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Educação inclusiva e as representações dos estudantes sobre seus pares com deficiência

Inclusive education and the representations of students on their patients with disabilities

Educación inclusiva y las representaciones de los estudiantes sobre sus pares con deficiencia

Resumo

A educação inclusiva propõe a valorização da diversidade presente na sociedade, inclusive das pessoas com deficiência. Contudo, ainda há predomínio de práticas integradoras nas escolas. O objetivo desta pesquisa foi identificar as representações que os estudantes sem deficiência elaboram sobre a criança com deficiência física no cotidiano escolar. Tais representações foram analisadas a partir da Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento. Participaram deste estudo 27 crianças, de 6 a 8 anos, de escolas de uma rede municipal de ensino. Elas foram entrevistadas individualmente, com base em uma situação fictícia de conflito. Como resultados, podemos elencar a prevalência do modelo médico sobre as deficiências, que se desdobram em preconceito e estigmatização. As representações foram centralizadas nas limitações do sujeito com deficiência e na atribuição, a ele, de sentimentos negativos. A partir disso, verifica-se a necessidade da promoção da compreensão da inclusão fundamentada em uma perspectiva social.

Palavras-chave:
Educação Inclusiva; representação; preconceito

Abstract

Inclusive education proposes the valuation of the diversity present in society, including people with disabilities. However, there is still a predominance of integrative practices in schools. The purpose of this research was to identify the representations that students without disabilities elaborate on the child with a physical disability in the daily school life. These representations had analyzed from the Theory of Thinking Models. Twenty-seven children aged 6 to 8 years participated in this study of schools in a municipal school network. They had interviewed individually, based on a fictitious situation of conflict. As results, we can list the prevalence of the medical model on the deficiencies, which unfold in prejudice and stigmatization. The representations had centered on the limitations of the subject with disability and the attribution, to him, of negative feelings. From this, there is a need to promote the understanding of inclusion based on a social perspective.

Keywords:
Inclusive education; representation; prejudice

Resumen

En la educación inclusiva se propone la valoración de la diversidad presente en la sociedad, incluso de las personas con deficiencia. Sin embargo, aún hay predominio de prácticas integradoras en las escuelas. El objetivo de esta investigación fue identificar las representaciones que los estudiantes sin deficiencia elaboran sobre el niño con deficiencia física en el cotidiano escolar. Se analizaron tales representaciones a partir de la Teoría de los Modelos Organizadores del Pensamiento. Participaron de este estudio 27 niños, de 6 a 8 años, de escuelas de una red municipal de enseñanza. Ellas fueron entrevistadas individualmente, con base en una situación ficticia de conflicto. Como resultados, podemos enumerar la prevalencia del modelo médico sobre las deficiencias, que se desdoblan en prejuicio y estigmatización. Las representaciones fueron centralizadas en las limitaciones del sujeto con deficiencia y en la atribución, a él, de sentimientos negativos. A partir de eso, se verifica la necesidad de la promoción de la comprensión de la inclusión fundamentada en una perspectiva social.

Palabras clave:
Educación inclusiva; representación; Prejuicio

Introdução

O relacionamento que a sociedade, como um todo, estabelece com as pessoas com deficiência revela as marcas históricas tradicionalmente excludentes, em que as pessoas com deficiência eram segregadas, tendo seu convívio restrito a instituições especializadas por serem consideradas incapazes. Na segunda metade do século XX, influenciado pelo princípio da normalização1 1 O princípio da normalização defendia o estabelecimento de condições de vida, para as pessoas com deficiência, que fossem semelhantes ao padrão estabelecido como normal ou comum a todos os outros membros da sociedade, dentro das suas possibilidades. , o paradigma então vigente constituiu-se como a integração: o foco estava no indivíduo, que deveria ser preparado, superar suas dificuldades, para então, poder conviver em sociedade - que, em si, sofria poucas alterações. Nesse processo de preparação, o indivíduo seguia frequentando instituições especializadas que, na educação, eram caracterizadas pelas escolas ou classes especiais.

Por outro lado, no final dos anos 80 e início dos 90, o movimento pela inclusão passou a ser organizado. Consolidada como política na segunda metade da década de 90, a proposta da inclusão - manifesta em documentos como a Declaração de Salamanca2 2 Documento decorrente da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, realizada em Salamanca (Espanha), no ano de 1994. - apregoa que todas as crianças devem ser acolhidas pela escola, independentemente de suas características ou origens. Nesse sentido, a deficiência passou a ser vista como uma dentre as diversas diferenças existentes que devem ser consideradas pelas escolas na organização do seu trabalho (Sánchez, 2005Sánchez, P.A(2005). A educação inclusiva: um meio de construir escolas para todos no século XXI. Inclusão: Revista da Educação Especial, (1), 7-18.). Tal organização demanda, dos profissionais que atuam nas instituições educativas, a reflexão a respeito das formas como são estruturadas a avaliação, o currículo, as relações estabelecidas na escola, dentre outros processos, bem como sobre as suas finalidades, de forma a proporcionar boas condições para o desenvolvimento de todos os estudantes.

Logo, para esta perspectiva, mais do que focalizar os estudantes com deficiências ou aqueles que fracassam, é importante enfatizar uma educação direcionada para o desenvolvimento de todos os alunos. Para além do foco no indivíduo, a inclusão pressupõe a consideração do contexto social e político (Sánchez, 2005Sánchez, P.A(2005). A educação inclusiva: um meio de construir escolas para todos no século XXI. Inclusão: Revista da Educação Especial, (1), 7-18.).

Dessa forma, a educação se desvincula de um modelo médico da deficiência e passa a ser pensada a partir de um modelo social. Essa perspectiva deixa de localizar as limitações no indivíduo e passa a atribuí-las à sociedade, que apresenta barreiras que impedem o desenvolvimento dos sujeitos, bem como a sua inserção nos mais variados contextos. Assim, é a sociedade que precisa se organizar para eliminar as barreiras que se impõem e, portanto, limitam o desenvolvimento dos sujeitos.

Podemos, então, dizer que a sociedade como um todo vivencia a construção do paradigma da inclusão, pois, apesar de ele vigorar enquanto legislação, ainda convivemos com práticas eminentemente integradoras. A coexistência delas com iniciativas inclusivas é observada na educação, com o aumento do acesso dos estudantes com deficiência ao ensino regular nas escolas comuns, mas que pouco tem se refletido em mudança das práticas em seu interior - conforme indicado por estudos como os de Prieto (2004Prieto, R.G. (Org.) (2004). Políticas de inclusão escolar no Brasil: descrição e análise de sua implementação em municípios das diferentes regiões. IN: Anais da 27ª ANPED (p. 1-146), Caxambu: ANPED.) e Kassar (2011Kassar, M.C.M. (2011). Educação especial na perspectiva da educação inclusiva: desafios da implantação de uma política nacional. Educar em Revista, (41), 61-79.) - o que faz da inclusão uma prática compensatória, como propuseram Machado, Almeida e Saraiva (2009Machado, A.M.; Almeida, I.; Saraiva, L.F.O. (2009). Rupturas necessárias para uma prática inclusiva. In: Conselho Federal de Psicologia(Org.), Educação inclusiva: experiências profissionais em psicologia (pp. 21-36). Brasília: Conselho Federal de Psicologia.). Esses autores caracterizaram a sociedade em que vivemos - e, como parte dela, destacaram as escolas - como permeada por um sistema de funcionamento excludente, no qual as relações de poder atribuem um importante peso às diferenças existentes entre os indivíduos, transformando-as em desvantagens.

Não há, assim, um questionamento efetivo referente às redes de relações que podem produzir ou potencializar as limitações atribuídas a cada sujeito. Logo, as próprias práticas escolares se tornam responsáveis por produzir opressão e desigualdade, bem como por imputá-las aos indivíduos.

Nesse contexto, precisamos pensar a inclusão dos estudantes com deficiência no ensino comum para além da aprendizagem sistematizada dos conteúdos escolares. É necessário discutir as relações constituídas entre esses estudantes e seus pares, bem como entre eles e os vários profissionais da educação, devido à necessidade de desvelar os aspectos subjacentes que perpetuam a reprodução de práticas segregadoras, para que possamos problematizá-los e, então, trabalhar na construção de relações que possibilitem uma escola que efetivamente acolha a todos.

A escola, enquanto instituição social, reproduz a realidade presente na sociedade. Ela é marcada pela manifestação da diversidade existente, com a exposição das mais variadas práticas culturais. Contraditoriamente, também se caracteriza pela não discussão dessas diferenças (Vianna & Ridenti, 1998Vianna, C.; Ridenti, S. (1998). Relações de gênero e escola: das diferenças ao preconceito. In: Aquino, J.G. (Org.), Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas (pp. 93-1050). São Paulo: Summus Editorial.), principalmente daquelas que exercem grande impacto e apresentam conotação eminentemente valorativa, marcando a anormalidade, o desvio.

Magalhães e Ruiz (2011Magalhães, R.C.B.P.; Ruiz, E.M. (2011). Estigma e currículo oculto. Revista Brasileira de Educação Especial, 17, 125-142.) afirmam que a escola, de maneira velada, distribui desigualmente o poder na medida em que classifica, rotula e disciplina os estudantes. Com isso, ensina-lhes os padrões que devem seguir ao se relacionarem com os demais. Tal composição faz da escola um espaço propício para a disseminação do preconceito.

O preconceito está, portanto, presente nas escolas por meio da linguagem, dos gestos, da distribuição desigual dos diferentes grupos sociais nas turmas, com prevalência de estudantes regulados pela heteronormatividade, seguidores de religiões cristãs. Apesar de, na atualidade, haver algumas iniciativas de discussão sobre as diferenças, com o intuito de promover o respeito à diversidade, elas ainda se apresentam de forma bastante tímida. De maneira geral, pode-se afirmar que os profissionais que trabalham nas instituições educacionais apresentam crenças tradicionalistas e, ao incentivá-las, contribuem para a marcação daquilo que é diverso através dos estereótipos.

A partir do exposto, observamos a importância de discutirmos, no âmbito da escola, o preconceito. Neste trabalho, ele é abordado a partir da Teoria Crítica da Sociedade, embasada por Crochík (2011aCrochík, J.L(2011a). Preconceito, indivíduo e cultura. Itatiba: Casa do Psicólogo.; 2011bCrochík, J.L. (Org.) (2011b). Preconceito e educação inclusiva. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos.), bem como tendo como vertente o estigma, a partir de Goffman (1988/20123 3 1988 refere-se ao ano de publicação original da obra. ).

Para Crochík (2011aCrochík, J.L(2011a). Preconceito, indivíduo e cultura. Itatiba: Casa do Psicólogo.), o sujeito se constitui por meio do processo de socialização, sendo a partir da cultura que o indivíduo se imbui para obter as ideias referentes ao objeto do preconceito. Assim, o indivíduo preconceituoso percebe o mundo de forma ameaçadora, julgando-se impotente para lidar com as dificuldades que a realidade pode lhe trazer. Tal situação o faz perder a capacidade de reflexão, bem como prejudica sua abertura à experiência - fatores fundamentais, segundo Crochík (2011aCrochík, J.L(2011a). Preconceito, indivíduo e cultura. Itatiba: Casa do Psicólogo., 2011bCrochík, J.L. (Org.) (2011b). Preconceito e educação inclusiva. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos.), para que a compreensão da diversidade humana se constitua. Como consequência, há a instalação do preconceito, que surge como elemento necessário para mascarar a fraqueza e o sofrimento do homem (Crochík, 2011bCrochík, J.L(2011a). Preconceito, indivíduo e cultura. Itatiba: Casa do Psicólogo.).

O preconceito é, então, uma reação de defesa individual, um fenômeno cultural, operado pela mecanização do trabalho, que elimina a necessidade do pensamento. Crochík (2011bCrochík, J.L. (Org.) (2011b). Preconceito e educação inclusiva. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos.) o caracteriza, então, a partir de dois aspectos. O primeiro constitui o estereótipo, definido como grupos de pensamentos ou representações provenientes da cultura, engessados pelo modo de vida mecanizado e menos reflexivo, que são aplicados repetidamente, independente das demandas. O outro, denominado discriminação, conforma a reação frente a esse objeto, normalmente negativa, e se manifesta através da segregação e da marginalização. A primeira trata-se de um processo de exclusão em si, sendo os segregados aqueles que estão fora, que fazem parte de uma outra categoria, diferente da qual o grupo geral pertence. Já na marginalização, os alvos do preconceito são compreendidos como fazendo parte do grupo, mas tendo status diferenciado: são colocados à margem.

Desses dois elementos derivam-se formas de ação, por parte daqueles que exercem o preconceito, permeadas pela indiferença, pelo pouco investimento ou pela hostilidade, dentre outras possíveis, que conduzem à inferiorização da vítima e constituem, por conseguinte, um mecanismo de controle do outro. Assim, os preconceitos auxiliam na manutenção da ordem social estabelecida: mantêm a ideia da desigualdade entre os homens, conservando o valor maior para alguns grupos em detrimento dos demais (Crochík, 2011bCrochík, J.L. (Org.) (2011b). Preconceito e educação inclusiva. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos.).

Outro autor de grande importância nas discussões referentes ao preconceito é Goffman (1988/2012). Apesar de não tratar diretamente desse constructo em seus trabalhos, aborda um constructo que apresenta uma íntima relação com ele: o estigma. Para esse autor, o estigma provém da necessidade, tida pela sociedade, de categorizar as pessoas que nela vivem e, consequentemente, seus atributos. Este processo é natural e auxilia cada sujeito no estabelecimento de uma compreensão preliminar a respeito de outras pessoas, no primeiro contato social. Há, todavia, situações em que o indivíduo apresenta um atributo que o diferencia dos demais membros deste grupo. Quando tal característica apresenta o efeito de descrédito do sujeito, há, aí, a constituição do estigma.

Além de conferir menor status, outra propriedade distintiva do estigma é sua ação interpeladora sobre as demais características do indivíduo, fazendo com que elas sejam percebidas a partir dele, bem como tenham menor destaque. As consequências da atribuição de inferioridade, bem como da ausência de credibilidade imputada ao sujeito estigmatizado, exercem importante influência sobre a constituição da sua identidade: o indivíduo estigmatizado percebe a sua desqualificação como pessoa plena e igual às demais. Tal inferiorização na interação com o outro, delimitada pelas marcas que compõem o seu estigma, pode ser assumida pelo sujeito como juízo a respeito de si próprio. O sentimento de vergonha surge, então, como consequência desse processo (Goffman, 1988Goffman, E. (2012). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (4ª ed.). Rio de Janeiro: LTC (Trabalho original publicado em 1988)./2012).

Em vista do exposto, considerando a importância de se buscar o estabelecimento de relações mais inclusivas, que não tenham as marcas do preconceito e do estigma, buscamos, nesta pesquisa, identificar as representações que os estudantes sem deficiência elaboram sobre a criança com deficiência física diante do estabelecimento de relações interpessoais no cotidiano escolar.

Método

Modelos Organizadores do Pensamento: uma abordagem teórico-metodológica sobre representações

Uma teoria importante para se discutir as representações que os sujeitos elaboram na sua interação com o meio é a dos Modelos Organizadores do Pensamento. Para ela, é através do contato com o ambiente social que compreendemos quem somos e entendemos o mundo que nos cerca. Contudo, não somos capazes de apreender todos os elementos disponíveis no ambiente. Consequentemente, tendemos a selecionar apenas alguns, interpretando a realidade a partir deles, sendo que cada indivíduo seleciona apenas aqueles aos quais atribui importância e significado. Estes componentes foram chamados por Moreno, Sastre, Bovet e Leal (2002Moreno, M.; Sastre, G.; Bovet, M.; Leal, A(2002). Conhecimento e mudança: os modelos organizadores na construção do conhecimento. São Paulo: Moderna; Campinas: Editora da UNICAMP.) de elementos ou dados e não correspondem necessariamente à realidade exterior ao indivíduo. São, na verdade, produtos de sua interpretação a respeito daquilo que se apresenta no ambiente, sendo, então, organizados por meio de uma rede de relações, que estabelece as conexões entre eles e produz uma coerência interna. Tal coerência é a responsável por gerar, no sujeito, a ideia de que o modelo por ele elaborado corresponde à situação tal como é apresentada no mundo real, objetivamente (Moreno & cols., 2002Moreno, M.; Sastre, G.; Bovet, M.; Leal, A(2002). Conhecimento e mudança: os modelos organizadores na construção do conhecimento. São Paulo: Moderna; Campinas: Editora da UNICAMP.).

A cada elemento abstraído, o sujeito atribui um significado, processo esse realizado de forma racional, afetiva e relacionada aos contextos sociais e históricos nos quais se insere. As consequências decorrentes disso, por sua vez, recebem o nome, dentro desta teoria, de implicações. Ainda que seja feita a abstração de um mesmo elemento, por meio da observação, a atribuição de significados distintos a ele pode resultar em uma grande variabilidade nas implicações subsequentes (Moreno & cols., 2002Moreno, M.; Sastre, G.; Bovet, M.; Leal, A(2002). Conhecimento e mudança: os modelos organizadores na construção do conhecimento. São Paulo: Moderna; Campinas: Editora da UNICAMP.).

Logo, o conhecimento que temos a respeito de um fenômeno é sempre uma abstração - e, portanto, interpretação - da realidade. Estes conjuntos, compostos por elementos, significados e implicações, que permitem ao sujeito conhecer o mundo que o rodeia, são denominados modelos organizadores (Moreno & cols., 2002Moreno, M.; Sastre, G.; Bovet, M.; Leal, A(2002). Conhecimento e mudança: os modelos organizadores na construção do conhecimento. São Paulo: Moderna; Campinas: Editora da UNICAMP.).

A Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento também é uma abordagem metodológica, fundamentada no construtivismo. Para verificar os modelos organizadores aplicados em um determinado contexto, devemos partir das próprias respostas dos sujeitos pesquisados, não havendo categorias pré-determinadas de modelos ou inferências prévias feitas pelo pesquisador. Esta foi, pois, a abordagem teórico-metodológica assumida na presente pesquisa.

A pesquisa

A presente investigação foi desenvolvida nos meses de abril e maio de 2013, com 27 estudantes, entre 6 e 8 anos, de turmas de 1° ciclo do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Rondonópolis/MT. Em cada uma das quatro turmas pesquisadas, estudava uma criança com deficiência física.

Com a finalidade de elaborar um instrumento para a verificação dos modelos organizadores aplicados pelos estudantes, escolhemos uma situação de conflito4 4 Na Teoria dos Modelos Organizadores, as situações de conflito se justificam porque nos permitem verificar, de forma mais clara, a dinâmica do raciocínio dos sujeitos em relação aos dados abstraídos, aos significados atribuídos a esses dados e às implicações estabelecidas entre dados e significados. , apresentada como desenho, que envolvesse uma criança com deficiência física. O instrumento final foi, então, composto por quatro versões, com variação quanto ao gênero das personagens (com vistas a possibilitar uma identificação dos entrevistados com as crianças apresentadas no desenho) e quanto ao papel assumido pela criança com deficiência (agressora ou vítima), em busca de favorecer a manifestação das mais variadas representações possíveis em relação a ela.

Realizamos uma entrevista com cada estudante, individualmente, a partir da apresentação do desenho. Assim, cada criança respondeu às indagações referentes a apenas uma das versões e, com base nela, fizemos perguntas relativas à situação apresentada, bem como a pensamentos e sentimentos de cada uma das personagens retratadas. As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas.

Para análise dos resultados, consideramos o total de entrevistas como um grupo único. Não fizemos, portanto, a diferenciação das respostas a partir da versão do instrumento utilizada (com a criança com deficiência no papel de vítima ou de agressora). Tal decisão foi tomada ao verificarmos que as categorias identificadas nas respostas dos estudantes estavam presentes em todas as variações do instrumento.

Resultados

Por meio da análise das respostas dos 27 estudantes, observamos a estruturação de três modelos organizadores do pensamento a respeito da criança com deficiência retratada, conforme apresentado a seguir:

Quadro 1
Apresentação dos modelos organizadores do pensamento identificados a partir dos relatos dos estudantes, bem como da distribuição dos participantes por eles.

Com base no quadro apresentado, é possível perceber que um dos modelos organizadores identificados foi dividido em três submodelos, em função da variação dos componentes apresentados nas respostas classificadas dentro de uma mesma categorização.

Modelo 1: conotação negativa da deficiência, centrada no sujeito que a possui.

Os participantes que aplicaram o modelo 1 organizaram seu raciocínio a partir da atribuição de um sentido negativo à deficiência, estando os significados relacionados fundamentalmente à personagem com deficiência em si, e não à sua interação com a outra criança ilustrada no instrumento. Nesse sentido, identificamos três submodelos distintos.

  • Submodelo 1A: este submodelo foi representado pela abstração das limitações, decorrentes da deficiência, tidas pela personagem que a possui. Tais restrições foram significadas como não conseguir realizar as seguintes atividades: brincar, andar, correr com seus amigos, divertir-se, dançar, pular cordas, conversar, abaixar-se, sentar-se no sofá, ou mesmo pegar o lanche (dependeria de ajuda para isso). As implicações verificadas referiram-se à manifestação de pensamentos e sentimentos negativos como decorrência (sente-se mal, diferente dos outros, triste, chora, pensa que nunca mais sairá da cadeira de rodas), à presença de uma perspectiva de superação de sua limitação (pensa em poder andar, para poder brincar) e também à ausência dessa compreensão, que resultaria numa expectativa de estagnação do seu quadro (pensa que nunca mais sairá da cadeira de rodas). De forma complementar à primeira classe de implicações aqui exposta, juntamente com a conclusão de que “quem tem deficiência é triste”, foi adicionada a ideia de que “para ser feliz, é preciso não ter deficiência”. Ainda, há uma última implicação: a rejeição, presumida ou real, da criança com deficiência pela sua colega, em função das limitações atribuídas à primeira.

  • Submodelo 1B: os estudantes que aplicaram este submodelo abstraíram os sentimentos negativos tidos pela criança em função da sua deficiência. Tais elementos foram significados como: sentir-se mal, diferente, ruim, chata, ficar com vergonha e com raiva. As implicações decorrentes fizeram menção à possibilidade de a personagem adoecer (se ficar nervosa, ficará doente), à contraposição entre os sentimentos negativos dessa personagem em função da deficiência e a sensação de bem-estar da outra criança, por não a ter, bem como à agressão, praticada pela criança com deficiência, como reação a esse sentimento negativo decorrente da sua limitação física.

  • Submodelo 1C: o elemento abstraído consistiu na compreensão da deficiência como uma doença. Essa foi, então, significada de forma mais ampla (estava doente) ou, ainda, mais específica (como atropelamento, tosse, gripe, câncer). As implicações decorrentes foram referentes aos seguintes itens: contraposição entre os sentimentos negativos (tristeza) dessa personagem em função da deficiência e os sentimentos positivos (alegria) da outra criança, por não tê-la; vontade de não ter a deficiência (ser igual a nós, ficar em pé, andar); necessidade de consultar um médico, para tentar curar-se; perspectiva de cura, que lhe possibilitaria fazer o que não consegue em função da deficiência (correr, brincar, comer, divertir-se no parque, sair com sua família).

Apresentamos, abaixo, um excerto de entrevista que ilustra os submodelos que compõem o Modelo 1:

P5 5 Ao longo da apresentação dos diálogos, a letra “P” indica “pesquisadora” e a letra “C”, “criança”. : Como é que esse menino aqui [com deficiência] tá se sentindo?/ C: Mal./ P: Por que ele tá mal?/ C: A tosse deu a doença nele, né?/ ...P: Em que ele tá pensando?/ C: Ele tá pensando que ele vai ficar bem um dia.../ P: Quando ele ficar bem, o que vai acontecer?/ C: Ele vai poder fazer várias coisas./ P: É? Por exemplo?/ C: Comer... correr, brincar./ P: E que que... precisa pra ele ficar bem?/ C: Remédio... Vai fazer efeito e ele vai sarar./ P: E, quando ele sarar, como é que ele vai ficar?/ C: Vai ficar muito bem, vai poder brincar, vai poder fazer tudo./ P: É? O que que ele vai poder fazer depois que ele não faz agora?/ C: Assim ele não pode fazer nada.

Modelo 2: consequências negativas da deficiência, especificadas a partir da relação entre as duas personagens.

O modelo 2 foi marcado pela organização do raciocínio a partir da interação entre as duas personagens ilustradas no instrumento. Nesse sentido, o elemento abstraído consistiu na manifestação de comportamentos de menosprezo ou rejeição emitidos pela criança sem deficiência e direcionados à personagem que a possui. Tais comportamentos foram significados como chacota (a criança sem deficiência riu da outra por causa da sua deficiência ou por causa da cadeira de rodas), isolamento social (ninguém brinca com a criança com deficiência em função da sua limitação) e rejeição (a personagem sem deficiência não gosta da que a tem porque esta está em cadeira de rodas). As implicações desse modelo fizeram menção tanto aos sentimentos atribuídos à criança com deficiência (sente-se humilhada, sozinha, mal, com raiva) quanto à sua reação a esta situação (agrediu a outra personagem ou pensou em agredi-la). Um exemplo do raciocínio elaborado a partir deste modelo é apresentado abaixo:

P: O que tá acontecendo aí?/ C: É o menino, que tá de cadeira de rodas, que tá puxando o cabelo de uma menina!/ P: E por que ele tá fazendo isso? .../ C: Porque ela fez algum mal pra ele? ... Ela pode rir dele.../ P: E por que ela riu dele, então?/ C: Por causa que ele é um deficiente!... É que ele tem perna quebrada!/ P: Aí, por isso, ela riu dele, e aí ele... daí.../ C: Puxou o cabelo dela./ P: Hum... entendi! Fala pra mim: como é que você acha que ele [com deficiência] tá se sentindo?/ C: Humilhado! .../ P:... Por que ele se sentiu humilhado?/ C: Porque ela [sem deficiência] riu da perna dele!/ P:... E em que você acha que ele tá pensando?.../ C: Ele... ele não gosta dela.../ P:... Por que ele não gosta dela?/ C: É que tem bastante criança que, quando vê um deficiente, eles... as crianças riem do menino.

Modelo 3: vantagem decorrente da deficiência.

O único sujeito entrevistado que aplicou o modelo organizou sua resposta em torno da vantagem decorrente do uso da cadeira de rodas, que foi significada como um elemento que evita o cansaço - sendo, portanto, melhor do que a corrida. A implicação decorrente dessa relação consiste na sensação de bem-estar, atribuída à personagem com deficiência. Abaixo, há um excerto da entrevista que ilustra o raciocínio desenvolvido.

P: Olha só, se fosse você no lugar dessa menina aqui [com deficiência], ...Como é que você ia se sentir?/ C: Normal.../ P: Normal? Por que você ia se sentir normal?/ C: Porque é muito bom!/ P: O que é muito bom?/ C: Porque a gente não se cansa! É melhor do que... porque... quando a gente corre, a gente cansa. Quando a gente senta, a gente não cansa!/ P: Ah... você acha que, se você estivesse aqui [no lugar da criança com deficiência], ia ser melhor porque você não ia cansar?/ C: Uhum!

Dentre os modelos organizadores identificados, verificamos a prevalência de aspectos negativos vinculados à deficiência correspondentes aos modelos 1 e 2 (que destaca a relação estabelecida entre as duas personagens). Se considerarmos todos os modelos e submodelos identificados, observamos a maior expressão de raciocínios cuja elaboração se organizou em torno das limitações dessa personagem (submodelo 1A). De todos os estudantes entrevistados, apenas um indicou aspectos positivos relativos à personagem com deficiência física - que corresponde ao modelo 3.

Discussão

As limitações da personagem com deficiência foram citadas pela maior parte dos estudantes entrevistados e foram frequentemente relacionadas à atribuição de sentimentos negativos a ela e ao destaque da superação da deficiência como única forma de ser feliz ou de vivenciar situações prazerosas. Ao estabelecerem esta relação, os sujeitos entrevistados marcam uma cisão: eles, que não possuem limitações, podem ser felizes, sendo tal possibilidade, por outro lado, não permitida àqueles que têm deficiência. Há, assim, a demarcação de dois grupos distintos. O estabelecimento dessa separação revela a força do estigma, que promove o distanciamento e impossibilita a identificação entre os indivíduos.

O processo de estereotipia nos leva a compreender que as relações aqui descritas aproximam-se muito mais daquilo que Crochík (2011bCrochík, J.L. (Org.) (2011b). Preconceito e educação inclusiva. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos.) propôs como idealização (ou seja, com base em representações, e não na pessoa em si) do que da experiência propriamente dita (a partir de indivíduos reais, cujas particularidades são reconhecidas e valorizadas). Essa compreensão indica o não estabelecimento de uma relação de proximidade entre os estudantes entrevistados e esses indivíduos com deficiência que estudam com eles.

O segundo grupo de modelos organizadores do pensamento, caracterizado pela explicitação das propriedades negativas da deficiência a partir da relação entre as duas personagens, demonstra a ação do estigma sobre o relacionamento interpessoal e, mais do que isso, sobre a imagem que o sujeito constitui a respeito de si próprio. A partir de um evento de discriminação direcionado à criança com deficiência e realizado pela outra personagem - que debochou da primeira ou a rejeitou por causa da sua limitação - houve a manifestação de sentimentos de solidão, humilhação e vergonha por parte da vítima, que encontrou, na agressão, a resposta para tal situação.

Para Goffman (1988Goffman, E. (2012). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (4ª ed.). Rio de Janeiro: LTC (Trabalho original publicado em 1988)./2012), a vergonha se manifesta no momento em que o sujeito estigmatizado, ao perceber a sua desqualificação diante dos demais por meio dos relacionamentos sociais, assimila as suas marcas e o descrédito decorrente delas, ainda que temporariamente. Em nossa pesquisa, os estudantes entrevistados referiram-se ao sentimento de vergonha por parte da personagem com deficiência, assim como a sua percepção de inferioridade e diferença diante da outra personagem. Tal referência demonstra a validação dessa relação social que se estabelece a partir do estigma, bem como o reconhecimento da sua existência. Nesse contexto, a agressão emerge como reação, tanto a este processo quanto à exposição à discriminação sofrida.

O estigma foi definido por Goffman (1988Goffman, E. (2012). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (4ª ed.). Rio de Janeiro: LTC (Trabalho original publicado em 1988)./2012) como um atributo que diferencia o sujeito do grupo e que exerce, sobre esse indivíduo, o efeito de descrédito, contribuindo para a sua inferiorização. Assim, a personagem com deficiência, apesar de ser uma criança tal qual os entrevistados, teve na deficiência o seu atributo distintivo. Nesse sentido, foi bastante comum sua identificação como “a/o deficiente” e “a/o cadeirante”, ainda que não houvesse destaque para estes aspectos nas questões apresentadas durante a entrevista. De modo inverso, a outra personagem ilustrada no instrumento não obteve referências especiais em função de alguma característica identificada, sendo chamada, na maioria das vezes, de “menina(o)”.

Outro aspecto inerente ao estigma refere-se ao fato de ele influenciar as demais características conferidas ao indivíduo estigmatizado. Os demais atributos do indivíduo passam, pois, a ser percebidos por meio do estigma - o que caracteriza a sua generalização para os demais âmbitos da vida do sujeito. Sobre isso, Amaral (1998Amaral, L.A(1998). Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físicas, preconceitos e sua superação. In: Aquino, J.G. (Org.), Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas (3a ed., pp. 11-30). São Paulo: Summus Editorial., p. 69) afirma: “o indivíduo estigmatizado deixa de ser respeitado e considerado pelos outros, como se seus aspectos não contaminados pelo estigma não existissem. O indivíduo é o estigma”. Essa ação foi, também, identificada no discurso dos estudantes entrevistados, principalmente no tocante à expressão das limitações atribuídas à personagem com deficiência. Essas não foram, pois, conferidas apenas aos aspectos referentes à mobilidade ou a algo que pudesse apresentar uma relação direta com o fato de a personagem apresentar uma deficiência física. Foram também relacionadas a âmbitos da vida da personagem que não necessariamente seriam afetados pela deficiência - como, por exemplo, a impossibilidade de passear com sua família, de divertir-se, de aprender e, inclusive, de ser feliz.

O segundo modelo organizador identificado, além de explicitar a estigmatização, destaca o processo de discriminação. Este, segundo Crochík (2011bCrochík, J.L. (Org.) (2011b). Preconceito e educação inclusiva. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos.), frequentemente apresenta uma caracterização negativa e revela a preferência por membros do próprio grupo, em detrimento dos demais. Nesse modelo organizador, a rejeição motivada pela deficiência, juntamente com as ações de menosprezo e deboche, foi o elemento central abstraído - que, portanto, reforça a divisão, explicitada anteriormente, entre os estudantes com deficiência e aqueles que não a têm, em grupos distintos.

A caracterização da deficiência como uma forma de doença foi especificada no submodelo 1C, que revela a concepção predominante de deficiência desenvolvida pelos estudantes entrevistados e manifesta ao longo de diversas respostas apresentadas: o modelo médico. Esse modelo localiza no indivíduo a causalidade da deficiência, sendo as limitações responsáveis pelas desvantagens experienciadas, nas situações de interação social, pelos indivíduos que a possuem (Bampi, Guilhem, & Alves, 2010Bampi, L.N.S.; Guilhem, D.; Alves, E.D(2010). Modelo social: uma nova abordagem para o tema deficiência. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 18(4), 816-823.). O elevado número de referências às limitações da personagem com deficiência também se mostra como um importante indicativo dessa forma de conceber a deficiência.

É possível também compreender a presença, entre os estudantes entrevistados, de uma concepção da deficiência que limita o indivíduo através do entendimento da ação da cultura sobre a constituição da subjetividade dos sujeitos. Assim, ela é destacada como um importante agente na transmissão dos valores, crenças, normas sociais e, inclusive, do preconceito (Crochík, 2011aCrochík, J.L(2011a). Preconceito, indivíduo e cultura. Itatiba: Casa do Psicólogo.), bem como relevante na composição dos modelos organizadores do pensamento, principalmente no que se refere à atribuição de significados aos elementos (Moreno & cols., 2002Moreno, M.; Sastre, G.; Bovet, M.; Leal, A(2002). Conhecimento e mudança: os modelos organizadores na construção do conhecimento. São Paulo: Moderna; Campinas: Editora da UNICAMP.).

Os estereótipos, como produtos culturais, contribuem para a não compreensão das pessoas e dos contextos em toda a sua complexidade. Como consequência, há o estabelecimento da estigmatização e da discriminação, que justificam as relações de opressão consolidadas, assumem a função social de controle dos sujeitos e impedem a ação da sociedade no sentido de se implicar na resolução destas questões (Crochík, 2011aCrochík, J.L(2011a). Preconceito, indivíduo e cultura. Itatiba: Casa do Psicólogo., 2011b). Assim, considerando os resultados encontrados na presente pesquisa, compreendemos que o modelo médico afirmado pelos entrevistados a respeito da deficiência localiza no indivíduo a causalidade do déficit, consolida a imobilidade do sistema social estabelecido e contribui para a manutenção das práticas já difundidas.

A compreensão de que a personagem com deficiência precisa superá-la para que possa ser feliz, brincar e fazer tudo o que sua limitação impede embasa as práticas relativas ao paradigma da integração, exigindo, assim, poucas adaptações da sociedade para possibilitar melhores condições de participação do sujeito com deficiência. Uma vez que as dificuldades apresentadas pelo estudante são atribuídas à sua deficiência, que está instalada e não pode, na maioria dos casos, ser revertida, são criadas poucas possibilidades de desenvolvimento de trabalhos com eles que promovam suas potencialidades. Há, pois, a necessidade de se compreender o papel da escola, enquanto instituição social, no estabelecimento ou agravamento das dificuldades apresentadas pelos estudantes, assim como na estruturação de alternativas que potencializem o desenvolvimento desses sujeitos.

Apesar de a maior parte das referências à personagem com deficiência ter apresentado relações com uma concepção individualizadora e patologizante, consideramos como positiva a atribuição de um bom sentido à cadeira de rodas, quando ela foi indicada como um elemento que traz vantagem à criança que a usa, conforme o terceiro modelo organizador do pensamento identificado. Ainda que, ao longo dos relatos dos sujeitos entrevistados, esses aspectos tenham se alternado com outros que indicam uma compreensão mais limitadora da deficiência, não consideramos essa oscilação incoerente, mas sim como manifestação da complexidade da elaboração do pensamento do sujeito.

Ainda que exista um grande número de estudos que indique, assim como este, a presença do preconceito nos relacionamentos estabelecidos com os estudantes com deficiência na escola e a conformação de trabalhos na perspectiva da integração, há outras pesquisas que apontam resultados bastante positivos. Uma dessas investigações foi desenvolvida por Sekkel e Matos (2014Sekkel, M.C.; Matos, L.P. (2014). Educação inclusiva: formação de atitudes na educação infantil. Psicologia Escolar e Educacional, 18(1), 87-96.) e demonstrou a ausência de uma visão negativa relacionada à diversidade a partir dos relatos dos sujeitos pesquisados, que cursaram a educação infantil em uma creche pública da cidade de São Paulo que trabalhava na perspectiva inclusiva. A importância desse estudo consiste na demonstração da efetividade da educação inclusiva na redução do preconceito entre os estudantes. É preciso destacar, contudo, que a educação inclusiva não é, atualmente, simples nem fácil de ser implantada, pois pressupõe o desenvolvimento da compreensão da diversidade a partir das relações estabelecidas no contexto social em que o sujeito se insere - contexto esse que pode potencializar ou minorar as suas limitações. Implica, portanto, no estabelecimento de uma compreensão da diversidade e da deficiência a partir do modelo social.

Referências

  • Amaral, L.A(1998). Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físicas, preconceitos e sua superação. In: Aquino, J.G. (Org.), Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas (3a ed., pp. 11-30). São Paulo: Summus Editorial.
  • Bampi, L.N.S.; Guilhem, D.; Alves, E.D(2010). Modelo social: uma nova abordagem para o tema deficiência. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 18(4), 816-823.
  • Crochík, J.L(2011a). Preconceito, indivíduo e cultura Itatiba: Casa do Psicólogo.
  • Crochík, J.L. (Org.) (2011b). Preconceito e educação inclusiva Brasília: Secretaria de Direitos Humanos.
  • Goffman, E. (2012). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (4ª ed.). Rio de Janeiro: LTC (Trabalho original publicado em 1988).
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  • Prieto, R.G. (Org.) (2004). Políticas de inclusão escolar no Brasil: descrição e análise de sua implementação em municípios das diferentes regiões. IN: Anais da 27ª ANPED (p. 1-146), Caxambu: ANPED.
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  • 1
    O princípio da normalização defendia o estabelecimento de condições de vida, para as pessoas com deficiência, que fossem semelhantes ao padrão estabelecido como normal ou comum a todos os outros membros da sociedade, dentro das suas possibilidades.
  • 2
    Documento decorrente da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, realizada em Salamanca (Espanha), no ano de 1994.
  • 3
    1988 refere-se ao ano de publicação original da obra.
  • 4
    Na Teoria dos Modelos Organizadores, as situações de conflito se justificam porque nos permitem verificar, de forma mais clara, a dinâmica do raciocínio dos sujeitos em relação aos dados abstraídos, aos significados atribuídos a esses dados e às implicações estabelecidas entre dados e significados.
  • 5
    Ao longo da apresentação dos diálogos, a letra “P” indica “pesquisadora” e a letra “C”, “criança”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2018

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2016
  • Aceito
    06 Abr 2017
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