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Entrevista com Maria Cristina Fellet Guimarães

HISTÓRIA

Entrevista com Maria Cristina Fellet Guimarães

Geraldina Porto Witter

Maria Cristina Fellet Guimarães é atualmente coordenadora do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Formou-se no curso de Pedagogia em 1972 pela Universidade Federal de Juiz de Fora e em Psicologia em 1977 na Universidade Federal e Minas Gerais. Na mesma universidade defendeu sua dissertação de mestrado na área de Psicologia Social no ano de 1994. Começou a trabalhar na UFMG no ano de 1978, onde entre outras disciplinas tem dedicado parte substancial de seu tempo à Psicologia Escolar. Merece destaque o projeto "A Psicologia vai à Escola", em andamento desde 1987, implicando em avaliação e desenvolvimento de metodologias, orientação e supervisão de técnicos educacionais e psicólogos escolares, envolvendo escolas públicas e particulares. Tem participado ativamente de eventos científicos e divulgado a área. Envolve-se com a pesquisa e a orientação de bolsas de Iniciação Científica, tendo vários trabalhos publicados. Também tem participado de bancas e comissões acadêmicas diversas. Vale lembrar que também tem integrado colegiados e assumido outros encargos administrativos como o atual (coordenadora) que ocupa desde setembro de 1999.

Witter:

Cara Maria Cristina, foi muito bom conhecê-Ia pessoalmente é ver como o corpo docente e discente da UFMG aprecia seu esforço e dedicação. Gostaria de por meio desta entrevista levar aos colegas um pouco de você. Gostaria de saber como foi sua formação.

Guimarães: Fiz, inicialmente, o Curso de Pedagogia na Universidade Federal de Juiz de Fora. Depois, na UFMG, fiz a graduação e o mestrado em Psicologia. A educação, conforme brinco nas minhas palestras, começou a fazer parte da minha vida, desde que dava aulas para as minhas bonecas. Aliás, embora ainda seja unia "jovem senhora", o magistério, no final na década de sessenta, era a escolha da maioria das meninas - uma profissão apropriada para mulheres. Lembro-me de ficar surpresa ao ver algumas poucas colegas se dirigindo para o curso científico na busca de outras áreas de estudo. Quando ingressei no curso de Pedagogia, com apenas dezessete anos, eu o considerei, simplesmente, uma continuação do magistério. Era muito imatura. Durante o curso, interessava-me, principalmente, pelas aulas de Psicologia e, assim, tomei a decisão de fazer este curso e, como a maioria dos jovens que nele ingressam, o meu intuito era a Psicologia Clínica. Durante todo o curso de Psicologia, vi praticamente apenas esta área, mas quando já lecionava na universidade, resolvi juntar a Pedagogia com a Psicologia e trabalhar em Psicologia escolar e educacional.

Witter:

O que ou quem influiu em suas escolhas de área de conhecimento, modelo teórico, área de atuação profissional e de pesquisa?

Guimarães: Na verdade, a minha própria história foi a principal "culpada" por optar pela área educacional. Sempre me impressionou o fato de ter sido uma das melhores alunas das salas por onde passava, sem grandes esforços, pois fui percebendo que o que se exigia do aluno "nota 10" era tão pouco. Aliás, bastava reproduzir o mais fielmente possível o autor estudado ou o pensamento do professor... Outro fator que influenciou a minha escolha foi, ao ir tomando a consciência da precariedade da educação brasileira, de como os estudos em Psicologia poderiam contribuir para a superação de alguns problemas nesta área. Mas, foi na pós-graduação, que ao aprofundar os meus conhecimentos sobre o trabalho de Helena Antipoff, sob a orientação da Profa. Regina Helena de Freitas Campos, que direcionei meus estudos e trabalhos para a formação de educadores. Antipoff de uma forma tão atual, nas décadas de 30/40, chamou a atenção para a necessidade de se investir na formação dos educadores, caso se desejasse transformar o processo de ensinar e de aprender. Como, hoje, o Zeitgeisté outro, além de colaborar na formação teórica e metodológica do professor, o psicólogo escolar trabalha segundo uma visão psicossociológica na promoção de tais transformações. Isto foi aprofundado no Mestrado em Psicologia Social. Trabalhar numa instituição federal de ensino superior, é dedicar-se, principalmente, às questões sociais do nosso povo, transformando o ensino, a pesquisa e a extensão em um grande forum na busca de alternativas para abrandar e, quem sabe, superar as graves questões educacionais pelas quais estamos passando: analfabetismo das letras e das idéias, tecnologias inadequadas, educação bancária e reprodura, aprendizado sem comprometimento social, baixos salários, condições estruturais precárias, isto só para citar algumas destas questões.

Witter:

Na sua atuação profissional o que tem sido mais gratificante? Mais difícil? Mais desestimulante?

Guimarães: Tenho encontrado, nas escolas por onde venho realizando meus trabalhos, pais, educadores, administradores e técnicos educacionais carentes de estratégias para poderem lidar com suas crianças e jovens. Limites, autoridade, sexualidade, drogas, dificuldades de aprendizagem e de interação, são os temas mais solicitados. A Psicologia tem subsídios a dar: teoria e prática. Eles assimilam, tentam, avaliam, passam a compreender melhor os processos psicopedagógigos e psicossociológicos envolvidos na relação aluno/aprendizagem/sociedade. Melhor compreensão, pode possibilitar uma intervenção mais adequada também. Percebo que a escola costuma ser um pouco estabanada em suas ações: mal diagnostica a dificuldade surgida e logo age. Neste sentido, a Psicologia pode "ensinar" a importância de um processo diagnóstico mais amplo e aprofundado na direção de uma ação mais responsável seja com a criança, jovem, sua família, ou mesmo em relação aos projetos pedagógicos e educativos que a comunidade escolar vem desenvolvendo. É muito gratificante poder participar deste processo. Muitas vezes fica difícil levar esta proposta adiante, ao se deparar com uma escola que acredita que o trabalho do psicólogo deve ser o de tratar suas "crianças-problemas", sem mexer com sua estrura e dinâmica, o que segundo seus membros, vai muito bem, obrigada. Mas, como digo aos meus alunos na universidade, é este mesmo o desafio a vencer. Aceitar as demandas emergentes, para poder, posteriormente, ganhar a confiança das pessoas - educadores, administradores e técnicos- para a necessidade de se investir em sua formação para levarem a cabo, com mais competência técnica e interpessoal, a sua tarefa de educar e educar-se também. Aspectos desestimulantes? Não existem, pois continuo no caminho... árduo e complexo e que poderia ser um pouco mais fácil se as políticas educacionais e sociais, como um todo, colaborassem mais

Witter:

Como vê o desenvolvimento da Psicologia Escolar e Educacional no Brasil? E suas perspectivas?

Guimarães: Sabemos, o quanto a Psicologia da Educação faz parte da história da própria Psicologia. Mas quando, nas últimas décadas, a Psicologia optou por um modelo médico, a psicologia educacional recuou na formação e na prática do psicólogo. Hoje, segundo uma visão sistêmica, onde não se compreende mais o indivíduo segundo compartimentos estanques: casa, escola, trabalho, etc., o desenvolvimento psicossociológico das pessoas passa a ocupar lugar de destaque na formação e na práxis do psicólogo. Empresas, comunidades, hospitais e as escolas, passam a fazer parte, cada vez mais deste cenário. A Psicologia Escolar e Educacional ainda não ocupam, com clareza, o seu espaço, nem no ensino nas universidades, nem no trabalho junto às instituições escolares, mas uma demanda cada vez maior, não de emprego, infelizmente, mas de muito serviço emerge de nossas escolas tão desamparadas e tão mal equipadas, inclusive de bem formados educadores. A psicologia tem muito a contribuir neste quadro desolador, principalmente se os próprios psicólogos reconhecerem a importância da escola como formadora de mentes e de corações, de cidadania e de ética. E é necessário que se divulgue e se aplique o já conquistado equipamento teórico e metodológico que a psicologia tem a oferecer tanto no âmbito terapêutico, quanto no preventivo. Certamente mais tecnologias precisam ser criadas e testadas nesta área. O universo é rico.

Witter: Maria Cristina, agradeço muito a sua colaboração. Acredito que muitos poderão usar estas informações para conhecer não só você mas aspectos da nossa área de atuação. Muito obrigada

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2011
  • Data do Fascículo
    2000
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