Acessibilidade / Reportar erro

A liga acadêmica como ferramenta da formação em Psicologia: experiência da LAPES

The academic league as a tool in psychology training: The LAPES experience

La liga académica como herramienta de la formación en psicología: experiencia de LAPES

Resumos

Mediante uma revisão literária, este artigo trata do surgimento da Psicologia como profissão, que se deu conjuntamente com a construção do campo da Psicologia Educacional e Escolar. Nesse contexto, tem-se como objetivo problematizar a relevância formativa de uma liga acadêmica na construção de uma prática e de uma teorização acerca dos espaços educacionais formais e não formais. Foi realizado um mapeamento quantitativo das Ligas Acadêmicas de Psicologia existentes, visando a uma contextualização histórica que represente o quadro brasileiro. A partir deste quadro, aprofunda-se a discussão sobre a LAPES e sua importância como instrumento formativo para graduandos em Psicologia.

Formação do psicólogo; universidade; psicologia escolar


In this article we analyze the emergence of psychology as a profession, linked to the construction of the field of Educational/School Psychology. In this context, we aim at questioning the relevance of an Academic League in building a practice and a theory on formal and informal educational spaces. We conducted a quantitative mapping of existing Psychology Academic Leagues, aiming at historical context that represents the Brazilian scenario. From this framework we intend to deepen the discussion on LAPES and its importance as a tool for training graduate students in psychology.

Psychologist education; university; school psychology


Mediante una revisión literaria, este artículo trata del surgimiento de la Psicología como profesión, que se dio conjuntamente con la construcción del campo de la Psicología Educacional/Escolar. En ese contexto, se tiene como objetivo problematizar la relevancia formativa de una liga académica en la construcción de una práctica y de una teorización acerca de los espacios educacionales formales y no formales. Fue realizado un mapeo cuantitativo de las Ligas Académicas de Psicología existentes, visando a una contextualización histórica que represente el cuadro brasileño. A partir de este cuadro, se profundiza la discusión sobre la LAPES y su importancia como instrumento formativo para graduandos en Psicología.

Formación del psicólogo; universidad; psicología escolar


A atuação das(os) psicólogas(os) na área educacional no Brasil e o seu desenvolvimento como teoria e prática foram marcados por momentos significativos, atrelados à construção histórica da Psicologia e pelas influências predominantes do modelo médico na área da saúde e na formação acadêmica das profissões do campo. Em 1962, a regulamentação da Psicologia como ciência e profissão ocasionou modificações na formação do psicólogo. Na época predominavam a Psicologia Clínica e a ênfase na avaliação psicológica e mensuração das características particulares das pessoas. Na década de 1980 houve contundentes críticas às práticas predominantes e à sua pouca eficácia para a transformação das situações existentes, especialmente daquela referente à identidade da(o) psicóloga(o). Além disso, julgava-se necessário diversificar as intervenções na educação, marcadas pelas influências vigentes.

No decorrer de sua trajetória, a Psicologia Escolar e Educacional vem apresentando muitas modificações e conquistas. Em 2004, as mudanças nas diretrizes curriculares e a aquisição de competências e habilidades para a formação e o exercício profissional da Psicologia possibilitaram reflexões sobre novos parâmetros para a atuação e a constituição de disciplinas que correlacionassem a Psicologia e a Educação. Também há muitos desafios a serem superados e perspectivas a serem pensadas, como a psicologização da Educação.

Acadêmicos da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), interessados na área da Psicologia voltada à Educação, fundaram em 2011 a Liga Acadêmica de Psicologia Escolar (LAPES), com vista a criar um espaço de discussão, construção, interação e atividades práticas extracurriculares na formação dos alunos da graduação em Psicologia. Esses acadêmicos foram levados a tomar essa iniciativa pela necessidade de criar novas possibilidades de adquirir competências e habilidades para a formação e atuação das(os) futuras(os) psicólogas(os) na Educação e para a articulação dos profissionais nos grupos de trabalho e nas publicações cientificas na área.

O objetivo deste artigo é descrever a trajetória da Liga LAPES até o momento atual: sua constituição, suas conquistas e realizações práticas que foram preponderantes para o aprimoramento dos acadêmicos participantes e alguns aspectos relevantes no tocante à formação da(o) psicóloga(o) escolar e educacional no Brasil e suas contribuições e a exposição de um levantamento sobre a formação de Ligas Acadêmicas na formação e graduação dos alunos do curso de Psicologia no Brasil.

A Formação da(o) psicóloga(o) escolar e educacional

A regulamentação da Psicologia em 1962 e o aprimoramento da formação dos profissionais da área possibilitaram o estabelecimento de diretrizes curriculares e o delineamento das atribuições e funções pertinentes à atuação do psicólogo. As instituições que ministravam os cursos privilegiavam a área da Psicologia Clínica em relação às demais, com ênfase na avaliação e mensuração das características singulares das pessoas e com base nos pressupostos do modelo médico de cura e atendimento individual. A constituição da identidade do psicólogo como profissional liberal também influenciou seu processo de formação e atuação (Cruces, 1998, citado por Cruces, 2010Cruces, A. (2010). Psicologia e Educação: Nossa história e Nossa Realidade. Em S. F. C. de Almeida (Org.). Psicologia Escolar: Ética e competências na formação e atuação profissional (pp. 17-36). Campinas, SP: Ed. Alínea.).

Conforme a supracitada autora, nesse período a Psicologia Educacional passou a ser pouco escolhida pelos discentes em formação e poucos profissionais já formados a exerciam, por isso as oportunidades de trabalho eram escassas. As disciplinas relacionadas à Psicologia, à Educação e a problemas de aprendizagem apresentavam as situações-problema corriqueiras, como o fracasso escolar. Enfatizavam especialmente o problema da exclusão social e a forma como as pessoas interagiam com o meio e tratavam do processo de ensino e aprendizagem e dos fatores que influenciam o desenvolvimento do ser humano (Cruces, 2010Cruces, A. (2010). Psicologia e Educação: Nossa história e Nossa Realidade. Em S. F. C. de Almeida (Org.). Psicologia Escolar: Ética e competências na formação e atuação profissional (pp. 17-36). Campinas, SP: Ed. Alínea.).

Ainda de acordo com a autora, na década de 1980 as perspectivas teóricas e práticas predominantes começaram a receber críticas por sua ineficácia na transformação das situações existentes. Souza e Rocha (2009Souza, M. P. R., & Rocha, M. L. (2008). Políticas Educacionais: legislação, formação profissional e participação democrática. Em Conselho Federal de Psicologia (Org.), Ano da Psicologia na Educação: textos geradores (pp. 27-48). Brasília: CFP.) afirmam que os profissionais envolvidos na área da Educação incorporaram as críticas dirigidas à Psicologia e formaram a concepção de que a atuação do psicólogo deveria restringir-se à área da saúde, exercendo apenas atividades médico-assistenciais, em articulação com outros profissionais da área da saúde, contrapondo-se assim aos profissionais escolares.

Mesmo com o uso predominante do psicodiagnóstico e da avaliação psicológica e com sua marca evidenciada nas práticas psicológicas, o campo educacional necessita de intervenções que incluam atuações diversificadas e inovadoras, baseadas numa visão crítica sobre os sistemas educacionais vigentes e atreladas ao ambiente sociocultural dos indivíduos e, especialmente, aos aspectos relacionados com a constituição subjetiva destes indivíduos. As novas perspectivas de atuação profissional estão associadas à formação e ao preparo dos profissionais em Psicologia. Novas propostas encontradas nas Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação salientam a necessidade de uma formação mais abrangente, pluralista e baseada em teorias e epistemologias que possam sustentar as práticas profissionais em articulação com a realidade sociocultural (Cruces, 2010Cruces, A. (2010). Psicologia e Educação: Nossa história e Nossa Realidade. Em S. F. C. de Almeida (Org.). Psicologia Escolar: Ética e competências na formação e atuação profissional (pp. 17-36). Campinas, SP: Ed. Alínea.).

As Diretrizes Curriculares construídas ao longo dos anos alcançaram o cenário nacional no ano de 2004, propondo novas modificações no currículo mínimo no que se refere aos princípios, objetivos e metas estabelecidos nos Parâmetros Curriculares Nacionais - baseados na concepção construtivista de aprendizagem. Entretanto, o currículo precisa abranger a aquisição de competências e habilidades para a formação e o exercício profissional, bem como estabelecer ênfases curriculares que possam ser escolhidas pelos alunos nos últimos anos da formação, devendo incluir aspectos de duas ou mais áreas interligadas. As Diretrizes Nacionais têm enfatizado a atuação profissional, a pesquisa e o ensino em Psicologia partindo de alguns pressupostos, como a compreensão da multiplicidade referencial sobre o fenômeno psicológico e suas interfaces, a construção científica em Psicologia, a compreensão sobre os fenômenos sociais, econômicos, políticos e culturais e de cidadania do País e uma atuação em diferentes contextos que leve em consideração as necessidades naturais os direitos humanos e outros aspectos da atividade educacional (Souza,& Rocha, 2009Souza, M. P. R., & Rocha, M. L. (2008). Políticas Educacionais: legislação, formação profissional e participação democrática. Em Conselho Federal de Psicologia (Org.), Ano da Psicologia na Educação: textos geradores (pp. 27-48). Brasília: CFP.).

Desde então, vêm sendo pensadas novas perspectivas de atuação do psicólogo na área educacional, com a inclusão de disciplinas como Psicologia na Educação, Psicologia e Educação, Psicologia Educacional ou Psicologia Escolar. Estas disciplinas foram estabelecidas para demonstrar a existência de locais - como a escola e espaços não formais - em que o profissional pode desempenhar seu trabalho de acordo com os pressupostos teóricos e metodológicos da Psicologia, especialmente aqueles que visam abarcar a complexidade das situações e problemas que marcam os espaços escolares (Cruces, 2010Cruces, A. (2010). Psicologia e Educação: Nossa história e Nossa Realidade. Em S. F. C. de Almeida (Org.). Psicologia Escolar: Ética e competências na formação e atuação profissional (pp. 17-36). Campinas, SP: Ed. Alínea.).

Para Maluf e Cruces (2008Maluf, M. R., & Cruces, A. V. V. (2008). Psicologia educacional na contemporaneidade. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, XXVIII, 87-99.), torna-se relevante ressaltar que há poucas referências sobre essas novas práticas, embora ações compatíveis com a nova perspectiva de atuação do psicólogo na escola já estejam sendo empreendidas em todo o País - por exemplo, nas relações entre família e comunidade, nas políticas públicas, na atenção aos alunos com necessidades especiais e outros aspectos. Para Oliveira e Marinho-Araújo (2009Oliveira, C. B. E., & Marinho-Araújo, C. M. (2009). Psicologia escolar: cenários atuais. Estud. Pesqui. Psicol., 9(3), 648-663.), também é relevante a ampliação do foco de atuação dos psicólogos em pesquisa e produção de conhecimentos para além da escola, por exemplo, sobre creches e ONGs, para se construírem novas formas de atuação e enriquecimento deste campo.

Outro aspecto insuficientemente estudado apontado por Martínez (2009Martinez, A. (2009). Psicologia Escolar e Educacional: compromissos com a educação brasileira. Psicol. Esc. Educ. Campinas, 13(1), 169-177.) é a instituição escolar, tema relativamente pouco abordado pela Psicologia Escolar. Essa dimensão psicossocial é constituída de uma subjetividade social e possui importantes fatores a serem compreendidos, como os processos relacionais que ocorrem na escola e o modo como as pessoas atuam nesta instituição, um espaço que apresenta potencial para o desenvolvimento de habilidades sociais e melhoria na qualidade de vida.

Conforme apontam Guzzo, Mezzarila, Moreira, Tizzei, R. P., & Silva Neto (2010Guzzo, R. S. L., Mezzarila, A. S. C., Moreira, A. P. G., Tizzei, R. P., & Silva Neto, W. M. F. (2010). Psicologia e educação no Brasil: Uma visão da história e possibilidades nessa relação. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26, 131-141. (Número especial).), o psicólogo escolar vem se firmando em sua prática, apesar das dificuldades em se inserir definitivamente no contexto escolar. De acordo com Asbahr, Martins, & Mazzolini (2011Asbahr, F. S. F., Martins, E., & Mazzolini, B. P. M. (2011). Psicologia, formação de psicólogos e a escola: desafios contemporâneos. Psicologia em estudo, 16(1).), é imprescindível a busca de modos de formação do psicólogo que caminhem em sentindo oposto ao da psicologização da Educação, pois isto é um pré-requisito básico para a reconstrução da identidade do psicólogo no contexto educacional e uma maior concepção da queixa escolar.

É possível identificar que a Psicologia Escolar e Educacional tem uma história de muitas conquistas. Avançamos com o modelo crítico e com a nossa inserção em diversos contextos educativos, embora estejamos num momento de desafios na atuação e na pesquisa - esta ainda insuficiente. A formação em Psicologia é um momento crucial para a construção de novas práticas (Guzzo, & cols., 2010Guzzo, R. S. L., Mezzarila, A. S. C., Moreira, A. P. G., Tizzei, R. P., & Silva Neto, W. M. F. (2010). Psicologia e educação no Brasil: Uma visão da história e possibilidades nessa relação. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26, 131-141. (Número especial).), no tocante tanto ao ensino quanto à pesquisa e à extensão. Sendo assim, é importante investir no espaço da graduação como essencial para a consolidação e continuidade do desenvolvimento dessa área da Psicologia.

A liga acadêmica como uma ferramenta de formação

As Ligas Acadêmicas são entidades sem fins lucrativos, criadas e organizadas por estudantes sob a orientação de um ou mais professores. Caracterizam-se pelo objetivo de aprofundar um tema específico a ser estudado, funcionando a partir do tripé pesquisa, ensino e extensão (Azevedo, & Dini, 2006Azevedo, R. P., & Dini, P. S. (2006). Guia para construção de Ligas Acadêmicas. Ribeirão Preto: Assessoria Científica da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina. Recuperado: 15 mar 2013. Disponível: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&ved=0CGgQFjAE&url=http%3A%2F%2Fxa.yimg.com%2Fkq%2Fgroups%2F19815347%2F208792060%2Fname%2FGUIA%2BPARA%2BCONSTRU%25C3%2587%25C3%2583O%2BDE%2BLIGAS%2BACAD%25C3%258AMICAS.doc&ei=GMEuUOq_OYje0gHyx4DIBQ&usg=AFQjCNGWE-6izcY7BINfIwJtBO_DrIrs2A.
http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&...
). A área de saúde tem a tradição das Ligas Acadêmicas, principalmente a Medicina, pioneira nessa forma de organização estudantil; mas, "apesar de as primeiras ligas terem sido fundadas já há algumas décadas, ainda são escassas as publicações e os estudos sobre esse assunto" (Santana, 2012Santana, A. C. D. A. (2012). Ligas acadêmicas estudantis. O mérito e a realidade. Ponto de Vista, Medicina (Ribeirão Preto), 45(1), 96-8., p. 96).

Na Psicologia, esse processo ainda está em fase inicial de desenvolvimento. As Ligas Acadêmicas na área da Psicologia ainda são escassas. Foi feito um levantamento on-line, em bases de dados, com a utilização dos termos "Ligas Acadêmicas em Psicologia", "Psicologia e Ligas Acadêmicas" e "Ligas Acadêmicas". A partir deste levantamento foram encontradas informações sobre endereços eletrônicos (páginas em redes sociais, blogs e sites) desenvolvidos especificamente sobre as ligas acadêmicas e notícias de eventos realizadas por elas referenciadas nos endereços eletrônicos das respectivas instituições educacionais. As informações encontradas foram sistematizadas e analisadas nas categorias: nome, sigla, instituição à qual está vinculada e local (vide Tabela 1).

Tabela 1:
Dados Gerais das Ligas Acadêmicas de Psicologia do Brasil

Foram encontradas onze ligas acadêmicas de Psicologia no Brasil. A partir do nome das ligas foi possível identificar a temática focada por elas. Das onze ligas presentes no levantamento, cinco estudam a análise do comportamento, uma representa a Psicologia em geral e as restantes focam temas específicos como Psicologia Social, Psicologia e Saúde, Saúde Mental, Psicologia Escolar e Psicanálise.

Quanto à localização, identificamos que o Sudeste é a região com maior concentração de ligas acadêmicas, com um total de seis núcleos: cinco em Minas Gerais e uma no Espírito Santo. O Nordeste aparece em segundo lugar, com quatro ligas acadêmicas, sendo uma no Piauí, uma no Ceará e duas na Bahia. Há uma Liga em Goiás que representa a região Centro-Oeste.

As instituições às quais as ligas são vinculadas estão assim divididas: cinco instituições públicas (Universidade Estadual do Piauí, Universidade de Fortaleza, Universidade Federal de São João del-Rei, Universidade Federal do Espírito Santo e Universidade Federal de Juiz de Fora), quatro instituições privadas (Universidade do Vale do Sapucaí, Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Faculdade Ruy Barbosa e Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais) e duas sem fins lucrativos (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e Pontifícia Universidade Católica de Goiás). Isso mostra haver um equilíbrio de ligas acadêmicas entre instituições públicas e privadas.

É possível perceber um avanço nessa forma de complementação à formação. Diferentemente do estágio supervisionado, as ligas acadêmicas possibilitam que os alunos não apenas se insiram no campo de atuação e respondam às exigências institucionais. Elas dependem dos seus participantes para funcionar, por isso exigem deles repertórios que vão além dos desenvolvidos pelas atividades acadêmicas convencionais. Assim, permitem e estimulam seus participantes a desenvolverem habilidades como a autogestão, liderança, cooperação e gestão, a partir da autonomia possibilitada pela própria Liga.

Apesar de a Psicologia não ter a tradição em ligas acadêmicas existente na Medicina, já temos onze delas no Brasil que abrangem temas diversos. Esta tendência pode ser entendida como uma resposta à necessidade de aprofundamento de determinados assuntos da graduação. Citamos o exemplo da Liga Acadêmica de Psicologia Escolar, que atua no sentido de ampliar os conhecimentos e acrescentá-los à Psicologia Escolar e Educacional.

A Experiência da Liga Acadêmica de Psicologia Escolar

A Liga Acadêmica de Psicologia Escolar - LAPES - surgiu a partir do interesse em construir um espaço acadêmico para discussões a respeito da Psicologia no contexto escolar, ampliando assim o conhecimento acerca das práticas de intervenção mais apropriadas para o desenvolvimento pedagógico e social. Entre as questões abordadas destacam-se a observação do ambiente escolar, a atuação docente no processo de formação educacional, o desenvolvimento infantil e a importância da Psicologia na promoção e pesquisa de temáticas relacionadas com a saúde e a educação.

Hamamoto Filho (2011Hamamoto Filho, P. T. (2011). Ligas Acadêmicas: motivações e críticas a propósito de um repensar necessário. Rev. bras. educ. med., 35(4).) afirma que "(...) é necessário que [as Ligas Acadêmicas] sejam relevantes acadêmica e socialmente, que suas atividades tenham impacto no meio onde se desenvolvem, com ganhos para a comunidade científica e a população em geral" (Hamamoto Filho, 2011Hamamoto Filho, P. T. (2011). Ligas Acadêmicas: motivações e críticas a propósito de um repensar necessário. Rev. bras. educ. med., 35(4)., p. 540). Em concordância com esse pressuposto, são objetivos principais da LAPES: produzir pesquisas sobre essa temática; desenvolver o exercício da ética e cidadania; realizar atividades de extensão relacionadas à promoção da saúde e da qualidade de vida no ambiente da Educação; elaborar projetos e intervir no contexto escolar.

Como referido anteriormente, uma liga acadêmica é organizada por alunos sob a orientação de um professor. A LAPES foi criada em uma assembleia de estudantes de Psicologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e regulamentada a partir da criação de seu estatuto e submissão deste documento à apreciação da Instituição à qual pertence. Inicialmente compunham-na cinco alunas de Psicologia, as quais foram responsáveis pela estruturação da Liga tanto em questões burocráticas (seleção de participantes, representação junto à EBMSP, realização de eventos acadêmicos, submissão de certificados, etc.) quanto em questões pedagógicas (definição de objetivos, delimitação dos temas a serem estudados, planejamento de intervenções etc.)

Como benefícios de participar de uma liga acadêmica, Santana (2012Santana, A. C. D. A. (2012). Ligas acadêmicas estudantis. O mérito e a realidade. Ponto de Vista, Medicina (Ribeirão Preto), 45(1), 96-8.) afirma serem importantes a experiência em gestão desenvolvida a partir das práticas burocráticas da organização e o aumento da qualidade da formação a partir da aquisição dos conhecimentos práticos. Além disso, a autora acrescenta que "(...) sem a pressão curricular natural, permite que o aluno faça escolhas de maneira consciente, planejada, de forma ativa e livre" (Santana, 2012Santana, A. C. D. A. (2012). Ligas acadêmicas estudantis. O mérito e a realidade. Ponto de Vista, Medicina (Ribeirão Preto), 45(1), 96-8., p. 97), o que é possível ser vivenciado na LAPES.

O funcionamento da LAPES é regido por uma diretoria formada apenas por estudantes, escolhida de forma democrática e composta por três membros: presidente, vice-presidente e coordenador administrativo-financeiro. Funciona com reuniões semanais, reuniões extras para desenvolvimento de projetos de pesquisa e palestras e reuniões de diretoria.

As atividades são planejadas e/ou revisadas a cada semestre e se baseiam no tripé da universidade: ensino, pesquisa e extensão. No tocante ao ensino, a cada semestre é escolhido pelos membros da Liga um tema específico dentro da Psicologia Escolar a ser trabalhado. Em seguida, aponta-se um participante para se responsabilizar pela gestão do ensino, o qual e acompanha o planejamento das discussões semanais juntamente com todos os os demais. Assim, a cada semana um membro é responsável pela atividade da reunião.

Outra atividade de ensino da LAPES é o evento realizado anualmente. Em 2011 foi realizada uma mesa-redonda com o tema "As Práticas do(a) Psicólogo(a) na Escola", em que dois profissionais de Psicologia apresentaram suas experiências no contexto escolar, e em 2012 foi feita uma parceria com o Grupo de Trabalho de Psicologia e Educação do Conselho Regional de Psicologia - CRP03 a partir da qual foi realizado o ENPEB II.

A pesquisa da LAPES iniciou-se com o foco na história da Psicologia Escolar e Educacional no Brasil e teve como resultado resumos de 30 textos de referência dessa temática. Este artigo foi outra produção científica da Liga. Neste semestre a LAPES está se vinculando a uma linha de pesquisa da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

Em relação à extensão, a LAPES tem como objetivo desenvolver intervenções em escolas públicas. Em 2011 a Liga propôs à direção de uma Escola Estadual de um bairro periférico de Salvador estabelecer uma parceria e em 2012 desenvolver uma atividade de acompanhamento em Psicologia Escolar. Para isso, foi necessário realizar em 2011 uma etapa diagnóstica de forma a conhecer a instituição e sua dinâmica de funcionamento, sua proposta pedagógica e os componentes da comunidade, com o propósito de desenhar as ações futuras. Esta etapa dividiu-se em três momentos: no primeiro se conversou com a diretora e a vice-diretora da escola para identificar as demandas iniciais e desenhar as possibilidades na parceria. O segundo momento definiu-se por um encontro com as professoras do turno vespertino da escola, com o objetivo de conhecer as satisfações e dificuldades do trabalho docente.

Com essa análise, observou-se que a escola constituía um campo com importantes demandas referentes à Psicologia e muitas possibilidades de um trabalho conjunto com a LAPES; porém o final de ano se configurou como um momento inapropriado para o início de atividades de longo prazo, por isso a LAPES propôs uma continuação do trabalho no início de 2012. Infelizmente, em função das mudanças políticas, o quadro da direção da escola foi modificado, e após diversas tentativas de retomada da parceria por parte dos membros da Liga, essa foi abandonada. Para atender a seus objetivos, a LAPES já está em contato com um Colégio Estadual para nova intervenção.

Também em 2012, a LAPES participou do evento "Mostra Científica Cultural com Idosos da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública", no qual foram desenvolvidas atividades lúdicas para que os participantes representassem seu significado sobre escola e educação. Foi realizada também uma oficina intitulada "Outubro é o mês da escola na Bahiana", com o mesmo propósito da Mostra, mas na perspectiva dos alunos da instituição. Por fim, uma participação no evento do ENPEB II (II Encontro de Psicologia e Educação da Bahia) realizado pelo Conselho Regional de Psicologia da Bahia numa palestra sobre a formação e prática da Liga LAPES.

Todas as atividades da LAPES são acompanhadas por um professor orientador pertencente à Instituição à qual a Liga é vinculada: a EBMSP. O papel desse professor é orientar e acrescentar algo ao grupo, por sua experiência na temática, porém sem tirar a sua autonomia ou se colocar na função de provedor de conhecimento. Como dito anteriormente, até mesmo o conteúdo a ser estudado pela LAPES é determinado pelos seus participantes.

Devido ao caráter recente da liga em foco, suas bases e produções são construídas a todo o momento. As atividades realizadas em seus primeiros semestres de formação demonstram a intenção que os seus participantes têm em relação à Liga. Fica evidente a importância dada à vida acadêmica, ao aprofundamento na temática da Psicologia Escolar e ao compromisso com a sociedade e o contexto escolar.

Considerações finais

A Psicologia Escolar e Educacional tem uma trajetória de muitas mudanças e conquistas. A construção da identidade da(o) psicóloga(o) vem se firmando, bem como os princípios fundamentais para a sua atuação. A graduação em Psicologia é o principal caminho para o desenvolvimento de estudos, pesquisas e intervenções nesta área. Neste espaço de construção de conhecimento, da identidade profissional e de atuação a LAPES experimentou muitas perspectivas, limitações e desafios.

A experiência descrita da LAPES é de extrema importância, pois visa demonstrar uma possibilidade de ensino e aprendizagem para os estudantes no seu processo de formação. A ética e o compromisso social foram os aspectos preponderantes para desenvolver uma atuação eficaz na nossa sociedade, especialmente com a contribuição para a formação em Psicologia Escolar na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

Neste espaço, os estudantes constroem em grupo a sua autonomia estudantil, ou seja, seus objetivos como integrantes de uma liga para o desenvolvimento de um olhar pesquisador sobre sua temática de interesse. O conhecimento é construído a partir da motivação de cada integrante. Os métodos e instrumentos utilizados para a produção de novos conhecimentos e diálogo com a sociedade são elaborados pelos diálogos entre os graduandos.

Como afirma Cruces (2010Cruces, A. (2010). Psicologia e Educação: Nossa história e Nossa Realidade. Em S. F. C. de Almeida (Org.). Psicologia Escolar: Ética e competências na formação e atuação profissional (pp. 17-36). Campinas, SP: Ed. Alínea.), é preciso desenvolver perspectivas novas para a atuação do psicólogo. Souza e Rocha (2009Souza, M. P. R., & Rocha, M. L. (2008). Políticas Educacionais: legislação, formação profissional e participação democrática. Em Conselho Federal de Psicologia (Org.), Ano da Psicologia na Educação: textos geradores (pp. 27-48). Brasília: CFP.) afirmam que as Diretrizes Curriculares Nacionais têm enfatizado que a formação dos psicólogos deve estar atrelada ao tripé ensino-pesquisa-extensão. Consideramos que a graduação também precisa objetivar uma formação científica, profissional e cidadã. Para tanto, na universidade o graduando deve ter acesso às variadas correntes epistemológicas da Psicologia e aos amplos espaços de trabalho do psicólogo, e as discussões acerca da Psicologia Educacional e Escolar devem ser incluídas no ensino, na pesquisa e na extensão. Além de novas produções científicas, também é fundamental que o curso de graduação proporcione reflexões críticas sobre a atuação do futuro psicólogo na área da Educação. Neste sentido, uma liga acadêmica é instrumento relevante para a vida estudantil, pois estimula a autonomia do graduando, o desenvolvimento da pesquisa e a promoção de ações que alimentem o seu objeto de estudo. É importante investir na graduação como espaço essencial para a consolidação e continuidade do desenvolvimento desta área da Psicologia.

De acordo com alguns autores como Cruces (2010Cruces, A. (2010). Psicologia e Educação: Nossa história e Nossa Realidade. Em S. F. C. de Almeida (Org.). Psicologia Escolar: Ética e competências na formação e atuação profissional (pp. 17-36). Campinas, SP: Ed. Alínea.), atualmente se verifica um avanço em relação ao ensino da Psicologia Escolar e Educacional, com a inclusão, nos currículos, de disciplinas com conteúdos voltados para a área. No tocante às produções desta área no Brasil, pesquisas realizadas apontam alguns temas que devem ser foco de estudos posteriores, como a inserção do psicólogo no contexto escolar, na instituição escolar e em locais educativos como creches e ONGs. Pode-se perceber que, apesar de a Psicologia Escolar ter avançado na sua prática, novas produções são necessárias para servir de suporte e exemplo na construção de formas de atuação inovadoras. A Liga Acadêmica é um espaço de produção tanto de novas práticas, quanto de conhecimentos científicos.

Asbahr e colaboradores (2011Asbahr, F. S. F., Martins, E., & Mazzolini, B. P. M. (2011). Psicologia, formação de psicólogos e a escola: desafios contemporâneos. Psicologia em estudo, 16(1).) afirmam que atualmente é extrema importância buscar novas maneiras para formar o psicólogo que não atue no sentido da"psicologização". Dessa forma, o investimento na graduação não deve se restringir às instituições e suas experiências acadêmicas formais, como as disciplinas e estágios. Todos - alunos, professores e IESs - são responsáveis pela formação do psicólogo e podem contribuir para a construção e produção da Psicologia Escolar e Educacional em nosso país. A experiência da LAPES é um exemplo de como estudantes de Psicologia estão assumindo este compromisso.

  • Asbahr, F. S. F., Martins, E., & Mazzolini, B. P. M. (2011). Psicologia, formação de psicólogos e a escola: desafios contemporâneos. Psicologia em estudo, 16(1).
  • Azevedo, R. P., & Dini, P. S. (2006). Guia para construção de Ligas Acadêmicas. Ribeirão Preto: Assessoria Científica da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina. Recuperado: 15 mar 2013. Disponível: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&ved=0CGgQFjAE&url=http%3A%2F%2Fxa.yimg.com%2Fkq%2Fgroups%2F19815347%2F208792060%2Fname%2FGUIA%2BPARA%2BCONSTRU%25C3%2587%25C3%2583O%2BDE%2BLIGAS%2BACAD%25C3%258AMICAS.doc&ei=GMEuUOq_OYje0gHyx4DIBQ&usg=AFQjCNGWE-6izcY7BINfIwJtBO_DrIrs2A.
    » http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&ved=0CGgQFjAE&url=http%3A%2F%2Fxa.yimg.com%2Fkq%2Fgroups%2F19815347%2F208792060%2Fname%2FGUIA%2BPARA%2BCONSTRU%25C3%2587%25C3%2583O%2BDE%2BLIGAS%2BACAD%25C3%258AMICAS.doc&ei=GMEuUOq_OYje0gHyx4DIBQ&usg=AFQjCNGWE-6izcY7BINfIwJtBO_DrIrs2A
  • Cruces, A. (2010). Psicologia e Educação: Nossa história e Nossa Realidade. Em S. F. C. de Almeida (Org.). Psicologia Escolar: Ética e competências na formação e atuação profissional (pp. 17-36). Campinas, SP: Ed. Alínea.
  • Guzzo, R. S. L., Mezzarila, A. S. C., Moreira, A. P. G., Tizzei, R. P., & Silva Neto, W. M. F. (2010). Psicologia e educação no Brasil: Uma visão da história e possibilidades nessa relação. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26, 131-141. (Número especial).
  • Hamamoto Filho, P. T. (2011). Ligas Acadêmicas: motivações e críticas a propósito de um repensar necessário. Rev. bras. educ. med., 35(4).
  • Maluf, M. R., & Cruces, A. V. V. (2008). Psicologia educacional na contemporaneidade. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, XXVIII, 87-99.
  • Martinez, A. (2009). Psicologia Escolar e Educacional: compromissos com a educação brasileira. Psicol. Esc. Educ. Campinas, 13(1), 169-177.
  • Oliveira, C. B. E., & Marinho-Araújo, C. M. (2009). Psicologia escolar: cenários atuais. Estud. Pesqui. Psicol., 9(3), 648-663.
  • Santana, A. C. D. A. (2012). Ligas acadêmicas estudantis. O mérito e a realidade. Ponto de Vista, Medicina (Ribeirão Preto), 45(1), 96-8.
  • Santos, B. S. (2010). A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. 3ª ed. São Paulo: Cortez.
  • Souza, M. P. R., & Rocha, M. L. (2008). Políticas Educacionais: legislação, formação profissional e participação democrática. Em Conselho Federal de Psicologia (Org.), Ano da Psicologia na Educação: textos geradores (pp. 27-48). Brasília: CFP.
  • Emilie Pedreira Magalhães (emilie.pedreira@gmail.com), Psicóloga.
  • Raizel Rechtman (raizel.rechtman@gmail.com), Psicóloga, Mestranda Bolsista CNPq em Psicologia da Educação na PUC-SP.
  • Vitória Barreto (vitoriaferreirabarreto@gmail.com), Psicóloga, Mestranda Bolsista FAPESB em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade - EISU/IHAC/UFBA.
  • O trabalho foi realizado na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Publica.
  • Experiência da LAPES * Emilie Pedreira Magalhães, Raizel Rechtman & Vitória Barreto

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2013
  • Revisado
    11 Maio 2014
  • Aceito
    04 Jun 2014
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), Rua Mirassol, 46 - Vila Mariana , CEP 04044-010 São Paulo - SP - Brasil , Fone/Fax (11) 96900-6678 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@abrapee.psc.br