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Documento da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional como subsídio à consulta pública da Base Nacional Comum Curricular - inclusão da disciplina Psicologia no Ensino Médio 1 1 Este documento originalmente foi apresentado na Audiência Pública da Comissão para Reformulação do Ensino Médio na Câmara dos Deputados (Brasília - DF) no dia 28/05/2013, em atendimento ao requerimento nº 28/2013 do Deputado Reginaldo Lopes e contou a presença de Dra. Tania Suely Azevedo Brasileiro, do Conselho Federal de Psicologia (CFP); Dra. Ângela Fátima Soligo, da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) e Dra. Silvia Maria Cintra da Silva, da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). Posteriormente, foi complementado e encaminhado na condição de subsídio para a consulta pública da Base Nacional Comum Curricular na Educação Básica, no Brasil, em dezembro de 2015. Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 21, Número 2, Maio/Agosto de 2017: 347-353.

Document of the Brazilian Association of School and Educational Psychology as an aid to the Public Consultation of the National Curricular Common Base - Inclusion of the Discipline Psychology in High School

Documento de la Asociación Brasileña de Psicología Escolar y Educacional como subsidio a la Consulta Pública de la Base Nacional Común Curricular - Inserción de la Asignatura Psicología en la Enseñanza Secundaria

“Seu compromisso como profissional, sem dúvida, pode dicotomizar-se de seu compromisso original de homem. O compromisso, como um quefazer radical e totalizado, repele as racionalizações. Não posso nas segundas-feiras assumir compromisso como homem, para nas terças-feiras assumi-lo como profissional. Uma vez que ‘profissional’ é atributo de homem, não posso, quando exerço um quefazer atributivo, negar o sentido profundo do quefazer substantivo e original. Quanto mais me capacito como profissional, quanto mais sistematizo minhas experiências, quanto mais me utilizo do patrimônio cultural, que é patrimônio de todos e ao qual todos devem servir, mais aumenta minha responsabilidade com os homens.” Paulo Freire

Introdução

A Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional - ABRAPEE apresenta seu posicionamento na condição de subsídio para a consulta pública, visando o estabelecimento de uma Base Nacional Comum Curricular na Educação Básica, no Brasil. Nesta consulta pública, vem argumentar a favor da inserção da disciplina Psicologia em nível Médio por considerar que seus conteúdos bem como as práticas pedagógicas a ela veiculadas são fundamentais para compor o tripé formativo oriundo da área de Ciências Humanas e composto pelas disciplinas: Filosofia, Sociologia e Psicologia.

A história da presença da Psicologia, como disciplina no Ensino Médio, tem sua origem no século XIX em cursos de formação de professores, em cursos técnicos e propedêuticos, centrada nos conhecimentos produzidos pela Psicologia Educacional. Durante o período da ditadura militar mais recente no Brasil, as disciplinas referentes às áreas de Ciências Humanas foram banidas dos currículos e substituídas pela disciplina intitulada “Organização Social e Política Brasileira” que visava difundir a Lei de Segurança Nacional e retirar a possibilidade de constituição de um pensamento crítico presente nos conteúdos ministrados pelas disciplinas Filosofia, Sociologia e Psicologia. Após o período de Exceção, dá-se o retorno das disciplinas por meio de ampla discussão que culminou com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, em 1996. Embora aprovadas, as disciplinas não foram sancionadas no texto da Lei pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, que alegava a falta de professores no país para a implementação das disciplinas. Somente na década de 2000 retoma-se a discussão acerca da importância destas disciplinas no plano formativo de adolescentes e jovens, tendo a Filosofia e a Sociologia a aprovação no âmbito da composição da grade curricular no Ensino Médio, até o momento.

Historicamente, com a consolidação dos estudos e pesquisas na área de Psicologia Educacional, instaura-se a necessidade de aplicação, no campo da educação, dos conhecimentos da Psicologia, na atuação junto a estudantes e professores, instituindo-se a área de Psicologia Escolar.

Até os anos 1970, de maneira geral, as práticas da Psicologia Escolar centravam-se na avaliação psicológica, por meio dos testes de inteligência, de orientação pedagógica e com a introdução de programas de modificação de comportamento em sala de aula.

As discussões a respeito da dimensão ético-política e científica realizadas a partir de meados dos anos 1970, possibilitaram um movimento de autocrítica da Psicologia como ciência e profissão. No campo da Educação, a Psicologia Escolar e Educacional passou a questionar as práticas clássicas dos psicólogos, buscando dialogar com importantes discussões oriundas da Sociologia e da Filosofia da Educação de perspectivas emancipatórias, como as teorias críticas de Paulo Freire, Demerval Saviani e José Carlos Libâneo; da Antropologia Social e das metodologias etnográficas com pesquisas advindas de experiências em escolas públicas latino-americanas; das teorias de grupos advindas da Psicanálise Argentina, dos movimentos libertários da antipsiquiatria, de Franco Basaglia, na Itália, dentre outros.

Portanto, podemos afirmar que o conhecimento produzido pela Psicologia no campo da Educação reformulou-se de maneira estrutural, nos últimos 30 anos, centrado na compreensão de que a construção de um sólido corpo de conhecimentos deve basear-se: a) no compromisso com a escola democrática e com a democratização das relações pedagógicas e institucionais; b) na busca de referenciais teórico-metodológicos que abarquem a complexidade e a diversidade do processo de escolarização; c) na construção de práticas participativas com os diversos segmentos da educação que visem a superação de problemas estruturais no campo educacional. Com o desenvolvimento do sistema de Pós-Graduação no país, a área de Psicologia Escolar e Educacional desenvolveu-se, construindo um importante campo de conhecimento a serviço da Educação Básica e ao Ensino Superior.

O processo de escolarização e a Psicologia

Vamos considerar inicialmente a escola e o impacto desta instituição na formação das pessoas. Juarez Dayrell (2001Dayrell, J. (2001). A escola como espaço sócio-cultural. Em: J., Dayrell, (Org.) Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG.) fala que a escola precisa ser compreendida como espaço sócio-cultural, constituído por todos aqueles que dela participam, sendo que neste processo, também se constituem como sujeitos.

Para Ezpeleta & Rockwell (1986Ezpeleta, J. & Rockwell, E. Pesquisa participante. (1989). São Paulo: Cortez: Autores Associados., p. 58),

Em cada escola interagem diversos processos sociais: a reprodução das relações sociais, a criação e a transformação de conhecimentos, a conservação ou destruição da memória coletiva, o controle a apropriação da instituição, a resistência e a luta contra o poder estabelecido, entre outros.

Dayrell (2001Dayrell, J. (2001). A escola como espaço sócio-cultural. Em: J., Dayrell, (Org.) Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 139) pergunta: “Quem são estes jovens? O que vão buscar na escola? O que significa para eles a instituição escolar? Qual o significado das experiências vivenciadas neste espaço?”

Se estas perguntas não costumam ser feitas pelos professores, que veem os estudantes de modo homogêneo, tampouco se pensa nas respostas. E que respostas poderíamos dar a estas questões? Para fugirmos do estereótipo de “aluno”, Dayrell (2001Dayrell, J. (2001). A escola como espaço sócio-cultural. Em: J., Dayrell, (Org.) Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 140) sugere que compreendamos o jovem como sujeitos sócio-culturais: “compreendê-lo na sua diferença, enquanto indivíduo que possui uma historicidade, com visões de mundo, escalas de valores, sentimentos, emoções, desejos, projetos, com lógicas de comportamentos e hábitos que lhe são próprios.”

A Resolução Nº 2, de 30 de janeiro de 2012, define as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e em seu Artigo 4o, afirma:

As unidades escolares que ministram esta etapa da Educação Básica devem estruturar seus projetos políticopedagógicos considerando as finalidades previstas na Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional [...] III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;” (Brasil, 2012, p.1).

Destacamos também alguns itens presentes no artigo 5o, sobre as formas de oferta e organização em que se baseia o Ensino Médio (Brasil, 2012, p. 2):

V - indissociabilidade entre educação e prática social, considerando-se a historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos do processo educativo, bem como entre teoria e prática no processo de ensino-aprendizagem;

VI - integração de conhecimentos gerais e, quando for o caso, técnico-profissionais realizada na perspectiva da interdisciplinaridade e da contextualização;

VII - reconhecimento e aceitação da diversidade e da realidade concreta dos sujeitos do processo educativo, das formas de produção, dos processos de trabalho e das culturas a eles subjacentes;

A escola por si, como instituição responsável pela sistematização, divulgação e salvaguarda do conhecimento historicamente produzido pela humanidade, tem também a função importantíssima de humanização dos sujeitos. Para Vigotski (2000Vigotski, L. S. (2000). A construção do pensamento e da linguagem. (P. Bezerra, Trad.). São Paulo: Martins Fontes.), a instituição educacional tem uma característica relevante que é a transmissão do conhecimento científico, superando o conhecimento espontâneo (Facci, 2006Facci, M. G. D. (2006). Vigotski e o processo de ensino-aprendizagem: a formação de conceitos. Em: S., Miller & S. G. L., Mendonça (Org.), Vigotski e a escola atual: fundamentos teóricos e implicações pedagógicas. Araraquara: Junqueira & Marin.). Como escreve Nascimento (2010Nascimento, C. P. (2010). A organização do ensino e a formação do pensamento estético-artístico na teoria histórico-cultural. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo., p. 13):

Fora dessa função, fora do compromisso de garantir que as novas gerações se apropriem das máximas possibilidades de conhecimento sobre o mundo, produzido nas diversas esferas da vida, a escola ficará fadada a poucas ou mínimas contribuições para a formação de sujeitos de cuja humanidade possa se dar de modo verdadeiramente humanizado.

Por meio da sistematização do conhecimento e da mediação do professor, a escola mostra-se fundamental na formação de conceitos científicos para os alunos, pois o conhecimento teórico não pode apreendido somente pelas experiências das situações ordinárias do dia a dia, mas precisa de uma organização específica, com a imprescindível presença do docente. Somente com a apropriação dele sobre o conhecimento teórico é possível que os diferentes conteúdos sejam ensinados aos estudantes.

A escola é, então, um espaço importantíssimo, pois permite o contato com um universo de novas vivências. Quando a criança entra na escola, tem oportunidade para experimentar um grande número de situações, aprender novos conhecimentos, experienciar diferentes sentimentos e interagir com pessoas que trazem outras histórias de vida e modos de se relacionar com a instituição. Essas oportunidades incentivam a aprendizagem e o desenvolvimento de todos os envolvidos no processo educativo.

Inspirada por Pino (2005Pino, A. (2005). As marcas do humano: as origens da constituição cultural da criança na perspectiva de Lev S. Vigotski. São Paulo: Cortez.), Mazzuchelli (2010Mazzuchelli, D. S. R. (2010) A constituição da criança na escola: marcas das experiências iniciais. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia.) considera o ser humano como obra de dois nascimentos: um biológico e outro cultural, sendo que o nascimento cultural estende-se em vários eventos ao longo da vida, sendo a escola um deles. Segundo a autora, a expressão “nascimento escolar” caberia na compreensão a respeito do impacto que a escola no desenvolvimento dos sujeitos em nossa sociedade, já que se faz presente em nossas vidas cada vez mais precocemente.

Os conhecimentos advindos da Psicologia Escolar e Educacional, da Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento confirmam a extrema importância do processo de escolarização para a aprendizagem e desenvolvimento dos sujeitos.

Indivíduos que passaram pelo processo de escolarização mostram diferenças no desenvolvimento cognitivo em relação àqueles que não tiveram tal oportunidade. Um curioso estudo desenvolvido por Luria (2001Luria, A. R. (2001) Diferenças culturais de pensamento. Em: L. S., Vigotskii; A. R., Luria; & A. N., Leontiev (Org.), Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. (M. P. Villalobos, Trad.). São Paulo: Ícone.) mostrou que processos de abstração e generalização são culturalmente constituídos e não consequências inatas do desenvolvimento humano.

Para Facci (2004Facci, M. G. D. (2006). Vigotski e o processo de ensino-aprendizagem: a formação de conceitos. Em: S., Miller & S. G. L., Mendonça (Org.), Vigotski e a escola atual: fundamentos teóricos e implicações pedagógicas. Araraquara: Junqueira & Marin., p. 192) o “conhecimento adquirido na escola transforma e desenvolve os processos cognitivos das pessoas, fazendo tais processos ultrapassarem os limites da experiência dos indivíduos.” Então, se partimos do pressuposto de que a escola é uma entre inúmeros elementos que constituem o sujeito, sua diferença em relação a outros elementos encontra-se na mediação da aprendizagem dos conceitos científicos, o que só pode acontecer por meio de uma prévia organização do ensino, considerando-se, neste sentido, o currículo.

Por outro lado, a mera sistematização dos conhecimentos a serem aprendidos não garante a aprendizagem. Somente com a mediação dos professores é que o saber com que o estudante chega à escola pode ser transformado em conhecimento científico. Outras oportunidades de desenvolvimento, como a participação em atividades com colegas, sejam curriculares ou extracurriculares, também são importantes para provocar aprendizagem e desenvolvimento.

Neste ponto, Vigotsky (1996Vigotsky L. S. (1996). Obras Escogidas: Tomo IV. Madrid: Visor.) deixa claro o quanto o jovem tem capacidade de formar conceitos, de ampliar sua visão de mundo, de preocupar-se com a realidade posta, considerando que suas funções psicológicas superiores têm grande avanço a partir do período da adolescência. No caso do Ensino Médio, a atividade técnico-profissional é aquela que relaciona o aluno com a realidade, que possibilita o desenvolvimento dessas funções e a escola, com os conteúdos curriculares permite que esse aluno conheça a realidade a partir de sua essência, e não simplesmente pela aparência.

Entretanto, como alerta Rego (2002Rego, T. C. (2002) Configurações sociais e singularidades: o impacto da escola na constituição dos sujeitos. Em: M. K., Oliveira; D. T. R., Souza; & T. C.,Rego (Org.), Psicologia educação, e as temáticas da vida contemporânea. São Paulo: Moderna., p. 52) “não é qualquer escola nem qualquer prática pedagógica que proporciona ao indivíduo a possibilidade de desenvolver funções psíquicas mais elaboradas” (p.52), pois somente a qualidade do trabalho concretizado na escola, unida à pluralidade de fatores que configura a vida do sujeito é que pode permitir uma efetiva aprendizagem.

Ainda em relação às potencialidades oferecidas pela escola, Dayrell (2001Dayrell, J. (2001). A escola como espaço sócio-cultural. Em: J., Dayrell, (Org.) Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 150) escreve: “Independente dos conteúdos ministrados, da postura metodológica dos professores, é um espaço potencial de debate de idéias, confronto de valores e visões de mundo, que interfere no processo de formação e educação dos alunos.” Entretanto, a organização curricular também pode ampliar as possibilidades de debate e de convivência com as diferentes subjetividades.

E, além do conhecimento formal e metodicamente organizado, a instituição escolar pode proporcionar inúmeros relacionamentos dos estudantes com colegas docentes, e funcionários.

A Psicologia na formação de estudantes no ensino médio

O processo de ensino-aprendizagem é constituído por múltiplos elementos que não somente compõem como também enriquecem o currículo e as atividades de ensino de forma geral. Entretanto, sem a intencionalidade pedagógica, o ensino do conhecimento científico tornar-se-ia inviável.

Outro ponto a ser destacado é que não considerar a compreensão mais complexa acerca da realidade propiciada pelo conhecimento científico equivale a desvalorizar exatamente os conhecimentos mais elaborados que são elementos primeiros do processo de escolarização. Assim, destaca-se, novamente, o fato de que a escola, ao apresentar o conhecimento historicamente produzido de modo sistematizado, possibilita a humanização do sujeito.

Entende-se, portanto, que a Psicologia de modo geral e a Psicologia Escolar e Educacional têm importante lugar nesta discussão, assim como nas políticas públicas relativas ao Ensino Médio, na busca por um trabalho coletivo que, ao incorporar os avanços das Psicologias, possam concretizar a formação de nossos jovens de modo cientificamente respaldado, com um compromisso social e ético.

Souza (2007Souza, M. P. R. (2007) A Psicologia Escolar e o Ensino de Psicologia: dilemas e perspectivas. ETD. Educação Temática Digital, v. 8, p. 258-265. Recuperado: 13 dez. 2015. Disponível: <Disponível: https://www.fe.unicamp.br/revistas/ged/etd/article/view/1777/1619 >.
https://www.fe.unicamp.br/revistas/ged/e...
, p.262), em debate ocorrido na UNICAMP, em 2007, define a importância da Psicologia no Ensino Médio, ao afirmar,

Este é um espaço eminentemente de formação, de socialização do conhecimento acumulado no campo da Psicologia, de reflexão sobre a constituição da subjetividade humana. Ao adentrarmos ao campo do Ensino da Psicologia, estamos possibilitando estudar a complexidade da formação do ser humano, do que nos permite construir a cultura, os valores, os sentimentos, os sentidos e os significados, que nos permitem interpretar o mundo que está a nossa volta. Desnaturalizando o estabelecido, mostrando sua dimensão histórico-social, analisando as relações de poder, de constituição das instituições, incluindo a escola, as relações sociais que nela se estabelecem.

Recentemente, foi finalizado relatório de pesquisa nacional intitulado “Violência e Preconceitos na Escola” com participação de pesquisadores das áreas da Psicologia, Sociologia, Educação (2015)1 1 Pesquisa realizada pelo Fórum Nacional de Entidades da Psicologia Brasileira, FENPB, juntamente com a Universidade Federal do Mato Grosso e pesquisadores de dez regiões do país de diferentes Universidades Federais das áreas de Psicologia, Sociologia e Educação, de 2012-2015. e que revela a importância das metodologias participativas para ouvirmos crianças, jovens, educadores, pais; bem como a necessidade de um trabalho conjunto entre educadores, pais, estudantes, lideranças comunitárias sobre as relações entre escola e sociedade, visando melhor compreender as práticas institucionais que constituem a intolerância, a discriminação, o preconceito e a violência. Portanto, a participação dos conhecimentos da área da Psicologia ao se integrar às demais áreas de fundamentos da educação, como a Filosofia, a História e a Sociologia constitui um campo de formação humana, social e ética indispensável para compreender os desafios contemporâneos, as necessidades de construção de ações participativas, de constituição de práticas e valores democráticos na formação da Educação Básica.

A Psicologia como ciência e profissão apresenta um conjunto de publicações sobre temas importantes para a formação da juventude, como analisa Souza (2007Souza, M. P. R. (2007) A Psicologia Escolar e o Ensino de Psicologia: dilemas e perspectivas. ETD. Educação Temática Digital, v. 8, p. 258-265. Recuperado: 13 dez. 2015. Disponível: <Disponível: https://www.fe.unicamp.br/revistas/ged/etd/article/view/1777/1619 >.
https://www.fe.unicamp.br/revistas/ged/e...
, p.264),

Acredito, portanto, que seja legítimo lutarmos pela inclusão da Psicologia no Ensino Médio, apoiados em uma perspectiva crítica de atuação no campo do Ensino. Creio que temos hoje um conjunto importante de publicações e de reflexões que de fato revelam uma Psicologia atenta para as questões da realidade social brasileira, assumindo um lugar de construção de conhecimento em uma perspectiva histórico-social. Dentre os temas que temos acumulados, no Sistema Conselhos [de Psicologia], por ex., há publicações sobre saúde mental, adolescência, direitos humanos, inclusão. Além de publicações específicas do Sistema Conselhos, com destaque para a Revista Psicologia Ciência e Profissão, Revista Diálogos, dentre outras publicações.

Defendemos uma ação coletiva em prol da qualidade do ensino oferecido aos nossos estudantes do Ensino Médio, contribuindo para a garantia de acesso ao conhecimento e permanência na escola de todos. Como escreveu Paulo Freire, à medida que nos capacitamos como profissionais, quanto mais utilizamos o patrimônio cultural, que é patrimônio de todos e ao qual todos devemos servir, mais aumenta nossa responsabilidade com os homens. A Psicologia tem se dedicado a estudar temáticas da vida contemporânea que são fundamentais na formação humana, conforme aponta o Documento do Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira - FENPB, do qual a ABRAPEE é signatária, entregue ao Ministro da Educação, Dr. Aloisio Mercandante, em 03/05/2012 que afirma:

Possuímos consistentes aportes teóricos e relevantes novos conhecimentos nas temáticas da identidade, das questões de gênero e sexualidade, do preconceito e das discriminações, das relações interpessoais, das culturas “marginais” (as dos grupos jovens, por exemplo), do campo do trabalho, suas possibilidades de escolha e inserção, bem como seus entraves e atravessamentos, das questões relativas à cultura da violência e às representações sociais que a acompanham, das questões ligadas ao corpo e à estética, às novas sociabilidades e formas de comunicação, entre outros. Também produzimos relevantes conhecimentos e material acerca de estratégias de aprendizagem e de estudo, que certamente se mostram relevantes no contexto do ensino médio.

A Psicologia produziu, na última década, importantes documentos a respeito do Ensino Médio, sendo a ABRAPEE uma das entidades que participou de sua elaboração, dentre eles o Relatório Final do Seminário Nacional do Ano da Educação em Psicologia: Profissão na Construção da Educação para Todos2 2 Documento disponível em http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/diversos/mini_cd/pdfs/seminario_educacao.pdf . Neste relatório, escrito a 5.000 mãos por psicólogos brasileiros, um dos eixos de análise e encaminhamentos refere-se ao Ensino Médio, destacando a importância da interdisciplinaridade e da reafirmação dos conteúdos em Psicologia para os jovens do Ensino Médio.

A defesa do mérito dos conteúdos em Psicologia na formação do jovem do Ensino Médio, reafirma, também, a necessidade da aprovação do Projeto de Lei no 105/2007 de autoria da Deputada Federal Luiza Erundina que efetiva a inclusão da disciplina no Ensino Médio, cuja manifestação favorável tem se apresentado reiterada vezes pelo Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira, composto por 23 entidades nacionais em Psicologia, acadêmicas, sindicais e estudantil. Portanto, considera-se que temos as condições objetivas para que conteúdos de grande relevância social e acadêmica possam fazer parte da formação em nível Médio no Brasil.

Além disso, a inserção da disciplina Psicologia no Ensino Médio permitirá o acesso universal aos conteúdos apontados, por todos os estudantes brasileiros, fato que tem sido possível somente aos estudantes em nível técnico, secundário, como aponta o trabalho de pesquisa realizado por Pandita-Pereira (2011Pandita-Pereira, A. (2011). Reflexões sobre o ensino de psicologia em escolas técnicas estaduais de São Paulo. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado: 13 dez. 2015. Disponível: <Disponível: http://www.file://Users/ Marilene/Downloads/pereira_me_corrigida%20(1).pdf >.
http://www.file://Users/ Marilene/Downlo...
) em Escolas Técnicas (ETECs) no estado de São Paulo, detalhado no artigo produzido por Pandita-Pereira e Sekkel (2012)Pandita-Pereira, A. (2011). Reflexões sobre o ensino de psicologia em escolas técnicas estaduais de São Paulo. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado: 13 dez. 2015. Disponível: <Disponível: http://www.file://Users/ Marilene/Downloads/pereira_me_corrigida%20(1).pdf >.
http://www.file://Users/ Marilene/Downlo...
. Em nível técnico de ensino, os conteúdos de Psicologia se fazem presentes em todas as séries, adaptados às temáticas específicas de cada modalidade formativa.

Ressalta-se que qualquer ação no campo da educação e da escola pública necessariamente passa pelas condições concretas em que ocorrem os processos de ensino-aprendizagem: as condições de trabalho docente e de funcionamento da escola para que o conhecimento possa ser ministrado efetivamente.

Considera-se importante voltar nossa atenção e nossas ações tanto para formação do cidadão como para a preparação deste para o mundo do trabalho, dando a cada estudante do Ensino Médio de nosso país a oportunidade de escolha de prosseguir ou não os seus estudos no Ensino Superior. Que isso não lhe seja amputado pela precariedade do ensino ou explicações pseudocientíficas que põem a responsabilidade pelas dificuldades no processo de escolarização na própria vítima de um sistema perverso e excludente. Trata-se de um ensino que discuta o trabalho e não que simplesmente encaminha o aluno para postos de trabalho, com uma formação técnica. Defendemos e acreditamos que todos os alunos devem ter possibilidades de frequentar o Ensino Superior.

Que todos nós possamos, dentro de nossas diferentes atribuições e funções, colaborar para que os estudantes se apropriem do conhecimento científico que lhes permitirá conhecer e compreender o mundo, emancipar-se intelectualmente e procurar transformar a realidade brasileira. É o mínimo que o futuro de nosso país merece. Terminamos nossa fala apresentando as defesas da ABRAPEE por:

  1. uma educação que promova a humanização dos alunos com seus conteúdos sobre o conhecimento da relação indivíduo-sociedade; subjetividade e objetividade, a Psicologia pode colaborar para que o aluno conheça a realidade e possa tomar consciência sobre ela e transformá-la, por meio de ação coletiva;

  2. um processo ensino-aprendizagem, no Ensino Médio, que promova o desenvolvimento psicológico dos alunos, aproveitando que, nessa fase, o conhecimento técnico-científico é fundamental;

  3. a defesa de uma escola que realmente prepare o aluno no que se refere à apropriação dos conhecimentos das várias ciências e da arte,

  4. uma escola que não separe trabalho braçal de trabalho intelectual; que leve, realmente, os jovens a pensar intelectualmente sobre a vida prática e a atuação profissional.

Por defendermos uma educação de qualidade e para todos e todas é que somos contrárias à Medida Provisória (MP) 746/2016 que trata da Reforma do Ensino Médio. Consideramos que a maneira como a implantação das propostas vem sendo efetivada desconsidera o debate nacional sobre este nível de ensino, há anos realizado com a participação da Psicologia e da Psicologia Escolar e Educacional, dado o conteúdo da proposta apresentada. Esse é o tema que merece mais um documento e que não teremos como explorar neste momento.

Esta é pois a contribuição da ABRAPEE, estando à disposição para ampliar o debate e as ações visando a inclusão da disciplina Psicologia na formação em Nível Médio no país.

Referências

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  • 1
    Este documento originalmente foi apresentado na Audiência Pública da Comissão para Reformulação do Ensino Médio na Câmara dos Deputados (Brasília - DF) no dia 28/05/2013, em atendimento ao requerimento nº 28/2013 do Deputado Reginaldo Lopes e contou a presença de Dra. Tania Suely Azevedo Brasileiro, do Conselho Federal de Psicologia (CFP); Dra. Ângela Fátima Soligo, da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) e Dra. Silvia Maria Cintra da Silva, da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). Posteriormente, foi complementado e encaminhado na condição de subsídio para a consulta pública da Base Nacional Comum Curricular na Educação Básica, no Brasil, em dezembro de 2015. Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 21, Número 2, Maio/Agosto de 2017: 347-353.
  • 1
    Pesquisa realizada pelo Fórum Nacional de Entidades da Psicologia Brasileira, FENPB, juntamente com a Universidade Federal do Mato Grosso e pesquisadores de dez regiões do país de diferentes Universidades Federais das áreas de Psicologia, Sociologia e Educação, de 2012-2015.
  • 2
    Documento disponível em http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/diversos/mini_cd/pdfs/seminario_educacao.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2017
  • Aceito
    15 Ago 2017
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