(25), 399-413. Recuperado de http://repositorio.ispa.pt/handle/10400.12/109
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) é um fator importante na construção do vínculo pais-bebê. Acrescenta-se, ainda, que jovens adultos de camadas médias urbanas resistem a abdicar dos prazeres individuais em um contexto extremamente individualista e hedonista, no qual os filhos, muitas vezes, são considerados como bens de consumo (Matos & Magalhães, 2014Matos, M. G., & Magalhães, A. S. (2014). Tornar-se pais: Sobre a expectativa de jovens adultos. Pensando Famílias, 18(1), 78-91. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1679-494X2014000100008&script=sci_arttext
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). Um dos entrevistados apontou o fato de ter um filho como um dos itens da “agenda” a ser alcançada.

Parece muito que o filho hoje virou mais um item dentro da agenda. Eu já tenho um marido, já tenho um emprego, já tenho um apartamento, já tenho um carro, agora eu vou ter um filho (P1).

Contudo, ao se tornarem pais, muitos dos entrevistados passaram a problematizar a valorização exacerbada da individualidade, redimensionando seus valores. Os pais relataram que o nascimento de seus filhos os levou a abrir mão de determinadas coisas, abrindo espaço para o compartilhamento de seu tempo e os levando a repensar sobre o egoísmo. Os entrevistados também ressaltaram seu desejo de investir na construção do vínculo com seus filhos, apontando para a necessidade que sentem hoje de abdicar de atividades voltadas para si em prol do fortalecimento dos laços afetivos familiares.

O tempo que eu tinha para mim, pras coisas que eu gostava de fazer, agora eu tenho que encaixar uma outra pessoa aqui, e tenho que dividir. E isso é pro resto da vida, não é só agora. Tenho que dividir isso com outra pessoa. E eu que nasci numa família de classe média, tinha todos os caprichos, a gente se acostuma com o eu, eu, eu: eu quando eu quero, na hora que eu quero, do jeito que eu quero (P7).

Eu me sinto mal, às vezes, fazendo uma coisa pra mim, me sinto um pouco egoísta, aí eu tenho que ficar negociando comigo o quanto eu posso brigar pelo meu tempo (P4).

Realmente cuidar de um bebê recém-nascido, muito novinho, é algo extremamente cansativo, e uma coisa que eu sempre digo é que o filho te dá a real noção do teu egoísmo (P2).

A dificuldade dos pais de abdicar de tempo para si em prol do outro se fez evidente, bem como o desejo destes em participar dos cuidados diários com o bebê. Na fala dos participantes, foi possível notar a ressignificação de valores individualistas durante o pós-parto e a presença da ambivalência a ela relacionada (Ramos & Canavarro, 2007Ramos, M. M., & Canavarro, M. C. (2007). Adaptação parental ao nascimento de um filho: Comparação da reatividade emocional e psicossintomatologia entre pais e mães nos primeiros dias após o parto e oito meses após o parto. Análise Psicológica, 3(25), 399-413. Recuperado de http://repositorio.ispa.pt/handle/10400.12/109
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).

Considerações Finais

Apesar de os pais entrevistados demonstrarem interesse e desejo em desempenhar atividades de cuidado com seus bebês, as dificuldades de adaptação às demandas que impelem o pai a participar ativamente das rotinas de cuidado com o filho, abrindo mão, em certa medida, do tempo de que antes dispunham para si - também se fizeram presentes. O temor de ser excluído no âmbito público e perder oportunidades de trabalho, na medida em que se incluem de forma tão intensa no âmbito domiciliar, perpassou as falas dos entrevistados. Nesse sentido, ficou clara a ambivalência experimentada nessa fase em decorrência da flexibilização das fronteiras individuais por um lado e do investimento na construção do vínculo pai-bebê por outro. Tais questões apontam para possíveis conflitos decorrentes da transição para a paternidade, visto que se faz cada vez mais presente a demanda de ocupação do papel de cuidador pelo pai.

A crescente participação masculina na esfera doméstica parece conferir um lugar mais central para o pai no seio da família ao longo dos primeiros meses de vida do bebê, minimizando seus sentimentos de exclusão familiar. O envolvimento do homem na rotina de cuidados com o bebê é uma possibilidade para o pai investir no estabelecimento do vínculo com o filho, contribuindo para a construção de uma relação de intimidade e proximidade familiar.

As trocas entre pai e filho, presentes desde o nascimento, apareceram como facilitadoras da construção do vínculo pai-bebê e minimizadoras das angústias relacionadas à ambivalência característica da transição para a parentalidade. Nesse sentido, a participação do pai no parto foi apontada como importante no despertar para a paternidade por inaugurar a possibilidade de trocas diretas entre o pai e o bebê.

A transição para a paternidade demanda construção diária, é um processo dinâmico e contínuo, que se dá por meio das relações do homem com sua família e consigo próprio. É um momento de adaptação, no qual os pais experimentam sentimentos contraditórios. Ressalta-se, ainda, que, para que os homens possam lidar com os sentimentos inerentes a essa etapa do ciclo vital e ultrapassar tal período de transição com menos dificuldades, é necessário que disponham de uma rede de apoio consistente.

Ressalta-se que este estudo foi realizado com um grupo reduzido de participantes, o que não permite a generalização das conclusões aqui apresentadas. É importante apontar para a necessidade de desenvolver estudos que abordem a transição para a paternidade, uma vez que esse tema ainda é pouco explorado na literatura. Pesquisas que busquem dar voz aos sentimentos paternos e às dificuldades encontradas pelos pais na transição para a parentalidade e no exercício da paternidade são fundamentais para a construção de novas ações no campo da saúde emocional masculina e familiar, que busquem acolher também o homem no período da gestação, parto e puerpério.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2017

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2015
  • Revisado
    16 Fev 2016
  • Aceito
    26 Fev 2016
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