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Competências em tecnologia da informação no ambiente escolar

SUGESTÕES PRÁTICAS

Competências em tecnologia da informação no ambiente escolar

Ronei Ximenes Martins1 1 Licenciado em Matemática. Mestre em Engenharia de Produção - Mídia e conhecimento - pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutorando em Psicologia pela Universidade São Francisco. Docente da graduação e pós graduação lato sensu do Centro Universitário do Sul de Minas nas áreas de educação, psicopedagogia e informática; ronei@unis.edu.br

Centro Universitário do Sul de Minas

É fato a influência das tecnologias na sociedade. Práticas sociais, relações comerciais e a educação são cada vez mais orientadas por e para as tecnologias de informação e comunicação (TIC). Neste contexto, as pessoas devem estar adaptadas aos padrões de uso dos recursos tecnológicos, principalmente no tocante ao exercício profissional. Para tal, é essencial adquirir habilidades e consolidar competências necessárias à utilização de computadores, redes e outros dispositivos telemáticos em diferentes situações. Tais habilidades estão associadas à aplicação dos recursos tecnológicos, ao uso das diversas mídias de comunicação, à busca de informação e à solução de problemas com o auxilio da tecnologia (Joly, 2004; Leu, Mallette, Karchmer & Kara- Soteriou, 2005).

Por já estar em evidência há quase três décadas, o uso da informática (e mais recentemente das tecnologias de comunicação) na educação pode não mais despertar interesse dos profissionais que atuam na área. Aparentemente a situação apresenta-se como solucionada. No Brasil, vários programas de iniciativa do poder público, ao longo da última década, dedicaram- se à capacitação de professores e incorporação de equipamentos no ambiente escolar. As tecnologias de informação estão presentes na escola desde o surgimento dos computadores como produtos comerciais. A principio, em algumas universidades, como objeto de pesquisa e de acesso bastante restrito. Posteriormente como máquinas de ensinar, destinadas aos jovens e adultos e, atualmente, como auxiliares de aprendizagem para crianças, jovens e adultos. As iniciativas, no país, para utilização de tecnologias em atividades de ensino, envolvendo a educação básica começaram na década de 1980 com o projeto EDUCOM (Valente, 2002). Neste período, vários grupos de pesquisa em informática educacional foram constituídos nas universidades brasileiras (Fernandes & Santos, 1999) sendo que o tema possui um acervo considerável de pesquisas.

Contudo, um cenário hipotético pode exemplificar o status quo observável pelos que acompanham criticamente a incorporação das tecnologias nas escolas. Na sala de aula, os alunos estão atentos à professora que escreve com giz no quadro verde, "o pentágono é um polígono convexo de cinco lados" para em seguida desenhar a figura. No mesmo corredor, pouco à frente, uma sala fechada com uma placa na porta onde se lê: "Laboratório de Informática - Uso permitido aos alunos somente com a presença do técnico responsável". Esta situação é a tradução do que pesquisas (Tosta, 2002; Santos, 2003; Joly & Silveira, 2003; Joly, 2004, Joly & Martins, 2005a, 2005b, dentre outros) sobre desempenho docente em tecnologias para educação apontam. Equipar escolas com computadores e oferecer curso de informática educacional aos professores não está se traduzindo em geração de competências para a maioria dos alunos, principalmente nas instituições educacionais públicas.

As habilidades relacionadas ao uso de tecnologia delineiam um novo modelo para a escola. Os recursos oferecidos pelos computadores, pela Internet e outras redes de comunicação evidenciam a necessidade de se estabelecerem vínculos entre os conteúdos das disciplinas escolares, as diversas aprendizagens no âmbito da escola e a realidade cotidiana. Notadamente as informações circulantes são mais ricas em forma e mais diversificadas em conteúdo do que as existentes na escola tradicional (Lévy, 1999; Moran, 2000; Marinho, 2002). Até o advento das tecnologias de informação e comunicação, a escola era o lugar para onde as pessoas se destinavam a fim de adquirir conhecimento sistematizado, o lugar onde estavam as informações mais importantes e o professor era visto, então, como o detentor e provedor de saberes. Com a profusão de mídias e facilidade de acesso oferecido pelas TIC, a escola redefine-se no que diz respeito a ser repositório de informações e o professor passa a ter o papel de mediador e orientador da aprendizagem, devendo ser hábil no uso das tecnologias para a educação. (Casanova, 2002; Belloni, 2002; Joly & Silveira, 2003).

Leu, Kinzer, Cairo e Cammarck (2004) consideram a necessidade de uma nova alfabetização (New Literacy) advinda dos avanços tecnológicos. Ela inclui habilidades, estratégias e disposição necessárias para explorar com sucesso as rápidas mudanças rápidas proporcionadas pelas TIC, de forma a potencializar oportunidades de crescimento das pessoas no trabalho e na vida privada. Segundo estes autores, o construto New Literacy se funda sobre as habilidades básicas de leitora, escrita e lógica matemática (alfabetização) utilizadas nas escolas e que preparam os estudantes para o uso de livros, papel e caneta, ampliando-as para o uso fluente da tecnologia. Segundo os autores, esta nova forma de alfabetização propõe um estado de conhecimento especialista (Expertise) que inclui habilidades relacionadas às novas formas de ler e escrever adaptadas ao hipertexto e hipermídia, à busca e organização de informações utilizando aparato informático, além de habilidades em comunicar-se e interagir utilizando aparato telemático.

Além da necessidade de desenvolver uma nova alfabetização que permita expertiase em tecnologias, a inclusão de TIC no ambiente escolar proporciona versatilidade e profusão de alternativas em praticas educativas, visto que potencializa a aprendizagem dos conteúdos ao oferecer informação através de multimeios sensoriais (Moran, 1994; Gardner, 1996; Moran, 2000). Então, manter estudantes e professores em contato com as tecnologias de comunicação e com os computadores tem dupla ação educativa. Permite gerar competência para operar em um contexto social totalmente influenciado por tecnologias de comunicação e informação e oportuniza formas de aprender relacionadas à significação (Howard, 2002), cognição e metacognição (Casanova, 2002; Howard, 2002). Belloni (2002) confirma estas ações educativas, considerando que pedagogia e tecnologia sempre andaram juntas, pois o processo de socialização das novas gerações inclui, necessariamente, a preparação dos jovens indivíduos para o uso dos meios técnicos disponíveis na sociedade.

A importância do desenvolvimento de competência em tecnologias no ambiente escolar, através da constituição de New Leteracy, tem despertado o interesse de pesquisadores nas áreas de educação e psicologia. Segundo Leu, Mallette, Karchmer e Kara- Soteriou (2005), o construto New Leteracy envolve incorporação de avanços tecnológicos contínuos às habilidades para utilizar tal aparato produtivamente. Um dos focos de investigação neste sentido é a mensuração do desempenho de estudantes e professores em tecnologias de informação e comunicação, considerando a perspectiva da incorporação de competências em tecnologias na formação de crianças e adolecentes.

Já foram desenvolvidos padrões internacionais quanto às habilidades em TIC esperadas das pessoas em cada etapa de formação na escola. Um dos padrões, utilizado pela United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization - UNESCO (2004), com categorias específicas para estudantes, professores e gestores educacionais, foi criado pela International Society for Technology in Education - ISTE (2000), e está sendo adotado nos Estados Unidos da América (EUA) e em outros paises. Este padrão pode ser utilizado como base para obtenção de dados quanto ao desempenho do aluno e do professor em tecnologias de informação e comunicação utilizadas na educação. Também é indicador para elaboração de projetos de incorporação das tecnologias nas atividades cotidianas da escola, indicando ao professor como se utilizar todos os recursos disponíveis para operacionalizar atividades de aprendizagem através de computadores, redes, áudio e vídeo, a fim de explorar a dupla ação educativa de seu uso: aprender o conteúdo e construir New Literacy.

Recente pesquisa realizada pela Organização NetDay (2004) revelou que alunos e professores americanos mantêm hábitos e habilidades similares quanto ao uso da tecnologia para estudar, fruto da adoção dos padrões em tecnologia educacional como orientadores de projetos pedagógicos. Oitenta e sete por cento (87%) dos professores respondeu que considera o domínio da tecnologia muito importante em sua profissão e que o uso dela nas aulas é sua responsabilidade profissional. Setenta e cinco por cento (75%) incorporam constantemente materiais didáticos obtidos na Internet em suas aulas e setenta e oito por cento (78%) consulta periodicamente os padrões estaduais e/ou federais para uso da tecnologia. A maioria dos professores revelou contar com a habilidade dos alunos para suporte às tecnologias na sala de aula. Tal panorama reflete-se positivamente no desempenho dos alunos frente às tecnologias. Pesquisa do National Center for Education Statistics (NCES) do Departamento de Educação dos EUA aponta que 90% das crianças entre 5 e 17 anos usam computadores e que os adolescentes americanos passam mais tempo utilizando Internet do que assistindo à televisão. A grande maioria deles (94%) utiliza a Internet para pesquisas relacionadas à escola e 24% é capaz de criar suas próprias páginas na Internet. O estudo também registrou que 97% dos alunos do jardim de infância (pré-escola na Brasil) já têm acesso ao computador na escola ou em casa (U.S. Department of Education, 2004).

A percepção de que professores hábeis no uso de tecnologias para atividades educacionais induzem esta habilidade nos seus alunos foi constatada por Zhao e col (2001), em estudo sobre as práticas, crenças, atitudes e estilos pedagógicos de professores da educação básica que haviam feito uso inovador da tecnologia em suas escolas e gerado resultados positivos no aprendizado dos alunos. Joly (2004) também registra que somente professores hábeis no uso de tecnologia em situações de ensino-aprendizagem são capazes de levar o aluno a utilizar efetivamente os dispositivos e recursos de forma mais avançada do que em operações básicas, além de demonstrar atitudes mais próximas dos padrões desejáveis estabelecidos pela ISTE.

A psicologia educacional tem relevante contribuição neste contexto. A atuação do psicólogo escolar e educacional, segundo a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional - ABRAPEE, abrange a melhoraria do processo ensino-aprendizagem no seu aspecto global (cognitivo, emocional, social e motor) e caracteriza-se, inclusive, pela intervenção na prática, atuando no ambiente escolar. A análise crítica de como os recursos tecnológicos estão sendo incorporados à prática pedagógica da escola, a adaptação dos padrões internacionais ao projeto pedagógico de cada instituição, a mensurarão periódica do desempenho em tecnologias (new literacy), a avaliação da aquisição de habilidades e competências por professores e alunos, além da pesquisa de novas tecnologias e novas formas de utilizá-las na educação, devem ser parte integrante da agenda de trabalho de todos os profissionais envolvidos com aprendizagem no contexto escolar.

REFERÊNCIAS

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Zhao, Y., Byers, J., Mishra, P., Topper, A., Chen, H., Enfield, M., Ferdig, R., Frank, K., Pugh, K., & Hueysantan, S. (2001) What do they know? A comprehensive portrait of exemplary technology: using teachers. Journal of computing in teacher education 17(2), 24-36.

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    Licenciado em Matemática. Mestre em Engenharia de Produção - Mídia e conhecimento - pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutorando em Psicologia pela Universidade São Francisco. Docente da graduação e pós graduação lato sensu do Centro Universitário do Sul de Minas nas áreas de educação, psicopedagogia e informática; ronei@unis.edu.br
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2005
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