A violência é considerada um grave problema de saúde pública, sendo responsável pela violação de direitos dos sujeitos. As práticas de prevenção podem ser uma estratégia para enfrentar a violência, pois são capazes de diminuir os fatores agregados às situações de violência, assim como inibir a reincidência de casos identificados (Hutz, 2002Hutz, C. S. (Org) (2002). Situações de risco e vulnerabilidade na infância e na adolescência: aspectos teóricos e estratégias de intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo.; Ippolito, 2004Ippolito, R. (Coord. Técnica) (2004). Guia Escolar: método para identificação de sinais de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Brasília, Presidência da República, Secretaria do Especial dos Direitos Humanos. ; Silva, 2002Silva, M. A. S. (2002). Violência contra crianças - quebrando o pacto do silêncio. Em D. C Ferrari & T. C. Vecina (Orgs.), O fim do silêncio na violência familiar: teoria e prática. São Paulo: Agora.).
Sabe-se que muitas formas de violência são reveladas nas escolas e estas têm o compromisso legal de notificar os casos às autoridades competentes (ECA, 1990Brasil (1990). Estatuto da criança e do adolescente. Lei federal 8.069/1990. Brasília. DF. ). No entanto, a escola precisa do apoio de outros atores para o enfrentamento da violência (Faleiros, 2003Faleiros, E. T. S. (Org.) (2003), O abuso sexual contra crianças e adolescentes: os (des) caminhos da denúncia. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. ). Neste sentido, o presente estudo tem como objetivo apresentar uma experiência de intervenção da psicologia em uma escola pública com o intuito de prevenir a violência contra a criança e o adolescente.
A atividade de extensão intitulada "Violência contra crianças e adolescentes: trabalhando prevenção primária" teve como objetivo promover a prevenção da violência por meio de oficinas semanais com pais, mães e cuidadores de crianças que frequentavam as séries iniciais de uma escola pública de Santa Maria/RS.
A prevenção primária objetiva a conscientização da população acerca da problemática da violência e da promoção de atitudes adequadas no cuidado dos filhos, bem como a orientação às famílias em situação de vulnerabilidade, com o desígnio de eliminar ou reduzir os fatores sociais, culturais e ambientais que propiciam a ocorrência de situações de violência. Nas ações de prevenção primária está incluída a implementação de práticas políticas atuantes em uma comunidade, ou seja, desenvolvimento de estratégias e programas que visem à promoção de saúde (Hutz, 2002Hutz, C. S. (Org) (2002). Situações de risco e vulnerabilidade na infância e na adolescência: aspectos teóricos e estratégias de intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo.; Ipollito, 2004Ippolito, R. (Coord. Técnica) (2004). Guia Escolar: método para identificação de sinais de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Brasília, Presidência da República, Secretaria do Especial dos Direitos Humanos. ; Martins, & Jorge, 2011).
Neste sentido, o projeto desenvolvido na escola visou proporcionar espaço de escuta e discussão acerca de fatores que envolvem a violência e a sua prevenção. Buscou-se ainda possibilitar reflexões acerca deste tema e suas consequências. A proposta foi realizada no período de agosto a novembro de 2013, totalizando dezesseis encontros compostos por oficinas com as mães de alunos matriculados nas séries iniciais de uma escola pública. As oficinas foram ministradas por dois psicólogos e uma acadêmica do curso de Psicologia, com a supervisão de uma mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e duas docentes de Cursos de Psicologia (uma do Centro Universitário Franciscano - UNIFRA - e outra da UFSM).
Nos encontros foram abordados diversos temas, dentre eles: violência, desenvolvimento infantil, práticas educativas, drogas, mídia, direito da criança e do adolescente e a rede de proteção social. Estes ocorreram semanalmente, nas dependências da escola, com duração de uma hora e trinta minutos, com supervisões semanais, durante as quais foram discutidas e planejadas cada uma das atividades propostas, englobando dinâmicas de grupo, cartilhas, vídeos, além de material informativo e a legislação voltada para crianças e adolescentes contida no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).
Dentre os temas propostos nas oficinas, pode-se ressaltar que os fatores de risco como as drogas foram os mais enfatizados pelas participantes, principalmente o álcool e o crack. O estudo de Koller (2000Koller, S. H. (2000). Violência doméstica: Uma visão ecológica. Em Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente (AMENCAR) (Org.), Violência doméstica (pp. 32-42). Brasília: UNICEF.) apontou o estresse familiar (saúde, relacionamento), a falta de comunicação na família, o alcoolismo, o uso de drogas e as práticas disciplinares punitivas como fatores que podem estar envolvidos na violência contra a criança e o adolescente. Dessa forma, ressalta-se o quanto é relevante em nossas práticas proporcionar espaços de discussão para tratar temas que fazem parte da realidade de muitas comunidades e indivíduos.
Por meio do relato das participantes percebeu-se que a televisão acaba sendo, frequentemente, o principal meio de comunicação, entretenimento e lazer destas famílias. No entanto, Gomide e Pinsky (2004Gomide, P. I. C., & Pinsky, I. (2004). A influência da mídia e o uso das drogas na adolescência. In: Bessa, M. A. & Pinsky, I. (Org.). Adolescência e DrogasSão Paulo: Contexto., p. 57), atentam para o cuidado que se deve ter com as informações transmitidas pela televisão que muitas vezes tende a privilegiar os conteúdos violentos em detrimento dos educativos. Desta forma, é de suma importância acompanhar o acesso de crianças e/ ou adolescentes ao conteúdo veiculado pela tevê, considerando-se a influência negativa que os conteúdos violentos podem causar sobre os comportamentos destes.
As discussões acerca do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 se destacaram nas atividades desenvolvidas. Segundo Silva e Toniolo (2010Silva, I. S. da., & Toniolo, J. M. dos S. de A. (2010). A criança como "ser de direitos": da invenção da infância à garantia desse direito. Em H. S. Antunes (Org.), Escola que protege: dimensões de um trabalho em rede. Porto Alegre: Asterisco.), o ECA traz a importância da proteção e respeito à criança e adolescente de todos os tipos de violência, considerando-os como sujeitos de direitos. Muitas das participantes desconheciam o conteúdo desta legislação e a sua importância na garantia de direitos das crianças e adolescentes. Visto que o foco das oficinas foi a prevenção primária, disponibilizou-se as integrantes um exemplar desta legislação, possibilitando seu manuseio, conhecimento e reflexão.
Sendo assim, o projeto de extensão "Violência contra crianças e adolescentes: trabalhando prevenção primária" ofereceu um espaço de diálogo, aprendizado e troca de experiência às mães de crianças matriculadas nas séries iniciais. A escola representou um espaço onde foi possível orientar e informar pais e cuidadores acerca da violência. Por fim, cabe destacar que, a partir da prática relatada no contexto escolar, entende-se que a violência pode ser prevenida e que as práticas educativas indutivas possam ser promovidas no contexto familiar.
Referências
- Brasil (1990). Estatuto da criança e do adolescente. Lei federal 8.069/1990. Brasília. DF.
- Faleiros, E. T. S. (Org.) (2003), O abuso sexual contra crianças e adolescentes: os (des) caminhos da denúncia. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
- Gomide, P. I. C., & Pinsky, I. (2004). A influência da mídia e o uso das drogas na adolescência. In: Bessa, M. A. & Pinsky, I. (Org.). Adolescência e DrogasSão Paulo: Contexto.
- Hutz, C. S. (Org) (2002). Situações de risco e vulnerabilidade na infância e na adolescência: aspectos teóricos e estratégias de intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo.
- Ippolito, R. (Coord. Técnica) (2004). Guia Escolar: método para identificação de sinais de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Brasília, Presidência da República, Secretaria do Especial dos Direitos Humanos.
- Koller, S. H. (2000). Violência doméstica: Uma visão ecológica. Em Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente (AMENCAR) (Org.), Violência doméstica (pp. 32-42). Brasília: UNICEF.
- Silva, M. A. S. (2002). Violência contra crianças - quebrando o pacto do silêncio. Em D. C Ferrari & T. C. Vecina (Orgs.), O fim do silêncio na violência familiar: teoria e prática. São Paulo: Agora.
- Silva, I. S. da., & Toniolo, J. M. dos S. de A. (2010). A criança como "ser de direitos": da invenção da infância à garantia desse direito. Em H. S. Antunes (Org.), Escola que protege: dimensões de um trabalho em rede. Porto Alegre: Asterisco.
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Aline Cardoso Siqueira (alinecsiq@gmail.com) - Doutora em Psicologia. Docente da Universidade Federal de Santa Maria.
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2
Josiane Lieberknecht Wathier Abaid (josianelieb@yahoo.com.br) - Doutora em Psicologia pela UFRGS. Docente do Centro Universitário Franciscano.
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3
Suane Pastoriza Faraj (suanef@yahoo.com.br) - Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria.
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4
Juliano Beck Scott (bs.juliano@gmail.com) - Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria.
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5
Amanda Rodrigues Almeida (amandaalmeidasm@yahoo.com.br) - Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria.
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6
Suélem Lopes Silva (suelemsilva913@hotmail.com) - Psicóloga pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
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7
Oficinas de prevenção * Aline C. Siqueira, Josiane L. Wathier Abaid, Suane P. Faraj, Juliano Beck Scott, Amanda R. Almeida & Suélem L. Silva
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
May-Aug 2015
Histórico
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Recebido
20 Jul 2001 -
Aceito
31 Mar 2014