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Lev Vigotski - Coleção de vídeos de autoria de Marilene Proença e Marilda Facci: à guisa de resenha

Lev Vigotski - colección de videos: a modo de reseña

Lev Vigotski - a video collection: by way of review

RESENHA

Lev Vigotski – Coleção de vídeos de autoria de Marilene Proença e Marilda Facci: à guisa de resenha

Lev Vigotski – a video collection: by way of review

Lev Vigotski – colección de videos: a modo de reseña

Mitsuko Aparecida Makino Antunes

Professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, atuando no Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: Psicologia da Educação

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Mitsuko Aparecida Makino Antunes Rua Ministro Godoi, 969, Perdizes – CEP - 05015-901 São Paulo, SP – Brasil. E-mail: miantunes@pucsp.br

Souza, M. P. R., & Facci, M. (Orgs.). (2011). Lev Vigostski [DVD - Coletânea 4 vols.]. São Paulo: Atta Mídia e Educação.

A primeira questão é se caberia denominar de resenha algo que se refere a uma coleção de filmes. Recorrendo ao Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, encontramos para "resenha", entre outras definições, "(...) descrição feita com detalhes, com pormenores; (...) análise crítica ou informativa de um livro (...)", e como sinônimos: "(...) descrição, notícia, panorama (...)". Este texto pretende ser uma descrição, com vistas a informar, dar notícia, traçar um panorama dos vídeos e, ainda, um ensaio de análise. Embora uma das definições refira-se a livro, as demais não impõem esse limite. Acredita-se, assim, não ser inadequado considerar este texto como uma resenha.

Apresentação dos vídeos

A coleção compõe-se de quatro DVDs, com os seguintes títulos e tempo de duração de cada um dos volumes:

(1) Questões históricas e metodológicas [26m15s; quatro capítulos: Uma nova psicologia; Vigotski: biografia; Importância da escola e Fundamentos teóricos].

(2) O desenvolvimento do psiquismo [cinco programas: (a) Medicalização: respostas biológicas para questões sociais, com 16m07s; (b) Funções psicológicas superiores, com 21m21s; (c) A neuropsicologia e a visão luriana, com 14m41s; (d) A emoção e o processo educativo, com 11m31s, e (e) Periodização do desenvolvimento humano, com 16m46s].

(3) Implicações educacionais da psicologia histórico-cultural - PHC [cinco programas, a saber: (a) A escola e a socialização dos conhecimentos, com 13m35s; (b) Relação entre desenvolvimento e aprendizagem, com 22m18s: (c) PHC e o psicólogo escolar, com 16m59s; (d) PHC e a matemática, com 17m53s, e (e) Projeto político-pedagógico, com 16m35s].

(4) Educação especial e queixas escolares [quatro programas: (a) A inclusão em uma sociedade socialista, com 19m56s; (b) Defectologia, com 20m41s; (c) A queixa escolar e a atuação do psicólogo, com 18m34s, e (d) Avaliação das queixas escolares, com 19m01s].

Os vídeos são constituídos por entrevistas, dirigidas por suas autoras, Marilene Proença e Marilda Facci, que se apresentam mais como diálogo e debate entre entrevistador e entrevistado, imprimindo uma dinâmica e uma vivacidade que tornam os filmes fluidos e interessantes. Além disso, os vídeos são ilustrados com efeitos visuais e fotos, que dão leveza ao filme e constituem-se em elemento didático importante para a compreensão de conteúdos complexos, difíceis e, principalmente, que tentam mostrar a dialeticidade implicada na teoria e em sua mediação com os temas tratados. Esse é o motivo porque se defende que essa coleção de vídeos tem um inestimável valor para o ensino da psicologia e para a formação de professores.

Conteúdos

Os dois primeiros volumes abordam questões teóricas e os demais, as implicações práticas da teoria, mas isso não ocorre de maneira dicotômica, cumprindo-se a difícil tarefa de estabelecer, a cada passo, as articulações entre os fundamentos epistemológico-metodológicos do materialismo histórico-dialético – MHD, as bases teóricas da PHC e as implicações práticas relativas, sobretudo, à educação e aos processos de escolarização.

Há uma crítica recorrente de que produções intelectuais que se definem como sustentadas no método do MHD nem sempre o são de fato, não conseguindo incorporar em seu processo de elaboração e exposição as categorias e as mediações necessárias para que possam proclamar-se como tal. Não é o caso da coleção Lev Vigotski. Há, pelo contrário, uma espiral dialética, em que sistematicamente volta-se para as categorias da PHC e, principalmente, para a base do MHD, com especial destaque para a historicidade como condição para a compreensão do psiquismo em sua concreticidade. Só esse motivo já é suficiente para se afirmar que esses vídeos trazem uma contribuição ímpar para o campo da psicologia e para a difusão responsável da teoria.

Seguem abaixo a descrição e um breve ensaio analítico de cada um dos volumes da coleção Lev Vigotski.

Volume 1: Questões históricas e metodológicas

Um dos principais problemas que cercam a difusão da PHC é o aligeiramento de conceitos e categorias, que deturpam a teoria e, por consequência, as práticas que supostamente nela se sustentam. Além do problema das traduções em português, é principalmente o desconhecimento dos fundamentos epistemológico-metodológicos, a base materialista histórico-dialética, que produz interpretações equivocadas, superficiais e inconsequentes, que oscilam entre uma visão idealista e uma visão mecanicista (tão extensiva e profundamente criticadas por Vigotski), com sérias implicações para a práxis educativa e para o desenvolvimento da teoria. É nesse aspecto, o de apresentar uma breve, mas consistente, exposição desses fundamentos, que esse vídeo mostra seu diferencial. Não se limita, porém, a esse aspecto, mas, como já foi dito, essa fundamentação é chamada em todos os programas para explicar a teoria e empreender as mediações entre esta e as práticas em discussão.

O vídeo é constituído por quatro capítulos: Uma nova psicologia; Vigotski: biografia; Importância da escola e Fundamentos teóricos. Não há uma entrada específica para cada capítulo; eles são tratados em sequência, o que permite ao espectador acompanhar a articulação entre eles. São abordadas três grandes questões, que são necessárias para se compreender a gênese da teoria: a defectologia tal como proposta por Vigotski; a psicologia geral, a cultura e o papel da educação; a psicologia para a construção de uma nova sociedade. Esse vídeo traz entrevistas com Silvana Calvo Tuleski e Marta Ofélia Shuare, que contribuem para explicitar os fundamentos do MHD e a realidade histórica na qual esse pensamento foi engendrado, que tem como projeto a construção de uma nova sociedade, projeto este que está na base da PHC. Deve-se sublinhar que, para cada um dos temas tratados, é destacado um texto de Vigotski no qual estes são trabalhados. Chama a atenção também a beleza das imagens que mostram a realidade histórica na qual a teoria se constituiu, a Revolução Russa.

Volume 2: O desenvolvimento do psiquismo

Esse vídeo é composto por cinco programas. O primeiro programa, Medicalização: respostas biológicas para questões sociais, baseia-se numa entrevista com Helvio Moisés, que expõe uma história crítica da biologia que floresce em meados do século XIX. É uma exposição muito clara e interessante, sem correr o risco de perder a profundidade e a complexidade do tema. Outra entrevista, com Nádia Mara Eidt, aborda o problema do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade – TDAH, explicitando as duas abordagens vigentes: organicista e histórico-cultural, com as implicações que cada uma tem para o desenvolvimento e para o processo de escolarização de crianças que têm sido "diagnosticadas" com esse "transtorno".

O segundo programa do vídeo aborda as Funções psicológicas superiores e compõe-se de entrevista com Lígia Márcia Martins que expõe o fundamento teórico-metodológico que afirma a interação social e a cultura, em contraposição às ideias que postulam a maturação biológica como determinante do desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

O programa A neuropsicologia e a visão luriana é apresentado por Silvana Tuleski e trata da relação entre a neuropsicologia e a educação. A entrevistada mostra que Luria posicionou-se contra o "localizacionismo", defendendo a ideia de sistemas funcionais no desenvolvimento psiconeurológico humano. É tratado o déficit de atenção e como a escola pode contribuir para o desenvolvimento da atenção voluntária.

O quarto programa é A emoção e o processo educativo, tendo Gisele Toassa como entrevistada. Mostra as emoções como função psicológica complexa, que se inter-relaciona com a memória, a atenção e outras funções, articulando as questões relacionadas à emoção e ao sentimento com os processos de escolarização, acenando para a importância dessas formulações para a construção de um projeto de educação. É muito interessante a relação que Toassa faz entre educação, arte e desenvolvimento das emoções. Por sua relevância, esse tema merece um vídeo específico.

O último programa do vídeo, Periodização do desenvolvimento humano, tendo como entrevistada Marilda Facci, trata de um tema necessário e recorrente nas discussões sobre a PHC, em geral tratado superficialmente. São abordados os conceitos de desenvolvimento, atividades principais, adolescência e crise e fase adulta. Facci parte de Marx, para quem as "mudanças nas condições concretas de vida mudam o homem", desenvolvendo o conceito de atividades principais ou dominantes, elaborado por Leontiev e Elkonin, como atividades que governam a vida da criança num dado momento de sua vida, "no sentido de guiar o desenvolvimento psicológico". Esse tema merece, como o anterior, um vídeo específico, pois é uma questão pouco discutida e cercada de equívocos.

Volume 3: Implicações educacionais da psicologia histórico cultural

O terceiro vídeo é composto por cinco temas. No primeiro vídeo, A escola e a socialização dos conhecimentos, é entrevistado Newton Duarte, que trata das relações entre a PHC e MHD, fazendo um cotejamento entre a PHC , a epistemologia genética e a formação do indivíduo, com ênfase na categoria trabalho. Duarte contrapõe a PHC à epistemologia genética de Piaget, tratando da atividade humana, da relação trabalho e alienação, além do compromisso com a transformação da sociedade capitalista em sociedade socialista.

O segundo tema é a Relação entre desenvolvimento e aprendizagem, cuja entrevistada é Marilda Facci. São abordados os temas: zona de desenvolvimento próximo; conteúdo, apropriação e desenvolvimento; Vigotski e Piaget e compromisso político. Esse programa apresenta questões essenciais como base teórica para a atuação do professor e suas implicações para a superação de muitos dos problemas recorrentes da escola e do processo de escolarização. Essa concepção de psicologia é relacionada à pedagogia histórico-crítica, relação esta necessária para o entendimento dessa proposta teórico-prática. O vídeo traz ainda uma entrevista com a professora Marta Chaves, na escola, explicitando as implicações da teoria em sua prática pedagógica.

O terceiro tema é PHC e o psicólogo escolar, que trata das contribuições da teoria para a psicologia escolar e da PHC e a educação, com base em entrevista com Marisa Meira. Entende o objeto da psicologia escolar como o encontro entre sujeito humano e educação, sem perder a perspectiva da psicologia e com o olhar para a prática educativa. A entrevistada fala de alguns mitos em educação, mostrando como os pressupostos vigotskianos podem desfazê-los e contribuir para a superação dos problemas da educação.

O quarto tema compõe-se de entrevista com Manoel Oriosvaldo de Moura e trata da PHC e a matemática, abordando os pressupostos da PHC e a didática; didática e conteúdo; historicidade e atividade orientadora de ensino. Discorre sobre vários conceitos da PHC, demonstrando sua articulação com o ensino da matemática. A entrevista é uma das mais interessantes, principalmente porque aborda o ensino da matemática, uma área que é tradicionalmente problemática na educação e, além disso, por se tratar de tema ainda pouco trabalhado no âmbito dessa abordagem da psicologia. Esse tema é outro que merece ser aprofundado nos próximos vídeos, com a sugestão de que outras áreas do conhecimento possam também ser trabalhadas a partir da PHC, o que se constituiria num recurso extremamente rico para a formação de professores, além de ser uma contribuição efetiva para a ampliação do conhecimento na área.

Por fim, o vídeo trata do tema Projeto político-pedagógico, sendo entrevistada Flávia Asbahr, que aborda os conceitos de significado e sentido na atividade pedagógica e sua relação com a elaboração e implementação do projeto político-pedagógico. Asbahr discorre sobre a cisão entre significado e sentido na atividade docente, abordando o problema do adoecimento do professor e a fragmentação de sua consciência.

Volume 4: Educação especial e queixas escolares

Se os três primeiros vídeos são indiscutivelmente relevantes para a difusão da PHC com precisão terminológica e conceitual, esse último vídeo vem, além disso, suprir a carência de recursos que discutam e articulem as questões relacionadas ao educando com deficiência.

O primeiro programa, coerente com a perspectiva que atravessa toda a coleção de vídeos, introduz o tema a partir da história, explicitando a gênese dessa formulação, com o título A inclusão em uma sociedade socialista, na entrevista com Sonia Shima e Maria Ângela Bassan Sierra.

Em seguida é tratada a Defectogia, tendo como entrevistado Guillermo Arias Beatón, que explana sobre os pressupostos gerais para a educação das pessoas com ou sem deficiência, o que permitiria a inclusão plena. Ênfase é dada aos recursos mediadores, que regem o desenvolvimento humano – para todos – por meio dos instrumentos culturais. Para ele, é necessário considerar o desenvolvimento em sua integralidade como fundamento para uma educação que permita à criança aprender e a se desenvolver.

O terceiro programa é A queixa escolar e a atuação do psicólogo, em que Marilda Facci é entrevistada por Marilene Proença. Um dos temas expostos é a avaliação psicológica, pois esta é uma demanda recorrente dos encaminhamentos da escola para o psicólogo. Defende-se a avaliação do processo e não do produto, com base numa análise explicativa e não descritiva, procurando identificar que mediações foram realizadas com a criança para apreender o processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Entendem que avaliar é considerar as relações entre desenvolvimento e aprendizagem, as funções psicológicas superiores e o desenvolvimento próximo, num processo que deve ser dialogado, com a participação da criança, pais e professores.

Marilene Proença fala, em seguida, sobre a Avaliação das queixas escolares. Propõe, para isso, uma visão ampliada, em oposição à visão organicista e medicalizante, devendo-se questionar o que a escola está oferecendo para essa criança para que ela não se beneficie de seus recursos. É preciso investir na aprendizagem, já que é esta que produz o desenvolvimento. Esse programa tem relevância para a educação e explicita formulações que, se apropriadas por professores, certamente produzirá um impacto significativo no processo de escolarização. As ideias apresentadas nesse programa prestam um grande serviço à educação, demonstrando as relações entre aprendizagem e desenvolvimento, em que a primeira produz a última, contrapondo-se e invertendo os polos da questão, cujas implicações podem ser consideradas revolucionárias em educação.

Considerações Finais

Essa coleção de vídeos vem satisfazer uma demanda já antiga na área. Um dos maiores problemas que a psicologia escolar e a psicologia educacional enfrentam é o recorrente aligeiramento teórico, cuja implicação na educação é por todos sabida. Autores e conceitos são utilizados de maneira vaga e, não poucas vezes, erroneamente. O maior problema enfrentado por essa abordagem é o "consumo" da teoria ou, melhor dizendo, de conceitos fragmentados, confundidos e mesclados ao senso comum, com o pior de todos os agravantes, que é o desconhecimento dos fundamentos epistemológicos e metodológicos, sem os quais não é possível afirmar que se trata de fato da PHC. Vieses idealistas ou mecanicistas são recorrentes mesmo entre pesquisadores e educadores que se dedicam à abordagem. Não é possível a compreensão da teoria histórico-cultural sem a base teórico-metodológica do materialismo histórico e dialético.

Essa é uma das mais importantes contribuições desse trabalho. Em cada programa as categorias são retomadas e concretizadas em cada conceito ou implicação prática discutida. Há uma preocupação recorrente em cada entrevista com os fundamentos dos conceitos trabalhados. Só esse motivo é suficiente para afirmar a relevância desse trabalho. Mas há outros. Já foi discutida a importância desse recurso para o ensino da psicologia. Mas há também outra possibilidade (ou necessidade) de uso desses vídeos: a formação de professores.

Extrapola o âmbito de uma resenha, mas a sugestão é de que esses vídeos pudessem ser adquiridos por secretarias de educação, estaduais e municipais, embora não baste apenas passá-los aos professores, mas serem trabalhados por profissionais com domínio teórico para serem exaustivamente cotejados com a realidade de sala de aula. Creio que, assim, se cumpre a finalidade que, embora não expressa, é um dos motivos pelos quais esses vídeos foram produzidos.

Para finalizar, como já foi dito na análise de cada um dos capítulos, essa coleção deve ser continuada, explorando outros aspectos e aprofundando algumas questões que são de relevância para a difusão do conhecimento e como fundamento para a prática educativa.

Recebido em: 24/06/2013

Aprovado em: 29/06/2013

  • Endereço para correspondência:
    Mitsuko Aparecida Makino Antunes
    Rua Ministro Godoi, 969, Perdizes – CEP - 05015-901
    São Paulo, SP – Brasil.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
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