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Entrevista com Marilda Gonçalves Dias Facci

Interview with Marilda Gonçalves Dias Facci

Entrevista con Marilda Gonçalves Dias Facci

HISTÓRIA

Entrevista con Marilda Gonçalves Dias Facci

Entrevistadora: Marilene Proença Rebello de Souza

Marilda Gonçalves Dias Facci é professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. Trabalhou 10 anos como psicóloga escolar na Secretaria de Educação Municipal de Maringá. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia do Ensino e da Aprendizagem, atuando principalmente nos seguintes temas: Psicologia Histórico-Cultural, Educação e Psicologia Escolar.

Considerando que ela é membro da diretoria da ABRAPEE, estando nesta gestão no cargo de Presidente Futura, convidamo-la para ser a nossa entrevistada deste número da Revista Psicologia Escolar e Educacional.

Marilene Proença: Como ocorreu seu interesse pela área de Psicologia Escolar?

Marilda Facci: Na época da graduação, a área escolar, na realidade, era a minha segunda área de preferência. A primeira era a área do trabalho. No entanto, logo que eu me formei, fiz concurso para atuar na Secretaria de Educação do Município de Maringá, fui aprovada e comecei a trabalhar nas escolas municipais. Nessa época, também trabalhei em uma empresa e tinha uma clínica. Tive experiência nas três áreas clássicas da Psicologia, mas, no decorrer dos anos, acabei me formando na área escolar.

Marilene Proença: Como se deu sua formação profissional na área? Quem foram os seus principais interlocutores?

Marilda Facci: Eu costumo afirmar para os meus alunos que, quando nós nos formamos, nós saímos da faculdade psicólogos e que nos tornamos psicólogos escolares a partir dos estudos e experiências que vamos desenvolvendo.

Quando eu entrei na prefeitura, em 1988, tive colegas de trabalho que me auxiliaram muito no começo da carreira. Na época, o setor de Psicologia contava com quatro psicólogas que foram me mostrando o que eu poderia fazer nas escolas.

Eu havia tido uma experiência inicial nas escolas no estágio curricular, mas tinha mais dúvidas do que certezas sobre o que fazer. Esse grupo de psicólogas desenvolvia uma prática inovadora, com uma visão de escola já amparada por pressupostos de uma visão crítica e, principalmente, em nenhum momento, fazia uma intervenção pautada em um modelo clínico. Elas foram minhas primeiras interlocutoras no fortalecimento da jornada na área escolar. Quando eu tinha algum problema na escola, eu ligava para elas e elas me socorriam. Por outro lado, a equipe pedagógica da Secretaria de Educação realizava muitos estudos buscando firmar uma educação progressista para a rede. A defesa do conhecimento era muito presente naquele lugar.

Em 1990, conclui um curso de especialização na UEM denominado "Materialismo Histórico e Psicanálise" e fiz uma monografia, com base nos fundamentos marxistas, sobre o fracasso escolar. Na época da graduação, na disciplina de Filosofia, estudei textos de Marx e autores marxistas e fui me afinando com a forma como eles analisavam os fatos, como compreendiam a realidade vinculada à base material, às relações de classe.

Trabalhei, também, alguns semestres na UEM como professora colaboradora, ministrando disciplinas da área escolar. Era muito bom poder estudar mais e, ao mesmo tempo, levar aos alunos conhecimentos da prática profissional.

Em 1998, conclui o mestrado em Educação e pesquisei sobre o trabalho que nós do grupo de psicólogos realizávamos na prefeitura. O título da dissertação foi "O psicólogo nas escolas municipais de Maringá: a história de um trabalho e a análise de seus fundamentos teóricos". Nessa época, já tinha feito concurso público na UEM e atuava como docente. Após a conclusão do mestrado, me desliguei da prefeitura, porque tinha interesse em me dedicar mais a pesquisa, fazer doutorado e, naquele trabalho, não teria como dar continuidade ao estudo. Foi muito difícil deixar de atuar como psicóloga escolar porque eu gostava muito do trabalho e fiquei nas escolas por um período de 10 anos.

No mestrado, tive acesso às obras de autores da Psicologia Histórico-Cultural e comecei a tentar fundamentar minhas pesquisas e trabalhos nessa perspectiva teórica. Dei continuidade a estes estudos no doutorado, momento em que me dediquei a analisar o trabalho do professor a partir dos pressupostos vigotskianos.

Como você pode ver, fui me fazendo psicóloga escolar, direcionando meus estudos para a área escolar e cada vez mais consciente de que o psicólogo muito pode fazer para que a escola atinja sua finalidade na socialização dos conhecimentos. Os psicólogos da prefeitura e os professores da área de Psicologia Escolar da UEM, juntamente com autores das obras a que tive acesso, contribuíram para que eu me identificasse, definitivamente, com a área escolar. Nesses 25 anos de profissão, percebo que a opção pela área cada vez ficou mais fortalecida, imbricando na constituição da minha personalidade e na forma de compreender a realidade.

Marilene Proença: Que temáticas você pesquisou na área?

Marilda Facci: Na especialização, pesquisei o fracasso escolar. Entrevistei professores dos primeiros anos do Ensino Fundamental para identificar as causas que atribuíam ao fracasso escolar. Ficou claro na pesquisa que eles culpavam alunos e pais pelas dificuldades que as crianças tinham na escola. Pouco mencionaram fatores intraescolares e muito menos a relação escola-sociedade. Já naquela época, influenciada por autores como você, Adriana Marcondes, Patto, entre outros, não aceitava explicações pautadas na Teoria da Carência Cultural. Naquele trabalho, já estava claro para mim, a partir do materialismo histórico e dialético, que havia uma produção do fracasso escolar, principalmente entre filhos da classe trabalhadora.

Vale destacar que, não sei se já te falei isso, fiz um curso com você e a Adriana Marcondes no CONPE - Congresso de Psicologia Escolar e Educacional, em Campinas, no início dos anos 1990. O curso era sobre queixas escolares e lembro muito bem das reflexões que vocês faziam e que colaboraram com o trabalho da nossa equipe de psicólogos na prefeitura, pois estávamos ansiosas por dialogar com pesquisadores e profissionais que empreendiam uma prática que analisasse o contexto escolar, superando intervenções individualizantes. Este foi o primeiro CONPE de que participei, depois disso fui em todas as edições do Congresso.

No mestrado, tratei diretamente do trabalho do psicólogo escolar, resgatando a história da inserção do psicólogo nas escolas municipais e analisando os fundamentos teóricos que guiavam a prática do profissional. A necessidade da fundamentação teórica para a prática sempre se colocou para mim como um ponto muito importante, desde aquela época. Considero, como defende Dermeval Saviani, que, quanto mais sólida for a teoria, mais sólida será a prática desenvolvida. Acho que sempre estive preocupada com a relação dialética entre teoria e prática.

No doutorado, a temática centrou-se no trabalho docente porque, desde a época do trabalho na prefeitura, considerava que o professor era imprescindível para o processo pedagógico e que o psicólogo só conseguiria empreender uma prática em prol da transmissão-assimilação dos conhecimentos se nos aliássemos aos professores. Busquei fazer uma análise crítica da Teoria do Professor Reflexivo e do Construtivismo, demonstrando que essas teorias esvaziavam o trabalho do professor. Em contrapartida, me aprofundei nos pressupostos vigotskianos para demonstrar o quanto o trabalho mediador do professor, na transmissão do conhecimento científico, provoca o desenvolvimento psicológico dos alunos, buscando valorizar, na tese, a atividade docente.

Após o doutorado, pesquisei e orientei projetos de iniciação científica, monografias e dissertações sobre temáticas relacionadas à Psicologia e Educação, tais como: avaliação psicológica, constituição da subjetividade, formação de professores, atuação do psicólogo escolar no Paraná, atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior, superdotação, periodização do desenvolvimento humano e relação desenvolvimento e aprendizagem. O norte teórico tem sido a Psicologia Histórico-Cultural.

No pós-doutorado, estou estudando o processo de avaliação psicológica e o método instrumental, com base vigotskiana.

Marilene Proença: Que experiências você menciona como mais significativas no campo da Psicologia Escolar e que contaram com sua participação direta?

Marilda Facci: Essa é uma pergunta difícil. Penso que o trabalho na docência, a participação em eventos e os cursos de formação de professores, tratando de temáticas da Psicologia e Educação, podem contribuir para que a Psicologia Escolar faça o que Vigotski propunha já em 1924-26: oferecer subsídios para a Pedagogia acerca da relação desenvolvimento e aprendizagem.

Costumo dizer para os alunos que o psicólogo escolar tem que ter muita resistência à frustração porque ele não consegue dimensionar até onde sua intervenção provocou alguma modificação no aluno, nos pais, nos professores. Quando participamos de um curso de formação de professores na escola, quando orientamos pais, atendemos um aluno, não temos como medir o quanto nossa ação provocou alguma modificação nos sujeitos. Eu acredito que, se o psicólogo tiver uma visão crítica da realidade, se for guiado por uma concepção que adote a historicidade como eixo principal para entender os fatos humanos, ele pode contribuir para a humanização dos indivíduos.

Em nível mais concreto, talvez a minha contribuição tenha sido a produção e divulgação de pesquisas que buscam se contrapor a uma visão naturalizante e individualizante das queixas escolares, estudos que procurem demonstrar o quanto fatores histórico-sociais produzem os homens da forma que se apresentam. Saviani afirma que a Psicologia precisa trabalhar com o homem concreto, síntese das relações sociais, e não o homem abstrato. Defender e divulgar essas ideias, do meu ponto de vista, pode contribuir para que a Psicologia ocupe um lugar que foge da simples denúncia, da estigmatização, da mensuração, tão presentes na história da inserção da Psicologia na escola.

Também é importante mencionar a minha atuação do Grupo de Trabalho - GT - de Psicologia da Educação nas reuniões anuais da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação - ANPEd. Tenho frequentado essas reuniões desde 1999, quando apresentei minha pesquisa de mestrado. Atualmente, sou coordenadora desse GT.

Participar também da ABRAPEE, já da diretoria nas últimas duas gestões, e lutar pelo desenvolvimento da atuação e pesquisas que primem pela emancipação de todos, considero que podem ser um bom caminho em prol do fortalecimento da Psicologia Escolar e Educacional.

Marilene Proença: Do seu ponto de vista, quais seriam as principais questões a serem enfrentadas ainda pela Psicologia Escolar e Educacional?

Marilda Facci: São vários os enfrentamentos que temos que fazer. Cada época histórica gera necessidades e comportamentos diferenciados que carecem de entendimento e atendimento.

Romper definitivamente com o modelo clínico me parece ser fundamental. Na pesquisa que você realizou buscando analisar e descrever a atuação do psicólogo escolar em sete estados brasileiros, da qual participamos, mais efetivamente lidando com dados do Paraná, constatamos o quanto muitos psicólogos ainda continuam fazendo uma prática guiada pelos moldes clínicos.

Outro ponto fundamental é que não podemos nos calar diante da medicalização que assola a escola. Temos que nos posicionar contra a patologização do ensino, temos que retomar a análise crítica iniciada por Patto nos final dos anos 1990 e continuada por vários pesquisadores, tais como Elenita Tanamachi, Marisa Meira, Adriana Marcondes, Sonia Shima Barroco, Maria Aparecida Moyses, Silvana Tuleski, entre outros que mostravam a visão ideológica que permeava as explicações para o fracasso escolar. Não podemos deixar que o crescimento de diagnósticos de distúrbios de aprendizagem cerre nossos olhos para a pauperização do ensino, para a falta de condições objetivas para que professores possam ensinar e alunos possam aprender. Não podemos cair nesta cilada ideológica e achar que, novamente, a culpa é do aluno que não se interessa pela escola; que o professor é culpado porque não utiliza metodologias adequadas; ou que os pais são culpados porque não acompanham a vida dos filhos. Temos que alargar nosso olhar e compreender que a divisão de classe não possibilita que todos os indivíduos tenham acesso igualitário a bens de consumo e culturais. São muitos os desafios que precisam ser resolvidos na coletividade.

Marilene Proença: Fazendo parte da diretoria da ABRAPEE, que desafios você considera que estão postos para a Associação?

Marilda Facci: Parece-me que é dar continuidade às ações que estão sendo desenvolvidas na Associação, como, por exemplo, acompanhar os projetos de lei que estão tramitando em nível municipal, estadual ou federal que tratam da inserção do psicólogo na escola.

Outra ação é acompanhar projetos de lei que tramitam nestas instâncias mencionadas e que tratam dos distúrbios de aprendizagem, das dislexias, dos TDAH - transtornos e déficits de aprendizagem e hiperatividade, por exemplo. A comunidade precisa estar atenta a estes projetos que, em minha opinião, ao invés de trazerem mais direitos aos alunos, estão retirando deles o direito de ter acesso ao conhecimento. O Fórum contra a medicalização das sociedades, no qual a ABRAPEE tem tido voz ativa, me parece que é uma forma adequada de contraposição.

No dia a dia, parece-me que devemos dar continuidade às orientações que temos dado a estudantes e profissionais que procuram a Associação com dúvidas e com solicitações vinculadas à atuação e pesquisa na área de Psicologia Escolar.

São várias as ações, mas também são várias as conquistas que a Associação vem tendo nos últimos anos, marcando sua presença com discussões que ampliam a compreensão que se tem do processo educativo na intersecção com o desenvolvimento do psiquismo.

Entrevistadora: Marilene Proença Rebello de Souza Marilda Gonçalves Dias Facci (mgdfacci@uem.br)

Universidade Estadual de Maringá.

Marilene Proença Rebello de Souza (marileneproenca@hotmail.com)

Universidade de São Paulo.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011
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