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Escola ativa no Brasil na obra da psicóloga e educadora Helena Antipoff

Escuela activa en Brasil en la obra de la psicóloga y educadora Helena Antipoff

RESUMO

Aspectos da circulação e apropriação de ideias e propostas escolanovistas no Brasil são apresentados, por meio do trabalho realizado pela psicóloga e educadora russo-brasileira Helena Antipoff nos cursos de formação para professores do Complexo Educacional da Fazenda do Rosário, em Ibirité, Minas Gerais, no período de 1948 a 1974. Foram coletados depoimentos de ex-alunas encontrados em cadernos de diários arquivados na Fundação Helena Antipoff, em Ibirité/MG, e realizadas entrevistas com ex-participantes dos cursos. Verificou-se que o processo de circulação e recepção de conhecimentos científicos em educação nessa instituição estava sustentado em princípios da Escola Nova e métodos da Escola Ativa, enfatizando a relação teoria-prática, a tomada de decisões com base na observação dos educandos e da situação de ensino, o trabalho em grupo e o self-government. Esses conhecimentos provinham de experiências vivenciadas na Europa pela educadora, e inspiraram a elaboração de propostas educativas originais e adaptadas à realidade encontrada no Brasil.

Palavras-chave:
Escola Nova; Helena Antipoff; Psicologia

RESUMEN

Aspectos de la circulación y apropiación de ideas y propuestas del movimiento de la Escuela Nueva en Brasil se presentan a través del trabajo de la psicóloga y educadora ruso-brasileña Helena Antipoff en los cursos de capacitación para docentes en el Complejo Educativo Fazenda do Rosário, en Ibirité, Minas Gerais, Brasil, de 1948 a 1974. Se recogieron testimonios de antiguos alumnos en diarios archivados en la Fundación Helena Antipoff, y se realizaron entrevistas con participantes de los cursos. La recepción local de conocimientos científicos en educación se basó en principios de la Escuela Nueva y métodos de la Escuela Activa, enfatizando la relación teoría-práctica, la toma de decisiones basada en la observación de los estudiantes y de la situación de docencia, trabajo en grupo y autogobierno. Este conocimiento provino de las experiencias vividas en Europa por la educadora, e inspiró la elaboración de propuestas originales adaptadas a la realidad encontrada en Brasil.

Palabras clave:
Escuela Nueva; Helena Antipoff; Psicología

ABSTRACT

Aspects of the circulation and appropriation of New Education ideas and proposals are presented through the work done by the Russian-Brazilian psychologist and educator Helena Antipoff in teacher training courses offered at the Fazenda do Rosário Educational Complex, in Ibirité, Minas Gerais, Brazil. from 1948 to 1974. Former students’ testimonials were collected in diary notebooks filed at the Helena Antipoff Foundation, and interviews were conducted with former participants of the courses. It was found that the process of circulation and reception of scientific knowledge in education in this institution was based on New Education principles and on Active School methods, emphasizing the theory-practice relationship, decision making based on the observation of students and of the teaching situation, groupwork and self-government. This knowledge came from the experiences lived in Europe by the educator, and inspired the elaboration of original educational proposals adapted to the reality found in Brazil.

Keywords:
New School; Helena Antipoff; Psychology

INTRODUÇÃO

O movimento da Escola Nova iniciou-se ao final do século XIX, na Europa e América do Norte, como uma reação à rigidez das práticas educativas tradicionais, reunindo educadores interessados em adequar as escolas às necessidades dos alunos e em promover uma formação de professores que baseassem sua prática em métodos ativos e nas descobertas da então nascente pedagogia científica.1 1 A corrente de pensamento educacional com circulação internacional conhecida no Brasil como movimento da Escola Nova é em geral denominada New Education movement, na literatura de língua inglesa, e Éducation Nouvelle, em países de língua francesa. Na América do Norte encontra-se também a denominação Progressive Education movement, referindo-se às ideias e propostas de transformação das instituições educativas do final do século 19 e início do século 20 defendidas pelos educadores progressistas norte-americanos (Haengelli-Jenni, 2015; Tyack, 1974; Lourenço Filho, 2002). Um dos principais núcleos na difusão dos ideais escolanovistas foi o Instituto Jean Jacques Rousseau (IJJR), fundado em Genebra, na Suíça, em 1912, por Édouard Claparède (1877 - 1940) e um grupo de intelectuais e educadores (Hofstetter, 2010Hofstetter, R. (2010) Genève: creuset des sciences de l’éducation. (findu XIXe siècle - première moitié du 20e siècle).Genève: LibrarieDroz.).

No Brasil, os ideais escolanovistas se disseminaram, a partir de 1924, com a criação da Associação Brasileira de Educação (ABE), cujos membros contribuíram nas reformas de ensino em diversos estados brasileiros. Uma das reformas relevantes ocorreu em Minas Gerais, entre 1927 e 1928, para a qual foram convidados educadores que lecionaram na Escola de Aperfeiçoamento de professores de Belo Horizonte. O ensino de Psicologia e a direção do Laboratório dessa Escola foram atribuídos a educadores europeus. O Laboratório foi instalado em 1929 pelo médico e psicólogo francês Théodore Simon (1863-1961) e teve continuidade com o trabalho dos psicólogos russos Léon Walther (1889-1963) e Helena Antipoff (1892-1974). A obra de Antipoff tornou-se um importante capítulo da recepção da Escola Nova no Brasil, em especial, os trabalhos que desenvolveu junto com seus colaboradores, nos cursos de formação de professores do Complexo Educacional da Fazenda do Rosário, em Ibirité, Minas Gerais, onde foram instalados a Escola Normal Rural Sandoval Soares de Azevedo, em 1948Escola Normal Rural Sandoval Soares de Azevedo(1951) Diário Escola Normal - Janeiro de 1951. Manuscrito não publicado. Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff, Fundação Helena Antipoff, Ibirité, MG., e o Instituto Superior de Educação Rural (ISERInstituto Superior de Educação Rural (ISER) (1950)Diário do 5º Curso de Aperfeiçoamento para Professores Rurais. Manuscrito não publicado. Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff, Fundação Helena Antipoff, Ibirité, MG .) em 1955. Antipoff buscou adaptar os ideais escolanovistas na formação dos educadores e seu trabalho tornou-se um exemplo de apropriação desses ideais.

As experiências educacionais realizadas na Fazenda do Rosário foram registradas em cadernos de diários pelas alunas que frequentaram os cursos. Os diários foram pensados por Helena Antipoff como um procedimento pedagógico para a construção da memória dos acontecimentos, promovendo o hábito da observação e de reflexões sobre os trabalhos desenvolvidos na instituição. Eles eram escritos de forma coletiva, sendo que, cotidianamente, uma aluna diferente registrava os acontecimentos do dia e lia o texto na hora do jantar para os colegas, professores e dirigentes da Fazenda. Os registros descreviam conteúdos das disciplinas aprendidas durante os cursos e a escala das atividades realizadas pelas alunas com relação a limpeza dos ambientes, cuidado com a horta, jardim e pequenos animais, além da descrição das práticas religiosas das quais participavam (Jinzenji; Luz; Campos, 2016Jinzenji, M. Y., Luz, I. R. da; Campos, R. H. F. (2017). Escrita e leitura de diários na formação de professoras para escolas rurais em Minas Gerais (1948-1974). Educação e Pesquisa, 43 (3), 863-878.; Duarte,2017Duarte, A. O. S. A. (2017). Psicologia na formação de professores - Interligação entre teoria e prática nos cursos do Complexo Educacional Rural da Fazendo do Rosário (1948 - 1974). Tese de Doutorado. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais.)

A existência desses relatos permitiu sua utilização como evidência neste estudo de caso de como propostas escolanovistas foram apropriadas no trabalho realizado por Helena Antipoff e seus colaboradores nos cursos oferecidos na Fazenda do Rosário no período de 1948 a 1974.

MÉTODO

Como fontes da pesquisa, foi analisada uma amostra de depoimentos encontrados em cadernos de diários escritos por alunos/as que participaram dos cursos durante o período de 1948 a 1974, e que estão arquivados no Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff sediado na Fundação Helena Antipoff, em Ibirité/MG. Foi utilizada como critério a seleção de pelo menos um caderno de diário por ano, no período pesquisado, e que possuísse depoimentos sobre o ensino de Psicologia nos cursos, o que levou ao total de 41 cadernos de diários.

Além desses diários, também foi realizado um estudo de coorte retrospectivo para coletar depoimentos orais de cinco ex-alunas com o objetivo de realçar as reflexões das vivências particulares dos alunos sobre o ensino de Psicologia realizado nos cursos. Essa escolha seguiu os seguintes critérios de seleção: depoentes que freqüentaram os cursos na Fazenda do Rosário entre os anos de 1948 e 1974; que foram alunos/as de Helena Antipoff e/ou de seus/suas colaboradores/as quando ministraram a disciplina de Psicologia, e que demonstrem que utilizaram os conteúdos da Psicologia aprendidos nos cursos de aperfeiçoamento em sua prática profissional.

Conforme Gil (1991Gil, A. C. (1991). Como classificar as pesquisas? In Gil, A. C. (Ed.),Como elaborar projetos de pesquisa (pp. 41-58)(3a ed.).São Paulo: Atlas.), o estudo de coorte retrospectivo é elaborado com base em registros do passado com seguimento até o presente, referindo-se a um grupo de pessoas que têm alguma característica em comum. A abordagem utilizada foi a análise de conteúdo categorial visando elucidarfragmentos de mensagens que permitiram a identificação dos temas discutidos nas disciplinas de Psicologia nos cursos. Essa análise foi utilizada tanto nos cadernos de diários quanto nos dados obtidos durante as entrevistas, por meio da construção de categorias que permitiram a classificação de temáticas relacionadas à disciplina de Psicologia dos cursos ocorridos no Complexo Educacional Rural da Fazenda do Rosário. Seguindo o viés da análise categorial, do conteúdo encontrado na coleta dos dados, foram elencadas as seguintes categorias temáticas: Psicologia no planejamento de ações pedagógicas para o meio rural; Psicologia e o referencial teórico da escola de Genebra; Apropriação do ensino de Psicologia por meio do trabalho em equipe e o self-government e a Psicologia ensinada por especialistas estrangeiros.

O MOVIMENTO DA ESCOLA NOVA

Nas décadas finais do século XIX, a escolarização passou a ser concebida como um direito e as escolas começaram a receber e educar grandes grupos de crianças, ao mesmo tempo em que deveriam “respeitar os direitos individuais e a garantir a equidade de acesso aos bens educacionais” (Campos, 2012Campos, R. H. F. (2012). Helena Antipoff: psicóloga e educadora: uma biografia intelectual. Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes., p. 64). Emergiu, nesse período, o movimento denominado de escolanovista que criticava a escola clássica por utilizar métodos nos quais a autoridade do professor predominava (Parrat-Dayan & Tryphon, 1998Parrat-Dayan, S.; Tryphon, A. (1998). Introdução. In Parrat-Dayan, S.; Tryphon, A. (Eds), Pedagogia (pp. 7-21). Lisboa: Éditions Odile Jacob.).

O movimento promoveu o desenvolvimento de ciências que contribuíssem para a compreensão dos problemas que surgiam nas salas de aula. Entre essas ciências, a Psicologia tornou-se referência como base para a prática de uma educação que respeitasse a liberdade e a individualidade do educando e ensinasse o hábito da cooperação. As primeiras instituições reconhecidas como Escolas Novas foram fundadas entre 1882 e 1900, em alguns países da Europa, e atuaram como laboratórios educacionais (Ferrière, 1925Ferrière, A. (1925). L’Ecole nouvelle et le Bureau international des Ecoles nouvelles. Pour L’Ere Nouvelle - Revue Internationale d’Éducation Nouvelle, 4(15), 2-8. Acervo dos Archives Institut J.-J. Rousseau (AIJJR), Genève/Suisse.).

Em 1899, o educador suíço Adolphe Ferrière (1879-1960) instalou em Genebra o Bureau International des Écoles Nouvelles (BIEN), com o objetivo de centralizar e coordenar as informações sobre o movimento que estava ocorrendo na Europa, registrando as experiências das Escolas Novas e conectando os educadores envolvidos nessas experiências (Haenggeli-Jenni, 2011Haenggeli-Jenni, B. (2011). Pour L’Ere Nouvelle: une revue-carrefour entre Science et militance (1922-1940). Tese de doutorado. Université de Genève, Genève, Suíça.). O BIEN estabelecia relações de assistência científica entre as diversas Escolas Novas, centralizava os documentos envolvidos no movimento escolanovista e destacava os experimentos psicológicos que seriam realizados nos futuros laboratórios de Pedagogia.

Na época da fundação do BIEN, Ferrière visitou escolas experimentais na Suíça, França e Inglaterra, observando as inovações das práticas educativas e da organização escolar. A partir dessas observações, elaborou uma lista de trinta pontos com critérios para distinguir as Escolas Novas e que foi aprovada, em 1921, no Congresso da Ligue Internationale pour l’Éducation Nouvelle (LIEN),realizado em Calais, na França (Haenggeli-Jenni, 2011Haenggeli-Jenni, B. (2011). Pour L’Ere Nouvelle: une revue-carrefour entre Science et militance (1922-1940). Tese de doutorado. Université de Genève, Genève, Suíça.). A LIEN contribuiu para os ideais e métodos de ensino, estreitando as relações de cooperação e reunindo os pioneiros da Educação Nova de todos os países, além de propagar os princípios da Educação Nova, fortalecendo e familiarizando os professores interessados nas ideias que estavam surgindo sobre o trabalho educacional. As atividades da LIEN contribuíram para criar o Bureau International d’Education (BIE), fundado em Genebra em 1925, em conjunto com a Liga das Nações e com o Instituto Jean Jacques Rousseau (IJJR) (Ferrière, 1925Ferrière, A. (1925). L’Ecole nouvelle et le Bureau international des Ecoles nouvelles. Pour L’Ere Nouvelle - Revue Internationale d’Éducation Nouvelle, 4(15), 2-8. Acervo dos Archives Institut J.-J. Rousseau (AIJJR), Genève/Suisse., 1949Ferrière, A. (1949). Le congrès de la Ligue internationale pour l’éducation nouvelle à Bruxelles. Berner Schulblatt- L’Ecole bernoise, 82(23), 346-48. ).

O IJJR é considerado uma instituição de grande importância na propagação das ideias propostas pela Escola Nova, por este motivo, o próximo tópico será destinado a discorrer sobre a contribuição do IJJR para o movimento escolanovista.

O INSTITUTO JEAN JACQUES ROUSSEAU E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O MOVIMENTO DO ESCOLANOVISMO

No mesmo período de Adolphe Ferrière, o médico e psicólogo Edouard Claparède, também na Suíça, realizava investigações a respeito da Psicologia infantil. Por volta de 1900, Claparède foi chamado para aconselhar professores a respeito da educação de crianças consideradas anormais e observou que os problemas escolares demonstravam que os equívocos na educação afetavam o desenvolvimento da personalidade. Por esse motivo, ele acreditava na necessidade de modificar os métodos educativos para adaptá-los aos interesses das crianças possibilitando ao professor melhorara sua prática docente, além de ampliar suas concepções e percepções dos alunos.

Visando o progresso das Ciências da Educação, especialmente a Psicologia da Educação e a Didática, Claparède fundou em 1912Claparède, E. (1912). Un Institut des Sciences de L’Éducation et les besoins auxquels il répond, Archives de Psychologie 12 (45-48), 21-60., em Genebra, o Instituto Jean Jacques Rousseau (IJJR), primeira escola de ciências da educação a ser instalada na Europa, visando realizar pesquisas e formar educadores segundo a abordagem científica em educação que enfocasse a Psicologia (Hofstetter, 2010Hofstetter, R. (2010) Genève: creuset des sciences de l’éducation. (findu XIXe siècle - première moitié du 20e siècle).Genève: LibrarieDroz.; Ruchat, 2008Ruchat, M. (2008). A Escola de psicologia de Genebra em Belo Horizonte um estudo por meio da correspondência entre Edouard Claparède e Helena Antipoff (1915-1940). Revista Brasileira de História da Educação, 17, 181-205.). O objetivo do IJJR “era a construção de um novo modelo pedagógico, fundamentado no conhecimento da criança e no respeito às etapas de seu desenvolvimento e às diferenças individuais” (Lourenço, 2001Lourenço, E. (2001). A psicologia da educação na obra de Helena Antipoff: uma contribuição para a historiografia da psicologia. Dissertação de Mestrado em Psicologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte., p. 62). Para tanto, Claparède percorreu instituições de ensino em busca de interessados em compor os quadros de professores e alunos do IJJR. Inicialmente, visitou o laboratório da Sorbonne, em Paris, dirigido por Théodore Simon (1873-1961); lá conheceu Helena Antipoff e convidou-a a matricular-se no IJJR (Ruchat, 2008Ruchat, M. (2008). A Escola de psicologia de Genebra em Belo Horizonte um estudo por meio da correspondência entre Edouard Claparède e Helena Antipoff (1915-1940). Revista Brasileira de História da Educação, 17, 181-205.).

No IJJR buscava-se um ensino prático, por isso, as aulas de Didática e História eram ministradas como seminários, nas quais os alunos preparavam um material que era discutido em assembleias gerais. Além desses seminários, o Instituto organizava palestras sobre Didática Especial, com pedagogos estrangeiros ou psicólogos. Nas aulas de Psicologia, os alunos participavam dos exercícios no Laboratório de Psicologia Animal, considerando que a aquisição de hábitos ou treinamento de um animal forneceria resultados significantes para o educador compreender o desenvolvimento ontogênico da psique infantil (Claparède, 1912Claparède, E. (1912). Un Institut des Sciences de L’Éducation et les besoins auxquels il répond, Archives de Psychologie 12 (45-48), 21-60.). A partir desse modelo de ensino, pesquisadores e professores divulgavam uma escola que enfocava o conhecimento sobre a criança. Para tanto, Claparède (1956) acreditava que era necessário realizar investigações sobre aspectos da infância e possibilitar aos educadores acesso aos resultados destas investigações e aos métodos para a sua realização no ambiente escolar.

Focando um ensino experimental de Psicologia aplicada à Pedagogia e por meio da Educação Ativa, Edouard Claparède e Pierre Bovet (1878 - 1965) organizaram em 1913, no IJJR, um curso prático sobre as propostas de Maria Montessori (1870 - 1952). Ao final desse curso, a equipe de professores do Instituto continuou a experiência abrindo uma escola de caráter experimental, chamada Maison des Petits (Casa das Crianças), para a aplicação e avaliação das novas propostas educacionais da época (Perregaux, Rieben, & Magnin, 1996Perregaux, C.; Rieben, L.; Magnin, C. (1996). Une École où les enfants veulent ce qu’ils font- La Maison des Petits hier et auhourd’hui. Lausanne: LEP Loisirs et Pédagogie.). Com o decorrer do tempo, a orientação pedagógica da Maison de Petits passou a enfatizar a ação espontânea da criança, tendendo a libertá-la de controles externos e a deixando livre em seus interesses e impulsos. Dessa forma, os professores proporcionariam situações que estimulassem o pensamento e tornassem possível a aprendizagem, por meio de métodos ativos.

A experiência de Helena Antipoff na Maison des Petits orientou suas ações educativas realizadas após o recebimento do seu diploma, no IJJR, em outubro de 1914. Após essa data, Antipoff deixou Genebra, e só retornou em 1926, para assumir o cargo de assistente de laboratório no IJJR e ministrar aulas de Psicologia da Criança na Escola de Ciências da Educação da Universidade de Genebra (Lourenço, 2001Lourenço, E. (2001). A psicologia da educação na obra de Helena Antipoff: uma contribuição para a historiografia da psicologia. Dissertação de Mestrado em Psicologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.).

A contribuição do IJJR para o escolanovismo centrou-se na proposta da Educação Funcional para Claparède, ou Escola Ativa para Pierre Bovet, cujo objetivo era promover a autonomia da criança por meio de métodos pedagógicos que mobilizassem seus interesses e sua atividade espontânea (Campos, 2012Campos, R. H. F. (2012). Helena Antipoff: psicóloga e educadora: uma biografia intelectual. Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes.). Tendo como embasamento a Psicologia Funcional, os professores e pesquisadores do IJJR direcionaram a atenção para o conhecimento da infância, por meio de uma compreensão funcional da Educação.

As pesquisas realizadas no IJJR e seus ideais foram propagados para diversos países. No caso deste artigo, discutiremos como esses ideais foram disseminados no Brasil, especificamente, em Minas Gerais. Por esse motivo, no próximo tópico, descreveremos as adaptações das propostas escolanovistas do IJJR neste Estado, inicialmente, na Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo Horizonte.

ADAPTAÇÕES DAS PROPOSTAS ESCOLANOVISTAS DO IJJR NO BRASIL - A ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO DE PROFESSORES DE BELO HORIZONTE

O movimento da Escola Nova se tornou conhecido no Brasil a partir do trabalho dos educadores da principal instância do movimento de renovação da educação da época, a Associação Brasileira de Educação (ABE), criada em 1924, que buscava a remodelação e a criação de um projeto nacional para a Educação.

Nas primeiras décadas do século XX, foi disseminado no país o acesso à literatura produzida pelo movimento escolanovista, objetivando lutar pela aplicação dos conhecimentos das ciências humanas na organização de um sistema escolar que contribuísse para a vida real (Campos, 2012Campos, R. H. F. (2012). Helena Antipoff: psicóloga e educadora: uma biografia intelectual. Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes.). Nessa perspectiva, a partir de 1890, a Psicologia passou a ser ensinada na formação de docentes nas Escolas Normais, para atuarem nas escolas primárias, com o intuito de compreender os fenômenos educacionais.

As Escolas Normais contribuíram com os seus Laboratórios de Psicologia, que elaboravam e aplicavam testes visando à identificação de níveis de desenvolvimento mental e organização de classes homogêneas por nível intelectual nas escolas públicas. Nesse movimento, no ano de 1928, foi instalada, em Belo Horizonte, a Escola de Aperfeiçoamento de Professores, para formar “normalistas que viriam a assumir a efetiva transformação do ensino fundamental na rede de escolas primárias” (Campos, 2003Campos, R. H. F. (2003). Helena Antipoff: razão e sensibilidade na psicologia e na educação. Estudos avançados, 17(49), 209-23., p. 210). A instalação dessa Escola foi realizada devido à Reforma do Ensino Primário e Normal de Minas Gerais, de 1927, idealizada por Francisco Luís da Silva Campos (1891 - 1968), e que tomava por base o modelo do IJJR (Ruchat, 2008Ruchat, M. (2008). A Escola de psicologia de Genebra em Belo Horizonte um estudo por meio da correspondência entre Edouard Claparède e Helena Antipoff (1915-1940). Revista Brasileira de História da Educação, 17, 181-205.).

Na Escola de Aperfeiçoamento eram promovidos vários cursos, para os quais foram chamados pesquisadores estrangeiros da Psicologia, que traziam para o Brasil novas técnicas e concepções pedagógicas. Francisco Campos encontrou nas propostas da Escola Ativa europeia inspiração para elaborar o Regulamento e o Programa do ensino Primário, por isso, em 1928, seu irmão Alberto Alvares (1905 - 1933), foi enviado à Europa, para convidar pessoas que auxiliariam o governo no processo da reforma do ensino (Lourenço, 2001Lourenço, E. (2001). A psicologia da educação na obra de Helena Antipoff: uma contribuição para a historiografia da psicologia. Dissertação de Mestrado em Psicologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.). Ele “visitou os principais centros de estudo e difusão das experiências escolanovistas na Europa, e estabeleceu comunicação com a Universidade de Paris e como Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra” (Campos, 1992Campos, R. H. F. (1992). Introdução - Notas para uma história das ideias psicológicas em Minas Gerais. In Darwin, C. R.; Cassemiro, M. F. P.; Moretzsohn, R. F. (Eds.), Psicologia: possíveis olhares outros fazeres (pp. 11-63). Belo Horizonte: Conselho Regional de Psicologia., p. 34). Como resultado desses contatos, foi instalado na Escola de Aperfeiçoamento um Laboratório de Psicologia, com as presenças de Théodore Simone Léon Walther (1889-1963). Com o término de seu contrato com o governo mineiro, Walther voltou para a Suíça e, para substituí-lo, Helena Antipoff chegou a Belo Horizonte e assumiu o Laboratório de Psicologia a partir de agosto de 1929 até 1944.

O Laboratório objetivava “atender à demanda das autoridades educacionais, visando medir a capacidade intelectual das crianças para a formação de classes homogêneas nos grupos escolares” (Campos, 1996Campos, R. H. F. (1996). Em busca de um modelo teórico para o estudo da história da psicologia no contexto sociocultural. In Campos, R. H. F. (Ed.), História da psicologia: pesquisa, formação, ensino (pp. 125-45). São Paulo: EDUC - ANPEPP., p. 35). Inicialmente, Antipoff acreditou que o modelo de homogeneização das classes contribuiria para facilitar o trabalho dos professores, mas, para ela, as classes especiais aconteceriam somente em um momento, sendo que depois os alunos poderiam voltar para as classes regulares, mas esse fato não aconteceu (Campos, 1996). Com o passar do tempo as escolas públicas se tornaram cada vez mais seletivas, por isso, Antipoff cria a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais, em 1932, na cidade de Belo Horizonte e, em 1939, o Complexo Educacional Rural da Fazenda do Rosário, em Ibirité, para atender as crianças recusadas pelo ensino formal e formar professores rurais.

O trabalho realizado por Helena Antipoff e seus colaboradores nessa instituição, demonstra a circulação das propostas escolanovistas do IJJR ocorridas em Minas Gerais. Dessa forma, o próximo tópico destina-se a apresentar como ocorreu essa circulação dos ideais escolanovistas nos cursos que formavam professores para atuarem no meio ruraldo Complexo Educacional Rural da Fazenda do Rosário.

A CIRCULAÇÃO DAS PROPOSTAS ESCOLANOVISTAS DO IJJR NA FAZENDA DO ROSÁRIO - O TRABALHO REALIZADO POR HELENA ANTIPOFF E SEUS COLABORADORES NOS CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES RURAIS

Este tópico destina-se a apresentar os dados obtidos, buscando indicar como era a circulação das propostas escolanovistas referentes ao ensino de Psicologia ofertado nos cursosdo Complexo Educacional Rural da Fazenda do Rosário, para a formação de professores rurais. Para tanto, foram demarcadas as seguintes categorias de análise construídas a partir do material coletado: Psicologia no planejamento de ações pedagógicas para o meio rural; Psicologia e o referencial teórico da escola de Genebra; Apropriação do ensino de Psicologia por meio do trabalho em equipe e o self-government e Psicologia ensinada por especialistas estrangeiros.

PSICOLOGIA NO PLANEJAMENTO DE AÇÕES PEDAGÓGICAS PARA O MEIO RURAL

Helena Antipoff cria, a partir de 1948, os cursos para a formação de professores no Complexo Educacional Rural da Fazenda do Rosário, pautando-se no modelo das Escolas Novas. A intenção era que os cursos possuíssem um caráter dinâmico experimental, fazendo com que os alunos se sentissem interessados de forma intelectual e prática. Um depoimento encontrado no “Diário ISER - 21/05/56 a 15/06/56” (Instituto Superior de Educação Rural, 1956aInstituto Superior de Educação Rural (ISER). (1956a). 4º Livro do II Curso do ISER - Fazenda do Rosário. Manuscrito não publicado. Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff, Fundação Helena Antipoff, Ibirité, MG .) exemplifica como era realizado o ensino nos cursos, incentivando aos alunos a solucionar os problemas que viessem a encontrar nas escolas em que atuariam como professores.

A psicologia ajuda o homem a resolver seus problemas. Para permitir o homem adulto viver mais ajustado e feliz, o caminho mais eficaz, será o conhecimento de si mesmo. A escola poderá ajudar fazendo com que o aluno se conheça para melhor orientar-se na vida. Nossa tarefa será levar a ciência do conhecimento da fraqueza, melhor conhecimento de si mesmas, educar mais livremente, com mais sossego interno e harmonia (N. C. Oliveira, 15 de junho, 1956).

Enfatizava-se a necessidade de solucionar os problemas do meio rural por meio de aulas teóricas, mas, principalmente, a prática para a melhor compreensão e entendimento para o aluno. Antipoff considerava que solucionar os problemas do meio rural era primordial e exigia “uma aprendizagem teórica, em aulas com os professores, mas a prática através dos serviços deve prevalecer porque é mais fértil em ensinamentos e mais acertada pelo controle dos seus resultados” (Antipoff, 1992aAntipoff, H. W. (1992a). Educação Rural - Década de 1950. In Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff(CDPHA) (Ed.), Coletânea das obras escritas de Helena Antipoff - Educação Rural(Vol. 4, pp. 71-85). Belo Horizonte: Imprensa Oficial., p. 73).

A metodologia dos cursos pautava-se na experimentação natural e no método de observação do psicólogo russo Alexandre Lazurski (1874 - 1917) que possibilitava estudar a personalidade e o comportamento do indivíduo em seu meio habitual, sem transferi-lo para condições artificiais. O objetivo em utilizar essa metodologia era a organização de um ambiente educativo que permitisse o florescimento da democracia, prevalecendo o respeito à liberdade e autonomia de educandos e educadores. Neste sentido, o ensino permitia que os professores conhecessem a conduta dos alunos dentro e fora de sala de aula, com uma observação criteriosa, antes de propor as intervenções no âmbito escolar. No depoimento escrito no caderno de diário do “5º Curso de Aperfeiçoamento para Professores Rurais” é possível encontrar um comentário que demonstra como era abordada a questão da observação do professor:

D. Helena Antipoff nos explicou a ser muito cuidadosos em nossas observações e que meditássemos sobre a nossa maneira inconsciente de observação. Gostei muito, porque é ótimo para exercitar a nossa observação, mostrando-nos que devemos falar só aquilo de que tivermos absoluta certeza (C. C. Silveira, 8 de maio, 1950).

Antipoff (1992bAntipoff, H. W. (1992b). A homogeneização das classes escolares. In Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff (CDPHA) (Ed.), Coletânea das obras escritas de Helena Antipoff - Educação do Excepcional(Vol. 3, pp. 31-35). Belo Horizonte: Imprensa Oficial .) considerava que os professores não eram bons observadores e este fato poderia causar imprecisões que obturariam a realidade das situações. A discussão sobre a importância de observar o comportamento dos alunos servia como orientação para a realização dos trabalhos práticos que proporcionavam aos estudantes a observação de crianças para conhecê-las e compreendê-las. Foi possível constatar este fato no depoimento encontrado no “Diário Escola Normal - Janeiro de 1951”:

Fomos para a classe de Dona Lúcia, cujo objetivo era observar as crianças anormais, utilizando para isso uma ficha organizada pela Dona Helena Antipoff, para medir o desenvolvimento mental de cada aluno (C. A. Souza, 19 de janeiro, 1951).

É importante ressaltar, que os termos “crianças anormais” e “excepcionais”, na época, eram interpretados de maneira a incluir crianças e adolescentes que se desviavam para cima ou para baixo da norma de seu grupo, em relação a uma ou várias características mentais, físicas ou sociais, de forma a que sua educação se tornasse um problema especial com referência a seu desenvolvimento e ajustamento ao meio social (Lima, 1968Lima, J. F. (1968). Instituto de Educação Emendativa da Fazenda do Rosário 1940 - 1968. In: Infância Excepcional: Estudo, Educação e Assistência ao Excepcional. (pp. 145-148). Publicação da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais, Fazenda do Rosário, Ibirité: Belo Horizonte.).

Além da metodologia proposta por Lazurski, também foi apropriada a metodologia da Educação Ativa de Genebra, por meio de um ensino que buscava a autonomia, a atividade espontânea, o autogoverno e a realização de métodos ativos. O princípio da Escola Ativa é que a atividade é sempre suscitada por uma necessidade. Sendo assim, um ato deverá estar direcionado a realizar os fins capazes de satisfazer a necessidade que o fazem nascer, pois “é a necessidade que mobiliza os indivíduos... é ela a mola da atividade” (Claparède, 1954Claparède, E. (1954). A Educação Funcional (4a ed.). São Paulo: Companhia Editora Nacional., p. 156). O depoimento escrito no “4º Livro do II Curso do ISER - Fazenda do Rosário, 26 de junho de 1956” (Instituto Superior de Educação Rural, 1956aInstituto Superior de Educação Rural (ISER). (1956a). 4º Livro do II Curso do ISER - Fazenda do Rosário. Manuscrito não publicado. Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff, Fundação Helena Antipoff, Ibirité, MG .) demonstra este fato.

D. Helena ... falou nas leis de conduta ... Dava cada uma um exemplo prático anexando a teoria à prática. Analisei, após a aula, o interesse da colega Daisy ... Desde que o dia amanheceu a Daisy insistiu e convidou a turma para o casamento que hoje se realiza na Pestalozzi. Organizou a lista para compra do presente e é de acordo que à tarde não haja aula afim se fazer o aprontamento para o casório, pois será uma causa antissocial não comparecermos... Vê-se ... um interesse profundo, mas a necessidade que o rege, não consegui descobri-lo. Ela alega que é uma necessidade social não só para com os moradores de Ibirité como para os da Pestalozzi. ...verifiquei as leis fundamentais da conduta para ver em qual delas enquadrava o interesse de Daisy e não consegui classificar ... os salgados, doces, guaranás, palmas, danças, etc. Estará aí só o interesse social? E um bom cardápio, não nos interessa? ... ajudem-me a analisar esse interesse, pois sua conduta poderá talvez ser integrada às de Claparède com a determinação da lei do interesse do casamento (E. Cristiano, 03 de julho, 1956Claparède, E. (1956). Psicologia da criança e pedagogia experimental: introdução, histórico, problemas, métodos, desenvolvimento mental (Vol. 18). São Paulo: Editora do Brasil S/A.).

Este depoimento demonstra que os conhecimentos aprendidos deveriam ser utilizados para mobilizar ações na tomada de decisões, ajudando a identificar e compreender as situações cotidianas. Dessa forma, o conhecimento ajudaria o professor a pensar em propostas que tornassem a aprendizagem possível, por meio de métodos ativos que auxiliassem os alunos em suas experiências particulares e nas exigências próprias de cada caso.

PSICOLOGIA E O REFERENCIAL TEÓRICO DA ESCOLA DE GENEBRA

A bagagem de conhecimentos que Antipoff trouxe para o Brasil direcionou suas propostas educacionais nos cursos, pois em sua atuação estava o referencial teórico da escola de Genebra e dos pesquisadores do IJJR. Esse fato é comprovado por meio do depoimento encontrado no “Diário ISER - Faz. Do Rosário (Curso de orientadores adjuntos do Instituto Superior de Educação Rural)” (Instituto Superior de Educação Rural, 1961Instituto Superior de Educação Rural (ISER). (1961).Diário ISER - Faz. Do Rosário (Curso de orientadores adjuntos do Instituto Superior de Educação Rural) .Manuscrito não publicado. Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff, Fundação Helena Antipoff, Ibirité, MG.), no qual a aluna menciona um dos livros utilizados para o ensino nos cursos:

Voltei ... ao meu quarto onde se encontrava um amontoado de livros ...encontrei um com dados sobre Claparède. Resolvi ler ... achei interessante relatar o que li. Claparède um dos maiores vultos da Escola Nova, criou o “Instituto Jean Jaques Rousseau”, tendo aí a colaboração de Pierre Bovet, D. Helena Antipoff, Piaget e outros. De Claparède é a frase: “Só se aprende a fazer fazendo com necessidade”. A atividade nasce de uma necessidade; um ato que não esteja diretamente ligado a uma necessidade é uma coisa anti-natural; e é essa coisa anti-natural que a escola tradicional exige de seus alunos; fazerem ...que não correspondem a nenhuma necessidade (A. Ribeiro,25 de agosto, 1961).

Durante a realização das entrevistas, uma ex-aluna que estudou nos primeiros cursos normais rurais na Escola Sandoval de Azevedo, no ano de 1949, também menciona a influência da teoria de Claparède no ensino de Psicologia dos cursos, especialmente do livro “Psicologia da criança e Pedagogia experimental2 2 Este livro “originou-se da necessidade de corresponder aos desejos das professoras, dos alunos do Seminário de psicologia educativa que Claparède dirigia em 1904, dos alunos do IJJR e de inúmeras pessoas que vinham constantemente solicitar-lhe esclarecimentos a respeito dos múltiplos aspectos da infância” (Antipoff, 1956, p. 16). , conforme demonstrado a seguir:

O texto o básico para nós, que eu ainda tenho até hoje, é a Psicologia da Criança e Pedagogia Experimental. Esse nós estudamos ele todo. O capítulo 4, a evolução dos interesses, a gente lia, porque ela queria que nós interpretássemos o que que a criança queria e ela [Helena Antipoff] mesmo dizia, vai ler Claparède e a gente tinha que ler. Ela não dava a aula, mas dava o livro. A parte de estatística que o Claparède explica, a curva do trabalho. Essas coisas que nós aprendemos, aquilo era um livro, um texto de Psicologia(Z. C., Guenther, 8 de julho, 2016Guenther, Zenita C. (2016)Entrevista a Adriana Otoni Silva Antunes Duarte, Lavras, MG, 8 de julho.).

Figura 1
Helena Antipoff fala para um grupo de alunas, Instituto Superior de Educação Rural, Fazenda do Rosário, Ibirité, Minas Gerais, circa 1968.

A partir desses depoimentos pode-se pensar que Helena Antipoff manteve ligação com o local onde se formou e onde viveu algumas de suas primeiras experiências profissionais, pois, mesmo no Brasil, a autora utilizava produções científicas dos intelectuais que aturam no IJJR, visando aplicá-las e divulgá-las através de seus trabalhos.

APROPRIAÇÃO DO ENSINO DE PSICOLOGIA POR MEIO DO TRABALHO EM EQUIPE E O SELF-GOVERNMENT

Os cursos enfatizavam princípios de liberdade, de atividade e de interesse, favorecendo a metodologia do trabalho em equipe e do self-government, característicos da Escola Ativa. A difusão desse método foi promovida por Jean Piaget (1896-1980)no período, de 1929 a 1967, em que se tornou dirigente do Bureau International d’Éducation (BIE). Com a utilização do método do self-government, Helena Antipoff e seus colaboradores esperavam que as alunas criassem uma rede de solidariedade e se sentissem responsáveis pela permanência do vínculo social do grupo. Assim, esperava-se o desenvolvimento da compreensão recíproca, da capacidade para a discussão, levando em consideração o ponto de vista do outro e os prós e os contras das opiniões divergentes. Fato que pôde ser alcançado conforme demonstra um depoimento no caderno de diário do “ISER - Faz. Do Rosário Diários de 1965” (Instituto Superior de Educação Rural, 1965Instituto Superior de Educação Rural(ISER). (1965).ISER - Faz. do Rosário Diários de 1965 .Manuscrito não publicado. Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff, Fundação Helena Antipoff, Ibirité, MG.):

A nossa professora sempre deixa que trabalhemos em grupo. Assim, ao mesmo tempo que enriquecemos nossas experiências através de discursão com outros colegas, fazemos espécie de uma higiene mental ... Meu grupo, depois de um estudo coletivo encontrou vários valores e importância no trabalho em grupo, como ... os seguintes: 1) Ensina a ouvir e esperar a vez de falar; 2) Desenvolve o espírito de investigação; 3) Ajuda a criança a educar-se para viver na sociedade; 4) Enriquecer as experiências dos alunos; 5) Desenvolve a linguagem escrita e oral, ... 6) Aumenta o senso de responsabilidade. (R. P. Santos, 15 de maio, 1965)

A discussão em grupo também foi um assunto abordado durante as entrevistas realizadas pelas ex-alunas que estudaram no Complexo Educacional Rural da Fazenda do Rosário. Elas mencionam sobre o horário de estudo em grupo que participavam durante a noite e como esse momento possibilitava o compartilhamento de conhecimentos das alunas que possuíam maior facilidade nas disciplinas, conforme os relatos a seguir:

A gente formava grupos para discutir, porque geralmente o professor pedia para fazer um trabalho em grupo. Para mim foi uma bagagem de conhecimento muito grande a questão da discussão. Também você não ficava só dentro da sala de aula assistindo aula não, você tinha seu horário de estudo a noite. Nesse horário você ia sentar com a sua colega e discutir o que foi visto durante o dia (F. F. Silva, 8 de abril, 2016Silva, F. de F. (2016). Entrevista a Adriana Otoni Silva Antunes Duarte, Ibirité, MG , 18 de abril.).

Os métodos de trabalho em equipe e do self-government tinham por objetivo possibilitar uma formação livre e democrática, resultando em um espírito de comunidade e de liberdade responsável. Os cursos buscavam a realização de atividades participativas, que valorizassem as experiências do grupo e as possibilidades da contribuição de cada um, considerando que por meio da colaboração entre os pares, o futuro professor aprenderia a cooperar como membro da sociedade. Uma ex-aluna salientou na entrevista que a convivência e o trabalho em equipe foram importantes para sua formação, pois, dessa forma, conseguiu desenvolver um saber-fazer por meio de uma cultura de cooperação na qual as decisões eram compartilhadas, para chegarem a uma decisão que contemplasse o que seria mais eficaz para o grupo.

[Para solucionar os conflitos no grupo] tínhamos que viver aquilo e ela [Helena Antipoff] só perguntava, “qual foi o problema, como que vocês chegaram a resolver, como que está sendo agora? Você perdeu a luta pelo argumento? Como que você sente hoje?” Era assim essa aula, da gente entender o que se passa na organização social. O grupo ia resolver. As pessoas custavam muito a resolver, porque tinha muita discussão, tinha muita briga. Ela [Helena Antipoff] queria mesmo ver como que iam acontecer esses conflitos e como eles iam resolver, porque tinha que resolver, ninguém ia ajudar. E afinal, o que saia de mais útil (Z. C., Guenther, 8 de julho, 2016Guenther, Zenita C. (2016)Entrevista a Adriana Otoni Silva Antunes Duarte, Lavras, MG, 8 de julho.).

O trabalho em grupo permitia a experiência da vida em coletividade, colocando em ação a experiência do exercício da democracia e do autogoverno em grupo. As discussões forneciam a ocasião para o aprendizado do debate, da cooperação, da solução de conflitos por vias pacíficas, por meio da elaboração do consenso, para educar o senso de responsabilidade individual e para com o grupo. Sobre as vivências em grupo, uma ex-aluna afirmou que o trabalho em equipe era mais eficiente na realização das tarefas que deveriam ser cumpridas por elas.

A gente teve vivências em grupo ... A gente reunia e essa ênfase no grupo que ela [Helena Antipoff] dava, era no grupo real, vivendo. Alguns maiores, outros menores. A gente sempre tinha que chamar as pessoas para formar o grupo em cima de uma tarefa já feita. Funcionava. Isso nós tivemos lá, como alunas e como professoras (Z. C., Guenther, 8 de julho, 2016Guenther, Zenita C. (2016)Entrevista a Adriana Otoni Silva Antunes Duarte, Lavras, MG, 8 de julho.).

A partir dos depoimentos, é possível perceber que o método dos debates e o trabalho em equipe eram extremamente importantes na formação dos futuros professores rurais, considerando que as discussões eram “um meio de chegar a um pensamento claro, bem argumentado e socializado, indispensável para o futuro educador” (Antipoff, 1992cAntipoff, H. W. (1992c). Inquérito sobre o sentimento materno nas meninas de 9 a 17 anos, promovido pela seção de cooperação da família da Associação Brasileira de Educação. Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff (CDPHA) (Ed.), Coletânea das obras escritas de Helena Antipoff - Psicologia Experimental. (Vol. 1, pp. 279-89). Belo Horizonte: Imprensa Oficial . p. 287).

PSICOLOGIA ENSINADA POR ESPECIALISTAS ESTRANGEIROS

Outra característica do ensino nos cursos era o trabalho realizado pelos especialistas estrangeiros que realizavam o diálogo da Psicologia com a Educação, convidados por Helena Antipoff para ministrarem aulas. Por meio da escolha e da contribuição dos especialistas, percebe-se algumas tendências da Psicologia que alicerçaram e sustentaram a formação dos professores ocorrida na Fazenda do Rosário, demonstrando a circulação de conhecimentos que essa formação recebeu naquele período, por meio de aulas que discutiam assuntos relacionados à Psicologia Experimental, Educação do Excepcional e Psicologia Social.

Um dos estrangeiros foi o suíço e assistente do Laboratório de Psicologia Experimental da Faculdade de Ciências e no IJJR, professor André Rey (1906 - 1965). Rey foi professor de Psicologia Aplicada no Instituto de Ciências da Educação, na Universidade de Genebra em 1948, onde dirigiu os serviços de consulta e orientação profissional e professor associado à Faculdade de Ciências. Também trabalhou na Faculdade de Medicina como chefe do Laboratório de Psicologia Clínica, idealizado por Claparède nos serviços de Neurologia do Hospital Cantonal, em Genebra (Inhelder, 1966Inhelder, B. André Rey, 1906-1965, 27 de junho de1965. In: Infância Excepcional: estudo, educação e assistência ao excepcional. Publicação da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais, Fazenda do Rosário, Ibirité: Belo Horizonte, outubro a dezembro. 2º semestre de 1966. pp. 14-15.).No curso de Psicologia Experimental, ministrado por este professor, em 1956, enfocam-se princípios de Psicologia Experimental, por meio de leis de aprendizagem sustentadas na observação que poderiam ser comprovadas estatisticamente. André Rey enfatizava uma aprendizagem por meio de experiências práticas, demonstrando uma marca da Escola Ativa de Genebra. Durante a realização da entrevista, uma ex-aluna, menciona como André Rey abordava a matéria a ser ministrada em suas aulas:

Ele dividiu a matéria em Psicologia Geral e Comparada da Aprendizagem, que seriam as leis gerais, comparação entre indivíduos e comparação entre espécies. A Psicologia Genética Humana, Crescimento Mental Humano, e Psicologia Diferencial da Aprendizagem. Diferentes interesses e capacidades. Psicopatologia da Aprendizagem, e aplicações da Psicologia da Aprendizagem em técnicas escolares ao estudo de professor e do aluno e a seleção profissional. Justamente a capacidade de aprender de forma produtiva, é o que ele estava visando (I. G., Scarpelli, 26 de janeiro, 2017Scarpelli, I. G. (2017). Entrevista a Adriana Otoni Silva Antunes Duarte, Belo Horizonte, MG, 26 de janeiro.).

Seguindo a linha dos conhecimentos ensinados por André Rey, o holandês Reiner Johannes Antonius Rozestraten (1924 - 2008), também conhecido como Frei Ricardo, continuou o ensino de Psicologia Experimental e o estudo da aprendizagem e do comportamento durante o tempo em que lecionou aulas de Psicologia na Fazenda do Rosário. Rozestraten chegou ao Brasil em 1950 para atuar no Colégio Santo Antônio, em Belo Horizonte e em 1956 foi um dos alunos que frequentaram o curso de Psicologia Experimental, ministrado por André Rey. Em um depoimento no caderno de “Diário 3º Curso Complementar Intensivo para Supervisores e Orientadores Adjuntos Ensino em Zonas Rurais - Maio/1957Instituto Superior de Educação Rural (ISER). (1957). Diário 3º Curso Complementar Intensivo para Supervisores e Orientadores Adjuntos Ensino em Zonas Rurais - Maio/ 1957, do ano de 1957. Manuscrito não publicado. Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff, Fundação Helena Antipoff, Ibirité, MG .”, foi possível encontrar um comentário sobre a aula ministrada por Rozestraten:

Na aula de Psicologia Animal, ministrada ... por Frei Ricardo, foi iniciado o estudo da aprendizagem que é o método pelo qual o comportamento se adapta às circunstâncias. O cérebro ...aumenta de temperatura, quando trabalha muito, devido à combustão das substâncias ...necessária à produção de energias. ... O comportamento do indivíduo pode ser mediado através do método psicotécnico; o estado emocional, respiração e pulsação são também medidos pelo lie-detector, de modo que podem ser verificadas as variações de um indivíduo e como revela ele um ato que praticou. O professor apontou 6 resultados de pesquisas psicotécnicas e iniciou o estudo dos reflexos (C., 21 de junho, 1957).

Outra especialista estrangeira mencionada nos depoimentos foi a portuguesa Maria Irene Leite da Costa (1911-1996) que lecionou, em 1957, no curso Intensivo de Aperfeiçoamento da Psicologia Educacional, aulas relacionadas à Educação do Excepcional. Assim como André Rey e a própria Antipoff, Maria Irene estudou em Genebra, tendo contato com Edouard Claparède e realizando consultas médico-pedagógicas no Instituto das Ciências da Educação da Universidade de Genebra. Em sua formação em Psicologia e Pedagogia Infantil, teve contato com Jean Piaget, que a incentivou no aperfeiçoamento de avaliação psicométrica e no interesse pelas áreas de Psicologia e de Educação. Os conhecimentos ensinados por essa professora objetivavam que as alunas compreendessem o papel do professor frente à educação das crianças excepcionais, identificando seus problemas para melhor direcionarem a sua prática pedagógica. No “Diário 3º Curso Complementar Intensivo para Supervisores e Orientadores Adjuntos Ensino em Zonas Rurais - Maio/1957”, foi possível encontrar a descrição das aulas ministradas por esta professora:

Uma conferência feita por D. Maria Irene Leite da Costa ... O tema foi a causa do atraso infantil. Contou-nos o fato de uma criança em uma aldeia que tinha as mãos aleijadas e a professora, ensinou-lhe a escrever com o pé vencendo assim os seus 4 anos de estudos primários. Uma professora queria saber se é deslouvável não receber em meio de crianças normais um aluno anormal, ao que ela respondeu que devemos receber esta criança e fazer com que as outras compreendam a necessidade de receber, de braços abertos, esta infeliz. Fez classificação das crianças quanto aos graus de anormalidade. ... falou-nos que o papel ... do professor, é ensinar e educar essas crianças ajudando-as, na medida do possível, conservando-as junto de nós e não desviá-las de nossos caminhos. (L. M. Moura, 18 de junho, 1957).

O psicólogo francês Pierre Weil (1924 - 2008) também foi um dos especialistas estrangeiros que contribuíram para a formação das professoras e que possuía sua formação na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação no IJJR da Universidade de Genebra. As aulas desse professor discutiam as relações humanas na escola, assim como o papel de liderança do professor no âmbito escolar por meio de atitudes autocráticas, democráticas e liberais, conforme um depoimento contido no “Diário ISER Curso de Orientadores” (Instituto Superior de Educação Rural, 1958Instituto Superior de Educação Rural (ISER). (1958). Diário ISER Curso de Orientadores Manuscrito não publicado. Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff, Fundação Helena Antipoff, Ibirité, MG.):

Aula do professor Pierre Weil. ...O professor será líder conforme as relações entre ele, o aluno e a comunidade. Três atitudes podem-se tomar para com os alunos: 1 - deixar o aluno fazer como quiser; 2 - mandar: atitude autocrática; 3 - fazer com que o aluno tire as conclusões e adquira novas atitudes. Esta é a qualidade de liderança. Num grupo dirigido pelo 1º há confusão. No 2º cria-se passividade, inibição, revolta, angústia. No 3º grupo liderado há um senso de responsabilidade que se cria em cada aluno, ambiente de relaxação (não de relaxamento), ausente de medo, vontade de saber e modificação de atitudes (M. F. Costa, 10 de novembro, 1958).

Por meio do material dos cadernos de diários e das entrevistas das ex-alunas, foi possível detectar e demonstrar o processo de circulação e recepção dos conhecimentos, sustentado nos princípios da Escola Nova e nos métodos da Escola Ativa, que ocorreu nos cursos para a formação de professores rurais no Complexo Educacional Rural da Fazenda do Rosário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos dados coletados foi possível constatar que o trabalho realizado nos cursos da Fazenda Rosário permite entender o processo de circulação e recepção dos conhecimentos científicos ocorridos em Minas Gerais, que estavam sustentados nos princípios da Escola Nova e nos métodos da Escola Ativa. Circulação e recepção pautadas nas experiências vivenciadas na Europa serviram de inspiração para que Antipoff e seus colaboradores proporcionassem uma originalidade nas atividades e no ensino dos cursos, introduzindo modificações, devido a uma realidade diferente no Brasil daquela vivenciada na Europa. Nesse viés, o termo circulação é pensado como uma postura ativa dos sujeitos que ao receberem conhecimentos os transformam, adequando-os às suas diferentes situações e realidades, especialmente em lugares onde os contrastes e diferenças culturais mostram-se significativos.

Ao se referir à circulação do conhecimento e da prática científica da Psicologia, Pickren (2012Pickren, W. E. (2012). Waters of March (Águas de Março): circulating psychological science and practice. In Lourenço, E.; Assis, R. M.; Campos, R. H. F. (Eds.), História da Psicologia e contexto sociocultural - pesquisas contemporâneas, novas abordagens (pp. 17-46). Belo Horizonte: PUC Minas.) menciona que na história da Psicologia há um predomínio dos domínios europeu e norte- americano no século XX, que será modificado com o advento do processo de globalização, a partir do qual a Psicologia será marcada pelos diferentes países e culturas pelos quais perpassa. O autor ressalta a postura ativa dos seres humanos no processo de receber conhecimentos e transformá-los, de forma a adequá-los às suas diferentes realidades. Esse processo foi observado no ensino realizado na Fazenda do Rosário, por meio de uma perspectiva teórica da escola genebrina e na relação tanto de Antipoff quanto dos colaboradores que atuaram nos cursos, com os conhecimentos produzidos no IJJR. Pickren (2012Pickren, W. E. (2012). Waters of March (Águas de Março): circulating psychological science and practice. In Lourenço, E.; Assis, R. M.; Campos, R. H. F. (Eds.), História da Psicologia e contexto sociocultural - pesquisas contemporâneas, novas abordagens (pp. 17-46). Belo Horizonte: PUC Minas.) também menciona o modelo de “centro - periferia”, para se referir à circulação das informações e dos conhecimentos psicológicos considerados científicos que vinham especificamente dos grandes centros, para depois chegarem às periferias. O autor aponta uma tendência que busca o entendimento das histórias locais, que se pode chamar de diversas formas de Psicologias que foram constituídas e construídas nas periferias a partir dos conhecimentos advindos dos grandes centros, possibilitando um melhor entendimento da transformação científica e cultural e da sensibilização para as novas possibilidades de conhecimento que são criadas nas zonas de contatos culturais.

Pode-se relacionar esse modelo de “centro - periferia” para o caso deste artigo na época em que Antipoff e seus colaboradores ministravam o ensino de Psicologia nos cursos, pautando-se nos conhecimentos vindos do Instituto Jean Jacques Rousseau de Genebra. O “centro” era considerado essas teorias advindas da Europa e a “periferia” seria o Brasil, especificamente Minas Gerais, onde os conhecimentos estavam sendo partilhados no Complexo Educacional Rural da Fazenda do Rosário. Porém, a partir do contexto cultural no qual os cursos estavam inseridos, foram ocorrendo apropriações e modificações, possibilitando uma forma inovadora de se realizar o ensino na formação dos professores. Dessa forma, a Escola Nova e a Escola Ativa de Genebra serviram de inspiração para a realização do ensino na formação de professores rurais nos cursos da Fazenda do Rosário, sendo modificados conforme a realidade brasileira e permitindo a realização daquilo que Pickren (2012Pickren, W. E. (2012). Waters of March (Águas de Março): circulating psychological science and practice. In Lourenço, E.; Assis, R. M.; Campos, R. H. F. (Eds.), História da Psicologia e contexto sociocultural - pesquisas contemporâneas, novas abordagens (pp. 17-46). Belo Horizonte: PUC Minas.) denomina de indigenização do conhecimento, ou seja, tornar um conhecimento local ou nativo. No caso específico dos cursos, essa indigenização estava relacionada aos conhecimentos ensinados sobre a Psicologia, baseados na Escola Nova e Ativa de Genebra, mas que levavam em consideração o meio rural no qual essa formação de professores estava inserida.

A partir dos dados encontrados e descritos, podemos pensar na abertura de diversas possibilidades de pesquisas que ainda poderão ser desenvolvidas, sendo que uma delas seria verificar qual foi o impacto dos conhecimentos proporcionados por cada um dos especialistas estrangeiros que ministraram aulas nos cursos do Complexo Educacional Rural da Fazenda do Rosário, na Psicologia que se consolidou em Minas Gerais.

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    A corrente de pensamento educacional com circulação internacional conhecida no Brasil como movimento da Escola Nova é em geral denominada New Education movement, na literatura de língua inglesa, e Éducation Nouvelle, em países de língua francesa. Na América do Norte encontra-se também a denominação Progressive Education movement, referindo-se às ideias e propostas de transformação das instituições educativas do final do século 19 e início do século 20 defendidas pelos educadores progressistas norte-americanos (Haengelli-Jenni, 2015Haengelli-Jenni, B. (2015) Le role des femmes de la Ligue Internationale pour l’Éducation Nouvelle dans la circulation des savoirs pédagogiques. In: Droux, J.; Hofstetter, R. (2015) Globalisation des mondes de l’éducation- Circulation, connexions, réfractions - XIXe-XXesiècles. (pp. 75-96 ). Rennes: Presses Universitaires de Rennes.; Tyack, 1974Tyack, D. (1974) The One Best System - A history of American urban education. Cambridge, Mass.: Harvard University Press.; Lourenço Filho, 2002Lourenço Filho, M. B. (2002). Introdução ao estudo da Escola Nova. Rio de Janeiro: EDUERJ; Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia (14ª. Ed.)).
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    Este livro “originou-se da necessidade de corresponder aos desejos das professoras, dos alunos do Seminário de psicologia educativa que Claparède dirigia em 1904, dos alunos do IJJR e de inúmeras pessoas que vinham constantemente solicitar-lhe esclarecimentos a respeito dos múltiplos aspectos da infância” (Antipoff, 1956Instituto Superior de Educação Rural (ISER). (1956b).Diário ISER - 21/05/56 a 15/06/56. Manuscrito não publicado. Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff, Fundação Helena Antipoff, Ibirité, MG ., p. 16).
  • O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES: PROEX - 0487/ Processo 1427236 e CAPES: PNPD/CAPES/ Processo 1795203) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A primeira autora teve bolsa de Doutorado e Bolsa de Estágio Doutoral no Exterior da CAPES. A segunda autora tem Bolsa de Produtividade em Pesquisa concedida pelo CNPq para o período 2016-2020, Processo # 308085/2016-7, projeto de pesquisa “Construção da abordagem sociocultural na Psicologia brasileira - Inovações em perspectiva histórica”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2018
  • Aceito
    01 Mar 2019
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