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Valores Humanos e Crença em Informações Enganosas a Respeito da COVID-19

Human Values and Belief in Misleading Information about COVID-19

Valores Humanos y Creencia en Información Engañosa sobre la COVID-19

Resumo

Valores são aspectos fundamentais da psicologia humana, sendo permeados pela forma como os indivíduos se veem e aspiram ser. Este estudo objetivou avaliar associações entre valores humanos e crença em informações enganosas sobre a COVID-19 no Brasil. Participaram 238 sujeitos, que responderam a três instrumentos de autorrelato: Questionário de Atitudes Frente ao Coronavírus, Questionário de Consumo de Informações e a Escala de Valores Pessoais - PQV-21. Evidenciou-se correlações estatisticamente significativas entre os valores de Tradição e crença em informações enganosas. Assim, quando as prioridades axiológicas envolvem a manutenção do status quo, as informações consumidas tendem a ser aquelas que negam ou minimizam a gravidade da doença. Aqueles que priorizam valores coletivistas, por outro lado, tendem a maior adesão a medidas preventivas e de controle. Ressalta-se a importância do desenvolvimento de estratégias assertivas na comunicação e orientação em saúde pública alinhadas ao estudo dos valores humanos.

Palavras-chave:
saúde; informação; COVID-19; valores

Abstract

Values are fundamental aspects of human psychology, permeated by the way individuals see themselves and aspire to be. This study aimed to evaluate the associations between human values and the belief in misleading information about COVID-19 in Brazil. A total of 238 participants completed three self-reporting questionnaires: one on Attitudes towards Coronavirus, another on Information Consumption, and the Portrait Values Questionnaire (PQV-21). The study revealed statistically significant correlations between the value of Tradition and the tendency to believe in misleading information. This suggests that individuals who prioritize maintaining the status quo are more likely to consume information that denies or mitigates the severity of the disease. Conversely, those who prioritize collectivist values tend to be more inclined to follow preventive and control measures. The study highlights the importance of developing assertive public health communication and guidance strategies, taking into account the influence of human values.

Keywords:
health; information; COVID-19; values

Resumen

Los valores son aspectos fundamentales de la psicología humana, moldeados por la forma en que los individuos se ven a sí mismos y aspiran a ser. Este estudio pretendió evaluar las asociaciones entre valores humanos y creencia en información engaños sobre la COVID-19 en Brasil. Participaron 238 sujetos, que respondieron a tres instrumentos de autorregistro: el Cuestionario de Actitudes Frente al Coronavirus, el Cuestionario de Consumo de Informaciones y Escala de Valores Personales (PQV-21). Se evidenciaron correlaciones estadísticamente significativas entre los valores de Tradición y creencia en información engaños. Así, cuando las prioridades axiológicas involucran la preservación del status quo, la información consumida tiende a ser aquella que niega o minimiza la gravedad de la enfermedad. Por otro lado, aquellos que priorizan valores colectivistas tienden a mayor adhesión a medidas preventivas y de control. Se resalta la importancia del desarrollo de estrategias asertivas en la comunicación y orientación en salud pública, en consonancia con el estudio de los valores humanos.

Palabras clave:
salud; información; COVID-19; valores

Introdução

Em março de 2020, no mesmo período em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarava a pandemia de COVID-19 causada pelo vírus SarsCoV2, o Brasil registrava seu primeiro óbito pela doença, enquanto os casos de transmissão comunitária já se espalhavam pelo território nacional (Croda & Garcia, 2020Croda, J. H. R., & Garcia, L. P. (2020). Resposta imediata da Vigilância em Saúde à epidemia da COVID-19. In Epidemiologia e servicos de saude : revista do Sistema Unico de Saude do Brasil, 29(1). Secretaria de Vigilância em Saúde - Ministério da Saúde do Brasil. https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000100021
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
). Apesar de sua letalidade não ser tão elevada quando comparada aos demais coronavírus, é a sua alta taxa de transmissão que fez o número de mortes ser superior ao da epidemia de SARS-CoV, por exemplo. Isto fez com que os sistemas de saúde de todo o mundo passassem a sofrer uma tensão mundial sem precedentes (Mahase, 2020Mahase, E. (2020). Coronavirus: COVID-19 has killed more people than SARS and MERS combined, despite lower case fatality rate. BMJ, 368(641). s.p. https://doi.org/10.1136/BMJ .M641
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).

Em meio a esse cenário e caminhando lado a lado ao avanço da pandemia, notícias falsas, teorias conspiratórias e desinformação ganharam espaço nas mídias sociais. Para Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor geral da OMS, a luta não era mais apenas contra a doença, mas contra uma infodemia, ou seja, uma situação em que muitas notícias falsas começam a ser partilhadas de forma prejudicial. Nesse interim, mensagens que tinham sua base em informações ainda emergentes, como as suposições sobre a eficácia ou não do uso de máscara no início da pandemia, por exemplo, podiam ser erroneamente interpretadas como incompetência dos órgãos responsáveis pela saúde pública. Enquanto governos como o da Nova Zelândia e da Alemanha pautavam sua comunicação em um alinhamento entre política e ciência, presidentes como Jair Bolsonaro, no Brasil, e Donald Trump, nos EUA, reagiam de maneira caótica e, por vezes, disseminavam informações completamente enganosas. Tudo isso em meio a uma mídia que acabava favorecendo reportagens rápidas e sensacionalistas (The Lancet Infectious Diseases, 2020The Lancet Infectious Diseases. (2020). The COVID-19 infodemic. In The Lancet Infectious Diseases, 20(8), 875. Elsevier. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30565-X
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). Nesse contexto de desinformação, um estudo realizado em maio de 2020 revelou que 95% dos brasileiros já havia se deparado com pelo menos uma informação falsa sobre o coronavírus, sendo que 73% da amostra acreditou em algum desses conteúdos (AVAAZ, 2020AVAAZ. (2020). O Brasil está sofrendo uma infodemia de Covid-19. In Avaaz, 1(1), 14-15. Recuperado de https://avaazimages.avaaz.org/brasil_infodemia_coronavirus.pdf
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).

De certa forma, é esperado que, na ocorrência de eventos impactantes como o estado de exceção ocasionado pela pandemia, surjam explicações especulativas e sem embasamento científico, oriundas de um sistema psicológico de crenças que auxilia as pessoas a compreenderem o ocorrido (van Prooijen et al., 2015van Prooijen, J. W., Krouwel, A. P. M., & Pollet, T. V. (2015). Political Extremism Predicts Belief in Conspiracy Theories. Social Psychological and Personality Science, 6(5), 570-578. https://doi.org/10.1177/1948550614567356
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). Entretanto, torna-se motivo de preocupação quando essas teorias passam a influenciar comportamentos, colocando a vida e a saúde das pessoas em risco. No Brasil, por exemplo, algumas informações disseminadas no início da pandemia referiam que vitamina C com água e limão, gargarejos com sal e vinagre, ou ainda, fazer uso de óleo consagrado seriam maneiras eficazes de curar a doença (Celestino, 2020Celestino, C. (2020). Veja a lista com as dez principais fake news sobre o coronavírus - Notícias - mt.gov.br. Recuperado de http://www.mt.gov.br/-/14066969-veja-a-lista-com-as-dez-principais-fake-news-sobre-o-coronavirus
http://www.mt.gov.br/-/14066969-veja-a-l...
). Em abril de 2020, o site Canaltech reuniu em uma reportagem as principais informações que estavam sendo difundidas via redes sociais. Entre elas, figuravam narrativas de que o vírus havia sido criado para ser uma arma biológica; que a radiação da tecnologia 5G de internet móvel era a causa da disseminação rápida do novo coronavírus; que a doença poderia ser curada com entorpecentes e, por fim, que o SARS-CoV-2 veio do espaço (Yuge, 2020Yuge, C. (2020). As principais teorias de conspiração sobre o coronavírus - e por que viralizam. Canaltech. Recuperado de https://canaltech.com.br/saude/as-principais-teorias-de-conspiracao-sobre-o-coronavirus-e-por-que-viralizam-163401/
https://canaltech.com.br/saude/as-princi...
).

É necessário frisar que pesquisas empíricas na área da cognição têm tomado caminhos capazes de concluir o predomínio de processos mentais rápidos e intuitivos sobre deliberações racionais. Esse é um fator relevante quando se aborda a questão da crença em boatos, uma vez que, apesar da sensação de que possa haver ali um pensamento crítico, na verdade a associação de vieses cognitivos e inclinações mentais podem estar, inconscientemente, apenas fazendo com que as pessoas reforcem aquilo em que já acreditavam ou que já estavam familiarizados (Guzzo & Lima, 2018Guzzo, G. B., & Lima, V. M. (2018). O desenvolvimento do pensamento crítico na educação: uma meta possível? Educação Unisinos, 22(4), 334-343. https://doi.org/10.4013/edu.2018.224.11
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).

O chamado viés de confirmação é uma heurística, ou seja, um destes atalhos mentais que visa simplificar tarefas complexas, mas que tende a ignorar ou subestimar as evidências que não vão ao encontro daquilo em que o indivíduo já acreditava previamente. Nesse caso, amostragens seletivas de informação podem, justamente, tornar-se um dos fatores que acabam contribuindo para uma confirmação tendenciosa. Isso quer dizer que pessoas com determinados posicionamentos políticos podem passar a se informar apenas por sites que sustentem suas crenças, reafirmando suas próprias convicções. Na mesma direção, pode haver um processo de memória seletiva, em que há propensão para que informações compatíveis com as próprias crenças sejam mais lembradas do que as incompatíveis (Gazzaniga et al., 2013Gazzaniga, M., Heatherton, T., & Halpern, D. (2013). Ciência Psicológica. Artmed.).

A pesquisa de Galhardi et al. (2020Galhardi, C. P., Freire, N. P., Minayo, M. C. de S., & Fagundes, M. C. M. (2020). Fact or fake? An analysis of disinformation regarding the covid-19 pandemic in Brazil. Ciência e Saúde Coletiva, 25(2), 4201-4210. https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.28922020
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), ao apresentar uma reflexão acerca das notícias falsas que circundavam o coronavírus no Brasil, mostrou não apenas como a desinformação pode acarretar prejuízos à saúde pública, mas também sugeriu a urgência de estudos que aprofundem, justamente, a questão das crenças e valores dos sujeitos que tendem a aderir às narrativas enganosas. Usados para a caracterização de indivíduos ou sociedades, para o rastreio de mudanças sociais, ou ainda para explicar as motivações básicas que se fazem subjacentes às atitudes e comportamentos, os valores vêm desempenhando um papel importante desde o início das ciências sociais (Torres et al., 2016Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva. Psicologia USP, 27(2), 341-356. https://doi.org/10.1590/0103-656420150045
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).

Entre os estudos sobre valores, destaca-se a teoria dos valores humanos básicos de Shalom Schwartz (1992Schwartz, S. H. (1992). Universals in the content and structure of values: Theoretical advances and empirical tests in 20 countries. Advances in Experimental Social Psychology, 25(C), 1-65 https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60281-6
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), um dos mais proeminentes pesquisadores da área, que propõe uma taxonomia cuja base encontra-se nas necessidades biológicas e sociais dos seres humanos (D’Errico et al., 2022D’Errico, F., Corbelli, G., Papapicco, C., & Paciello, M. (2022). How personal values count in misleading news sharing with moral content. Behavioral Sciences, 12(9), 302. https://doi.org/10.3390/bs12090302
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). Com estudos realizados em aproximadamente 100 países, as pesquisas de Schwartz vêm sendo capazes de abranger a relação complexa entre valores e comportamento (Sagiv & Schwartz, 2022Sagiv, L., & Schwartz, S. H. (2022). Personal Values Across Cultures. In Annual Review of Psychology (Vol. 73), 517-546. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-020821-125100
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; Tamayo & Porto, 2009Tamayo, A., & Porto, J. B. (2009). Validity of the Portrait values questionnaire (PVQ) in Brazil,Validação do questionário de Perfis de valores (QPV) no Brasil. Psicologia: Teoria e Pesquisa. https://doi.org/10.1590/S0102-37722009000300010
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). A teoria distingue 10 valores básicos (descrito na Tabela 1), reconhecidos em todas as culturas, bem como a descrição da dinâmica hierárquica de oposições e compatibilidades entre os mesmos. Eles seriam as representações cognitivas dos três requisitos básicos para a sobrevivência da espécie humana: necessidades biológicas, necessidades de interação e regulação interpessoal e necessidades que visam o bem-estar e sobrevivência grupal (Sagiv & Schwartz, 2022Sagiv, L., & Schwartz, S. H. (2022). Personal Values Across Cultures. In Annual Review of Psychology (Vol. 73), 517-546. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-020821-125100
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).

Tabela 1
Relação dos Tipos Motivacionais e seus Respectivos Valores

Ao determinar uma estrutura de relação entre valores de diferentes grupos, sugere-se que haja uma organização universal das motivações. Desta forma, enquanto os tipos motivacionais são compostos por agrupamentos de valores, os indivíduos ou grupos distinguem-se entre si através de suas prioridades axiológicas, ou seja, pela importância que dão a cada tipo motivacional (Porto, 2005Porto, J. B. (2005). Mensuração de valores no Brasil. Em A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 96-119. Editora Vozes.; Schwartz, 2006Schwartz, S. H. (2006). Les valeurs de base de la personne : théorie, mesures et applications. Revue Française de Sociologie, 47(4), 929-968. https://doi.org/10.3917/rfs.474.0929
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). Os tipos motivacionais (autodeterminação, poder, universalismo, realização, segurança, estimulação, conformidade, tradição, hedonismo e benevolência) se organizariam de forma dinâmica, sendo que os próprios itens valorativos que os compõem estariam organizados em uma espécie de continuum, conforme demonstrado na Figura 1.

Figura 1
Estrutura dos tipos motivacionais e polos de ordem superior.

Dessa forma, “uma vida excitante”, por exemplo, pode ser um item fronteiriço entre uma prioridade axiológica de Hedonismo e, também, de Estimulação. Seguindo essa configuração, a estrutura ainda apresenta quatro grandes polos de ordem superior que formariam duas dimensões bipolares conceituais básicas: (1) Abertura à Mudança vs. Conservação e (2) Autopromoção vs. Autotranscendência. A primeira diz respeito à independência de pensamento e propensão à mudança (Estimulação e Autodeterminação), contrapondo-se a valores que enfatizam preservação do grupo e da ordem social (Segurança, Conformidade e Tradição). A segunda traria o contraste entre a aceitação da igualdade entre todos, bem como a preocupação com seu bem-estar (Universalismo e Benevolência) e a busca pelo sucesso individual e domínio sobre outros (Poder e Realização). Os polos de ordem superior ainda podem ser percebidos a partir dos interesses coletivos, mistos ou individuais, de forma que a Abertura à Mudança e a Autopromoção possuem motivações direcionadas para questões mais individualistas, enquanto a Autotranscendência e a Conservação direcionam-se para interesses mistos ou coletivos (D’Errico et al., 2022D’Errico, F., Corbelli, G., Papapicco, C., & Paciello, M. (2022). How personal values count in misleading news sharing with moral content. Behavioral Sciences, 12(9), 302. https://doi.org/10.3390/bs12090302
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; Schwartz, 2005aSchwartz, S. H. (2005a). Validade e aplicabilidade da Teoria de Valores. In A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 56-95. Editora Vozes.).

Por fim, a relação da ansiedade com os valores também entraria como princípio organizador da estrutura. Enquanto os polos de Conservação e Autopromoção (exceto Realização) apresentariam função autoprotetora, servindo para lidar com sentimentos ansiogênicos, oriundos das incertezas físicas e sociais, a Abertura à Mudança e a Autotranscendência trariam motivações livres de ansiedade (Schwartz & Sortheix, 2018Schwartz, S. H., & Sortheix, F. M. (2018). Values and subjective well-being. In E. Diener, S. Oishi, & L. Tay (Eds.), Handbook of well-being, 871-885. Noba Scholar.; Schwartz, 2006Schwartz, S. H. (2006). Les valeurs de base de la personne : théorie, mesures et applications. Revue Française de Sociologie, 47(4), 929-968. https://doi.org/10.3917/rfs.474.0929
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).

Buscando associar os valores humanos propostos no modelo de Schwartz (1992Schwartz, S. H. (1992). Universals in the content and structure of values: Theoretical advances and empirical tests in 20 countries. Advances in Experimental Social Psychology, 25(C), 1-65 https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60281-6
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) e a prontidão para questionar pontos de vista oferecidos por especialistas, o estudo de Ahola (2017Ahola, S. (2017). Why (not) disagree? Human values and the readiness to question experts’ views. Public Understanding of Science, 26(3), 339-354. https://doi.org/10.1177/0963662516637818
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), por exemplo, concluiu que pessoas que se alinhavam aos valores de conservação, como Tradição, Segurança e Conformidade, apresentavam uma associação negativa para a prontidão em questionar, enquanto aquelas alinhadas aos valores de Poder mostravam-se mais inclinadas a tais questionamentos. No Brasil, a pesquisa de Rezende et al. (2019Rezende, A. T., Gouveia, V. V., Nascimento, A. M. D., Vilar, R., & Oliveira, K. G. (2019). Correlatos valorativos de crenças em teorias da conspirado. Avances en Psicología Latinoamericana, 37(2), 219-234. https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.7211
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) concluiu que os valores podem ser uma variável importante para explicar o endosso a determinadas teorias conspiratórias, principalmente os valores com maior abertura à mudança. Entretanto, alguns estudos vêm demonstrando que seriam os valores de conservação que estariam relacionados a um maior compartilhamento de informações falsas (D’Errico et al., 2022D’Errico, F., Corbelli, G., Papapicco, C., & Paciello, M. (2022). How personal values count in misleading news sharing with moral content. Behavioral Sciences, 12(9), 302. https://doi.org/10.3390/bs12090302
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).

Levando em consideração as questões apresentadas, esta pesquisa teve como objetivo avaliar associações entre valores humanos e crença em informações enganosas sobre a COVID-19 no Brasil, durante o período de pandemia. Ainda buscou-se avaliar correlações entre valores, crença em informação enganosa, idade e adesão às medidas preventivas.

Método

Participantes

O estudo contou com 238 participantes, sendo 78,2% do sexo feminino e 21,8% do sexo masculino com idades entre 18 e 75 anos (M = 48,6; DP =14,42). Em relação a escolaridade, 35,7% possuíam pós-graduação; 26,5% ensino superior completo; 16,8% ensino superior incompleto; 15,1% possuíam ensino médio incompleto e 6,9% não haviam completado o ensino médio. Sobre o estado civil, 68,2% eram casados; 23,8%, solteiros; 8,4%, separados e 5%, viúvos. No momento da coleta de dados, 59% estavam exercendo atividade remunerada. A renda declarada pela maioria (48,2%) foi de dois a quatro salários mínimos. A amostra foi por conveniência, não probabilística. Todos eram de nacionalidade brasileira, residentes em território nacional durante o período da coleta de dados, sendo a maior parte da região sul (64,4%) e sudeste (25%).

Instrumentos

Os participantes responderam aos seguintes questionários: Questionário Sociodemográfico, Questionário de Atitudes Frente ao Coronavírus, Questionário sobre Consumo de Informação (todos elaborados pelos autores) e Escala de Valores Pessoais (Portrait Questionnaire Value) PQV-2. O Questionário Sociodemográfico incluiu atributos como sexo, idade, estado onde reside, renda, entre outras informações gerais.

O Questionário de Atitudes Frente ao Coronavírus foi desenvolvido no contexto do estudo e é composto por 10 asserções sobre cenários ou situações envolvendo recomendações propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Enquanto seis enunciados iam ao encontro das medidas recomendadas (ex.: Tenho tentado permanecer em casa o máximo possível, saindo apenas para o essencial ou para o trabalho), quatro mostravam-se contrárias (ex.: Acredito que frequentar praias e parques, mesmo quando lotados, não colabore para a disseminação do vírus). Nos dois casos era possível concordar ou discordar da afirmativa. Para cada concordância com ações preventivas, ou discordância com ações contrárias, era somado um ponto. O cálculo da média de adesão era calculado por estatística simples. Realizou-se uma análise fatorial exploratória, utilizando o método dos quadrados mínimos generalizados, a partir dos dados gerados pelo instrumento com a amostra deste estudo, em que se verificou que a medida Kaiser-Meyer-Olkin de adequação de amostragem apresentou-se acima de 0,8 (0,852), o Teste de Esfericidade de Bartlett apresentou resultado estatisticamente significativo (p < 0,001) e o Determinante da Matriz de correlações apresentou valor próximo a zero (0,016). A comunalidade dos itens foi superior a 0,482, a variância total ficou em 42,79%, as saturações fatoriais foram superiores a 0,574, indicando tratar-se de uma medida com indicadores satisfatórios de evidências de validade com base na estrutura interna. Uma análise de consistência interna indicou uma alfa de Cronbach adequada (α = 0,864), indicando tratar-se de uma medida com escores fidedignos.

O Questionário sobre Consumo de Informação também foi desenvolvido no contexto do estudo e é composto por 24 enunciados, oito baseados em notícias reais e 16 baseados em notícias falsas ou boatos que já haviam sido desmentidos por agências oficiais de fact checking, com selo ativo da International Fact-Cheking Network (IFCN). Esses 16 enunciados foram distribuídos igualmente em quatro categorias que pautaram as seguintes narrativas: Curas Mágicas (notícias que exaltavam o uso de fórmulas e medicamentos sem comprovação científica ou que sugeriam soluções simplórias para o combate ao vírus); Informações contrárias às medidas preventivas (engloba notícias que objetivavam depreciar ou subestimar medidas preventivas de combate ao vírus); Teorias conspiratórias (informações baseadas em crenças de que determinada situação ou evento era parte de um plano secreto envolvendo pessoas poderosas); Negação da existência ou da gravidade da doença (notícias que visavam contrariar a existência ou a gravidade da COVID-19). Em cada enunciado, o participante poderia responder com “concordo”, “não sei” ou “discordo”. Realizou-se uma análise fatorial exploratória, utilizando o método dos quadrados mínimos generalizados, a partir dos dados gerados pelo instrumento com a amostra deste estudo, em que se verificou que a medida Kaiser-Meyer-Olkin de adequação de amostragem apresentou-se acima de 0,8 (0,838), o Teste de Esfericidade de Bartlett apresentou resultado estatisticamente significativo (p < 0,001) e o Determinante da Matriz de correlações apresentou valor próximo a zero (0,112). A comunalidade dos itens foi elevada (superior a 0,625), a variância total explicada pelo instrumento foi de 66,47%, todos os itens apresentaram saturação fatorial adequada (saturações fatoriais superiores a 0,78), indicando tratar-se de instrumento com indicadores satisfatórios de evidências de validade Uma análise da consistência interna revelou que índice alfa de Cronbach do instrumento é adequado (α = 0,89), indicando tratar-se de uma medida com escores fidedignos.

A Escala de Valores Pessoais (Portrait Questionnaire Value) PQV-21 é um questionário composto por 21 itens que avaliam um sistema de 10 valores individuais, baseado no modelo teórico de Schwartz (1992Schwartz, S. H. (1992). Universals in the content and structure of values: Theoretical advances and empirical tests in 20 countries. Advances in Experimental Social Psychology, 25(C), 1-65 https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60281-6
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). O instrumento apresenta a descrição de pessoas, em termos de importância de metas pessoais, por exemplo, Autodeterminação: “Pensar em novas ideias e ser criativa é importante para ele. Ele gosta de fazer coisas de maneira própria e original”. Em cada descrição, o participante deveria responder o quanto aquele sujeito se parece com ele, através de uma escala tipo Likert, que varia de 1 (não tem nada a ver comigo) a 6 (exatamente como eu). No Brasil, o instrumento foi validado por Tamayo e Porto (2009Tamayo, A., & Porto, J. B. (2009). Validity of the Portrait values questionnaire (PVQ) in Brazil,Validação do questionário de Perfis de valores (QPV) no Brasil. Psicologia: Teoria e Pesquisa. https://doi.org/10.1590/S0102-37722009000300010
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
) e sua versão reduzida foi validada por Porto e Bolzan de Campos (2010Campos, C. B. de, & Porto, J. B. (2010). Escala de Valores Pessoais: validação da versão reduzida em amostra de trabalhadores brasileiros. Psico, 41(2), 208-213. Recuperado de https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/5817
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) com uma amostra de trabalhadores do setor industrial. Para a validação da escala, foi usado o Escalonamento Multidimensional (MDS) com o método de escalonamento do coeficiente de alienação de Guttman. O coeficiente S-Stress foi de 0,01 e o coeficiente de congruência de Tucker foi de 0,99.

Procedimentos

A coleta de dados foi realizada através de um formulário on-line e os participantes foram convidados a participar da pesquisa através de um link de divulgação compartilhado via Facebook e Whatsapp entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2021. Antes de responder ao questionário, os indivíduos expressaram sua concordância por meio de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O anonimato foi garantido e, conforme considerações éticas da Resolução n.510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, somente as pesquisadoras responsáveis pelo projeto tiveram acesso aos dados. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Feevale, sob o número do parecer 4.458.458.

A análise de dados foi realizada com o auxílio do software IBM SPSS Statistics (versão 26.0). Foram utilizadas estatísticas descritivas de tendência central (média) e dispersão (desvio padrão). As análises correlacionais foram conduzidas com base no Teste r de Pearson (Pestana & Gajeiro, 2014Pestana, M. H., & Gageiro, J. N. (2014). Análise de Dados para Ciências Sociais. A Complementaridade do SPSS. 6a Edição Edição revista e aumentada. In 5a Edição Revista e Corrigida. Editora Sílabo.).

Resultados

As análises descritivas, que podem ser verificadas na Tabela 2, indicaram que a menor média foi obtida no tipo motivacional Poder (1,47) e a maior no Benevolência (4,25). Nos polos de ordem superior, a menor média foi obtida na Autopromoção (2,37) e a maior na Autotranscendência (4,24). Sendo assim, as médias obtidas para os tipos motivacionais e nos domínios de ordem superior variaram de muito baixas a elevadas, considerando que o valor mínimo esperado nestas escalas é de 1 e o máximo é de 6 pontos, com valor médio de 3,5 pontos. Quanto à crença em informação enganosa, essa apresentou médias muito baixas (2,10), já que a escala poderia variar de 1 a 16 pontos, com valor médio de 8,5 pontos. Resultado semelhante foi obtido na variável nível de incerteza. Esta apresentou média de 4,24 em uma escala que pode variar de 1 a 24 pontos, com valor médio de 12,5 pontos. Na adesão às medidas preventivas, obteve-se uma média elevada (9,30) já que a escala varia de 1 a 10 pontos, com valor médio de 5,5 pontos.

Tabela 2
Estatísticas Descritivas e Correlacionais

Os desvios padrões variaram de desejáveis (desvio padrão com valor inferior à média) a muito elevados (desvio padrão com valores nominais acima do valor da própria média), indicando alta variabilidade nos dados colhidos na variável crença em informação enganosa. Os resultados indesejáveis para o desvio padrão podem estar indicando a presença de uma distribuição não paramétrica nesta variável (Pestana & Gageiro, 2014Pestana, M. H., & Gageiro, J. N. (2014). Análise de Dados para Ciências Sociais. A Complementaridade do SPSS. 6a Edição Edição revista e aumentada. In 5a Edição Revista e Corrigida. Editora Sílabo.).

Quanto às estatísticas correlacionais, também demonstradas na Tabela 2, é possível perceber que, das 62 correlações obtidas, 14 mostraram-se estatisticamente significativas (p < 0,05). A força variou de nula (0,01) a moderada (0,64), embora grande parte das correlações tenham apresentado uma força fraca (0,10 a 0,39), considerando os critérios de Dancey e Reidy (2006Dancey, C.P., & Reidy, J. (2006). Estatística sem Matemática para Psicologia: Usando SPSS para Windows. Editora Artmed.).

A crença em informação enganosa apresentou correlação direta com o tipo motivacional Tradição e correlação inversa com o Universalismo, Conformidade e com o polo de ordem superior de Autotranscedência. O nível de adesão às medidas preventivas correlacionou-se de forma direta e estatisticamente significativa (p < 0,05) com os tipos motivacionais de Universalismo, Segurança, Conformidade, Benevolência e com os polos de ordem superior Autotranscedência e Conservação. A correlação mais forte obtida neste conjunto de análises, apresentou-se estatisticamente significativa (p < 0,01), moderada e inversa e foi observada entre adesão às medidas preventivas e a crença em informações enganosas.

Destacam-se as correlações inversas e estatisticamente significativas (p < 0,01) observadas entre a idade e os tipos motivacionais de Poder, Realização e Hedonismo, juntamente com o domínio de ordem superior de Autopromoção. Ainda com relação à idade, foi observada uma correlação direta e estatisticamente significativa (p < 0,01) com o tipo motivacional Tradição.

Discussão

Este estudo destinou-se a avaliar associações entre valores humanos e a crença em informações enganosas sobre a COVID-19 no Brasil. Além disso, buscou-se correlações entre os tipos motivacionais, seus polos de ordem superior, a crença em informações enganosas e a adesão às medidas preventivas.

Os resultados demonstraram que as maiores médias foram alcançadas pelo tipo motivacional Benevolência. Esse dado expõe a inserção dos participantes na cultura do país, através da caracterização benevolente e coletivista que, geralmente, é atribuída aos brasileiros (Borges, 2005Borges, L. O. (2005). Valores de trabalhadores de baixa renda. Em A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações (pp. 233-250). Editora Vozes.). Por outro lado, a menor média foi verificada no tipo motivacional Poder, demonstrando que valores de prestígio e status social não estavam entre as prioridades da amostra. Tais médias corroboram os achados de Schwartz e Bardi (2001Schwartz, S. H., & Bardi, A. (2001). Value hierarchies across cultures: Taking a similarities perspective. Journal of Cross Cultural Psychology, 32(3), 268-290. https://doi.org/10. 1177/0022022101032003002
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), para quem os valores de Benevolência, junto aos valores de Autodeterminação e Universalismo, figuraram como os mais importantes junto às pesquisas realizadas em 62 países (Schwartz & Cieciuch, 2022Schwartz, S. H., & Cieciuch, J. (2022). Measuring the Refined Theory of Individual Values in 49 Cultural Groups: Psychometrics of the Revised Portrait Value Questionnaire. Assessment, 29(5), 1005-1019. https://doi.org/10.1177/1073191121998760
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). Em relação aos polos de dimensão superior, a média mais alta foi encontrada na Autotranscendência, enquanto a menor concentrou-se na Autopromoção. Isso vai ao encontro das médias verificadas nos tipos motivacionais, uma vez que o primeiro polo concentra Universalismo e Benevolência, enquanto o segundo reúne Hedonismo, Realização e Poder.

Em relação às médias da crença em informações enganosas, essas mostraram-se baixas, de forma que, quando expostos a uma narrativa errônea ou distorcida, os participantes poucas vezes a acataram como verdadeira. Tal resultado pode ser percebido, também, em relação ao nível de incerteza, de tal sorte que o uso da resposta “não sei”, frente às afirmações apresentadas pela pesquisa, igualmente apresentou média mais baixa. Quando questionados acerca da adesão às medidas preventivas, a média foi mais elevada, demonstrando que os sujeitos afirmaram acatar e aderir às regras propostas contra a disseminação do coronavírus, na maioria das vezes. Essas são médias relevantes, se levarmos em conta o cenário no qual o país se via inserido durante o período da coleta, figurando como o segundo país com mais casos e mortes pela COVID-19. Além disso, o acesso limitado aos testes, bem como falhas governamentais na divulgação e instruções sobre a gravidade da pandemia, eram fatores que poderiam contribuir para dificuldades de uma avaliação realista da situação (Baqui et al., 2020Baqui, P., Bica, I., Marra, V., Ercole, A., & van der Schaar, M. (2020). Ethnic and regional variations in hospital mortality from COVID-19 in Brazil: a cross-sectional observational study. The Lancet Global Health, 8(8), 1018-1026. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(20)30285-0
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).

O polo de ordem superior Autopromoção e os tipos motivacionais que o compõe, Poder e Realização, correlacionaram-se de forma inversa com a idade dos participantes. O tipo motivacional Tradição apresentou uma correlação direta com a idade. Quanto mais jovens eram os sujeitos, mais eles priorizavam superioridade social e prestígio, característicos do polo de ordem superior Autopromoção (Sagiv & Schwartz, 2022Sagiv, L., & Schwartz, S. H. (2022). Personal Values Across Cultures. In Annual Review of Psychology (Vol. 73), 517-546. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-020821-125100
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). Em contrapartida, o avanço da idade apontou associação com a Tradição. Esses são resultados que fundamentam a hipótese de Schwarz de que a importância dos valores muda ao longo da vida. O autor sustenta que maneiras tradicionais de fazer as coisas, bem como um ambiente protegido e previsível, são modos mais seguros de lidar com mudanças, à medida que a idade e o declínio cognitivo aumentam. Em contrapartida, a capacidade de cumprir tarefas e obter aprovação social, presentes nos tipos motivacionais que compõe o polo superior de Autopromoção, poderia estar ligada a uma faixa etária mais jovem, que ainda está aventurando-se em busca de seu próprio caminho (Schwartz, 2005aSchwartz, S. H. (2005a). Validade e aplicabilidade da Teoria de Valores. In A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 56-95. Editora Vozes.; Sagiv & Schwartz, 2022Sagiv, L., & Schwartz, S. H. (2022). Personal Values Across Cultures. In Annual Review of Psychology (Vol. 73), 517-546. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-020821-125100
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).

No que se refere aos objetivos primários do estudo, ou seja, às correlações entre valores e crença em informações enganosas, os resultados indicaram que o tipo motivacional Universalismo apresentou correlação estatisticamente significativa com a variável, sendo que esta correlação foi inversa. Isso indica que, quanto mais os sujeitos avaliados tendem a valorizar o bem comum, a tolerância, a proteção e o bem-estar da natureza e de todas as pessoas (Schwartz, 2005bSchwartz, S. H. (2005b). Valores humanos básicos: seu contexto e estrutura intercultural. Em A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 21-55. Editora Vozes.), menor a inclinação a acreditar em informações enganosas, descartando explicações simplistas sobre o vírus e encarando como legítimas sua gravidade e as reais formas preventivas. Na mesma direção, o tipo Conformidade, que prioriza a restrição de ações que possam perturbar os demais ou violar normas sociais, apresentou também correlação inversa. Apesar de esse ser um tipo pertencente aos valores de Conservação, a Conformidade é compatível com mudanças quando elas se apresentam como obrigatórias (Sagiv & Schwartz, 2022Sagiv, L., & Schwartz, S. H. (2022). Personal Values Across Cultures. In Annual Review of Psychology (Vol. 73), 517-546. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-020821-125100
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; Sverdik & Oreg, 2009), tais quais a situação pandêmica vinha impondo.

Por outro lado, o tipo motivacional Tradição apresentou correlação estatisticamente significativa com a mesma variável, sendo uma correlação direta. Isto aponta que, quanto mais os participantes tendem a respeitar e aceitar ideias fornecidas por sua cultura ou religião (Schwartz, 2005bSchwartz, S. H. (2005b). Valores humanos básicos: seu contexto e estrutura intercultural. Em A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 21-55. Editora Vozes.), maior a crença em informações enganosas. Os valores de Tradição, além de serem sustentados pela aceitação e submissão aos costumes do grupo ao qual o sujeito está vinculado, tendem a conformar-se com expectativas imutáveis, oriundas do passado e que perpetuam arranjos sociais (Schwartz, 2006Schwartz, S. H. (2006). Les valeurs de base de la personne : théorie, mesures et applications. Revue Française de Sociologie, 47(4), 929-968. https://doi.org/10.3917/rfs.474.0929
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). Nesse sentido, um ponto importante a ser ressaltado seria a dificuldade em aceitar uma nova realidade, tal qual a da pandemia, que impôs novas regras de convívio social pautadas no distanciamento preventivo, na privação de contato entre amigos e familiares, mudando as dinâmicas de trabalho e trazendo incertezas quanto ao futuro. Dessa forma, seria mais fácil aceitar que a doença é uma invenção dos estados para ganhar dinheiro com óbitos forjados1 1 Informação enganosa, que circulava pelas redes sociais, dizia que cada estado recebia do governo federal uma quantia em dinheiro por cada óbito por COVID-19. Fato verificado em https://www.aosfatos.org/noticias/e-falso-que-estados-recebem-verba-federal-cada-obito-registrado-por-covid-19/ , por exemplo, do que sustentar um cenário novo e inseguro.

Esses resultados realçam o aspecto dinâmico da estrutura de valores. Afinal, do ponto de vista motivacional, quando se prioriza a compreensão e o bem-estar geral, mesmo que isso exija mudanças, tende-se a abrir mão de valores que mantenham crenças tradicionais arraigadas. Por isso, ressalta-se o caráter de necessidade de sobrevivência de grupos e indivíduos, incutidos no tipo motivacional Universalismo, reconhecido mesmo quando as pessoas precisam entrar em contato com indivíduos ou ideias que não fazem parte de seu grupo primário, diferindo dos valores de Tradição, que irão priorizar as crenças intragrupais mais enraizadas (Schwartz, 2005bSchwartz, S. H. (2005b). Valores humanos básicos: seu contexto e estrutura intercultural. Em A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 21-55. Editora Vozes.).

Prioridades axiológicas incutidas no tipo motivacional Universalismo ainda se enquadram no polo de ordem superior de Autotranscedência, cuja amostra também apresentou correlação estatisticamente significativa, de forma inversa, com a variável crença em informações enganosas. Assim, quanto mais os valores do sujeito enquadram-se neste polo formado pelos tipos Universalismo e Benevolência, menor a sua tendência a acatar notícias falsas. Talvez isso se dê pelo fato de que, ao encarar o evento de forma realista, seja mais fácil encontrar meios de promover o bem-estar alheio, superando possíveis posicionamentos egoístas (Schwartz, 2005bSchwartz, S. H. (2005b). Valores humanos básicos: seu contexto e estrutura intercultural. Em A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 21-55. Editora Vozes.). É necessário frisar ainda que a Autotranscendência é um polo de ordem superior que expressa motivações livres de ansiedade (Schwartz & Sortheix, 2018Schwartz, S. H., & Sortheix, F. M. (2018). Values and subjective well-being. In E. Diener, S. Oishi, & L. Tay (Eds.), Handbook of well-being, 871-885. Noba Scholar.). Ou seja, os sentimentos ansiogênicos poderiam ser controlados quando direcionados a sentimentos de competência, como cooperar ativamente com os cuidados preventivos à COVID-19, por exemplo. Assim, quanto mais prioridade o indivíduo dá a um determinado valor, mais provável a elaboração, consciente ou não, de um plano que leve à sua expressão no comportamento (Schwartz, 2005aSchwartz, S. H. (2005a). Validade e aplicabilidade da Teoria de Valores. In A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 56-95. Editora Vozes.; Schwartz & Cieciuch, 2022Schwartz, S. H., & Cieciuch, J. (2022). Measuring the Refined Theory of Individual Values in 49 Cultural Groups: Psychometrics of the Revised Portrait Value Questionnaire. Assessment, 29(5), 1005-1019. https://doi.org/10.1177/1073191121998760
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).

Tais aspectos referentes a esse polo nos ajudam a compreender a sua correlação com a variável de adesão às medidas preventivas. Nesse sentido, os resultados apresentaram uma correlação significativa e direta. De forma que, quanto mais alinhados aos valores que compõe a Autotranscendência estão os participantes, maior a tendência de adesão às orientações de combate ao vírus. Isso reflete os estudos que posicionam esse conjunto de valores como um dos mais importantes dentro de quase todas as sociedades, devido ao seu papel cooperativo e de bom funcionamento social e familiar (Schwartz & Bardi, 2001Schwartz, S. H., & Bardi, A. (2001). Value hierarchies across cultures: Taking a similarities perspective. Journal of Cross Cultural Psychology, 32(3), 268-290. https://doi.org/10. 1177/0022022101032003002
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). Percebeu-se ainda que o polo de ordem superior Conservação também apresentou correlação direta com a mesma variável. Isso quer dizer que, quanto mais os sujeitos priorizam os tipos motivacionais que o compõe, mais eles seguem regras de distanciamento, uso de máscara, etc.

Apesar dos dois polos superiores, Autotranscendência e Conservação, estarem posicionados em dimensões que priorizam o coletivo, os valores que os compõem divergem na forma em como se dão essas relações. O primeiro é composto pelos tipos motivacionais Universalismo e Benevolência, enquanto o segundo é composto por Tradição, Conformidade e Segurança (Schwartz, 2005bSchwartz, S. H. (2005b). Valores humanos básicos: seu contexto e estrutura intercultural. Em A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 21-55. Editora Vozes.). Exceto por Tradição, os resultados demonstraram que também houve correlação significativa e direta entre esses tipos motivacionais e a adesão às medidas preventivas. Traduz-se que, aqueles que apresentaram os dois entre suas prioridades axiológicas, mostraram maior concordância com regras de prevenção em geral.

Assim como o tipo Universalismo vai ao encontro do bem-estar, essa é uma característica que também está presente na Benevolência. Entretanto, dado o caráter dinâmico da estrutura dos valores, sua posição a deixa lado a lado com o polo superior de Conservação, fazendo com que seu objetivo seja a preservação do bem-estar do próprio grupo, e não do grupo externo (Sagiv & Schwartz, 2022Sagiv, L., & Schwartz, S. H. (2022). Personal Values Across Cultures. In Annual Review of Psychology (Vol. 73), 517-546. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-020821-125100
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). Ou seja, enquanto aqueles que têm prioridades axiológicas universalistas podem estar respeitando as medidas preventivas, preocupando-se com um bom funcionamento global, o benevolente pode estar mais preocupado com os grupos que despertam seu senso de pertencimento ou necessidade de afiliação. Schwartz (2005aSchwartz, S. H. (2005a). Validade e aplicabilidade da Teoria de Valores. In A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 56-95. Editora Vozes.), ao abordar a questão da cooperação, sugere que em determinadas situações ela figura como um comportamento muito mais normativo da sociedade, sendo percebido como uma questão de decência pessoal, do que uma forma de realmente se comprometer com justiça social.

Isso fica mais perceptível ao verificarmos que o polo da Conservação (Conformidade, Segurança e Tradição) também tenha apresentado associações com essa variável, já que seus valores tendem a aumentar, criando uma coesão interna, necessária para enfrentar possíveis ameaças quando expostos às normas estabelecidas (D’errico et al., 2022D’Errico, F., Corbelli, G., Papapicco, C., & Paciello, M. (2022). How personal values count in misleading news sharing with moral content. Behavioral Sciences, 12(9), 302. https://doi.org/10.3390/bs12090302
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; Schwartz, 2005aSchwartz, S. H. (2005a). Validade e aplicabilidade da Teoria de Valores. In A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 56-95. Editora Vozes.). Nesse caso, a Tradição foi o único tipo motivacional que não se correlacionou com uma boa adesão às medidas preventivas, talvez, por sua maior associação às informações enganosas. A Conformidade, apesar de enfatizar a manutenção do status quo, surge como uma sanção que visa evitar riscos que possam violar normas sociais (Sagiv & Schwartz, 2022Sagiv, L., & Schwartz, S. H. (2022). Personal Values Across Cultures. In Annual Review of Psychology (Vol. 73), 517-546. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-020821-125100
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; Schwartz, 2006Schwartz, S. H. (2006). Les valeurs de base de la personne : théorie, mesures et applications. Revue Française de Sociologie, 47(4), 929-968. https://doi.org/10.3917/rfs.474.0929
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), assim seu caráter de restrição de ações e impulsos que possam prejudicar terceiros, parece ter impulsionado a concordância com as novas orientações.

Dessa maneira, quando aqueles que a priorizam são submetidos a regras postas em decretos estaduais ou municipais, como foi o caso de grande parte das medidas preventivas, por exemplo, parece não haver nenhum tipo de resistência. Assim como no caso da Benevolência, a Conformidade é um tipo voltado para a cooperação, porém, sua base motivacional não tem um caráter interiorizado, com sentimentos de pertencimento. Sua base é cooperativa, no sentido de evitar resultados negativos individuais (Schwartz, 2005aSchwartz, S. H. (2005a). Validade e aplicabilidade da Teoria de Valores. In A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 56-95. Editora Vozes.), de forma que aqueles que a colocam dentro de suas prioridades axiológicas, podem vir a respeitar as medidas, não por seu fator de proteção coletiva, mas, sim, por temer punições.

Já o tipo motivacional Segurança deriva de requisitos básicos individuais e grupais, abarcando tanto a segurança no ambiente imediato, quanto na sociedade em geral (Sagiv & Schwartz, 2022Sagiv, L., & Schwartz, S. H. (2022). Personal Values Across Cultures. In Annual Review of Psychology (Vol. 73), 517-546. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-020821-125100
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; Schwartz, 2006Schwartz, S. H. (2006). Les valeurs de base de la personne : théorie, mesures et applications. Revue Française de Sociologie, 47(4), 929-968. https://doi.org/10.3917/rfs.474.0929
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). Apesar dos dois requisitos serem unificados em um único tipo motivacional, a saúde pode ser exemplificada como um fator mais individualista. Desta forma, percebe-se que apesar do polo de ordem superior de Conservação ser formado por valores que enfatizam a manutenção da ordem e da preservação de arranjos sociais (Schwartz, 2005aSchwartz, S. H. (2005a). Validade e aplicabilidade da Teoria de Valores. In A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 56-95. Editora Vozes.), ele não parece estar totalmente associado a uma postura de negação da realidade, nesse caso, tal qual o seu tipo Tradição. Parece haver uma preocupação em impedir a disseminação do vírus, mesmo que a motivação seja mais individual do que universal.

Os resultados ainda demonstraram correlações inversas e estatisticamente significativas entre crença e informação enganosa e adesão às medidas preventivas. Ou seja, quanto mais as pessoas acreditaram em narrativas enganosas ou distorcidas sobre a COVID-19, maior foi a tendência a rejeitar medidas preventivas. Percebe-se que o fato de crer em medicamentos milagrosos, negar a gravidade da doença, acatar teorias conspiratórias ou que desdenham meios de proteção, associa-se de forma preocupante com a falta de adesão a procedimentos básicos que poderiam colaborar no combate à disseminação do vírus.

Ressalta-se que os resultados desta pesquisa estão em desacordo com alguns estudos que demonstram que valores ligados à maior abertura à mudança apresentam maiores correlações com crenças em teorias conspiratórias (Rezende et al., 2019Rezende, A. T., Gouveia, V. V., Nascimento, A. M. D., Vilar, R., & Oliveira, K. G. (2019). Correlatos valorativos de crenças em teorias da conspirado. Avances en Psicología Latinoamericana, 37(2), 219-234. https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.7211
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), ou que aqueles que priorizam o Poder, teriam maior prontidão em questionar especialistas (Ahola, 2017Ahola, S. (2017). Why (not) disagree? Human values and the readiness to question experts’ views. Public Understanding of Science, 26(3), 339-354. https://doi.org/10.1177/0963662516637818
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). É importante frisar que tais estudos foram realizados com base em tópicos hipotéticos, enquanto a COVID-19 impactou diretamente o cotidiano dos participantes de nosso estudo. Por isso, é possível que, em um cenário de exceção esse quadro tenha se modificado. Além disso, alterações drásticas, como uma pandemia, podem induzir mudança de valores, de forma que já existem estudos em andamento que buscam averiguar possíveis alterações axiológicas nesse cenário (Sagiv & Schwartz, 2022Sagiv, L., & Schwartz, S. H. (2022). Personal Values Across Cultures. In Annual Review of Psychology (Vol. 73), 517-546. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-020821-125100
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).

Deve-se considerar ainda que, no Brasil, a pandemia incorporou narrativas extremamente politizadas. Assim, se vieses cognitivos reforçam as crenças pré-existentes (Guzzo & Lima, 2018Guzzo, G. B., & Lima, V. M. (2018). O desenvolvimento do pensamento crítico na educação: uma meta possível? Educação Unisinos, 22(4), 334-343. https://doi.org/10.4013/edu.2018.224.11
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) e se “cada um define a situação à luz de seus valores mais importantes” (Schwartz, 2005aSchwartz, S. H. (2005a). Validade e aplicabilidade da Teoria de Valores. In A. Tamayo & J. B. Porto (Eds.), Valores e comportamento nas organizações , 56-95. Editora Vozes., p. 82), as correlações demonstraram essa diferença na interpretação dos fatos, dependendo das prioridades axiológicas dos sujeitos.

Considerações Finais

Esse estudo objetivou avaliar associações entre valores humanos e crença em informações enganosas sobre COVID-19 no Brasil. A partir dos dados coletados, analisados e discutidos, cabe realizar algumas considerações de caráter conclusivo.

Foram encontradas associações entre determinados valores e consumo de informações. Entre os achados, destacaram-se as correlações estatisticamente significativas entre os tipos motivacionais Tradição e Universalismo, bem como o polo superior de Autotranscendência, com a crença em informações enganosas. Enquanto os escores encontrados nos valores de Tradição correlacionaram-se de forma direta, aqueles encontrados nos valores de Universalismo e no polo de ordem superior de Autotranscendência, correlacionaram-se de forma inversa. Isso pode ser percebido como uma dificuldade em aceitar mudanças significativas, como aquelas trazidas pela pandemia junto àqueles que têm a manutenção do status quo entre seus valores principais. Em contrapartida, quando a hierarquia axiológica do sujeito se encontra mais posicionada junto ao polo de Autotranscendência, ou ao tipo Universalismo, há uma tendência a descartar boatos e teorias sem fundamentos, adotando uma postura mais realista frente ao vírus.

Ainda buscou-se averiguar as correlações entre os polos de ordem superior e seus tipos motivacionais e a adesão às medidas preventivas. Demonstrou-se correlações estatisticamente significativas entre os polos que prezam por valores coletivistas (Autotranscendênca e Conservação) e atitudes que vão ao encontro das regras que visam combater ao vírus. Isso corrobora com a teoria de Schwartz, que posiciona os valores em uma estrutura dinâmica, onde os polos de ordem superior aparecem organizados de forma antagônica - valores coletivos x valores individuais - ainda que as motivações coletivistas possam se diferir entre os tipos motivacionais.

Os resultados acerca da correlação entre adesão às medidas preventivas e crença em informações enganosas demonstraram que, quanto menor a adesão às narrativas enganosas, maior o engajamento frente às medidas preventivas. Isso evidencia a importância e a urgência na criação de medidas que possam ajudar na reversão desse cenário. Nesse sentido, reforça-se a importância de mais estudos que tenham o tema dos valores humanos como terreno de análise. Tais estudos podem, inclusive, ser aprofundados e incorporados no desenvolvimento de formas assertivas na comunicação em saúde pública.

Apesar do fenômeno da crença em informações enganosas englobar uma extensa gama de mecanismos cognitivos que devem ser considerados, e que não foram o foco desta pesquisa, levar em conta as múltiplas prioridades axiológicas dos sujeitos, nos parece um elemento importante neste processo. Uma vez que são permeados pela forma como os indivíduos se veem e aspiram ser, valores podem ser capazes de moldar crenças e, consequentemente, comportamentos. Assim, espera-se que a temática possa ser levada em consideração nos futuros estudos que abordem a desinformação sob a ótica da Psicologia, além de ser usada como base em ferramentas que visem uma comunicação abrangente, informativa e educativa.

É importante mencionar a dificuldade de coletar uma amostra representativa e bem distribuída por estados e características socioeconômicas de brasileiros, quando se trata de uma divulgação on-line. Cabe dizer que também existem dificuldades quando se trabalha com medidas de autorrelato, principalmente no que diz respeito às atitudes preventivas, que poderiam induzir vieses de desejabilidade social. Salienta-se que o conhecimento disponível sobre a pandemia e sobre a COVID-19 é fluído, transformando-se à medida que as pesquisas sobre o tema avançam, de forma que este estudo se baseou nas evidências existentes durante o período da coleta. Por fim, dado o contexto político e ideológico do país, sugere-se um estudo mais aprofundado, correlacionando valores e posicionamento político frente às notícias enganosas.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2022
  • Revisado
    13 Fev 2023
  • Aceito
    20 Mar 2023
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