Acessibilidade / Reportar erro

CUIDAR E EDUCAR: O SUJEITO EM CONSTITUIÇÃO E O PAPEL DO EDUCADOR

Cuidar y educar: el sujeto en constitución y el papel del educador

RESUMO

Esta pesquisa objetivou conhecer a concepção de educadoras sobre seu papel na Educação Infantil. Foi realizado estudo de casos múltiplos a partir de entrevistas e observações com cinco educadoras, considerando questões sobre o cuidar e educar. Os dados foram analisados conforme os eixos teóricos da metodologia IRDI: Suposição de Sujeito, Estabelecimento de Demanda, Alternância Presença/Ausência e Função Paterna. Os resultados mostraram como o discurso científico atravessa as concepções e atitudes das participantes e a importância das orientações realizadas pelas equipes diretivas. Considerou-se relevante afinar a relação entre cuidar e educar para se sustentar uma prática subjetivante no espaço escolar infantil.

Palavras-chave:
educação infantil; constituição psíquica; bebês

RESUMEN

En esta investigación se tuvo por objetivo conocer la concepción de educadoras sobre su papel en la Educación Infantil. Se realizó estudio de casos múltiples a partir de entrevistas y observaciones con cinco educadoras, considerando cuestiones sobre el cuidar y el educar. Se analizaron los datos conforme los ejes teóricos de la metodología IRDI: Suposición de Sujeto, Establecimiento de Demanda, Alternancia Presencia/Ausencia y Función Paterna. Los resultados apuntaron como el discurso científico atraviesa las concepciones y actitudes de las participantes y la importancia de las orientaciones realizadas por los equipos directivos. Se consideró relevante ajustar la relación entre cuidar y educar para sustentarse una buena práctica en el espacio escolar infantil.

Palabras clave:
educación infantil; constitución psíquica; bebés

ABSTRACT

The objective of this research was to get to know how aware educators are of their role in Child Education. A multiple-case study was realized by means of interviews and observations on five educators. Special attention was paid to matters related to child care and education. Data were analyzed in accordance with the theoretical axes of the IRDI methodology: Subject Supposition, Establishment of Demand, Presence/Absence Alternation and Paternal Function. Results showed how scientific discourse cross these conceptions and attitudes. What became also evident was the importance of the instructions provided by the management teams. Therefore, it becomes necessary to better adjust the relation between nurture and education in order to produce subjectivizing practices in Child Education.

Keywords:
early childhood education; psychic constitution; babies

INTRODUÇÃO

As creches, inicialmente, eram instituições que serviam para cuidar dos filhos de mulheres inseridas no mercado de trabalho. Hoje, as chamadas Escolas de Educação Infantil ou Centros de Educação Infantil, baseiam seu trabalho sob uma perspectiva diferente em decorrência de mudanças quanto à concepção da criança e da educação (Mariotto, 2009Mariotto, R. M. M. (2009). Cuidar, Educar e Prevenir: As funções da creche na subjetivação de bebês. São Paulo: Escuta.).

A educação voltada à criança no Brasil surge como um direito desta apenas a partir da Constituição de 1988 e somente em 1996 é promulgada a Lei de Diretrizes e Bases (LDB/96; Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (1996). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF. Recuperado de: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Lei...
) estabelecendo a Educação Infantil como parte integrante da educação básica (Becker, Bernardi, & Martins, 2013Becker, S. M. S.; Bernardi, D.; Martins, G. D F. (2013). Práticas e crenças de educadoras de berçário sobre cuidado. Psicologia em Estudo,18(3), 551-560. doi: 10.1590/S1413-73722013000300016.
https://doi.org/10.1590/S1413-7372201300...
). Acompanhando as transformações neste campo houve necessidade de mudanças quanto à formação dos profissionais, e desde 2007 todas as instituições de educação infantil devem ter seu quadro funcional formado por profissionais que cursaram pelo menos o Curso Normal com habilitação para a educação infantil (Velasco, 2012Velasco, C. (2012). A função do professor na educação infantil: limites entre o educar e o cuidar. Revista Borromeo, (3), 1034-1143. Recuperado dehttp://borromeo.kennedy.edu.ar/artculos/papeldocenteeducinfantilvelasco.pdf.
http://borromeo.kennedy.edu.ar/artculos/...
).

Quando a creche passou a ter caráter educativo, suas funções e currículo foram postos em pauta. Feitosa (2009Feitosa, R. M. M. (2009). Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. In: Diretrizes Curriculares nacionais para a educação básica (pp. 80-100). Brasília: MEC; SEB; DICEI.) foi o relator da revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, relatório que culminou na Resolução nº5 (Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009 (2009). Estabelece as diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília, DF. Recuperado de: http://www.seduc.ro.gov.br/portal/legislacao/RESCNE005_2009.pdf.
http://www.seduc.ro.gov.br/portal/legisl...
). Ele questiona a segregação quanto ao tipo de atendimento recebido pelas crianças, pois as creches enfocavam as questões fisiológicas (higiene, alimentação etc.), tendo assim, uma concepção limitada do que é cuidado na infância, e atendiam as crianças mais pobres; as instituições particulares atendiam com cunho educativo as crianças mais abastadas. Sendo assim, a partir da incorporação da creche como instituição educacional, o cuidar e o educar ganharam um importante espaço de discussão neste âmbito. Ainda segundo este autor, o papel da educação infantil está claro nas diretrizes de forma que, com a mudança na legislação, o cuidar é indissociável do educar. Entretanto, segundo Mariotto (2009Mariotto, R. M. M. (2009). Cuidar, Educar e Prevenir: As funções da creche na subjetivação de bebês. São Paulo: Escuta.), o papel da Educação Infantil sobre o cuidar e o educar não está tão claro quanto diz a revisão das Diretrizes e, por isso, ainda é alvo de reflexões. Desde as novas leis e resoluções sobre o direito da criança à educação no contexto de Educação Infantil, as discussões vêm acontecendo, principalmente, devido ao seu papel na sociedade contemporânea, no que concerne ao desenvolvimento infantil, além do que, essa instituição vem fazendo parte cada vez mais cedo da vida das crianças, o que implica em problematizar o trabalho dos educadores.

A relação cuidar/educar também é problematizada por Becker et al. (2013Becker, S. M. S.; Bernardi, D.; Martins, G. D F. (2013). Práticas e crenças de educadoras de berçário sobre cuidado. Psicologia em Estudo,18(3), 551-560. doi: 10.1590/S1413-73722013000300016.
https://doi.org/10.1590/S1413-7372201300...
), que afirmam que há uma diferenciação quanto ao que é entendido como cuidado e o que é pedagógico, sendo que o último é mais valorizado, tanto pelas educadoras quanto pela sociedade de modo geral. As autoras abordam a dualidade do cuidado e educação nas escolas e centros de educação infantil, baseadas teoricamente nos conceitos da psicanálise winnicottiana de “holding (segurar/sustentar), handling (manipular) e object-presenting (apresentar objetos)” (Becker et al., 2013Becker, S. M. S.; Bernardi, D.; Martins, G. D F. (2013). Práticas e crenças de educadoras de berçário sobre cuidado. Psicologia em Estudo,18(3), 551-560. doi: 10.1590/S1413-73722013000300016.
https://doi.org/10.1590/S1413-7372201300...
, p.553). Verificou-se que as educadoras têm a prática do holding bastante presente no seu discurso, mas que valorizam muito mais aspectos com relação ao ato pedagógico, considerando como muito importante o estímulo cognitivo. As autoras salientam também que há um discurso sobre o desenvolvimento cognitivo muito forte na sociedade e que é algo esperado pelos pais. Concluem que são necessárias pesquisas com observação para melhor conhecer as práticas das educadoras, além de investimento na formação dos profissionais que se ocupam dos bebês na Educação Infantil.

A percepção que os profissionais da educação têm a respeito do cuidar e educar influencia diretamente a relação que estes estabelecem com as crianças. Ao pensar na importância dessa relação, Sommerhalder e Alves (2012Sommerhalder, A.; Alves, F. D. (2012). Infância e educação infantil: aspectos inconscientes das relações educativas.Paidéia, 22(52), 241-250. doi: 10.1590/S0103-863X2012000200010.
https://doi.org/10.1590/S0103-863X201200...
) discutem este tema dizendo que os profissionais da educação têm o humano como seu objeto de trabalho, portanto deve se considerar que o professor e a criança são seres de desejo movidos inconscientemente, onde um responde à ação do outro. Neste artigo, os autores tratam a educação na primeira infância como não cabendo nos modos educativos atuais, momento em que há uma super valorização das técnicas educativas, embaladas pela competitividade e produtividade capitalistas, pois nesta fase é necessário reconhecer as operações inconscientes, possibilitando maior liberdade para que o professor e a criança construam juntos os processos de aprendizagem, a partir do seu desejo. No que diz respeito à constituição psíquica das crianças, tomam o conceito de Outro como condição ao surgimento do sujeito. Os autores consideram, portanto, que é de extrema importância investir nessa relação, que não deve se ater às práticas pedagógicas.

Aqui é importante esclarecer o conceito de Outro em Lacan e de sua relevância para a discussão do presente estudo. O Grande Outro é aquele que inscreve o sujeito na linguagem, nas leis, o que carrega a cultura; existe ainda o outro, que é o outro semelhante, com quem o bebê irá se identificar imaginariamente e estabelecerá uma relação especular. Salienta-se que esses dois registros da constituição psíquica, o imaginário e o simbólico, se entrecruzam em vez de se assemelharem, ambos viabilizados pela relação com o outro (Bernardino, 2010Bernardino, L. M. F. (2010). O traço do caso na clínica psicanalítica com crianças e adolescentes. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, (38), 20-28. Recuperado de: http://www.appoa.com.br/uploads/arquivos/revistas/revista38-1.pdf.
http://www.appoa.com.br/uploads/arquivos...
; Mariotto, 2009Mariotto, R. M. M. (2009). Cuidar, Educar e Prevenir: As funções da creche na subjetivação de bebês. São Paulo: Escuta.). Complementando este conceito, Maia (2011Maia, S. H. R. S. (2011). Artesãs do desejo: a função das educadoras de creche na constituição subjetiva dos bebês. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Paraná, Brasil.) aponta que é de incumbência do Outro “ir regulando as funções do bebê por meios simbólicos, recalcando sua condição animal, inserindo-o numa ordem simbólica, numa ordem de linguagem, e nessa tarefa vai organizando os tempos implicados em sua constituição como sujeito” (Maia, 2011Maia, S. H. R. S. (2011). Artesãs do desejo: a função das educadoras de creche na constituição subjetiva dos bebês. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Paraná, Brasil., p.21). Portanto, para além dos cuidados físicos que os bebês humanos dependem para sobreviver, ainda necessitam de um lugar simbólico onde possam surgir como sujeitos. Este é o principal papel desenvolvido pela família, mais especificamente pela função materna e paterna.

Seguindo essa discussão, Brandão e Kupfer (2014Brandão, D. B. S. R.; Kupfer, M. C. M. (2014). A construção do laço educador-bebê a partir da Metodologia IRDI. Psicologia USP, 25(3), 276-283. doi: 10.1590/0103-6564A20134413.
https://doi.org/10.1590/0103-6564A201344...
) abordam o papel subjetivador desempenhado pelas educadoras e demais pessoas que se ocupam dos cuidados e educação da criança pequena através do artigo A construção do laço educador-bebê a partir da Metodologia IRDI. A Metodologia IRDI (Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil) foi desenvolvida a partir da Pesquisa Multicêntrica de Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil no período de 2000 a 2008, por um grupo de psicanalistas convidados pela Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Machado Kupfer, do Instituto de Psicologia da USP, realizada em âmbito nacional, auxiliando na detecção, em crianças de até 18 meses, de indicadores de desenvolvimento, apontando alguns pontos cruciais na relação mãe e filho que favorecem a constituição psíquica de um sujeito. Os indicadores foram criados seguindo quatro eixos teóricos. O primeiro, denominado Suposição de Sujeito, se refere à antecipação presente no desejo materno ou no do cuidador de que existe um sujeito a advir no bebê. A mãe ou cuidador traduz o choro, por exemplo, como manifestação de algum desejo do bebê, supondo que ali há um sujeito. Engatará o prazer da criança por meio do contentamento exibido pela mãe e manifestado pelo manhês, portanto é a suposição de que naquele corpo existe um sujeito de desejo.

O segundo, Estabelecimento de Demanda, ocorre quando a mãe dá significado a alguma ação do bebê como sendo endereçada a ela própria, como por exemplo, quando a criança dá algum sinal e a mãe interpreta como sendo de fome e vontade de mamar em seu peito. O terceiro eixo, Alternância Presença/Ausência, diz respeito à descontinuidade da satisfação do bebê. É importante que ele possa evocar a mãe simbolicamente quando não estiver presente realmente, marcando a condição humana de estar só. Aqui há um intervalo entre a solicitação da criança e a resposta da mãe, e neste intervalo a criança poderá evocá-la simbolicamente, dando ela mesma uma resposta perante a descontinuidade da satisfação. E o último eixo, denominado Função Paterna, apresenta para a criança um ordenamento que “não depende da mãe embora essa ordem possa ser transmitida por ela” (Brandão & Kupfer, 2014Brandão, D. B. S. R.; Kupfer, M. C. M. (2014). A construção do laço educador-bebê a partir da Metodologia IRDI. Psicologia USP, 25(3), 276-283. doi: 10.1590/0103-6564A20134413.
https://doi.org/10.1590/0103-6564A201344...
, p.11). Um terceiro interferindo na relação dual do bebê com a mãe instituindo o ‘não’, interditando esta relação. É uma interferência da cultura através da mãe, que um dia também sofreu esta interdição, a qual permite uma separação entre o desejo materno e o desejo do bebê enquanto sujeito (Kupfer et al., 2010Kupfer, M. C. M.; Jerusalinsky, A. N; Bernardino, L. M. F.; Wanderley, D.; Rocha, P. S. B.; Molina, S. E.; Sales, L. M.; Stellin, R.; Pesaro, M. E.; Lerner, R. (2010). Predictive value of clinical risk indicators in child development: final results of a study based on psychoanalytic theory. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 13(1), 31-52. doi: 10.1590/S1415-47142010000100003.
https://doi.org/10.1590/S1415-4714201000...
).

Brandão e Kupfer (2014Brandão, D. B. S. R.; Kupfer, M. C. M. (2014). A construção do laço educador-bebê a partir da Metodologia IRDI. Psicologia USP, 25(3), 276-283. doi: 10.1590/0103-6564A20134413.
https://doi.org/10.1590/0103-6564A201344...
) discutem a questão de que o laço educador-bebê não é natural, é necessária uma disponibilidade inconsciente e investimento libidinal da dupla. As autoras concluem que intervenções de uma profissional da psicanálise facilitam o enlaçamento da educadora com o bebê, ajudando com que ela se ponha como par da função materna, operando como “função maternante” - as autoras utilizam este termo para diferenciar da função materna - na suposição de que o bebê seja um sujeito de desejo e, a partir disto, poder enlaçar-se.

As funções materna e paterna são as principais responsáveis pela inserção do sujeito na linguagem, mas segundo Mariotto (2009Mariotto, R. M. M. (2009). Cuidar, Educar e Prevenir: As funções da creche na subjetivação de bebês. São Paulo: Escuta.), agentes outros, como as educadoras, podem dar continuidade a essas inscrições simbólicas sem que tomem o lugar de função materna. Sendo assim, torna-se importante dar atenção à forma como o trabalho das educadoras da Educação Infantil vem sendo desenvolvido, e principalmente, qual a possibilidade subjetivante presente no discurso que sustenta sua prática.

Ampliando estas discussões, Mariotto (2009Mariotto, R. M. M. (2009). Cuidar, Educar e Prevenir: As funções da creche na subjetivação de bebês. São Paulo: Escuta.) põe-se a pensar na creche como lugar de cuidado, educação e prevenção. A autora entende a creche como terceiro, ou seja, o da função paterna, além de ser aquele que pratica a maternagem, dando continuidade ao trabalho de significações. A autora utiliza o termo “função paternante” para designar o papel da creche quanto à sua função subjetivante. Propõe a questão do cuidado e da educação como indissociáveis, aliando a prevenção como função da creche, funcionando de forma moebiana, ou seja, num circuito sem começo e fim, onde as funções coexistem em um mesmo nível. Salienta que a prevenção não se refere a adiantar questões acerca do desenvolvimento dos bebês, mas sim de garantir que condições subjetivantes estejam presentes no contexto da creche para o bebê; que se reconheça sua condição de sujeito em constituição e que está vivendo o tempo da alienação e da separação, a creche atuando dessa forma como prevenção em saúde mental.

Portanto, a Educação Infantil é um lugar muito além de práticas pedagógicas limitadas às técnicas educativas em que não se consideram as subjetividades em seu processo, ou um local para as crianças ficarem para que suas mães trabalhem, se apresentando, então, como um local onde cuidado e educação estão imbricados. Esta discussão se torna pertinente visto que a Educação Infantil funciona como agente da constituição psíquica das crianças, as quais frequentam estas instituições desde os primeiros meses de vida. Como se pode perceber pelas questões trazidas aqui há algumas propostas de trabalho, muitas discussões, pesquisas e intervenções a serem desenvolvidas neste tema, e este trabalho tem a intenção de contribuir na construção do conhecimento sobre essa temática. Sendo assim, esta pesquisa objetivou conhecer a concepção de profissionais da Educação Infantil sobre seu papel enquanto agentes da constituição psíquica dos bebês através do seu discurso e prática.

MÉTODO

Delineamento e Participantes

Conforme o objetivo deste trabalho, que é derivado do Trabalho de Conclusão de Curso da primeira autora, sobre co-orientação da segunda e orientação da terceira, optou-se pela abordagem qualitativo-exploratória com delineamento de Estudo de Casos Múltiplos (Yin, 2015Yin, R. K. (2015). Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Porto Alegre: Bookman.). Participaram desta pesquisa cinco profissionais que trabalhavam em berçários, os quais atendiam crianças entre dezoito e vinte e um meses de idade na época da pesquisa, sendo três profissionais com cargos de professoras e duas auxiliares de Educação Infantil, escolhidas por conveniência (acesso da pesquisadora e aceite das entrevistadas), em três escolas públicas de Educação Infantil de uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre. A conveniência deu-se pela coincidência de horários com os da pesquisadora, já que esta estava em estágio profissional de psicologia. Por se tratar do local do seu estágio, portanto, a pesquisadora já conhecia os Planos Político-Pedagógicos (PPP) das escolas e tinha conhecimento sobre as orientações que eram passadas às educadoras, inclusive porque também fazia parte das suas atividades como estagiária.

As professoras tinham carga horária de 30 horas semanais, sendo responsáveis pelo planejamento das aulas e pelas avaliações, já as auxiliares cumpriam quarenta horas semanais e contribuíam nos planejamentos e avaliações. Por orientação das escolas, as atividades do cotidiano eram distribuídas por igual entre as educadoras, tanto as atividades, quanto as trocas de fraldas, por exemplo. O Quadro 1 explicita as demais características das participantes.

Quadro 1
Participantes.

Instrumentos e Procedimentos

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, uma com cada participante, as quais foram gravadas e posteriormente transcritas, e também observação do cotidiano na escola. As entrevistas continham as seguintes questões: 1. Como fez a escolha por esta profissão? 2. Como as atividades são planejadas nos berçários? 3. Como você se percebe no trabalho realizado em berçário? 4. No seu entendimento, qual a importância da educação infantil para os bebês? 5. O que é fundamental no cotidiano dos berçários? Visaram verificar como as educadoras entendiam o seu papel na Educação Infantil e como concebiam sua participação no processo de constituição psíquica das crianças. As observações, que duravam em torno de 40 minutos, tiveram o intuito de conhecer a interação das educadoras com as crianças, no que diz respeito à relação da díade educador-bebê. Nesta etapa considerou-se a maneira com a qual as educadoras se dirigiam às crianças e como estas respondiam, como e se havia relação entre sujeitos, se as educadoras inseriam palavras nas suas ações, como era a brincadeira com as crianças, como era o momento da alimentação, enfim, como ocorriam as práticas na relação educadora-bebê. As escolas autorizaram a pesquisa, deixando as educadoras livres para participar ou não, sendo acordado o teor de produção científica de um tema importante para todos envolvidos e garantindo-lhes anonimato.

Seguindo as orientações e, a partir da autorização do Comitê de Ética da Universidade sob Resolução nº 161/2015, foram assinados Termos de Consentimento Livre e Esclarecido pelos pais das crianças e pelas educadoras.

Os dados desta pesquisa foram submetidos à “análise fundamentada teoricamente” sob enfoque psicanalítico. Este tipo de análise de dados, segundo Gil (2009Gil, A. C. (2009). Estudo de Caso: Fundamentação Científica, Subsídios para Coleta e Análise de Dados e Como Redigir o Relatório. São Paulo: Atlas.), permite discutir os dados obtidos baseando-se no que a teoria expõe sobre o assunto pesquisado. A análise das entrevistas e das observações foi baseada em pressupostos psicanalíticos abordados por Kupfer et al. (2010Kupfer, M. C. M.; Jerusalinsky, A. N; Bernardino, L. M. F.; Wanderley, D.; Rocha, P. S. B.; Molina, S. E.; Sales, L. M.; Stellin, R.; Pesaro, M. E.; Lerner, R. (2010). Predictive value of clinical risk indicators in child development: final results of a study based on psychoanalytic theory. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 13(1), 31-52. doi: 10.1590/S1415-47142010000100003.
https://doi.org/10.1590/S1415-4714201000...
), que consideram quatro eixos como sendo primordiais no processo de constituição psíquica vivido pelos bebês: 1. suposição de sujeito; 2. estabelecimento de demanda; 3. alternância presença/ausência; e 4. função paterna. Dessa maneira foi possível estabelecer uma comparação entre os dados obtidos nas observações e nas entrevistas. Então, através da teoria postulada pela Metodologia IRDI, os quatro eixos foram utilizados como categorias de análise, que permitiu verificar cada caso individualmente, buscando suas particularidades, e produzir uma síntese dos casos a partir dos seus aspectos comuns. Neste trabalho, será apresentada apenas a síntese dos casos, que está organizada nos mesmos eixos propostos para a organização de cada caso individualmente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em relação ao eixo suposição de sujeito, foi constante nas entrevistas a concepção de que é relevante para os bebês na escola que a educadora tenha um olhar amplo quanto às necessidades de cada criança, valorizando assim a singularidade. Durante as observações, foi percebido que pelo menos três das educadoras se põem disponíveis para receber as reivindicações das crianças, supondo um sujeito ao interpretar e responder os choros. Além disso, elas estabeleciam uma linguagem singular com as crianças, o que denota uma relação entre sujeitos.

Entretanto, também foi presenciada uma atitude em que a educadora não supunha um sujeito, ao não compreender o comportamento de uma das crianças no refeitório em relação ao modo como esta comia um pedaço de bolo. Nessa cena a criança não usou as mãos para pegar o bolo que estava sobre a mesa e a educadora lhe chamou a atenção, comparando-lhe a um cachorro. Pressupor um sujeito é antecipar que há um sujeito em advir no bebê, é considerar a intencionalidade do ato (Kupfer et al., 2010Kupfer, M. C. M.; Jerusalinsky, A. N; Bernardino, L. M. F.; Wanderley, D.; Rocha, P. S. B.; Molina, S. E.; Sales, L. M.; Stellin, R.; Pesaro, M. E.; Lerner, R. (2010). Predictive value of clinical risk indicators in child development: final results of a study based on psychoanalytic theory. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 13(1), 31-52. doi: 10.1590/S1415-47142010000100003.
https://doi.org/10.1590/S1415-4714201000...
; Mariotto, 2009Mariotto, R. M. M. (2009). Cuidar, Educar e Prevenir: As funções da creche na subjetivação de bebês. São Paulo: Escuta.).

Como é possível verificar através do Quadro 2, apresentado a seguir, nas observações houve a presença predominante da suposição de sujeito em atitudes como falar com a criança de modo singular, interpretar o que quer dizer, mas também houve cenas em que não havia a suposição. Já nas entrevistas todas consideraram importante conhecer cada um e procurar interpretar suas falas e intenções.

Quadro 2
Suposição de Sujeito.

Curiosamente, suposição de sujeito é o eixo que mais aparece nas entrevistas, conforme se pode conferir nos quadros, e o que menos tem relação com as orientações da coordenação pedagógica, pois fala do lugar que a criança ocupa no discurso das educadoras, genuinamente. Segundo Mariotto (2009Mariotto, R. M. M. (2009). Cuidar, Educar e Prevenir: As funções da creche na subjetivação de bebês. São Paulo: Escuta.), o discurso para Lacan é a “forma pela qual os sujeitos tecem e estruturam seus laços sociais a partir da linguagem, e, portanto, conforme leis inconscientes” (Mariotto, 2009, p. 80). Sendo assim, é coerente que apareçam mais questões singulares das educadoras neste eixo de análise.

A respeito do eixo estabelecimento de demanda, algumas das educadoras entendiam as atitudes de “chamar atenção” como uma demanda da criança dirigida ao adulto; compreendiam, assim, que há dias em que querem mais colo e que isto é primordial nesta etapa de suas vidas. É importante para o bebê que, na escola, encontre um outro capaz de operar a função maternante. Assim como Maia (2011Maia, S. H. R. S. (2011). Artesãs do desejo: a função das educadoras de creche na constituição subjetiva dos bebês. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Paraná, Brasil.) fala sobre a diferença do papel do professor e dos pais, Brandão e Kupfer (2014Brandão, D. B. S. R.; Kupfer, M. C. M. (2014). A construção do laço educador-bebê a partir da Metodologia IRDI. Psicologia USP, 25(3), 276-283. doi: 10.1590/0103-6564A20134413.
https://doi.org/10.1590/0103-6564A201344...
) trazem que o outro cuidador pode operar simbolicamente a função dos pais sem lhes tomar o lugar, já que a criança pode ficar muitas horas do seu dia sob os cuidados dos professores. A função maternante dá continuidade às inscrições simbólicas operadas pela mãe, é a capacidade do professor de ter “um olho que olha e não apenas vê” (Brandão & Kupfer, 2014, p.276), podendo, dessa forma, encontrar-se com a demanda da criança.

Isabel1 1 Todos os nomes utilizados são fictícios. entende que o educador de berçário necessita saber interpretar os pedidos das crianças que vêm através do choro ou de alguma agitação, ou seja, receber essas manifestações como demandas dos bebês a ela dirigidas, pois precisam de seus cuidados. Considera imprescindível que se tenha disponibilidade e tempo para acolhê-los, que além das dificuldades encontradas em trabalhar com várias crianças pequenas ao mesmo tempo, encontra muitas gratificações. Esse trabalho subjetivante é essencial na promoção de inscrições simbólicas, as quais são caras ao desenvolvimento da criança. O educador, tendo consciência deste papel, favorece ao desenvolvimento de, além de um sujeito de direito da educação nacional, um sujeito desejante na cultura.

Durante a entrevista, duas educadoras citaram a questão de planejarem as aulas a partir do que as crianças necessitam, compreendendo dessa forma que no seu trabalho é preciso entender algumas atitudes das crianças como demandas dirigidas às educadoras como se sinalizassem sobre suas necessidades. Aqui é importante frisar que, embora nem todas tenham falado sobre este ponto, todas as educadoras trabalham a partir deste pressuposto, pois é uma orientação da coordenação pedagógica. Entende-se que as atividades realizadas precisam ser planejadas de acordo com o que as crianças demonstram interesse, pois isso fala do que necessitam.

No entanto, há uma cobrança das escolas quanto à realização de atividades planejadas. Talvez a quantidade pudesse ser discutida entre equipes diretivas e educadoras, já que há queixa em relação ao tempo que os bebês demandam para além das atividades. Uma educadora chega a mencionar que os bebês demandam bastante a atenção do adulto e que isto, aliado a toda a rotina escolar, faz com que o cotidiano seja cansativo. Se por um lado são importantes os planejamentos aliados às demandas das crianças, por outro, estão relacionados com a questão das avaliações, pois é comum o discurso em espaços educativos de que as crianças estão lá para aprenderem e isto se mostra, principalmente, através dos portfólios para serem entregues às famílias, inclusive porque as instituições estão subordinadas a um sistema educativo que tem algumas exigências burocráticas, entre elas relatórios das atividades e das interações das crianças nestes momentos. Essas e outras falas foram agrupadas no Quadro 3.

Quadro 3
Estabelecimento de Demanda

Em relação à alternância presença/ausência, como se pode conferir através do Quadro 4, durante as observações se destacaram cenas de alimentação e brincadeira, onde as educadoras interagiam com as crianças aguardando sua resposta. Por exemplo, em dois casos foi presenciado quando a educadora oferecia o alimento para cada criança perguntando se queria e aguardando sua resposta; em outros dois casos a educadora fazia alguma pergunta ou convocava a criança aguardando para que ela participasse da brincadeira coletiva. Dessa forma, aguardando pela criança, inserindo palavras entre a educadora, a ação e a criança. Segundo Kupfer et al. (2010Kupfer, M. C. M.; Jerusalinsky, A. N; Bernardino, L. M. F.; Wanderley, D.; Rocha, P. S. B.; Molina, S. E.; Sales, L. M.; Stellin, R.; Pesaro, M. E.; Lerner, R. (2010). Predictive value of clinical risk indicators in child development: final results of a study based on psychoanalytic theory. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 13(1), 31-52. doi: 10.1590/S1415-47142010000100003.
https://doi.org/10.1590/S1415-4714201000...
, p. 11)

Quadro 4
Alternância Presença/Ausência.

a descontinuidade, marcada por essa presença/ausência, é o fundamento estrutural da linguagem na medida em que para que exista a palavra tem que se romper o enlace entre o “objeto causa” e a satisfação, a palavra tem que adquirir o poder de evocar a satisfação em ausência do objeto.

Através do intervalo entre solicitação e resposta há descontinuidade de satisfação da criança, permitindo que ela convoque simbolicamente o objeto na sua ausência. Ou seja, a criança age como autora de uma demanda, já que há uma afetação por parte da criança quando ela percebe que não tem a mãe inteiramente a seu dispor e “isso nos mostra como os objetos pulsionais... se inscrevem em uma série presença-ausência no laço com o Outro” (Jerusalinsky, 2014Jerusalinsky, A. N. (2014). A criação da criança: brincar, gozo e fala entre a mãe e o bebê. Salvador: Álgama., p.146).

É importante comentar neste eixo que as escolas passam esta orientação quanto a aguardar pela criança. Orienta-se que as educadoras tenham essa atitude, principalmente na hora da refeição. Provavelmente isto justifique que seja um eixo que aparece com frequência em todos os casos, especialmente nas observações.

A autonomia foi posta neste eixo por entender-se que se trata de um processo que necessita da ausência da mãe/educadora para que a criança crie suas próprias resoluções. No entanto, questiona-se o discurso de ensinar autonomia. Segundo Dolto (1999Dolto, F. (1999). Sobre a insegurança dos pais na educação. In Dolto F., As etapas decisivas da infância (pp. 1-27). São Paulo: Martins Fontes., p.4) “educar é tornar autônomo”, no sentido de confiar na criança e permitir que ela possa fazer algumas coisas sozinhas. É importante que sinta que os adultos confiam nela. Seria este o meio de transmitir, e não ensinar algo a criança, como postula Jerusalinsky (2010Jerusalinsky, A. N. (2010). A Psicanálise e Piaget. In Jerusalinsky, A. N. Psicanálise e desenvolvimento infantil(6a ed., pp.75-84). Porto Alegre: Artes e Ofícios.), neste caso a autonomia.

O eixo da função paterna ficou representado principalmente pela inserção das crianças no ambiente coletivo e as regras que isto impõe, assim como o Quadro 5 mostra. Como exemplo há uma cena em que a educadora estava organizando umas caixas de uma atividade que haviam realizado e, enquanto isso ia conversando com as crianças que estavam por perto e queriam sua atenção, mas a educadora não podia atender a todos e a tudo que queriam. Aqui se percebe como a função paterna atravessa a relação daquele que se ocupa dos cuidados com o bebê - existe um terceiro na relação do bebê com seu cuidador, interditando a completa satisfação, pois a educadora não se vê obrigada a satisfazer a criança o todo tempo. Além dessa cena, tanto na entrevista quanto na observação, foi constatado que a educadora busca, através do diálogo, inserir uma ordem do coletivo no cotidiano das crianças, encarnando o Outro, desta forma, além de já agir como terceiro na relação mãe-bebê por ser um representante da escola. Segundo Mariotto (2009Mariotto, R. M. M. (2009). Cuidar, Educar e Prevenir: As funções da creche na subjetivação de bebês. São Paulo: Escuta.), estaria desempenhando uma função paternante.

Quadro 5
Função Paterna.

Durante as observações ficou bastante clara a questão do coletivo e a ajuda que as educadoras prestam às crianças no que diz respeito a aguardar sua vez e compreender o espaço do outro, ou seja, de entenderem que há outras pessoas que também tem necessidades e vontades parecidas com as suas, além de já estabelecerem combinações e acordos, o que também foi trazido nas entrevistas.

Sobre o que foi observado deste eixo é importante referir que também se percebe aqui um reflexo das orientações passadas pelas escolas sobre como negociar e estabelecer combinações de forma que as crianças convivam no ambiente coletivo respeitando e sendo respeitadas. No entanto, o que geralmente as educadoras entendem como limite aos bebês está ao lado de um pensamento profilático sobre maus comportamentos, como se a partir das regras impostas as crianças desenvolvessem a característica de serem obedientes. É importante problematizar essa questão ao passo que a inserção das regras é sim um marcador da diferença, porém, não é possível pré-estabelecer que com isto posto a criança sempre aja da forma esperada frente aos limites de suas ações.

Sendo assim, percebe-se que, às vezes, o discurso não se aplica na prática e tem questões da prática que não são ditas como importantes, embora sejam primordiais aos bebês. Ficou evidente o discurso atravessado pelo saber científico e como isso repercute no trabalho cotidiano das educadoras, no que diz respeito a como interpretar algumas manifestações das crianças e como priorizar o que é primordial nesse momento da vida dos bebês.

Todas as educadoras consideram importante, inclusive porque é solicitado pelas escolas, que se observe o que os bebês têm interesse para planejar as atividades e, algumas ainda citam, que é preciso tempo para conhecer cada um, porém, também se observa que a rotina de berçário é bastante intensa, com muitas tarefas a se realizar, visto que as crianças usam fraldas e dependem um pouco mais das educadoras para a alimentação, principalmente no início do ano, quando têm poucos meses de vida. Embora não sejam rotinas rígidas quanto à realização das atividades, é importante escutar que as educadoras ao mesmo tempo em que consideram importante o tempo com as crianças, também se veem numa rotina de muitas tarefas a cumprir.

Neste contexto, o cuidar e o educar parecem dissociados algumas vezes, por exemplo, em alguns momentos as educadoras precisam reafirmar que as brincadeiras e o afeto trocado com as crianças têm um fim pedagógico, que a educadora precisa estar atenta nas brincadeiras para compreender sobre o desenvolvimento dos bebês e poder instigá-los; a criação de limites e incentivo à autonomia também estiveram bastante presentes nas entrevistas e observações. Houve pouca menção à importância da brincadeira na vida das crianças pequenas, e quando houve, qualificou-se o brincar como um meio de aprender e apenas uma vez como uma forma de expressão, transparecendo necessidade de ligar todas as ações em nome de um trabalho pedagógico e que “somente brincar e cuidar” seria desvalorizar a profissão do educador.

O fato de uma das pesquisadoras já conhecer as rotinas e projetos político-pedagógicos das escolas contribuiu para a compreensão de que algumas das condutas das educadoras tinham muita relação com as orientações da equipe diretiva e especialmente da coordenação pedagógica. Isto mostra o quanto é importante que a escola, tanto quanto as educadoras, tenham clareza das necessidades das crianças conforme faixa etária e do quanto de flexibilidade é importante neste espaço, a fim de promover um ambiente capaz de oferecer cuidado e educação. Ao mesmo tempo se percebeu que o lugar que a criança ocupa no discurso do educador é de extrema importância. Além de passar orientações é oportuno, portanto, escutar as educadoras sobre como pensam seu trabalho a fim de esclarecer sobre seu papel.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na presente pesquisa foi proposto conhecer a concepção de educadoras sobre seu papel enquanto agente da constituição psíquica dos bebês através do seu discurso e prática, a partir de observação das rotinas da escola no que tange ao trabalho subjetivo estabelecido pelas educadoras, onde o cuidar e educar estão imbricados. O objetivo foi alcançado visto que algumas observações mostraram práticas importantes, que não foram mencionadas, e concepções trazidas nas entrevistas que nem sempre condizem com a prática.

Muitas atitudes e posicionamentos das educadoras proporcionam uma relação subjetivante com as crianças, como por exemplo, planejar as atividades a partir do que as crianças demonstram interesse, aguardar pelo tempo de cada um, reconhecer a singularidade, interpretar suas falas, estabelecer alteridade, operando dessa forma, através da função maternante. Porém, também há questões que seriam interessantes explorar, como o discurso científico sob o qual muitas educadoras pensam o trabalho com os bebês, além de algumas atitudes que não condizem com uma suposição de sujeito, como por exemplo, não tentar compreender o que há de comunicação em determinadas manifestações das crianças.

Afinal, se a escola é local para oferecer educação e cuidado, em se tratando de bebês, o que é preciso priorizar no cotidiano? A Educação Infantil é um espaço onde o educar vem ao lado do cuidar para que se possa considerar as crianças como sujeitos de desejo e não somente como sujeitos de direito da educação, e a partir disso não sejam assujeitados a um saber vertical que está proposto a ensinar e não a transmitir. É preciso afinar a ligação destes pontos a fim de que o cuidado e educação venham de atitudes subjetivantes que permeiam a relação entre sujeitos. Sendo assim, fomentar a reflexão sobre as práticas é um meio de contribuir para o fortalecimento e desenvolvimento das profissionais que se ocupam das crianças, neste caso principalmente dos bebês, proporcionando espaço para um fazer crítico e criativo, já que assim é possível a problematização sobre o trabalho na escola.

Nesse sentido, as autoras consideram que a Psicologia deve estar a serviço do cuidado das relações na Educação Infantil, além de prestar apoio e esclarecimento sobre o desenvolvimento das crianças pequenas, visto que é uma demanda presente na entrevista com todas as educadoras, é preciso escutar as educadoras sobre suas dúvidas, posicionamentos e até mesmo queixas, agindo como facilitador das relações entre educador e bebê. Auxiliar também a equipe diretiva nas orientações e acompanhamento das práticas das educadoras é outro ponto interessante ao profissional de Psicologia na Educação Infantil, e para isto o psicólogo precisa circular pela escola.

Aponta-se como uma das limitações deste estudo o fato de não terem sido considerados os Planos Político-Pedagógicos (PPPs) como fonte de dados, embora tenham sido utilizados para amparar a discussão. Além disso, por ser um município pequeno provavelmente apresentaram-se características mais restritas a este tipo de população.

É interessante pensar na possibilidade de mais estudos que abordem o tema dos bebês na Educação Infantil, questionando se as práticas pedagógicas estão trabalhando a favor da constituição psíquica dos bebês, algo tão caro neste momento da vida dos pequenos. Espera-se ter contribuído para a reflexão deste campo de atuação tanto para a Psicologia quanto para a Pedagogia.

REFERÊNCIAS

  • Becker, S. M. S.; Bernardi, D.; Martins, G. D F. (2013). Práticas e crenças de educadoras de berçário sobre cuidado. Psicologia em Estudo,18(3), 551-560. doi: 10.1590/S1413-73722013000300016.
    » https://doi.org/10.1590/S1413-73722013000300016.
  • Bernardino, L. M. F. (2010). O traço do caso na clínica psicanalítica com crianças e adolescentes. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, (38), 20-28. Recuperado de: http://www.appoa.com.br/uploads/arquivos/revistas/revista38-1.pdf
    » http://www.appoa.com.br/uploads/arquivos/revistas/revista38-1.pdf
  • Brandão, D. B. S. R.; Kupfer, M. C. M. (2014). A construção do laço educador-bebê a partir da Metodologia IRDI. Psicologia USP, 25(3), 276-283. doi: 10.1590/0103-6564A20134413.
    » https://doi.org/10.1590/0103-6564A20134413.
  • Dolto, F. (1999). Sobre a insegurança dos pais na educação. In Dolto F., As etapas decisivas da infância (pp. 1-27). São Paulo: Martins Fontes.
  • Feitosa, R. M. M. (2009). Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. In: Diretrizes Curriculares nacionais para a educação básica (pp. 80-100). Brasília: MEC; SEB; DICEI.
  • Gil, A. C. (2009). Estudo de Caso: Fundamentação Científica, Subsídios para Coleta e Análise de Dados e Como Redigir o Relatório São Paulo: Atlas.
  • Jerusalinsky, A. N. (2010). A Psicanálise e Piaget. In Jerusalinsky, A. N. Psicanálise e desenvolvimento infantil(6a ed., pp.75-84). Porto Alegre: Artes e Ofícios.
  • Jerusalinsky, A. N. (2014). A criação da criança: brincar, gozo e fala entre a mãe e o bebê Salvador: Álgama.
  • Kupfer, M. C. M.; Jerusalinsky, A. N; Bernardino, L. M. F.; Wanderley, D.; Rocha, P. S. B.; Molina, S. E.; Sales, L. M.; Stellin, R.; Pesaro, M. E.; Lerner, R. (2010). Predictive value of clinical risk indicators in child development: final results of a study based on psychoanalytic theory. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 13(1), 31-52. doi: 10.1590/S1415-47142010000100003.
    » https://doi.org/10.1590/S1415-47142010000100003
  • Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (1996). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF. Recuperado de: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm
  • Maia, S. H. R. S. (2011). Artesãs do desejo: a função das educadoras de creche na constituição subjetiva dos bebês Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Paraná, Brasil.
  • Mariotto, R. M. M. (2009). Cuidar, Educar e Prevenir: As funções da creche na subjetivação de bebês São Paulo: Escuta.
  • Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009 (2009). Estabelece as diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília, DF. Recuperado de: http://www.seduc.ro.gov.br/portal/legislacao/RESCNE005_2009.pdf
    » http://www.seduc.ro.gov.br/portal/legislacao/RESCNE005_2009.pdf
  • Sommerhalder, A.; Alves, F. D. (2012). Infância e educação infantil: aspectos inconscientes das relações educativas.Paidéia, 22(52), 241-250. doi: 10.1590/S0103-863X2012000200010.
    » https://doi.org/10.1590/S0103-863X2012000200010.
  • Velasco, C. (2012). A função do professor na educação infantil: limites entre o educar e o cuidar. Revista Borromeo, (3), 1034-1143. Recuperado dehttp://borromeo.kennedy.edu.ar/artculos/papeldocenteeducinfantilvelasco.pdf
    » http://borromeo.kennedy.edu.ar/artculos/papeldocenteeducinfantilvelasco.pdf
  • Yin, R. K. (2015). Estudo de Caso: Planejamento e Métodos Porto Alegre: Bookman.
  • 1
    Todos os nomes utilizados são fictícios.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2018
  • Aceito
    20 Abr 2019
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), Rua Mirassol, 46 - Vila Mariana , CEP 04044-010 São Paulo - SP - Brasil , Fone/Fax (11) 96900-6678 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@abrapee.psc.br