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Tomando decisões: programa de orientação profissional

Making Decisions: Professional Guide Program

Programa de Orientación Profesional

Buscando desenvolver competências e habilidades técnicas e interpessoais relevantes à atuação do psicólogo educacional/escolar como agente de transformação social no que diz respeito à melhoria do processo educativo e promoção do sucesso escolar, a disciplina de Estágio Supervisionado em Psicologia Escolar do IX período da Universidade Estadual do Piauí possibilita a experiência de um contanto direto com o campo, sendo que a vivência aqui relatada foi desenvolvida a partir de um plano de atuação composto por algumas etapas: caracterização da escola, elaboração de plano de estágio e execução de projeto de intervenção.

Tais etapas foram supervisionadas pela professora responsável, perfazendo uma carga horária de 155 horas, sendo 55 horas de supervisão em sala de aula e 100 horas de atividades práticas.

O critério para a escolha da instituição foi a existência de um profissional da Psicologia que nela atuasse como psicólogo escolar, para assim poder fornecer subsídios para a prática. A escola em foco pertence à rede privada da cidade de Teresina (PI), visto que há uma carência desses profissionais em escolas da rede pública. A escola é composta por uma média de 57 professores e 1035 alunos que vão desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. Possui dois prédios (um para a Educação Infantil e outro para o Fundamental e Médio), com salas adaptadas e climatizadas.

A partir do diagnóstico institucional realizado logo nos primeiros meses, percebeu-se como um Programa de Orientação Profissional bem estruturado é de fundamental relevância no desenvolvimento do adolescente, facilitando tomadas de decisões e reduzindo níveis de ansiedade. A definição do tema para o projeto partiu do nível de ansiedade percebido nos alunos do Ensino Médio quando demonstraram interesse em participar das intervenções. A instituição também contribuiu quando reconheceu a importância do projeto para as escolhas profissionais e desempenho de seus estudantes.

De acordo com Noronha e Ambiel (2006Noronha, A. P. P.; Ambiel, R. A. M. (2006). Orientação Profissional e Vocacional: análise da produção científica. Psico-USF, v.11, n. 1, 75-84, jan./jun.), a atividade profissional adquire maior importância durante a vida adulta; no entanto, é durante a adolescência que o sujeito começa a apresentar maiores indagações a respeito da escolha profissional e passa a avaliar melhor suas habilidades e aptidões para o desenvolvimento de atividades relacionadas à determinada profissão de interesse. Corroborando estes pressupostos, Levenfus e Soares (2010Levenfus, R. S., & Soares, D. H. P., (Orgs.) (2010). Orientação vocacional ocupacional. Porto Alegre: Artmed.) asseguram que apesar da crise e dos conflitos, todo adolescente é capaz de escolher, necessitando desenvolver o autoconhecimento e motivação para buscar informações a respeito de seu desejo quanto à escolha profissional.

A escola como espaço secundário de socialização oferece educação técnica e comportamental, sendo um ambiente propício e fundamental para se falar de escolhas profissionais. De maneira complementar, a dinâmica familiar e os planos para o futuro são questões que também são consideradas nesse processo, funcionando ainda como aspectos a serem avaliados dentro de um programa de Orientação Profissional.

Tomando decisões: programa de orientação profissional

O trabalho ocupa grande parte da vida diária de uma pessoa ativa, seja ele formal ou informal, remunerado ou não, e é um componente de identificação do ser humano. É bastante comum perguntar o que as pessoas fazem: "O que você faz? Em que você trabalha?" e diante disso fica clara a importância do processo de escolha da profissão, considerando que esta ocupa muito tempo da vida do sujeito, logo, deve ser uma atividade que lhe traga satisfação pessoal, além do ganho financeiro.

Resgatando a história dessa prática, Sparta (2003Sparta, M. (2003). O desenvolvimento da orientação profissional no Brasil. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v.4, n. 1/2, 1-11.) e Moura (2011Moura, C. (2011). Orientação profissional: sob o enfoque da análise do comportamento. 3ª ed. São Paulo: Editora Alínea. ) atribuem sua origem aos processos de industrialização que ampliaram a gama de profissões ofertadas pelo mercado de trabalho; antes não havia escolha da profissão, mas um legado familiar de ocupações. De acordo com Melo-Silva, Lassance e Soares (2004Melo-Silva, L. L., Lassance, M. C. P., & Soares, D. H. P. (2004). A orientação profissional no contexto da educação e trabalho. Revista Brasileira de Orientação Profissional5(2), 31-52.) a Orientação Profissional, no âmbito da Psicologia, desenvolveu-se em três domínios: da Psicologia do Trabalho, vinculada à Seleção de Pessoal, cujas intervenções centraram-se na modalidade estatística; da Psicologia Educacional, centrando-se na questão da passagem de um ciclo educativo a outro; e do Aconselhamento, focalizando determinadas crises evolutivas no ciclo vital.

Nas últimas décadas tanto na área da Psicologia Escolar quanto no campo da Orientação Profissional a perspectiva desenvolvimentista de intervenção de carreira na escola, inspirada nos princípios da Educação para a Carreira, vem assumindo esse tipo de intervenção como uma dimensão importante da atuação articulada às demais dimensões com que o psicólogo escolar pode contribuir eficazmente para a construção da cidadania dos educandos (Carvalho, & Marinho-Araújo, 2010Carvalho, T. O., & Marinho-Araújo, C. M. (2010). Psicologia Escolar e Orientação Profissional. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 11(2), 219-228.).

Pensando no processo de autodescoberta, no sentimento de insegurança que surge na adolescência e no confronto aos quais os jovens são submetidos com a chegada da necessidade de escolher uma profissão, desenvolveram-se ao longo da história programas denominados inicialmente de Orientação Vocacional para ajudá-los nessa escolha.

A utilização do termo Orientação Vocacional subtende que já existe uma vocação esperada no sujeito que só precisa ser descoberta por alguém capacitado para tal. No entanto, quando se fala em Orientação Profissional, afirma-se a concepção atual de homem, um ser livre para determinar suas escolhas, considerando as situações específicas de vida. Logo, apesar de alguns teóricos ainda permanecerem com o termo Orientação Vocacional, a substituição por Orientação Profissional configura-se como mais apropriada, dando maior autonomia para o indivíduo, que pode fazer a própria análise das suas opções (Moura, 2011Moura, C. (2011). Orientação profissional: sob o enfoque da análise do comportamento. 3ª ed. São Paulo: Editora Alínea. ).

Sendo assim, a intervenção aqui proposta se baseia na Análise do Comportamento, especificamente no programa desenvolvido pela autora Cynthia Borges de Moura (2011Moura, C. (2011). Orientação profissional: sob o enfoque da análise do comportamento. 3ª ed. São Paulo: Editora Alínea. ) em seu livro Orientação Profissional: Sob o enfoque da análise do comportamento, que aborda os seguintes pontos: possíveis escolhas, influências na escolha, locais de formação profissional e a diferença entre eles, medo de decidir errado, habilidades, gostos e valores pessoais coerentes com a escolha profissional.

Relato da experiência

O Programa de Orientação Profissional foi desenvolvido em nove encontros semanais, teve como objetivo geral facilitar o autoconhecimento, conhecimento das profissões e de sua realidade e apoio na tomada de decisão. A proposta foi apresentada às turmas de 2ª e 3ª séries do Ensino Médio (54 e 39 alunos, respectivamente). Inscreveram-se 26 alunos da 2ª série e 34 da 3ª. Entretanto, o programa com a 3ª série foi cancelado devido às dificuldades em conciliar os horários das atividades extracurriculares dos alunos com o tempo disponível para o programa. Portanto, este relato se baseia nos encontros realizados com os alunos da 2ª série.

Dos inscritos, apenas cinco concluíram o programa. Acredita-se que tal fato pode ter ocorrido em função do horário de realização das atividades, no contra turno, ou ainda, pela expectativa dos alunos em relação à aplicação de testes psicológicos, em que encontrariam respostas prontas e imediatas para suas dúvidas. No entanto, tais instrumentos não foram utilizados, uma vez que o objetivo da proposta era habilitá-los para o processo de escolha. Logo, a análise será pautada nas produções verbais e materiais dos concludentes, sendo que a maioria das desistências ocorreu até o 4º encontro.

As atividades desenvolvidas em cada sessão foram: (1ª) relato escrito sobre dificuldades quanto à decisão profissional e discussão em grupo; (2ª) dinâmica: "gosto e faço," análise de características pessoais, habilidades e interesses; (3ª) cartaz de agrupamento das profissões segundo as características dos profissionais que as exercem; (4ª e 5ª) pesquisa sobre profissões de interesse em guias e sites universitários; (6º) realização e dramatização de entrevistas com profissionais da área de interesse, discussão em grupo sobre dúvidas e medos quanto ao processo de tomada de decisão (7ª) realização do exercício de análise de critério de escolha; (8ª) análise escrita sobre o processo de tomada de decisão proporcionado; (9ª) devolutiva para os alunos e avaliação do programa.

Baseando-se nos questionários aplicados, nas produções dos alunos e nas observações das estagiárias, percebeu-se que a maioria manteve ou acrescentou um novo interesse a partir das profissões escolhidas num primeiro momento. Somente um aluno mudou completamente suas escolhas (de Design Gráfico e Contábil para Psicologia e Arquitetura). No entanto, suas escolhas não se mostraram tão destoantes quando afirma em seu relato "ainda hoje gostaria de seguir uma carreira no desenho, sinto mais liberdade com um lápis na mão" (M., 15 anos).

Esses dados são coerentes com as expectativas dos alunos que passaram a se sentir mais seguros diante da escolha realizada e/ou em descobrir um foco de maior interesse, o que se percebe satisfatório, uma vez que a maioria se manteve em suas escolhas, demonstrando maior segurança em relação a estas. O aluno que alterou suas opções descobriu um novo foco, priorizou sua felicidade e satisfação ao invés de dinheiro, que era um dos seus conflitos.

Um exemplo de que as expectativas e objetivos do programa foram atingidos é o relato de K. (15 anos) que no primeiro depoimento disse "espero que a orientação me ajude a decidir baseada nas minhas próprias vontades e de certa forma diminua essa insegurança" e no último já fala "aprendi a me conhecer mais e a estabelecer prioridades" e "diminui a insegurança em relação ao curso que quero fazer".

Tais inseguranças, segundo Moura (2011Moura, C. (2011). Orientação profissional: sob o enfoque da análise do comportamento. 3ª ed. São Paulo: Editora Alínea. ), são comuns nessa fase da adolescência quando o jovem é forçado a tomar uma decisão que irá afetar seu futuro, na tentativa de lidar com as mudanças próprias da fase (físicas, psicológicas e sociais), além das influências externas (escola, família e amigos).

No geral, os alunos mostraram-se satisfeitos com o programa, aproveitando bem tudo o que foi trabalhado e aprendido. Fizeram algumas sugestões em relação às atividades desenvolvidas durante os encontros. De acordo com eles, as atividades deveriam ter sido mais dinâmicas, mais lúdicas e deram como exemplo a dinâmica de apresentação em que foi utilizada a Técnica do Objeto Representativo (1º encontro) e a construção dos cartazes das profissões (3º encontro).

Na perspectiva de satisfazer essa demanda, no último encontro a devolutiva foi realizada de forma grupal e individual, menos discursiva e mais representativa. Os alunos construíram cartazes de autoavaliação para se retrataram hoje e no momento pós-escolha profissional. Em seguida, foi aplicada uma dinâmica de avaliação do outro. Cada um fez um desenho que representava um presente para o colega, algo que considerava necessário ou que poderia ajudar o outro a crescer.

Considerações Finais

Diante do que foi exposto neste trabalho e mediante tudo o que foi vivenciado a partir da prática de estágio supervisionado, foi possível alcançar com êxito todos os objetivos, gerando boa apreensão de habilidades por parte das estagiárias bem como mobilização destas para compreender e assim atuar dentro do campo. Constatou-se a importância da atuação do profissional de Psicologia nas escolas, pois o seu papel de transformador social, levando em consideração todos os aspectos do indivíduo, pode contribuir para a melhoria do desempenho escolar e das relações que ali existem. Especificamente, a atuação do psicólogo no processo de Orientação Profissional é importante em função da sua formação e da sua prática por meio da escuta qualificada, considerando a individualidade de cada sujeito bem como a sua capacidade de mudança nos diversos aspectos da vida. Além disso, foi percebido que a implementação de programas de Orientação Profissional nas instituições que trabalham com adolescentes do Ensino Médio se faz necessária para que os alunos possam ter apoio emocional e suporte teórico para uma tomada de decisão mais madura e consciente frente à escolha profissional.

Ressalta-se que o estágio forneceu às alunas embasamento teórico e prático, promovendo o esclarecimento sobre a atuação do psicólogo frente ao contexto escolar e suas diversas possibilidades e oportunidades de intervenção.

Referências

  • Carvalho, T. O., & Marinho-Araújo, C. M. (2010). Psicologia Escolar e Orientação Profissional. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 11(2), 219-228.
  • Levenfus, R. S., & Soares, D. H. P., (Orgs.) (2010). Orientação vocacional ocupacional. Porto Alegre: Artmed.
  • Melo-Silva, L. L., Lassance, M. C. P., & Soares, D. H. P. (2004). A orientação profissional no contexto da educação e trabalho. Revista Brasileira de Orientação Profissional5(2), 31-52.
  • Moura, C. (2011). Orientação profissional: sob o enfoque da análise do comportamento. 3ª ed. São Paulo: Editora Alínea.
  • Noronha, A. P. P.; Ambiel, R. A. M. (2006). Orientação Profissional e Vocacional: análise da produção científica. Psico-USF, v.11, n. 1, 75-84, jan./jun.
  • Sparta, M. (2003). O desenvolvimento da orientação profissional no Brasil. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v.4, n. 1/2, 1-11.
  • 1
    Ariela Raissa Lima Costa - (arielalima10@gmail.com), Acadêmica do IX período do curso de Bacharelado em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI)
  • 2
    Larissa de Carvalho Muniz - (lcmuniz.psi@gmail.com), Acadêmica do IX período do curso de Bacharelado em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI)
  • 3
    Ana Célia Sousa Cavalcante - (anaceliasousa@uol.com.br), Docente da disciplina de Estágio Supervisionado em Psicologia Escolar da Universidade Estadual do Piauí (UESPI)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2014
  • Aceito
    17 Jul 2015
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