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Concepções de estudantes sobre resolução de problemas e automonitoria

Conceptions of students on problem-solving and self-monitoring

Concepciones de estudiantes sobre resolución de problemas y auto-monitoreo

Resumo

O presente estudo investigou as concepções de estudantes de cursos de graduação de uma universidade pública e uma privada sobre resoluções de problemas acadêmicos e automonitoria. Participaram 23 estudantes divididos em dois grupos, sendo 11 pertencentes a uma Instituição de Ensino Superior pública e 12 voluntários de uma Instituição privada. Foi utilizado o método de grupo focal. A resolução de problemas sociais acadêmicos foi concebida como um conjunto de situações que envolvem diferentes aspectos das vivências no Ensino Superior e a automonitoria como a expressão de comportamentos passíveis de serem controlados, avaliados e autorregulados. Apesar de o aluno investir em esforços afetivos, cognitivos e sociais e de reconhecer e buscar possíveis soluções não necessariamente promove as mudanças almejadas, indicando que se constitui apenas um paliativo diante dos diferentes obstáculos encontrados na adaptação acadêmica.

Palavras-chave:
Autonomia; Ensino Superior; adaptação.

Abstract

The present study investigated the conceptions of undergraduate students at a public university and a private one on resolutions of academic problems and self-monitoring. There were 23 students divided into two groups, with 11 belonging to a public Higher Education Institution and the other 12 volunteers from a private institution. We used the focus group method. The resolution of academic social problems was conceived as a set of situations involving different aspects of the experience in Higher Education and self-monitoring as the behavior of expression that can be monitored, evaluated and self-regulated. Although the student invests in affective, cognitive and social efforts and recognize and seek possible solutions, this does not necessarily promote the desired changes, indicating that it is only a stopgap among the different obstacles encountered in academic adaptation.

Keywords:
Atonomy; higher education; adaptation.

Resumen

En el presente estudio se investigó las concepciones de estudiantes de cursos de graduación de una universidad pública y de una universidad privada sobre resoluciones de problemas académicos y auto-monitoreo. Participaron 23 estudiantes divididos en dos grupos, 11 pertenecían a una Institución de Enseñanza Universitaria pública y 12 eran voluntarios de una Institución privada. Se utilizó el método de grupo focal. La resolución de problemas sociales académicos fue concebida como un conjunto de situaciones que abarcan distintos aspectos de las vivencias en la Enseñanza Universitaria y el auto-monitoreo como la expresión de comportamientos pasibles de ser controlados, evaluados y autorregulados. A pesar del alumno invertir en esfuerzos afectivos, cognitivos y sociales y de reconocer y buscar posibles soluciones no necesariamente promueve los cambios deseados, indicando que se constituye solamente un paliativo delante de los distintos obstáculos encontrados en la adaptación académica.

Palabras clave:
Autonomía; educación superior; adaptación.

Introdução

A entrada na Universidade pode ser considerada um momento de transição na vida do estudante (Fagundes, Luce, & Espinar, 2014Fagundes, C.V., Luce, M.B., & Espinar, S.R. (2014). O desempenho acadêmico como indicador de qualidade da transição Ensino Médio-Educação Superior. Ensaio Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 22(84), 635-670.), pois implica na confrontação de desafios no ajustamento à universidade e envolve questões acadêmicas, pessoais, interpessoais, vocacionais e institucionais (Teixeira, Castro, & Piccolo, 2007Teixeira, M. A. P.; Castro, G. D.; & Piccolo, L. R. (2007). Adaptação à Universidade em Estudantes Universitários: Um Estudo Correlacional. Interação em Psicologia, 11(2), 211-220.), demandando do estudante a utilização de recursos pessoais importantes para um melhor processo de aprendizagem e adaptação acadêmica (Fernandes & Almeida, 2005Fernandes, E. P. & Almeida, L. S. (2005). Expectativas e vivências académicas: Impacto no rendimento dos alunos do 1º ano. Psychologica, 4, 267-278.; Gomes & Soares, 2012Gomes, G.; & Soares, A. B. (2012). Inteligência, habilidades sociais e expectativas acadêmicas no desempenho de estudantes universitários. Psicologia: Reflexão e Crítica, 26(4), 780-789.; Santos & Almeida, 2001Santos, L.; & Almeida, L. S. (2001). Vivências académicas e rendimento escolar: Estudo com alunos universitários do 1.º ano. Análise Psicológica, 19, 205-217.; Soares, Fernandes, & Lima, 2014Soares, A. B; Poubel, L. N.; & Melo, T. V. S. (2009). Habilidades sociais e adaptação acadêmica: um estudo comparativo em instituições de ensino público e privado. Aletheia, 29, 27-42.; Soares, Poubel, & Melo, 2009Soares, A. B.; Fernandes, A. M.; & Lima, C. A. (2014). Estratégias de enfrentamento utilizadas em situações interpessoais consideradas difíceis na universidade. Revista de Trabalhos Acadêmicos, 10, 34-35.). Nesse sentido, o acesso ao Ensino Superior exige do aluno diversas habilidades, entre elas a necessidade de apresentar uma maior autonomia e engajamento com o contexto universitário, o que leva um número expressivo de estudantes a vivenciarem dificuldades na adaptação à universidade, implicando também em entraves no que diz respeito ao rendimento acadêmico (Costa & Leal, 2008Costa, E. S.; & Leal, I. (2008). Saúde psicológica dos estudantes do ensino superior - avaliar para intervir. Actas do 7º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde (pp. 213-216). Porto, Portugal: Universidade do Porto.).

Muitas demandas que ocorrem no contexto universitário fazem com que o estudante tente se adaptar sozinho às situações (Bolsoni-Silva, Leme, Lima, Costa-Júnior, & Correia, 2009Bolsoni-Silva, A.; Leme, V. B. E.; Lima, A. M. A.; Costa-Júnior, F. M.; & Correia, M.R.G. (2009). Avaliação de um Treinamento de Habilidades Sociais (THS) com universitários e recém-formados. Interação em Psicologia, 13(2), 241-251.; Cervinski & Enricone, 2012Cervinski, L. F.; & Enricone, J. R. B. (2012). Percepção de calouros universitários sobre o processo de adaptação ao sair da casa dos pais. Perspectiva, 36(136), 101-110.), apesar de não possuir as habilidades cognitivas e emocionais necessárias. A adequação à universidade envolve atividades como gerenciar o tempo para os estudos, cronogramas, os diversos componentes curriculares, a própria aprendizagem e novos relacionamentos. Cunha e Carrilho (2005Cunha, S. M.; & Carrilho, D. M. (2005). O processo de adaptação ao ensino superior e o rendimento acadêmico. Psicologia Escolar e Educacional, 9(2), 215-224.) afirmam que as dificuldades de adaptação dos estudantes ao Ensino Superior estão relacionadas às exigências e dificuldades das atividades acadêmicas, sociais e interpessoais. As autoras ressaltam que a qualidade da transição do Ensino Médio para o Superior pode depender de aspectos psicossociais dos alunos e do apoio institucional disponibilizado. Consideram ainda que o primeiro ano nos cursos de graduação é um período crítico, pois exige interação e adaptação aos novos desafios. Neste sentido, a adaptação ao universo acadêmico não é tarefa apenas dos estudantes, mas deveria envolver as propostas administrativas e pedagógicas oferecidas pelas instituições.

Na rotina universitária muitas são as situações enfrentadas pelos alunos em sua adaptação ao Ensino Superior. A resolução de problemas sociais é um processo comportamental no qual o sujeito aprende a ter um repertório de respostas disponíveis potencialmente efetivas, aumentando a probabilidade de escolhas de respostas, desenvolvendo habilidades para obter informações relevantes para o processo de resolução de problema, compreendendo e avaliando as consequências e a relevância de suas ações (D’Zurilla & Goldfried, 1971D’Zurilla, T. J.; & Goldfried, M.R. (1971). Problem solving and behavior modification. Journal of Abnormal Psychology, 78(1), 107-126.). Segundo D’Zurilla e Nezu (2007)D’Zurilla, T. J.; & Goldfried, M.R. (1971). Problem solving and behavior modification. Journal of Abnormal Psychology, 78(1), 107-126. a resolução de um problema social é uma atividade consciente e racional, um processo de aprendizagem, uma estratégia geral de enfrentamento, um método de autocontrole.

Dependendo dos objetivos da resolução de problemas, o processo pode ser direcionado para modificar a situação problemática, reduzindo o problema ou situação difícil. Para os autores o sucesso na resolução de problemas reduz as dificuldades de adaptação diante das dificuldades cotidianas da vida e afirmam que existe diferença individual nesta habilidade. Em outros termos, a solução dos problemas aumenta a probabilidade de adaptação de enfrentamento numa variedade de situações problemáticas. Neste sentido, o estudante que desenvolve capacidades de resolução de problemas apresenta comportamentos que o levam a discriminar e definir situações-problema, a avaliar e a escolher estratégias mais adaptadas para o enfrentamento das situações que se apresentam no cotidiano acadêmico.

Assim, diante dos diversos problemas enfrentados pelo estudante iniciante, este provavelmente teria melhor condição de interagir com os eventos do cotidiano universitário se soubesse identificar os problemas, selecionando e implementando as soluções ou alternativas mais adaptadas, além de monitorar (autorregular) o próprio desempenho (Zimmerman & Schunk, 2001Zimmerman, B. J.; & Schunk, D. H. (2001). Self-regulated learning and academic achievement. Theorical perspectives (2a. ed.). New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates Publishers.). Em pesquisa realizada por Bolsoni-Silva e Ribeiro (2011Bolsoni-Silva, A.; & Ribeiro, D. (2011). Potencialidades e dificuldades interpessoais de universitários: Estudo de caracterização. Acta Comportamentalia, 19(2), 205-224.) as autoras citam estudos que destacam a importância da pesquisa sobre resolução de problemas em estudantes universitários e os resultados significativos encontrados referentes à correlação positiva entre resolução de problemas, ajustamento, motivação e desempenho acadêmico. Identificaram que habilidades de autorregulação, autocontrole e monitoria do próprio comportamento são preditivas da competência acadêmica. Além disso, a pesquisa encontrou relação significativa entre o índice elevado de nervosismo e tristeza e o baixo índice dos escores de competência social e expressividade afetiva.

Baker (2003Baker, S. (2003). A prospective longitudinal investigation of social problem solving appraisals on adjustment to university, stress, health, and academic motivation and performance. Personality and Individual Differences, 35, 569-591.) realizou pesquisa com 104 estudantes universitários sobre habilidade autoavaliativa de resolução de problema (self-appraised social problem solving ability). Os resultados obtidos sugerem que a resolução de problema é um importante preditor do ajustamento sociopsicológico dos estudantes à universidade, da percepção do nível de estresse, da orientação motivacional, do desempenho na universidade e da carreira. É importante ressaltar que as estratégias de enfrentamento baseadas na resolução de problemas constituem um preditor positivo de adaptação ao Ensino Superior (Carlotto, 2013Carlotto, R. C. (2013). Adaptação acadêmica e coping em estudantes universitários. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, Santa Maria-RS.), colaborando no manejo das situações estressoras (Carlotto, Câmara, Otto, & Kauffmann, 2010Carlotto, R. C. (2013). Adaptação acadêmica e coping em estudantes universitários. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, Santa Maria-RS.; Cohen, Ben-Zur, & Rosenfeld, 2008Cohen, M.; Ben-Zur, H.; & Rosenfeld, M. J. (2008). Sense of Coherence, Coping Strategies, and Test Anxiety as Predictors of Test Performance Among College Students. International Journal of Stress Management, 15(3), 289-303. doi: 10.1037/1072-5245.15.3.289.
https://doi.org/10.1037/1072-5245.15.3.2...
; Gan, Hu, & Zhang, 2010Gan, Y., Hu, Y., & Zang, Y. (2010). Proactive and preventive coping in adjustment to college. The Psychological Record, 60(4), 643-658.; Lazarus & Folkman, 1984Lazarus, R. S.; & Folkman, S. (1984). Stress, appraisal, and coping. New York: Springer.). Para a autora, a resolução de problema é ainda um processo que capacita os indivíduos a identificarem e implementarem de forma eficaz estratégias de enfrentamento para lidarem com problemas e demandas do cotidiano. Dessa forma, a resolução de problema pode agir para aumentar a competência geral e a adaptação, reduzindo níveis de estresse e minimizando os efeitos emocionais das situações problema.

Um fator importante no sucesso da resolução de problemas por parte do estudante - como buscar tomar decisões, autocontrolar as expressões comportamentais (tanto emocionais como cognitivas) e encontrar estratégias de enfrentamento mais eficazes para melhor administrar o cotidiano da vida acadêmica - é a automonitoria. Snyder e Gangestad (1986Snyder, M.; & Gangestad, S. (1986). On the Nature of Self-Monitoring: Matters of Assessment, Matters of Validity. Journal of Personality and Social Psychology, 51(1), 125-139.) definem a automonitoria como a habilidade que uma pessoa possui de gerir sua autoapresentação, modelando suas ações de acordo com as pistas situacionais captadas do ambiente. Os autores acrescentam ainda que o construto se reporta à diferenças individuais e ao controle expressivo da autoapresentação pública nas situações de interação com o outro e trata-se de diferença univariada cuja distribuição discreta ocorre de duas formas: pessoas com baixo e alto escore em automonitoria. Segundo Wilmot (2015Wilmot, M. P. (2015). A Contemporary Taxometric Analysis of the Latent Structure of Self-Monitoring. Psychological Assessment, 27(2), 353-364.), pessoas com alto escore em automonitoria regulam a expressão da autoapresentação pelo fato de preocuparem-se com a presença pública, por serem responsivos às pistas do contexto social e interpessoal e por visarem uma adequação situacional. O autor afirma que pessoas com baixo escore são mais alinhadas aos aspectos internos ao se autoapresentarem. Neste sentido, Barreiros (2012Barreiros, J. (2012). Automonitoragem: processo baseado no comportamento prossocial. Dissertação de Mestrado, Instituto Universitário Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, ISPA, Lisboa, Portugal.) acrescenta que indivíduos utilizam estratégias de gestão de impressão, comunicando e produzindo autorepresentações no outro a partir de características presentes na interação, como uma forma de adequação àquele contexto e que pessoas com alto escore em automonitoria exibem uma maior capacidade e motivação para apresentarem comportamentos que respondam a pistas sociais. O autor sugere que os automonitores elevados seguem uma lógica de resolução de problemas, acionando na memória crenças e valores do outro e possíveis efeitos. Dessa forma, promovendo comportamentos ou ações que conduzam a resultados mais adaptados à situação vivenciada, mostrando que pessoas denominadas de automonitores elevados buscam mais informações sobre as relações interpessoais.

Na universidade, o estudante que possui melhores habilidades para refletir sobre as dificuldades encontradas e pensar sobre possibilidades mais efetivas de superá-las, sendo capaz, por exemplo, de levantar informações, questionar, antever as possíveis consequências das ações implementadas, acaba por manejar melhor os desafios com os quais se depara. Assim, apesar da complexidade que envolve o ajustamento acadêmico, a entrada no Ensino Superior pode se constituir numa oportunidade de crescimento pessoal (Fernandes & cols., 2005Fernandes, E. P. & Almeida, L. S. (2005). Expectativas e vivências académicas: Impacto no rendimento dos alunos do 1º ano. Psychologica, 4, 267-278.) se os recursos pessoais forem suficientemente flexíveis para contribuir com as adaptações necessárias presentes no ambiente universitário.

Guarino, Michael e Hocevar (1998Guarino, A., Michael, W. B., & Hocevar, D. (1998). Self-Monitoring and Student Integration of Community College Students. The Journal of Social Psychology, 138(6), 754-757. doi: 10.1080/0022454980960326.
https://doi.org/10.1080/0022454980960326...
) realizaram pesquisa com 380 estudantes universitários norteamericanos utilizando a escala de automonitoria de 18 itens de Snyder e Gangestad (1986Snyder, M.; & Gangestad, S. (1986). On the Nature of Self-Monitoring: Matters of Assessment, Matters of Validity. Journal of Personality and Social Psychology, 51(1), 125-139.). A amostra incluiu alunos de ambos os sexos, diferentes etnias, idade entre 17 a 53 anos e de turmas de introdução à Psicologia. Os autores concluíram que o engajamento à universidade entre os participantes do sexo masculino e com escores elevados em automonitoria era significativamente mais elevado quando comparado aos alunos que obtiveram baixos escores em automonitoria. Por outro lado, os estudantes com baixos escores em automonitoria se engajaram mais academicamente do que os alunos com altos escores. Os autores sugerem a utilização da escala no ato da matrícula para identificar previamente alunos que apresentam mais engajamento social ou acadêmico.

Considerando os diversos aspectos que concorrem para a adaptação acadêmica do aluno, esta pesquisa teve o objetivo de identificar quais as concepções dos estudantes sobre resoluções de problemas sociais acadêmicos e automonitoria, se estas diferem dos conceitos trazidos pela literatura e comparar as percepções de estudantes de universidades pública e privada sobre os construtos.

Método

Participaram deste estudo 23 estudantes distribuídos em dois grupos: um grupo com 11 participantes de uma IES pública e outro com 12 participantes de IES privada. Os alunos cursavam o primeiro e segundo períodos dos cursos de graduações. Ambas as instituições foram escolhidas por conveniência. O grupo da IES privada foi formado por seis voluntários do sexo masculino (50%) e seis do sexo feminino (50%), sendo cinco do curso de Sistema da Informação (41,6%), três de Serviço Social (25%), três de Administração (25%) e um de Enfermagem (8,4%). A média de idade foi de 21,6 anos (DP=2,42). Na IES pública participaram 11 voluntários todos do sexo feminino (100%), dos quais um do curso de Geografia (9,09%), três de Matemática (27,28%) e sete de Pedagogia (63,63%). A média de idade foi de 19,72 anos (DP=1,85). Em relação à classe social, os dados obtidos através do Questionário Sociodemográfico constataram que um (4,34%) dos participantes pertencia à classe A1, cinco (21,76%) a B1, oito (34,78%) a B2, sete (30,43%) a C1 e dois (8,69%) a C2.

Foi utilizado o método de grupo focal, que permite o acesso a formas de linguagens, expressões, representações, valores, crenças e preconceitos, características compartilhadas por um grupo, gerando novas concepções pela análise ou problematização de uma ideia por meio de um processo dialético entre os participantes (Gatti, 2005Gatti, B.A. (2005). Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Liber Livro.). Os dois grupos focais ocorreram em dias e horários diferentes e previamente agendados. Os contatos foram realizados com as coordenações dos cursos e o convite aos alunos ocorreu através de visita em sala de aula, informando local e horário da atividade. Os grupos focais foram dinamizados apenas pelo moderador, as falas registradas com gravador de som e os participantes foram acomodados em salas adequadas, evitando-se qualquer interferência. As regras de conduta estabeleceram que as falas não deveriam ser extensas, garantindo a participação de todos e que não havia a exigência de consenso de opiniões. O moderador esclareceu que para iniciar as discussões introduziria “motes” com 20 minutos de discussão para cada um versando sobre os conceitos propostos. Os grupos focais tiveram duração de cerca de uma hora e trinta minutos e ocorreu um encontro com cada grupo. Os estudantes foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo, participação voluntária, da garantia de sigilo dos dados e assinaram o “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” (TCLE). O estudo foi aprovado pelo Comitê de ética da Universidade.

Os dados obtidos foram submetidos à Análise de Conteúdo, que segundo Bardin (2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.) é um método que conjuga técnicas de análise das comunicações, utilizando procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo. As falas dos participantes foram transcritas, possibilitando a verificação cuidadosa das contribuições dos grupos. A construção de categorias ocorreu pela saturação dos temas apresentados, permitindo a análise do material quanto às significações e implicações das falas transcritas. As contribuições foram organizadas em dois eixos temáticos: resolução de problemas e automonitoria. A resolução de problemas dividiu-se em identificação dos problemas e resolução das situações e a automomitoria em definição e resolução das situações.

Resultados e Discussão

As ideias obtidas nos grupos focais abrangeram as habilidades concebidas pelos discentes sobre os construtos pesquisados e também as concepções conceituais. As falas mais relevantes foram reproduzidas, tendo sido feitos ajustes à ortografia de algumas expressões. Foram detectadas quatro subcategorias para identificação dos problemas. A primeira, funcionamento burocrático, é entendida pelos critérios de avaliação adotados pela instituição e pelo conhecimento e acesso aos serviços oferecidos para os alunos. As questões trazidas pelos grupos versaram sobre aspectos muito semelhantes, como as normas que organizam a estrutura pedagógica da universidade, conforme a fala apresentada no grupo da IES pública “então a gente não sabe como é... as avaliações, como são os professores, os procedimentos que tem, que tem burocracia, por isso a gente tem que saber como funciona” e da IES privada“ a gente procura informações, informações contrárias, informações com relação às provas, dias de teste”. Tais normas são informações que fazem parte de um conjunto de documentos e ações, como por exemplo, o Projeto Pedagógico Institucional (PPI), o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), o Projeto Pedagógico de Curso (PPC) e o Currículo, que explicitam a proposta da instituição, o que esta almeja para a formação cidadã e crítica dos estudantes, que deveriam estar acessíveis e com conhecimento dos alunos. Assim, as mudanças acarretadas pela entrada no Ensino Superior precisariam vir acompanhadas de suporte que promovesse aprendizados sobre as ditas normas e documentos, contribuindo com o desenvolvimento do aluno. Cunha e Carrilho (2005Cunha, S. M.; & Carrilho, D. M. (2005). O processo de adaptação ao ensino superior e o rendimento acadêmico. Psicologia Escolar e Educacional, 9(2), 215-224.) ressaltam o compromisso da universidade com a melhoria da condição humana. Para tal, seria importante que métodos, currículos, objetivos e metodologias de aprendizagem fossem revistos. Fernandes e Almeida (2005Fernandes, E. P. & Almeida, L. S. (2005). Expectativas e vivências académicas: Impacto no rendimento dos alunos do 1º ano. Psychologica, 4, 267-278.) apontam para a necessidade de o estudante conhecer aspectos sobre o novo ambiente de aprendizagem, o que seria um elemento facilitador para o investimento discente nas questões acadêmicas.

A segunda, diferença nas atividades e exigências entre o Ensino Médio e o Superior, é definida por seus aspectos desafiadores, tais como o gerenciamento do quantitativo de disciplinas, das atividades menos encadeadas e menos apoiadas em livros ou apostilas, da necessidade de maior autonomia para administrar horários e tarefas a serem cumpridas, do relacionamento com os professores, caracterizado por um distanciamento maior, além da construção de novas relações num ambiente bem diversificado de amizades. Essas questões exigem que o aluno empregue habilidades muitas vezes adquiridas de forma “solitária”, numa tentativa de se adaptar as novas demandas, havendo aqueles que apresentam muitas dificuldades (Bolsoni-Silva & cols., 2009Bolsoni-Silva, A.; Leme, V. B. E.; Lima, A. M. A.; Costa-Júnior, F. M.; & Correia, M.R.G. (2009). Avaliação de um Treinamento de Habilidades Sociais (THS) com universitários e recém-formados. Interação em Psicologia, 13(2), 241-251.). Em ambos os grupos houve semelhança na significação dos aspectos compreendidos como de difícil manejo na transição de modalidades de ensino, conforme relatos de voluntários da IES particular, “é outro mundo... a gente estuda com um sistema totalmente diferente... você sai do Ensino Médio. Você tem que tirar boa nota... aqui você por você mesmo” e da IES pública “meu primeiro problema aqui foi... fazer uma resenha de... (risos) um texto na disciplina de Psicologia, porque a gente vem do Ensino Médio a gente tá lendo ficção, romance, né?”.

A expansão do acesso ao Ensino Superior trouxe para o cenário uma diversidade de alunos. É o estudante mediano ou mesmo da primeira geração (sem antecedentes familiares na universidade) que está chegando ao Ensino Superior, estabelecendo a responsabilidade de uma maior proximidade da universidade com o Ensino Médio na captação e formação dos estudantes (Santos & Almeida, 2001Santos, L.; & Almeida, L. S. (2001). Vivências académicas e rendimento escolar: Estudo com alunos universitários do 1.º ano. Análise Psicológica, 19, 205-217.; Soares & cols., 2014Soares, A. B.; Fernandes, A. M.; & Lima, C. A. (2014). Estratégias de enfrentamento utilizadas em situações interpessoais consideradas difíceis na universidade. Revista de Trabalhos Acadêmicos, 10, 34-35.). Neste sentido, a universidade não pode permanecer isolada da comunidade, mas integrar-se ao compromisso de preparar cidadãos para a sociedade do conhecimento. Fagundes e cols. (2014Fagundes, C.V., Luce, M.B., & Espinar, S.R. (2014). O desempenho acadêmico como indicador de qualidade da transição Ensino Médio-Educação Superior. Ensaio Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 22(84), 635-670.) apontam os conflitos gerados pela transição do Ensino Médio para o Superior e sua influência no rendimento acadêmico, ressaltando que a má formação na Educação Básica é de fundamental importância para a compreensão do progresso nos períodos iniciais no Ensino Superior.

A terceira subcategoria, o falar em público, é entendida como a expressão de ideias e de argumentações. Este aspecto envolve diferentes habilidades, como responder a perguntas do professor, falar com autoridades, saber ouvir, concordar e discordar, argumentar, dar e receber críticas, negar pedidos ou aceitá-los. No contexto acadêmico, expressar ideias para o grupo faz parte do processo de desenvolvimento do estudante. Os grupos participantes reconheceram como difícil o manejo deste aspecto da vida acadêmica, conforme fala no grupo da IES pública “numa questão que é muito difícil: falar em público (risos) e meu curso exige muito disso, mas é uma questão muito difícil” e da IES particular “quando você tá numa universidade você tem que colocar pra fora o que você pensa e acabou! Então eu comecei a me soltar”. Este aspecto abrange um conjunto de habilidades cognitivas e comportamentais que permite que a pessoa consiga responder às demandas sociais e interpessoais em determinado contexto (Bolsoni-Silva & cols., 2009Bolsoni-Silva, A.; Leme, V. B. E.; Lima, A. M. A.; Costa-Júnior, F. M.; & Correia, M.R.G. (2009). Avaliação de um Treinamento de Habilidades Sociais (THS) com universitários e recém-formados. Interação em Psicologia, 13(2), 241-251.). Além disso, são habilidades assertivas e de enfrentamento, que precisariam ser desenvolvidas no espaço acadêmico, pois são fundamentais no auxílio ao estudante à sua vida universitária, além de serem imprescindíveis no contexto de sala de aula (Gomes & Soares, 2012Gomes, G.; & Soares, A. B. (2012). Inteligência, habilidades sociais e expectativas acadêmicas no desempenho de estudantes universitários. Psicologia: Reflexão e Crítica, 26(4), 780-789.).

A quarta subcategoria foi desdobrada em duas e diferente para os grupos. Para a IES pública, o lidar com grupos de trabalho é definido aparentemente pelo número excessivo de alunos participantes. No entanto, tal queixa serve para encobrir o fato recorrente de evitar a relação de alunos com certos colegas de classe rotulados como pouco participativos nas tarefas de grupo, mantendo-os afastados devido aos interesses almejados, conforme apresentado nas falas dos participantes "não adianta um grupo grande se não vai colaborar e vai ganhar nota em cima do que eu fiz”. Na verdade, o objetivo é formar grupos específicos, dificultando a inserção de novos membros. A universidade tem o compromisso de construir e reconstruir conhecimento, mas também estabelecer e aprimorar relações. O graduando de hoje, provavelmente será o profissional de amanhã e este não será aceito e respeitado pelos demais apenas pela capacidade de trabalho, mas pela habilidade na aceitação e manutenção de relações harmoniosas no/com o grupo. Astin (1993Astin, A. W. (1993). What matters in college?. San Francisco: Jossey-Bass.) já ressaltava a importância do ambiente criado pelos estudantes e pela instituição, os tipos de colegas, as vivências com estes, mas principalmente a relevância que os pares têm no crescimento e desenvolvimento do aluno durante os anos da graduação.

A didática docente foi construída a partir da contribuição da fala dos alunos da IES privada. Essa se refere à dificuldade que o aluno apresenta em compreender os objetivos dos conteúdos disciplinares e, consequentemente, obter sucesso nas avaliações, segundo a fala do grupo “a gente tem é... uma série de matérias e tem professores que a gente não consegue entender”. Ao ingressar no Ensino Superior, o aluno alimenta a expectativa de que o professor é quem deve ser o agente ativo em seu processo de aprendizagem, é quem deve mostrar as razões que justificam o estudo dos conteúdos, sua relevância e facilidade de assimilação, além de uma apresentação atraente. Por outro lado, os professores esperam que os alunos sejam ativos, interessados, questionadores, dotados de espírito investigativo, capazes de usar as estratégias de aprendizagem adequadas, de valorizar os conteúdos e de reconhecer os objetivos das disciplinas em particular e do curso como um todo (Bravo, Chaud, & Abreu, 2013Bravo, C. B.; Chaud, D. M. A.; & Simioni, E. (2013). Avaliação da motivação acadêmica de universitários do curso de nutrição de uma universidade privada de São Paulo. Revista Simbio-Logias, 6(9), 57-72.). No entanto, para Hoffmann (2009Hoffmann, J. (2009). Avaliar para promover: As setas do caminho (11ª. ed.). Porto Alegre: Mediação.) é no conjunto das ações docentes e discentes que se observam as mudanças. Os alunos devem primar pelo interesse, avanços e necessidades pedagógicas e o docente em oferecer ao aluno muitas e diversificadas oportunidades de pensar, buscar conhecimentos, engajar-se na resolução de problemas, reformular hipóteses e comprometer o aluno com seus avanços e dificuldades.

Na resolução das situações foram identificadas três subcategorias. A primeira foi o suporte social, entendida como o apoio encontrado nos pares, professores e familiares. Tanto os alunos de universidade pública como privada buscam a ajuda mútua, inclusive daqueles com maior experiência, os veteranos, que na concepção dos iniciantes, são pessoas que já vivenciaram situações semelhantes na instituição. Suas orientações e informações são revestidas de considerável confiabilidade, conforme apresentado nas falas do grupo da IES pública “é mais mesmo com os veteranos” e da IES privada pelo apoio dos pares “a turma é muito unida, super legal”. Os discentes parecem compreender que no contexto universitário é relevante almejar para si relações interpessoais favoráveis. Nesse sentido, os estudantes entendem que as relações oportunizam o conhecimento e a possibilidade de trocas com os pares, tecendo uma rede de informações que lhes garantam o acesso a esclarecimentos não disponibilizados pela própria instituição. Ademais, o espaço acadêmico é um local de aquisição de conhecimento, do exercício da aprendizagem, da relação privilegiada entre os pares, contribuindo para o desenvolvimento cognitivo e social e para a eficácia interpessoal (Iturra, Goic, Astete, & Jara, 2012Iturra, G. O.; Goic, C. E.; Astete, E. P.; & Jara, M. O. (2012). Habilidades sociales y rendimento académico: Una mirada desde el género. Acta Colombiana de Psicología, 15(2), 21-28.).

Os professores são consultados nas dúvidas pertinentes às avaliações e no aproveitamento das disciplinas, havendo aqueles que são considerados mais próximos, um modelo profissional, no qual o aluno busca outras informações pertinentes à futura vida profissional. Leite (2012Leite, S.A.S. (2012). A afetividade nas práticas pedagógicas. Temas em Psicologia, 20(2), 355-368.) ressalta que os aspectos afetivos e cognitivos na relação professor-aluno estão presentes nas principais decisões de ensino feitas pelo docente, constituindo-se como fator essencial das relações que se estabelecem entre o aluno e a aprendizagem, como exemplificado no grupo da IES pública “esse, esse fato acontece alguma matéria a gente procura sempre um professor de confiança, né” e da IES particular “ele é um ótimo profissional, ele... ele realmente é muito bom”.

Na família, o estudante procura o diálogo e o apoio emocional diante das incertezas. A idade também é um fator a ser levado em consideração, pois muitos estudantes ainda são dependentes dos familiares. Cervinski e Enricone (2012Cervinski, L. F.; & Enricone, J. R. B. (2012). Percepção de calouros universitários sobre o processo de adaptação ao sair da casa dos pais. Perspectiva, 36(136), 101-110.) sinalizam a importância da qualidade das relações, do apoio emocional e do diálogo com familiares no momento da transição e adaptação à universidade, pois estes fatores contribuem positivamente no processo de ambientação, conforme exemplificado no grupo da instituição pública “peço conselho primeiro pra minha mãe” e da particular “ajuda do marido”.

A segunda subcategoria, ajuda divina e resolver situações, foi trazida apenas nas falas dos alunos das IES pública e se relaciona à procura de possíveis soluções de enfrentamento das dificuldades, sendo a primeira referente a resultados que não dependem da participação ativa do estudante e a segunda a busca efetiva de alternativas. O conceito de enfrentamento refere-se ao conjunto de estratégias utilizadas pelos indivíduos para se adaptarem a situações consideradas estressantes ou adversas (Lazarus & Folkman, 1984Lazarus, R. S.; & Folkman, S. (1984). Stress, appraisal, and coping. New York: Springer.). Os autores afirmam que a eficiência das estratégias de coping sustenta-se em qualquer possibilidade de conduzir as situações de estresse mesmo que os resultados não sejam os mais assertivos. Já a terceira subcategoria, recursos próprios, foi construída a partir das falas do grupo de IES privada e se refere à tentativa de busca de soluções diante dos problemas institucionais encontrados, lançando mão de recursos materiais próprios ou pessoais para minimizar as deficiências materiais, tentando garantir o dinamismo nos conteúdos propostos da aula, conforme a fala do grupo “trazer o nosso computador pessoal pra cá.”. Para Soares e cols. (2009Soares, A. B; Poubel, L. N.; & Melo, T. V. S. (2009). Habilidades sociais e adaptação acadêmica: um estudo comparativo em instituições de ensino público e privado. Aletheia, 29, 27-42.) os discentes de IES privada parecem apresentar maior autonomia, provavelmente pelo fato de muitos serem provenientes de cursos noturnos, isto é, alunos trabalhadores que se encontram ávidos para concluírem um projeto de vida relacionado à aplicabilidade do aprendizado obtido nos componentes curriculares as melhorias salariais e promoções no trabalho.

Para a automonitoria a definição foi desdobrada em subcategorias, não havendo distinção entre as construídas para o grupo de IES pública e privada. A primeira subcategoria, o controle das situações é entendido pela condição de dominar as circunstâncias adversas que venham a surgir, conforme apresentado na fala do grupo da IES pública “é controlar a situação. É resolver, buscar solução” e da particular “é uma... autopoliciamento disso, não só da parte acadêmica, mas... mas de todas as outras áreas da vida.”. O aluno diante dos diferentes obstáculos que enfrenta no seu contexto universitário possui o desejo de resolver as adversidades, acreditando que pode exercer um controle das situações internas e externas que vivência. Furtado, Falcone e Clark (2003Furtado, E. S., Falcone, E. M. O., & Clark, C. (2003). Avaliação do estresse e das habilidades sociais na experiência acadêmica de estudantes de medicina de uma universidade do Rio de Janeiro. Interação em Psicologia, 7(2), 43-51.) em estudo sobre estresse em estudantes de medicina, definem o conceito de estressor (interno e externo) como todo evento que perturbe o equilíbrio interno, exigindo uma adaptação. Os estressores externos ocorrem muitas vezes de forma independente das situações internas da pessoa, sendo os internos determinados pelo modo de ser do indivíduo. As autoras propõem a implementação de programas de treinamento de resolução de problemas, que também poderiam ser desenvolvidos com graduandos de outros cursos, atenuando as vivências consideradas difíceis no contexto universitário.

A segunda subcategoria, avaliação, é compreendida como um processo de apreciação de resultados obtidos em relação às metas acadêmicas. Ao avaliar-se, o estudante tem como parâmetro o próprio nível de realização atual a ser comparado com o nível dos demais alunos, conforme trazido pelo grupo da IES pública “é eu me avaliar mesmo. É eu ver onde eu estou errando, onde está os acertos, para cercar o problema se tiver.” e da IES privada “uma espécie de avaliação de acordo com estudo que a gente está fazendo, porque vem da disciplina, um novo aprendizado, que vai ser aplicado.”. Neste sentido, o discente aponta o compromisso com a própria aprendizagem. No entanto, são necessários critérios avaliativos claros para melhor acompanhar o desempenho (Hoffmann, 2009Hoffmann, J. (2009). Avaliar para promover: As setas do caminho (11ª. ed.). Porto Alegre: Mediação.), permitindo identificar o tipo e a quantidade de esforço para atingir as metas almejadas.

Empenho é a terceira subcategoria e diz respeito à capacidade de dedicar-se as atividades acadêmicas com perseverança em diferentes situações, agindo de forma adaptada ao contexto. Assim, o estudante que percebe que se utiliza de estratégias para vencer as adversidades supostamente está evitando tomadas de decisões mal sucedidas, conforme trazido pelos participantes da IES particular “através de acertos e erros do outro eu me questiono, não quero ser melhor nem menos nem mais, mais tento utilizar a profissão pra me melhorar” e da IES pública “é um esforço de ir buscar, buscar de qualquer maneira, acho que são os acordos que posso até ter, tipo com meu namorado também para compreender certas distancias, já que estou na faculdade”.

Para automonitoria foi também identificada a resolução de situações dividida em três subcategorias. A primeira foi investimento na aprendizagem e é definida pela necessidade de aprimoramento acadêmico. A expectativa da vida profissional mobiliza no estudante o compromisso de engajar-se com afinco nas atividades propostas, na construção de novos conhecimentos, manifestando comprometimento com a aprendizagem e com o futuro profissional, como expresso pelo grupo da IES pública “você tem que ler mais. Você não pode só chegar na faculdade e ler o que o professor manda e acabou, você tem que buscar informação” e na instituição privada “é a mesma coisa na faculdade, se você pode tirar uma nota boa, por que você não pode tirar uma nota melhor ainda?”. Nesse sentido, as contribuições sugerem que se trata de um processo no qual de forma consciente e autodirigida o aluno se esforça para adequar o pensamento, a cognição, o afeto, a motivação e o comportamento em benefício dos objetivos acadêmicos. Trata-se de um processo cíclico, dinâmico, aglutinador que se sustenta a partir das experiências de aprendizagem do próprio aluno (Zimmerman & Schunk, 2001Zimmerman, B. J.; & Schunk, D. H. (2001). Self-regulated learning and academic achievement. Theorical perspectives (2a. ed.). New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates Publishers.). Já a auto-organização, segunda subcategoria, refere-se à capacidade de coordenar as diferentes tarefas e compromissos acadêmicos, de acordo com a contribuição trazida pelo grupo da IES particular “a gente reuniu, é... pediu pra que ele retrocedesse, conversamos com ele, nos prontificamos até em vir de repente, até num final de semana” e da IES pública “o uso de agenda”. A transição de modalidade de ensino pode ser compreendida como um processo que implica numa descontinuidade na trajetória escolar do estudante, promovendo mudanças de comportamento, de papéis e ambientes mediados por aspectos institucionais e sociais. As dúvidas que surgem sobre a própria capacidade de gerir os diferentes desafios provocados pela transição do Ensino Médio para uma modalidade de ensino com maior exigência são comuns nos primeiros períodos da universidade e que provavelmente darão lugar a consolidação de saberes e a adaptação ao ambiente da universidade (Santos & Faria, 1999Santos, N. L.; & Faria, L. (1999). O auto-conceito de competência no contexto universitário: Estudo empírico com estudantes da Universidade Fernando Pessoa. Revista da Universidade de Fernando Pessoa, 4, 201-213.).

Finalmente, a subcategoria foco nos estudos que se refere à resolução de situações, abrange a possibilidade de solucionar as adversidades acadêmicas, conforme trazido pelo grupo da IES particular “fui mau porque eu foquei, por eu não tive, não foquei corretamente, não foquei a atenção correta naquela matéria” e da IES pública “tentar falar menos, prestar atenção no que está sendo passado pra gente e o que é importante é a presença na aula”. O estudante dedica-se ao processo de aprendizagem como um meio de enfrentar e mesmo atenuar as dificuldades impostas pelos problemas decorrentes da adaptação à universidade. Esta capacidade de análise e autodeterminação dos pensamentos e ações é concebida pelo discente como o caminho para efetuar mudanças no comportamento e nas situações. Ao fazer escolhas e decidir quais ações efetivar, o estudante está exercitando uma capacidade cognitiva que permite formular hipóteses, alternativas, resolver problemas e avaliar as prováveis consequências das decisões escolhidas. Lembrando que um problema ou situação problemática pode ser definido como qualquer situação de vida ou tarefa (presente ou futura) que exige uma resposta adaptada, porém nenhuma resposta efetiva é imediatamente apresentada pela pessoa ou pessoas confrontadas com a situação devido à presença de um ou mais obstáculos (D’Zurilla & Nezu, 2007 D’Zurilla, T. J. & Nezu, A. M. (2007). Problem-solving therapy: A positive approach to clinical intervention (3a. ed.). New York: Springer Publishing Company.). Tem-se a suposição que a partir do momento que se conhece como estudantes identificam as situações-problema, avaliam e escolhem as estratégias que irão adotar no curso de suas ações, será possível uma melhor adaptação ao contexto universitário, promovendo o desenvolvimento integral dos alunos.

Considerações Finais

Este estudo teve o objetivo identificar as concepções de estudantes de diferentes cursos de graduação sobre resoluções de problemas sociais acadêmicos e automonitoria e se estas diferem dos conceitos trazidos pela literatura, além de comparar as percepções dos estudantes das instituições pública e privada sobre os construtos. O ingresso e a permanência no Ensino Superior envolvem diferentes fatores, que precisam ser investigados, objetivando promover mudanças que contribuam com a adaptação do estudante ao contexto universitário. Verificou-se que a resolução de problemas sociais acadêmicos é concebida pelos alunos como um conjunto de situações que envolvem diferentes aspectos das vivências dos estudantes no Ensino Superior. A identificação das situações organizadas em categorias possibilitou identificar as concepções apresentadas pelos grupos participantes e constatar que estas são consonantes com a literatura. Já no que tange a automonitoria, constatou-se que os dois grupos a compreendem como a expressão de comportamentos passíveis de serem controlados, avaliados, autorregulados e ainda serem autossuficientes na condução desses comportamentos, demonstrando a crença que seria uma habilidade aprendida no contexto familiar - portanto, previamente ao ingresso na universidade. Contudo, estas concepções em muito diferem da definição de automonitoria proposta na literatura.

Assim, os estudantes apontaram aquilo que detectam como os principais impasses vivenciados: as condições de infraestrutura da instituição; a precariedade de recursos encontrados; a falta de informação sobre a universidade; a didática docente, incluindo os critérios de avaliação; as limitações pessoais quanto à exposição de ideias e o lidar com grupos. As significações sugerem que os discentes compreenderam a automonitoria como uma característica pessoal que pode ser utilizada para reduzir e ou contornar impasses. Deste modo, o aluno procura investir esforços afetivos, cognitivos e sociais para tal, mas o fato de buscarem possíveis soluções não necessariamente promove as mudanças almejadas, o que o pode sugerir que se constituem, muitas vezes, apenas um paliativo diante dos diferentes obstáculos encontrados na adaptação acadêmica. Pode-se observar que os estudantes buscam estratégias para enfrentar as adversidades do contexto universitário. Entretanto, os recursos que empregam para gerirem as adversidades deveriam ser conhecidos e receberem o devido respaldo da universidade, pois sem a integração na dinâmica institucional ficam restritos ao âmbito das dificuldades individuais enfrentadas pelos alunos e suas limitações em solucioná-las. Assim, saber, reconhecer e buscar soluções para os problemas sociais acadêmicos nem sempre são ações executadas utilizando-se comportamentos mais habilidosos, o que pode sugerir um desgaste pessoal e que alimenta a evasão observada no Ensino Superior. Dessa forma, ressalta-se a relevância de estudos nesta área para melhor identificar as questões trazidas e vividas pelos estudantes, efetivando-se ações que forneçam apoio institucional para a resolução dos problemas, primando pela qualidade de ensino cobiçada pelas instituições universitárias, considerando as realidades encontradas entre as instituições pública e privada.

Ressalta-se ainda, que uma limitação do estudo foi não ter sido possível agrupar uma diversidade ainda maior de estudantes advindos de cursos de diferentes áreas do conhecimento como também de instituições de ensino. Outra limitação encontrada no contexto da pesquisa foi o quantitativo restrito de estudos referentes a resoluções de problemas sociais em estudantes universitários, principalmente no tocante a automonitoria, aspecto sobre o qual as pesquisas são insuficientes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2016
  • Aceito
    22 Dez 2016
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