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Identidade profissional e opção universitária

SUGESTÕES PRÁTICAS

Identidade profissional e opção universitária

Elizabeth Teresa Brunini Sbardelini1 1 Psicóloga e Doutora pela USP-Ribeirão; professora aposentada do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná, e docente da Universidade de Tuiuti do Paraná - Curitiba-PR.

Universidade de Tuiuti do Paraná

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: E-mail: elizabeth.brunini@utp.br

Observa-se que a organização do ensino universitário brasileiro está distanciada das reais necessidades do país. Atualmente as Instituições de Ensino sujeitam- se a oferecer aquilo que já têm, no lugar daquilo que deveriam ofertar, não considerando o profissional que está sendo formado com responsabilidades frente ao crescimento e desenvolvimento do país. Ensina- se aquilo que foi aprendido, num outro contexto, já passado (ou melhor ultrapassado), e, neste sentido, a educação fica reduzida a ensino do tipo reprodutivo, copiado, domesticado, ingênuo, ou como tão bem coloca Paulo Freire (1983): não se constrói o saber, não se questiona o saber, não se aprende a aprender.

Em termos da estruturação da Universidade e das últimas reformas instituídas, existe hoje uma fragmentação do saber, que se entende como articulada às questões ideológicas de saber e poder. Parece que a divisão da Universidade facilita também a divisão do poder, fomentando a formação de especialistas que perdem a noção de conjunto e, conseqüentemente, ficam sem a visão do todo - concreta e objetiva - necessária para que haja reais transformações sociais. Esta especificidade só reforça o academicismo teórico, que pouco contribui, sob esta abordagem, para um exercício compromissado com os problemas da nossa

O próprio concurso Vestibular para o ingresso na Universidade, é um dos exemplos mais ilustrativos da irrealidade que o processo educativo vivencia. Os pelo menos onze anos de escolaridade que precedem a entrada no ensino superior, pouco ou nada preparam o indivíduo para a realidade que o cerca. O jovem, ao terminar o ensino médio praticamente nada adquiriu de útil em sua vida escolar, para o seu cotidiano. Obteve até então uma acumulação de conhecimentos que só serviram para deixá-lo melhor (ou pior) preparado para a concorrência a enfrentar no Vestibular. Em outros termos, como afirma Bohoslavsky (1983), há o divórcio entre o saber e o fazer, entre o conhecimento e a ação, entre a Universidade e a realidade.

Esse distanciamento reflete-se também na estruturação dos currículos que, tal como está, não atende à flexibilidade exigida pelo mercado de trabalho; as profissões de nível superior, numericamente, aproximam-se de 100, enquanto que as ocupações no mercado de trabalho estão em torno dos milhares. Existe ainda um movimento intenso entre as ocupações; algumas desaparecem e outras surgem, numa velocidade tal que seria impossível acompanhar com um sistema educacional estanque, compartimentalizado em especialidades, como o atualmente praticado.

Evasão e Escolha Profissional

O processo educacional vigente provoca reações que têm merecido a atenção não só de pesquisadores da área, como dos representantes governamentais, pois entre outros problemas, surge como extremamente preocupante o fenômeno da evasão, que hoje, nas Universidades brasileiras atinge um índice próximo a 50%. Daí se salienta a importância da questão Escolha Profissional, ou mais especificamente contextualizada, a escolha do curso na Universidade e o problema da Evasão.

Roberto Macedo (1998), em seu livro Seu Diploma, sua Prancha, traz uma imagem bastante forte - porém, muito realista - para ilustrar a atual estrutura educacional universitária e o processo de escolha. Para eles os estudantes são levados à Universidade quase à força, como se fossem bois em boiadas, para este ou aquele curral, que pode ter o nome de faculdade disto ou daquilo, mas freqüentemente significará apenas um matadouro para suas potencialidades.

O estudante escolhe o curso para o qual terá que prestar Vestibular, em plena adolescência, comumente na faixa etária entre 15 e 19 anos. Nesse período, caracterizado por transformações necessárias para formar- se homem, cidadão, o aluno tem que tomar uma decisão de quem já está formado, decisão esta do mundo adulto. O jovem tem que saber, definir o que quer ser com mais ou menos 10 anos de antecedência. Tal poder de prognóstico, previsibilidade, nem a ciência como todos os seus recurso metodológicos, tem condições de fazê-lo sem margem de erro.

Força-se com essa escolha precoce uma união prematura, sustentada por incertezas, indefinições, e o desenlace muitas vezes é catastrófico: são transformados em estudantes e profissionais infelizes, frustrados. A carência de subsídios os conduz a uma escolha pouco acertada e impede uma mudança de percurso.

Essa conjuntura frustrante pode levar o aluno ao abandono de curso e/ou profissão, e à troca de curso e/ou profissão. Na situação de carência de informação, pode-se avaliar a evasão, a troca, como um problema típico de estrutura universitária inadequada e de escolha de curso também inadequada. Nesse sentido, a questão da evasão passa a ser compreendida nesta reflexão sob dois primas: o institucional, representado pela Universidade e sua estrutura e o individual, representado pelo aluno que escolhe.

Evasão e Psicologia

Sabendo que as mudanças na direção desejada são lentas, o que se pode fazer?

O que pode fazer o psicólogo, cujo arcabouço teórico deve estar voltado para as questões da compreensão do comportamento humano, em prol de uma melhor qualidade de vida desses alunos?

Acredita-se que a Psicologia muito possa colaborar se entender a prática profissional do psicólogo no âmbito da promoção da saúde, isto é, trabalhando com o objetivo de que as pessoas possam desenvolver uma compreensão adequada de sua constituição históricosocial, inserida nas relações sociais. Como coloca Bock (1995), o psicólogo deve ter seu trabalho voltado para as condições gerais de vida de uma sociedade, embora atue enfocando a subjetividade dos indivíduos e/ou suas manifestações comportamentais.

Pensar a saúde dos indivíduos significa pensar as condições objetivas e subjetivas de vida, de modo indissociável. Em decorrência e valendo-se dessas considerações, a questão da Evasão da Universidade passa a ser um fenômeno de perspectiva psicológica a ser estudado. Subjetivo, individual, enquanto problemática do aluno que escolhe; objetivo, social, enquanto desencadeado por questões políticas e ideológicas da estrutura do sistema universitário.

Para Bohoslavsky (1977), toda escola implica mudanças, sejam elas de nível, de curso ou papéis; da forma como as pessoas elaboram estas mudanças, depende seu desenvolvimento posterior, situando-se num ponto do contínuo que vai da saúde até a doença, quaisquer que sejam as concepções ligadas a estes dois aspectos. Essa abordagem permite considerar a Escolha Profissional como um fator preponderante para a formação da personalidade, promovendo ou impedindo o seu desenvolvimento influenciando-a de modo peculiar.

Cabe então, à psicologia escolar presente no ensino superior também a tarefa de facilitar a interação e adequação do aluno em seu curso, de modo a minimizar a ocorrência de desajustamentos provocados por escolhas inadequadas geradoras de sofrimento. O psicólogo escolar, atuando no contexto da universidade deve estar favorecendo escolhas mais saudáveis (plano mais subjetivo) e muito provavelmente, reduzindo o índice de evasão (questão mais objetiva, afeta à sua estrutura).

Ao lado disso, essa população, por sua especificidade pode oferecer informações bastantes esclarecedoras e relevantes para a compreensão da questão da evasão, uma vez que, por estar ainda vinculada à Universidade, tem condições de apontar as dificuldades vivenciadas que desencadearam o processo de Reopção.

Evasão e reopção

Segundo alguns pesquisadores do fenômeno evasão, a perspectiva de alcançar a formação superior se mantém presente na maioria dos evadidos (Polydoro, 1995, 2000; Azzi, Mercuri e Moran, 1996). Se isso ocorre, seria interessante e bastante produtivo o investimento da universidade em programas de apoio a esses estudantes, objetivando a permanência do aluno no curso que originalmente ingressou.

Caso isso não seja possível de se concretizar, sugere- se, com base em dados de pesquisa realizada na Universidade Federal do Paraná (Sbardelini, 1997) a possibilidade de Reopção de Curso dentro da própria instituição onde o aluno se encontra. Observou-se na citada pesquisa que a busca de novos cursos evidencia a insatisfação desses alunos com os cursos nos quais estão matriculados, por motivos variados tanto intrínsecos quanto extrínsecos a eles.

O desejo de Reopção, de mudança de curso pelo estudante, reflete talvez a última tentativa de adaptação ao sistema acadêmico, antes de abandoná-lo definitivamente.

Se a obtenção de um diploma universitário permanece como objetivo de vida da maioria dos alunos evadidos, entende-se que tais alunos, na época oportuna, tivessem se deparado com a possibilidade de reopção, acompanhada de um apoio mais efetivo da instituição para identificar suas dificuldades e, conseqüentemente, procurar resolvê-las mas adequadamente, talvez não a tivessem abandonado.

Atender no momento certo o aluno que ainda se encontra na universidade, a fim de orientá-lo quanto a uma decisão mais acertada, definitiva e coerente com a realidade, consubstancia a essência de uma psicologia promotora da saúde.

Assim, embora a Reopção não seja ainda a solução ideal, pois envolveria uma total reestruturação do sistema universitário, é a que no momento permite alguma flexibilidade que pode vir a contemplar os interesses do estudante, mostrando-se mais condizente com as transformações aceleradas da sociedade atual, envolvendo dinamicamente os aspectos econômicos, sócias e educacionais.

CONCLUSÃO

Enquanto não se institucionaliza mudanças mais radicais no sistema, propõe-se que se facilite a mudança de cursos na Universidade.

A mudança de curso, ora viável, deveria estar respaldada por um serviço de psicologia que tenha por objetivo um programa de esclarecimentos, atendimento e orientação dos alunos com dúvidas quanto à decisão, a fim de tornar-lhe oportuno os meios de clarificar e compreender as implicações de suas escolhas. Tal serviço psicológico teria por princípio resgatar a identidade vocacional e profissional do aluno em crise de decisão. Esta identidade se estabeleceria a partir da tomada de consciência do sujeito sobre sua crise, que envolve contradições e ideologias, pelo confronto estabelecido pelas condições individuais institucionais/ sociais.

Ao reconhecer a importância da determinação de suas escolhas, o sujeito estaria mais habilitado para organizar seus projetos de vida de forma mais coerente com a construção de sua identidade.

Atuando nessa realidade psicológica, a psicologia estaria em condições de intervir na universidade e no processo de evasão por meio do aluno, estimulando- o à reflexão sobre a questão da escolha de curso, propiciando condições para que ele se perceba como sujeito concreto, com capacidade de se autoconhecer e de se saber construído e determinado pelas suas relações. Dessa forma, a universidade estaria cumprindo com seu papel social de agência formadora, e, em parceria com a psicologia, buscando a promoção de saúde.

  • Azzi, R. G.; Mercuri, E.; Moran, R. C. (1996). Fatores que interferem na decisão de desistência de curso no primeiro ano de graduação Campinas (Mimeogr.
  • Bock, A. M. B. & Aguiar, W. M. J. (1995). Por uma prática promotora de saúde em orientação vocacional. In: A. M. B. BOCK (Org.). A Escolha Profissional em Questão São Paulo: Casa do Psicólogo, 9-23.
  • Bohoslavsky, R. (1977). Orientação Vocacional: a estratégia clínica. São Paulo: Martins Fontes.
  • Bohoslavsky, R; (Org). (1983). Orientação Vocacional: teoria, técnica e ideologia. São Paulo: Cortez.
  • Freire, P. (1983). Educação e Mudança Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • Macedo, R. (1998). Seu diploma, sua prancha São Paulo: Saraiva.
  • Polydoro, S. A. J. (1995). Evasão em uma instituição de ensino superior: desafio para a psicologia escolar (Dissertação de Mestrado). Campinas, SP: PUCCAMP.
  • Polydoro, S. A. J. (2000). O Trancamento de matrícula na trajetória acadêmica do universitário: condições de saída e de retorno à instituição (Tese de Doutorado). Campinas, SP: UNICAMP
  • Sbardelini, E. T. B. (1997). A Reopção de Curso na Universidade Federal do Paraná (Tese de Doutorado). Ribeirão Preto, SP: FMRP -USP.
  • Endereço para correspondência:

    E-mail:
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    Psicóloga e Doutora pela USP-Ribeirão; professora aposentada do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná, e docente da Universidade de Tuiuti do Paraná - Curitiba-PR.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2001
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