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Autoconsciência em estudantes talentosos: um estudo fenomenológico-semiótico

The Self-awareness in gifted students: a phenomenological-semiotic study

Autoconsciencia en estudiantes talentosos: un estudio fenomenológico-semiótico

Resumo

O presente estudo teve como objetivo descrever como os estudantes talentosos percebem seu talento, com foco nos modos reflexivos que caracterizam sua autoconsciência. Sete estudantes, com idades entre 11 e 13 anos, previamente identificados com dotação e talento, responderam a uma entrevista semiestruturada e os dados obtidos foram analisados qualitativamente através do método fenomenológico-semiótico. Os resultados revelaram seis temas na percepção dos talentosos: consciência do talento; gostar, pensar e escolher; tensão e autocobrança; desafios; conversando consigo mesmo; e futuro. A discussão sugere que desenvolver a própria habilidade envolve frustrações, desafios e possíveis dificuldades para o estudante talentoso. Contudo, a persistência é uma característica comum de sua reflexividade consciente, aparecendo relacionada à busca do sucesso e ao planejamento e à implementação de estratégias para alcançá-lo. Em conclusão, aborda-se a relação entre as características de autorreflexão e de autorruminação dos estudantes talentosos e suas diferentes estratégias de resolução de problemas.

Palavras-chave:
Aptidão; autoconsciência; estudantes

Abstract

The present study aimed to describe how talented students perceive their talent, focusing on the reflexive modes that characterize their self-awareness. Seven students, aged 11 to 13 years, previously identified with intellectual giftedness and talent, answered a semi-structured interview and the data obtained were analyzed qualitatively through the phenomenological-semiotic method. The results revealed six themes in the perception of talented: talent awareness; liking, thinking and choosing; tension and self-breeding; challenges; talking to himself; and future. The discussion suggests that developing one's own skill involves frustrations, challenges and possible difficulties for the talented student. However, persistence is a common feature of his conscious reflexivity, appearing related to the pursuit of success and to the planning and implementation of strategies to achieve it. In conclusion, the relationship between the self-reflection and self-trapping characteristics of gifted students and their different problem-solving strategies is discussed.

Keywords:
aptitude; self-awareness; students

Resumen

En el presente estudio se tuvo el objetivo describir como los estudiantes talentosos perciben su talento, con enfoque en los modos reflexivos que caracterizan su autoconsciencia. Siete estudiantes, con edades entre 11 y 13 años, previamente identificados con dotación y talento, respondieron a una entrevista semiestructurada y los datos obtenidos se analizaron cualitativamente por intermedio del método fenomenológico-semiótico. Los resultados revelaron seis temas en la percepción de los talentosos: consciencia del talento; gustar, pensar y escoger; tensión y auto-cobranza; retos; conversando consigo mismo; y futuro. La discusión sugiere que desarrollar la propia habilidad abarca frustraciones, desafíos y posibles dificultades para el estudiante talentoso. No obstante, la persistencia es una característica común de su reflexividad consciente, apareciendo relacionada a la búsqueda del éxito y a la planificación y a la implementación de estrategias para alcanzarlo. En conclusión, se aborda la relación entre las características de autorreflexión y de autorruminación de los estudiantes talentosos y sus diferentes estrategias de resolución de problemas.

Palabras clave:
Aptitud; autoconsciencia; estudiantes

Introdução

Os alunos com altas habilidades/superdotação são aqueles que apresentam, segundo o Ministério da Educação (Ministério da Educação, 2008Ministério da Educação. (2008). Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Recuperado: 10 jun. 2015. Disponível: Disponível: http://ww.portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf .
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), de forma isolada ou combinada, potencial elevado nas áreas intelectual, acadêmica, de liderança, de psicomotricidade e de artes, além de apresentarem grande criatividade e alto envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em domínios de seu interesse. Diversos termos tais como dotação, talento e capacidade elevada têm sido utilizados para designar estes indivíduos, sem uma necessária distinção de significados (Guenther & Rondini, 2012Guenther, Z.C; & Rondini, C.A. (2012). Capacidade, dotação, talento, habilidades: uma sondagem da conceituação pelo ideário dos educadores. Educação em Revista, 28(1), 237-266.).

As diferentes nomenclaturas sobre o tema fazem referência aos diferentes modelos teóricos utilizados. O presente estudo alinha-se ao referencial teórico de Gagné (2004Gagné, F. (2004). Transforming gifts into talents: the DMGT as a developmental theory. High Ability Studies, 15(2), 119-147., 2009Gagné, F. (2009). Building gifts into talents: Detailed overview of the DMGT 2.0. Em: B, MacFarlane; & T, Stambaugh, (Orgs.), Leading change in gifted education: The festschrift of Dr. Joyce VanTassel-Baska (pp. 61-80). Waco, TX: Prufrock Press.), segundo o qual dotação é diferente de talento e, indivíduos com desempenho acima da média, em uma ou mais áreas da atividade humana, devem ser denominados talentosos. Dotação pode ser definida, por sua vez, como capacidades naturais acima da média, que são expressas espontaneamente em um ou mais domínios ou áreas.

De acordo com o Modelo Diferencial de Dotação e Talento 2.0 (DMGT-2.0) (Gagné, 2009Gagné, F. (2009). Building gifts into talents: Detailed overview of the DMGT 2.0. Em: B, MacFarlane; & T, Stambaugh, (Orgs.), Leading change in gifted education: The festschrift of Dr. Joyce VanTassel-Baska (pp. 61-80). Waco, TX: Prufrock Press.), a dotação se transforma em talento por meio de um longo processo de estudo, treino e prática, mediado por catalisadores ambientais (meios, provisões e pessoas) e intrapessoais (personalidade, motivação, características físicas, etc.), ou seja, fatores que facilitam ou dificultam o desenvolvimento dos talentos. O DMGT-2.0 também considera em sua análise o fator chance ou acaso.

Os catalisadores intrapessoais são subdivididos em dois campos: 1) os traços físicos (por exemplo: aparência, sexo e deficiências) e mentais (por exemplo: personalidade e temperamento); 2) a gestão de objetivos. Esta última se relaciona ao processo de desenvolvimento dos talentos, orientando e sustentando o processo, e é composta pela consciência (de si e dos outros), motivação e volição (Gagné, 2009Gagné, F. (2009). Building gifts into talents: Detailed overview of the DMGT 2.0. Em: B, MacFarlane; & T, Stambaugh, (Orgs.), Leading change in gifted education: The festschrift of Dr. Joyce VanTassel-Baska (pp. 61-80). Waco, TX: Prufrock Press.). Para Gagné (2009), estar ciente das próprias forças e fraquezas desempenha um papel crucial no planejamento das atividades para o desenvolvimento dos talentos. A consciência de si, descrita por Gagné, inclui a inteligência intrapessoal apresentada por Gardner (1994Gardner, H. (1994). Estruturas da mente: a Teoria das Múltiplas Inteligências. Porto Alegre: Artes Médicas.), ou seja, um profundo conhecimento de si mesmo, uma habilidade de discriminar emoções e sentimentos, utilizando esse conhecimento para orientar o próprio comportamento.

Assim, é possível compreender que a autoconsciência pode desempenhar, juntamente com a motivação e a volição, uma importante função no desenvolvimento de talentos. A autoconsciência está relacionada com a autoavaliação, o autoconceito, a autorregulação, o automonitoramento, a autopercepção, entre outros pontos importantes para o reconhecimento das forças e fraquezas e, também, para o planejamento e execução de atividades (Da Silveira, De Souza, & Gomes, 2010Da Silveira, A. C; DeSouza, M. L; & Gomes, W. B. (2010). Falar com seus botões: pelos meandros teóricos e empíricos das relações entre conversa interna, reflexividade e self. Estudos de Psicologia, 15(3), 223-231.; Piovezan, 2013Piovezan, N.M. (2013). Estudos psicométricos com escala de competência de estudo: avaliação da autorregulação da aprendizagem em universitários. Tese de doutorado não publicada, Universidade São Francisco, São Paulo.).

Autoconsciência é a habilidade do indivíduo se tornar objeto de sua própria consciência (Da Silveira, 2011Da Silveira, A. C; DeCastro, T. G; & Gomes, W. B. (2011). Escala de Autoabsorção: Tradução e adaptação para adultos brasileiros. Interação em Psicologia, 15(1), 1-10.). Ela tem sido descrita também como o processo reflexivo da consciência e denominada, mais objetivamente, reflexividade (Motta, Rafalski, Rangel, & Souza, 2013Motta, F.E; Rafalski, J.C; Rangel, I.C; & Souza, M.L. (2013). Narrative and Dialogical Reflexivity: An Approach between Writing and Inner Speech. Psicologia: Reflexão e Crítica, 26(3), 609-616.). Segundo Morin (2011Morin, A. (2011). Self-awareness Part 1: Definitions, measures, effects, function, and antecedents. Social and Personality Psychology Compass, 5(10), 807-823.), no estado autoconsciente é possível identificar ativamente, processar e armazenar informações sobre o eu.

Definida como a atividade de falar silenciosamente consigo mesmo (Morin, 2006Morin, A. (2006). Levels of consciousness and self-awareness: a comparison and integration of various neurocognitive views. Conscious and cognition, 15(2), 358-371.; De Souza, Da Silveira, & Gomes, 2008De Souza, M.L; DaSilveira, A.C; & Gomes, W.B. (2008). Verbalized inner speech and the expressiveness of self-consciousness. Qualitative Research in Psychology 5(2), 154-170.), a fala interna está fortemente relacionada com a autoconsciência e é fundamental para seu estudo e compreensão (Morin, 2002Morin, A. (2002). Right hemispheric self-awareness: a critical assessment. Consciousness and Cognition, 11, 396-401.). Ela permite ao self identificar e processar informação sobre seus processos mentais (pensamentos e sentimentos, por exemplo) e características pessoais gerais (personalidade e aparência, por exemplo), além do próprio juízo de existência (Morin, 2003Morin, A. (2003). Let's face it. A review of Keenan, Gallup, & Falk's book" The Face in the Mirror". Evolutionary Psychology, 1, 161-171.).

No contexto dos estudos da personalidade, os psicólogos vêm desenvolvendo uma série de propostas de avaliação da autoconsciência, por meio de escalas e questionários (Da Silveira, De Souza, & Gomes, 2010Da Silveira, A. C; DeSouza, M. L; & Gomes, W. B. (2010). Falar com seus botões: pelos meandros teóricos e empíricos das relações entre conversa interna, reflexividade e self. Estudos de Psicologia, 15(3), 223-231.; Da Silveira, De Souza, & Gomes, 2015Da Silveira, A.C; DeSouza, M.L; & Gomes, W.B. (2015). Self-consciousness concept and assessment in self-report measures. Frontiers in Psychology, 6, 930.). No estudo pioneiro de Fenigstein, Scheier e Buss (1975Fenigstein, A; Scheier, M.F; & Buss, A.H. (1975). Public and private self-consciousness: Assessment and theory. Journal of consulting and clinical psychology, 43(4), 522-527.), a autoconsciência foi definida como um construto que englobava três fatores: autoconsciência privada, autoconsciência pública e ansiedade social. A autoconsciência privada se refere aos pensamentos e reflexões que o indivíduo tem sobre aspectos dele mesmo; a autoconsciência pública envolve o interesse e a preocupação individual que se tem sobre si na perspectiva dos outros e a ansiedade social é a autorreflexão quando o indivíduo está na presença de outras pessoas (Fenigstein & cols., 1975Fenigstein, A; Scheier, M.F; & Buss, A.H. (1975). Public and private self-consciousness: Assessment and theory. Journal of consulting and clinical psychology, 43(4), 522-527.). Esses três fatores constituíram a Escala de Autoconsciência (EAC), elaborada pelos pesquisadores para avaliar as diferenças individuais da autoconsciência. A partir da EAC, revisões da teoria subjacente e da própria consistência psicométrica da escala deram origem a propostas diversas de avaliação da autoconsciência e ao consequente desenvolvimento de novas escalas (Trapnell & Campbell, 1999Trapnell, P.D; & Campbell, J.D. (1999). Private self-consciousness and the Five-Factor Model of Personality: distinguishing rumination from reflection. Journal of Personality and Social Psychology, 76(2), 284-304.; Govern & Marsch, 2001Govern, J.M; & Marsch, L.A. (2001). Development and validation of the situational self-awareness scale. Consciousness and cognition, 10(3), 366-378.; Nascimento, 2008Nascimento, A.M. (2008). Autoconsciência situacional, imagens mentais, religiosidade e estudos incomuns da consciência: um estudo sociocognitivo. Tese de doutorado não publicada, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.; McKenzie, & Hoyle, 2008McKenzie, K.S; & Hoyle, R.H. (2008). The Self-Absorption Scale: Reliability and validity in non-clinical samples. Personality and Individual Differences, 45, 726-731.; DaSilveira, DeCastro, & Gomes, 2011Da Silveira, A. C; DeSouza, M. L; & Gomes, W. B. (2010). Falar com seus botões: pelos meandros teóricos e empíricos das relações entre conversa interna, reflexividade e self. Estudos de Psicologia, 15(3), 223-231.).

Especialmente relevante, é a proposta de Trapnell e Campbell (1999Trapnell, P.D; & Campbell, J.D. (1999). Private self-consciousness and the Five-Factor Model of Personality: distinguishing rumination from reflection. Journal of Personality and Social Psychology, 76(2), 284-304.), que apontou uma variação de foco na autoconsciência privada. Conforme os autores, ela pode funcionar de duas formas distintas: a autorruminação, que seria uma tendência a focar e sustentar a atenção em sentimentos ou em fatos considerados desagradáveis ou ameaçadores ao próprio self, e a autorreflexão, que é o processo de pensar sobre si mesmo de forma mais epistêmica, uma curiosidade de pensar sobre si, ampliando, assim, o autoconhecimento.

A autorruminação está associada ao fator neuroticismo, no modelo dos Cinco Grandes Fatores da personalidade (Trapnell & Campbell, 1999Trapnell, P.D; & Campbell, J.D. (1999). Private self-consciousness and the Five-Factor Model of Personality: distinguishing rumination from reflection. Journal of Personality and Social Psychology, 76(2), 284-304.). Indivíduos com altos escores de neuroticismo vivenciam de forma mais intensa os sentimentos de ansiedade e autocrítica, por exemplo. (Zanon, Borsa, Bandeira, & Hutz, 2012Zanon, C.; Borsa, J.C.; Bandeira, D.R., & Hutz, C.S. (2012). Relações entre pensamento ruminativo e facetas do neuroticismo. Estudos de Psicologia, 29(2),173-181.). Sendo assim, autorruminação representa aspectos destrutivos da autoconsciência, enquanto a autorreflexão se relaciona aos aspectos construtivos. A despeito do aumento e da disseminação das novas escalas de avaliação da autoconsciência, estudos sobre evidências de sua validade para crianças e adolescentes ainda são raros ou mesmo inexistentes.

Com relação aos talentosos, uma série de autores (Chagas, 2007Chagas, J.F. (2007). Conceituação e fatores individuais, familiares e culturais relacionados às altas habilidades. Em: D.S, Fleith; & E.M.L.S, Alencar (Orgs.), Desenvolvimento de talentos e altas habilidades (pp. 15-24). Porto Alegre: Artmed.; Chagas, 2008Chagas, J.F. (2008). Adolescentes talentosos: características individuais e familiares. Tese de Doutorado não publicada, Universidade de Brasília, Brasília.; Alencar, 2007Alencar, E.M.L.S. (2007). Indivíduos com Altas Habilidades/Superdotação: Clarificando Conceitos, Desfazendo Ideias Errôneas. Em: D. S, Fleith(Org). A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação. Orientação a professores (pp. 15-23). Brasília: Ministério da Educação.; Ouro fino & Guimarães, 2007Ourofino, V.T.A.T; & Guimarães, T.G. (2007) Características intelectuais, emocionais e sociais do aluno com altas habilidades/superdotação. Em: D. S, Fleith(Org), A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação. Orientação a professores(pp. 41-52). Brasília: Ministério da Educação .) sugerem que sua consciência e, mais especificamente, sua autoconsciência difere do padrão. Um estudo mais recente de Narimani e Mousazadeh (2010Narimani, M; & Mousazadeh, T. (2010). A comparison between the metacognitive beliefs of gifted and normal children. Procedia-Social and Behavioral Sciences, 2(2), 1563-1566) sobre percepção dos próprios processos cognitivos em crianças talentosas e não talentosas indicou diferenças significativas nas crenças metacognitivas dos dois grupos. Os autores aplicaram a versão abreviada do Metacognition Questionnaire em 60 estudantes do ensino médio, divididos em dois grupos, sendo um deles composto por estudantes talentosos. Foram identificadas diferenças, especialmente nos fatores autoconsciência cognitiva, e a necessidade de controlar os pensamentos, tendo os estudantes talentosos apresentado os maiores escores nos dois fatores.

Para Ali (2001Ali, A.S. (2001). Issues involved in the evaluation of gifted programmes. Gifted Education International, 16, 79-91.), a habilidade de autoavaliação é uma característica comum aos talentosos e as implicações desta habilidade podem ser tanto positivas, como a capacidade de lidar com impulsos opostos (construtivos e destrutivos), quanto negativas, como compulsividade pela busca de perfeição. Além disso, Ourofino e Guimarães (2007Ourofino, V.T.A.T; & Guimarães, T.G. (2007) Características intelectuais, emocionais e sociais do aluno com altas habilidades/superdotação. Em: D. S, Fleith(Org), A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação. Orientação a professores(pp. 41-52). Brasília: Ministério da Educação .) destacam que é comum os estudantes talentosos apresentarem ansiedade, e, por vezes, se envolverem em situações estressantes. Aliada à realização de muitas atividades concomitantemente e ao perfeccionismo (Ali, 2001Ali, A.S. (2001). Issues involved in the evaluation of gifted programmes. Gifted Education International, 16, 79-91.), essa ansiedade tem grande potencial para gerar estudantes talentosos tensos e estressados.

A necessidade de investimento nos estudantes talentosos, através de atendimento educacional especializado é fundamental para que não ocorra estagnação do seu desenvolvimento potencial, tornando-os frustrados e desinteressados pela rotina da sala de aula (Virgolim, 2013Virgolim, A. (2013). A identificação de alunos para programas especializados na área das altas habilidades/superdotação: problemas e desafios. Revista Brasileira de Altas Habilidades/Superdotação, 1(1), 50-66.). Desta forma, estudar a autoconsciência como um catalisador intrapessoal pode contribuir para um melhor aproveitamento e desenvolvimento dos talentos, na medida em que ela colabora para um melhor planejamento de objetivos dos talentosos. Observada a relevância do tema e a necessidade de investigações acerca deste fenômeno, o presente estudo objetivou descrever a percepção de estudantes talentosos de seu processo reflexivo consciente, com foco nas características da autoconsciência.

Método

Delineamento

Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, delineado conforme os critérios do método fenomenológico-semiótico (Gomes, 1998Gomes, W.B. (Org.). (1998). Fenomenologia e pesquisa em psicologia. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.; Lanigan, 1997Lanigan, R. (1997). Capta versus data: método e evidência em comunicologia. Psicologia: Reflexão e Crítica, 10(1), 17-45.), em que a experiência consciente, ou seja, a experiência vivida pelos sujeitos é tomada como uma experiência pré-científica do mundo e é o objeto de investigação. Assim, a mensagem expressa por uma pessoa, por meio da linguagem, apresenta a peculiaridade do mundo vivido por ela e permite inferir sobre a subjetividade desta pessoa, além do modo como indivíduos distintos experienciam alguma condição comum entre eles (Gomes, 1998Gomes, W.B. (Org.). (1998). Fenomenologia e pesquisa em psicologia. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.; Lanigan, 1997Lanigan, R. (1997). Capta versus data: método e evidência em comunicologia. Psicologia: Reflexão e Crítica, 10(1), 17-45.).

Participantes

Participaram desta pesquisa sete estudantes (três do sexo feminino) do ensino fundamental de uma escola pública federal em Minas Gerais, com idades entre 11 e 13 anos. Esses alunos foram identificados previamente com dotação e talento por um programa de identificação e desenvolvimento de estudantes talentosos, vinculado a uma universidade pública no mesmo estado e participavam de grupos de desenvolvimento de talentos, promovidos pelo mesmo programa. Esse programa realiza a identificação e promove encontros com os grupos de estudantes talentosos desde 2007. O processo de identificação é baseado no Modelo das Portas Giratórias (Renzulli, Reis, & Smith, 1981Renzulli, J.S; Reis, S.M. & Smith, L. (1981). The revolving door identification model. Mansfield Center, CT: Creative Learning.) e tem a finalidade de selecionar um grupo com maior potencial para receberem experiências avançadas de aprendizagem. Assim, diversas formas de expressão do talento são contempladas, a partir da utilização de várias fontes de informação, incluindo os professores, os pais e os próprios alunos (Renzulli, 1999Renzulli, J.S. (1999). What is this thing called giftedness, and how do we develop it? A twenty five year perspective. Journal for the Education of the Gifted, 23 (1), 3-54.). O referido programa utiliza, para a identificação do grupo de talentosos, escalas e testes padronizados, instrumentos de nomeação respondidos pelos pais, professores e pelos próprios alunos, além de testes físicos, com a finalidade de identificar talentos psicomotores.

A amostra foi composta por conveniência, de forma que houvesse pelo menos um participante identificado em cada um dos domínios de talento. Os participantes da pesquisa estão identificados por nomes fictícios, para preservar suas identidades. A Tabela 1 apresenta a caracterização dos participantes.

Tabela 1
Descrição dos Participantes

Instrumentos

Os participantes responderam a uma entrevista semiestruturada com perguntas relativas à percepção de si, dos próprios talentos, da sua fala interna e de ansiedades/tensões/estresse. A entrevista foi elaborada especificamente para este estudo, tomando como referência os tópicos do Teste de Autoconsciência Situacional e o Teste de Autoconsciência Disposicional (Nascimento, 2008Nascimento, A.M. (2008). Autoconsciência situacional, imagens mentais, religiosidade e estudos incomuns da consciência: um estudo sociocognitivo. Tese de doutorado não publicada, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.). As seguintes perguntas exemplificam os tópicos que compuseram o roteiro de entrevista: “Você costuma estar atento aos seus comportamentos e expressões corporais?” (percepção de si), “Como você percebe seus talentos?” (percepção dos talentos), “No dia-a-dia você conversa com você mesmo? Em que situações?” (fala interna) e “Você costuma cobrar-se muito?” (identificação de tensões).

Procedimentos de coleta dos dados

Após aprovação da instituição, consentimento dos responsáveis e dos próprios participantes, as entrevistas foram agendadas por telefone e realizadas logo após o horário de aulas, em dias diferentes, de acordo com a disponibilidade dos participantes, em uma sala reservada na própria escola onde os entrevistados estudavam. As entrevistas foram realizadas individualmente, gravadas e, posteriormente, transcritas.

Procedimentos de análise dos dados

A abordagem fenomenológica-semiótica (Gomes, 1997Gomes, W.B. (1997). A entrevista fenomenológica e o estudo da experiência consciente. Psicologia USP, 8(2), 305-336.) estuda a experiência consciente através de uma sucessão progressiva de análises e sínteses, realizadas em três etapas sinérgicas entre si: descrição, redução e interpretação fenomenológicas. Na primeira etapa - a descrição - o texto originado das entrevistas transcritas foi organizado em unidades de sentido e dividido em temas ou categorias. Nesta etapa, foi realizada uma síntese geral e não crítica destes temas, baseando-se no material recolhido na entrevista. A redução das categorias possibilita encontrar suas constituintes essenciais, ou seja, o que está sempre presente e inter-relaciona todas elas. A interpretação, por sua vez, permite identificar e discutir os significados implícitos nas experiências definidas como essenciais. Nesta etapa final, a literatura e os sentidos oferecidos pelos entrevistados foram confrontados a fim de fornecer uma síntese compreensiva da experiência.

Resultados

Descrição fenomenológica

A descrição fenomenológica da percepção dos estudantes talentosos revelou um contexto temático organizado em seis temas principais: (1) Consciência do talento; (2) Gostar, Pensar e Escolher; (3) Tensão e autocobrança; (4) Desafios; (5) Conversando consigo mesmo; e (6) Futuro. Esses temas serão descritos a seguir e ilustrados por uma frase revelatória da experiência consciente de um/a participante, estabelecendo o movimento lógico reversivo entre parte/todo que caracteriza a descrição fenomenológica.

Consciência do talento. A percepção do próprio talento não aparece necessariamente vinculada ao processo de identificação. O reconhecimento de si como uma pessoa talentosa pode ocorrer desde cedo, relacionado a alguma habilidade percebida nos primeiros anos da vida escolar, como a realização de trabalhos escolares e as boas notas obtidas nas avaliações escolares, ou a atividades do dia-a-dia, como a prática de esportes e a confecção de desenhos, tanto na escola quanto fora dela. O talento é percebido como facilidade e habilidade maiores em determinados quesitos, como esportes, desenho e matemática, por exemplo.

Por outro lado, ser reconhecido como talentoso em um âmbito formal é um acontecimento que causa surpresa, ou porque a habilidade em questão não era considerada importante na própria história de vida ou porque não havia a percepção de que o talento era um diferencial em relação a outras pessoas. Nos casos de confluência de domínios, ou seja, identificação de mais de um domínio em um aluno, nota-se o reconhecimento de um domínio com predominância sobre outro, o reconhecimento de domínios que não foram identificados no processo de avaliação e o não reconhecimento de domínios que foram identificados: “[O talento] socioemocional eu tenho menos, [o talento] da liderança eu tenho mais.” (Natália, 12 anos)

Os talentos tornam-se o foco da consciência do estudante em situações específicas do dia, especialmente no ambiente escolar, e não somente aqueles relacionados ao domínio acadêmico mas, também, aqueles relacionados aos domínios criativo-produtivo, artístico, psicomotor, socioemocional e liderança. Prestar atenção em si é uma ação reflexiva reconhecida pelos estudantes, associada aos momentos ou às situações do dia em que estão fazendo atividades relacionadas ao talento. Independente do domínio, o momento em que se está realizando alguma atividade relacionada ao talento é também percebido como um momento de mais atenção ao próprio corpo, com ênfase na expressão, isto é, na linguagem corporal utilizada para se comunicar com os outros ou, no caso do talento psicomotor, na tarefa física executada em grupo ou sozinho: “Como você percebe [seus talentos]?” (Pesquisadora). “Os meus dribles com a bola, essas coisas assim” (Valério, 11 anos).

Gostar, pensar, escolher. Os talentos percebidos são relacionados com atividades que dão prazer. As atividades que os estudantes mais gostam de fazer incluem seus talentos. O gosto pessoal aparece também como um conteúdo da conversa consigo mesmo, isto é, temas que são gostos pessoais são os temas da conversa consigo mesmo. O gosto pessoal também determina escolhas, ou seja, na percepção dos estudantes talentosos, o que os faz escolher suas atividades é gostar destas atividades. Além disso, as atividades escolhidas por eles estão diretamente relacionadas aos seus talentos: “Sempre gostei muito de jogar vôlei, futebol” (Lara, 11 anos). Em resumo, os talentosos gostam de fazer as atividades e tarefas relacionadas ao seu domínio de talento, pensam no que gostam e escolhem fazer porque gostam.

Tensão e autocobrança. A mediação cognitiva da autoconsciência, expressa no momento do planejamento mental das tarefas diárias, aparece relacionada ao estresse, à ansiedade e à tensão. A percepção de uma autocobrança aparece associada a um sentimento de tensão e preocupação. Ansiedade e estresse são percebidos tanto como uma característica recorrente no cotidiano e, portanto, mais permanente, quanto como uma experiência mais pontual, específica de determinadas situações, como, por exemplo, em momentos relacionados à necessidade de resolver um problema: “Quando eu tenho dificuldade numa prova eu acabo me estressando” (Roberto, 11 anos). “Mas é só na hora da prova ou durante o dia também?” (Pesquisadora). “Também no dia. Fico estressado, preocupado” (Roberto).

Desafios. Os desafios abrangem as situações de dificuldade, conflitos e atividades que os estudantes talentosos ainda não dominam. Aparecem relacionados às questões sobre o planejamento anual e trimestral, aos problemas de relacionamento pessoal, como conflitos com a família ou com os pares e às situações que causam estresse e tensão. Os desafios estão associados à conversa consigo mesmo, na medida em que esta última é percebida como um meio para encontrar a solução dos problemas colocados.

Melhorar as notas, aprimorar os trabalhos escolares ou mesmo melhorar de maneira geral são desafios encarados como metas para o ano ou o trimestre. Na percepção dos talentosos, as dificuldades nas atividades, escolares ou não, como não saber fazer ou não entender algo causam tensão e estresse: “Como eu gosto muito de esportes, às vezes, eu faço uns negócios, que eu tenho até aula aqui no colégio, aí, às vezes, eu procuro fazer alguma coisa que talvez eu não saiba, aí, eu tento prestar atenção pra ver como é que é e depois eu tento fazer.” (Laís, 12 anos).

Conversando consigo mesmo. A conversa consigo mesmo é percebida, principalmente, nos momentos de ociosidade. Quando “não tem nada pra fazer” (Júlio, 11 anos) é que se conversa consigo mesmo. O conteúdo da conversa abrange problemas de relacionamento, como brigas; pensamentos sobre o futuro relacionado ao talento, como o desejo de ser um jogador de futebol; treino mental do próprio talento, com a fala sobre as coisas que está aprendendo; planejamento mental das tarefas do dia e assuntos de que gostam, como futebol.

Entretanto, a conversa interna não é percebida pelos estudantes talentosos quando eles estão fazendo alguma atividade relacionada aos seus talentos. Neste caso, a concentração e a execução da atividade parece inibir a fala interna: “Eu acho que eu não fico pensando, eu já vou direto” (Natália, 12 anos).

Futuro. A percepção do futuro está relacionada às atividades laborais. As ideias de futuro incluem os talentos como as artes, a liderança, o futebol, a matemática, ou seja, os talentosos pensam no próprio futuro e neste futuro seus talentos ainda se manifestam. As dúvidas quanto ao futuro surgem quando mais de um domínio de talento é reconhecido em um estudante, e, também, são notadas incertezas quanto à permanência do próprio talento, já que o talento pode não ser eterno na vida destes estudantes. Além disso, usar o próprio talento como atividade laboral na vida adulta aparece como uma condição relacionada às possibilidades de retorno financeiro: “Eu não pretendo muito trabalhar com esses negócios de criatividade nem de desenho, eu pretendo ser uma coisa mais... que ganhe dinheiro, pra eu crescer na vida” (Laís, 12 anos).

Redução fenomenológica

A partir do contexto temático, delimitado na descrição, a redução fenomenológica define como foco problemático da percepção dos estudantes talentosos uma tensão entre encarar os problemas como um desafio positivo e prazeroso ou vivenciá-los como um obstáculo que gera ansiedade e estresse. Por um lado, está o prazer em realizar as tarefas em um domínio que se sabe que é talentoso; mas, por outro lado, estão a percepção das dificuldades e os afetos negativos associados, mesmo nas atividades relacionadas ao talento. A percepção do próprio talento, portanto, aparece estreitamente conectada à experiência de vivenciar um desafio e buscar as melhores estratégias para resolver os problemas que o desafio coloca. Contudo, mesmo quando vivenciado como uma experiência que produz estresse, os estudantes talentosos entendem o desafio como meta, que proporciona atingir sempre melhores resultados. A autoconsciência desses talentosos pode ser caracterizada, portanto, como um processo reflexivo engendrado a partir de dois aspectos principais: 1) a autoavaliação, que permite detectar as dificuldades, ansiedades e conflitos, tanto na área afetiva quanto cognitiva e 2) a mediação cognitiva dos próprios comportamentos, expressa na forma de planejamento mental e na busca de soluções.

Discussão

Os resultados deste estudo sugerem uma capacidade de autoconsciência especial nos estudantes talentosos, associada à busca por estratégias de resolução de problemas. De fato, embora os estudantes talentosos não formem um grupo homogêneo, algumas habilidades e características individuais são comumente associadas à presença de talentos (Chagas, 2007Chagas, J.F. (2007). Conceituação e fatores individuais, familiares e culturais relacionados às altas habilidades. Em: D.S, Fleith; & E.M.L.S, Alencar (Orgs.), Desenvolvimento de talentos e altas habilidades (pp. 15-24). Porto Alegre: Artmed.), entre elas, a habilidade para solucionar problemas, que está acima da média entre os talentosos (Sternberg & Davidson,1985Sternberg, R.J; & Davidson, J.E. (1985). Cognitive development in the gifted and talented. Em: F. D, Horowitz; & M, O’brien (Orgs.), The gifted and talented: developmental perspectives (pp. 37-74). Washington, DC: American Psychological Association, 37-74.).

Além disso, a percepção que os estudantes talentosos têm dos estresses e tensões do cotidiano pode ser explicada pelo fato de que a autoconsciência também está associada a aspectos mal adaptativos (Simsek, 2013Simsek, O.F. (2013). Self-absorption paradox is not a paradox: illuminating the dark side of self-reflection. International Journal of Psychology, 48, 1109-1121.; Thomsen, Jensen, Jensen, Mehlsen, Pedersen, & Zachariae, 2013Thomsen, D.K; Jensen, A.B; Jensen, T; Mehlsen, M.Y; Pedersen, C.G; & Zachariae, R. (2013). Rumination, reflection and distress: an 8-Month prospective study of colon-cancer patients. Cognitive Therapy and Research, 37, 1262-1268.). Desta forma, mesmo reconhecendo suas habilidades na escola, ansiedade e autocobrança podem aparecer quando a atenção se volta para as atividades de resoluções de problemas, como provas escolares, por exemplo, ou tarefas que ainda precisam ser cumpridas.

A fala interna que ocorre e é mais claramente associada pelos talentosos ao planejamento das atividades, mesmo em situações do cotidiano, não está necessariamente relacionada às situações de estresse, tensão e ansiedade, mas tem uma função autorreguladora. Os talentosos conversam consigo mesmos sobre o que é preciso ser feito para se organizarem e, desta forma, evitar situações problemáticas na escola, como não cumprir uma atividade, ou mesmo fora da escola, como as tarefas de casa. Guerrero (2004Guerrero, M.C.M. (2004). Early stages of L2 inner speech development: what verbal reports suggest. International Journal of Applied Linguistics, 14(1), 90-112.) sugere que a conversa interna facilita a autorregulação do comportamento, auxiliando no controle dos métodos que permitem que o indivíduo pense e monitore o processo de pensamento.

Não perceber a fala interna enquanto estão realizando alguma atividade utilizando os próprios talentos pode ser explicado pelo fato de que os estudantes estejam justamente nestes momentos fazendo uso da pré-reflexividade, ou seja, têm uma percepção consciente sem uma consciência tematizada explícita, e, assim, realizam as atividades de forma mais “direta” e espontânea (Da Silveira, De Castro & Gomes, 2011Da Silveira, A. C; DeCastro, T. G; & Gomes, W. B. (2011). Escala de Autoabsorção: Tradução e adaptação para adultos brasileiros. Interação em Psicologia, 15(1), 1-10.). Pesquisas (Bertau, 1999Bertau, M.C. (1999). Spuren des Gespraechs in innerer sprache. Versuch einer analyse der dialogischen anteile des lautes denkens. Zeitchrift für Sprache & Kognition, 18(1-2), 4-19.; Da Silveira, 2007Da Silveira, A.C. (2011). Autoconsciência em medidas de autorrelato e em contextos de resolução de problemas. Tese de doutorado não publicada, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.) indicam que a quantidade de conversação interna é diretamente proporcional à dificuldade da tarefa, ou seja, o uso de uma fala direcionada a si mesmo é maior quando os indivíduos estão diante de problemas de difícil resolução. Considerando que os estudantes talentosos percebem uma maior facilidade nas atividades que envolvem seus domínios de talento, é de se esperar o menor uso da fala interna nestas situações.

Os achados sobre as dúvidas e incertezas expressas pelos estudantes quanto ao uso dos talentos no futuro pode ser relacionada ao fato de que nem sempre esses estudantes apresentam maior facilidade nas escolhas profissionais, principalmente, quando existe a identificação de mais de um domínio de talento, a sobrenomeação (Lamas, 2011Lamas, K.C.A. (2011). Desenvolvimento ocupacional de estudantes com características de dotação e talento. Dissertação de mestrado não publicada, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora.). Além disso, segundo Lamas (2011)Lamas, K.C.A. (2011). Desenvolvimento ocupacional de estudantes com características de dotação e talento. Dissertação de mestrado não publicada, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora., o perfeccionismo, comumente encontrado nos talentosos, pode ter implicações negativas para o desenvolvimento de interesses e tomada de decisões, bem como a autopercepção dos recursos e oportunidades, que é fator relevante para a escolha profissional destes estudantes.

Considerações finais

A intensa motivação, característica dos estudantes talentosos, os faz envolverem-se em muitas atividades e pode gerar tanto a frustração e o ressentimento, quando não atingem o sucesso esperado em determinadas tarefas, quanto uma grande motivação intrínseca para aprender, explorar e persistir em suas atividades (Ali, 2001Ali, A.S. (2001). Issues involved in the evaluation of gifted programmes. Gifted Education International, 16, 79-91.). Essa dualidade parece sugerir uma característica específica da autoconsciência dos estudantes talentosos focada na perseverança em busca de suas metas. Ali (2001)Ali, A.S. (2001). Issues involved in the evaluation of gifted programmes. Gifted Education International, 16, 79-91. assinala também que a habilidade autoavaliativa comumente presente nos talentosos pode significar uma constante busca por perfeição. Portanto, o processo reflexivo desses estudantes sugere que a tensão cognitiva e afetiva gerada pelas suas habilidades de autopercepção e, mais especificamente, de autoavaliação pode contribuir para bons resultados nas atividades cotidianas dos talentosos e na busca pelo sucesso, mesmo frente aos desafios.

Contudo, é preciso observar, por fim, que a autoconsciência dos estudantes apareceu relacionada também a experiências de ansiedade e desconforto psicológico e emocional. Portanto, entender as características individuais relacionadas aos talentosos, além de fatores educacionais e familiares é importante na medida em que a interação entre estes sistemas exerce influência no desenvolvimento humano. Partindo do pressuposto de que os estudos nesta área têm muito a contribuir para a diminuição do desperdício de potencial, tão presente na realidade brasileira, sugere-se que estudos futuros relacionando à autoconsciência com o desenvolvimento de talentos focalizem a influência de outros possíveis catalisadores intrapessoais e ambientais, como personalidade, volição, motivação, ambiente escolar e familiar, por exemplo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2016
  • Aceito
    10 Jan 2017
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