Acessibilidade / Reportar erro

EDITORIAL - PSICOLOGIA ESCOLAR, IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 13.935/19 E ENFRENTAMENTOS À PANDEMIA

“Havemos de dezembrar. Dizia eu. Faltava pouco para o fim do ano. Era o meu pai, nos tempos de maior conversa, que o pedia. Depois de cada dificuldade, esperava que dezembrássemos todos. Que era prometer que chegaríamos vivos e salvos ao fim do ano, entrados em janeiro, começados de novo. A resistir.” (Mãe, 2017Mãe, V. H. (2017). A desumanização. 2ª ed. São Paulo: Biblioteca Azul., p. 125).

“Havemos de dezembrar”, nos diz o grande escritor Valter Hugo Mãe. Estamos chegando ao final de 2021, o segundo ano da pandemia de Covid-19. Este período exigiu-nos forças para continuarmos resistindo aos muitos desmontes praticados pelo governo atual, passando por perda de garantia de direitos trabalhistas, retrocesso nas políticas sociais, desvalorização da ciência, aumento da pobreza, entre tantos outros aspectos vivenciados pondo em xeque a possibilidade de sobrevivência, quiçá do processo de desenvolvimento do gênero humano. Por outro lado, o avanço da vacinação e a consequente diminuição dos números de mortes e internações em nosso país têm reiterado e recobrado a confiança da população na ciência.

A implementação da Lei 13.935/2019 - que dispõe sobre a prestação de serviços de Psicologia e de Serviço Social nas redes públicas de educação básica - avança em inúmeros municípios, graças aos esforços de psicólogas e psicólogos, assistentes sociais, professoras e professores, gestores, parlamentares que estão se empenhando na regulamentação da Lei. Portanto, nesta oportunidade, agradecemos às Representações Regionais da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) pelos esforços para a regulamentação desta Lei, ao Conselho Federal de Psicologia - CFP, ao Conselho Federal de Serviço Social - CFESS, aos Conselhos Regionais de Psicologia, à Associação Brasileira de Ensino de Psicologia - ABEP, à Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS e à Federação Nacional de Psicólogos - FENAPSI.

Os Representantes destas entidades fizeram o possível e o impossível para que a referida Lei fosse aprovada em 2019 e, agora eles não medem esforços para a criação e desenvolvimento de ações atinentes à Psicologia e ao Serviço Social na Educação Básica. Entendemos que no meio das adversidades decorrentes das perdas em todos os sentidos, inclusive de direitos, o luto é inevitável e não pode ser banalizado. Em que pesem as dores decorrente destas situações, elas nos mobilizam para que a regulamentação da referida Lei possibilite a abertura de espaços de trabalhos por meio de concursos públicos. Para este fim, é imprescindível que os conhecimentos produzidos neste campo colaborem com o processo educacional que visa a formação dos seres humanos. Este é um direito constituído pelos diplomas legais brasileiros!

No final deste ano de 2021 a ABRAPEE lançou o documento “Cuidados necessários para viabilizar as aulas presenciais durante a pandemia de Covid-19”4 1 https://abrapee.files.wordpress.com/2021/10/retomadadasaulaspresenciais_abrapee.pdf , em que alerta para o fato de que a pandemia não terminou e, além dos conhecidos cuidados do ponto de vista sanitário, é imprescindível atentarmo-nos para as questões pedagógicas, psicológicas e sociais. Estudantes, docentes, gestores e demais funcionárias/os estiveram afastadas/os do denominado “chão da escola” por mais de um ano. Nesse retorno, precisamos cuidar para que as instituições escolares sigam cumprindo seu papel na socialização dos conhecimentos científicos, culturais e artísticos, como nos ensinou Saviani (1991Saviani, D. (1991). Pedagogia Histórico-crítica - primeiras aproximações. São Paulo: Cortez: Autores Associados.).

Considerando que se viveu e ainda estamos vivendo situações atípicas, há que se atentar para não patologizar e não medicalizar as diferentes expressões de comportamentos dos/as estudantes, que porventura, apresentem dificuldades de aprendizagens no contexto acadêmico.

Sabemos da importância do trabalho coletivo para o enfrentamento da desigualdade ao acesso aos conhecimentos, que se acirrou devidos a vários fatores, entre eles: o acesso à tecnologia, o desemprego, a fome, o desânimo, os cortes orçamentários da educação e da ciência, entre outras situações que permeiam as ações e as relações pedagógicas decorrentes de uma sociedade que possui interesses antagônicos.

Em contexto de desvalorização das Ciências e, em especial as Ciências Humanas, a 73ª edição da Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), cujo tema foi “Todas as ciências são humanas e essenciais à sociedade” exaltou a relevância do papel da produção do conhecimento científico para o enfrentamento das adversidades da vida dos seres humanos. Na contramão da lógica mercantilista, há necessidade de se considerar a Educação como processo que visa promover condições para que os indivíduos se tornem sujeitos ativos, conscientes e emancipados da lógica que aprisiona e aliena. Sobre isso, vale ressaltar que na cerimônia de abertura do referido evento, entre outros tantos cientistas homenageados, como é usual nestas reuniões, foi apresentado um vídeo com depoimentos do cientista Sérgio Mascarenhas de Oliveira (1928-1921), presidente de Honra da SBPC. Nele, o homenageado cita, emocionado, “a família da escola”, querendo dizer que, além dos muitos aprendizados escolares propriamente ditos, foi na escola que ele pôde encontrar e contar com os seus colegas e seus professores que lhe apresentaram os caminhos da arte e da cultura.

Assim, se pelos pressupostos da Psicologia Histórico-cultural, nos humanizamos por meio das relações sociais, foram elas que mais nos fizeram falta no auge da pandemia decorrente da Covid-19. Dito de outro modo, vários tipos de relações que ocorriam na escola - e que a constituíam em suas especificidades, se mostraram insubstituíveis no contexto do isolamento posto pela pandemia.

Nesse período, as produções, na interface entre Psicologia e Educação continuaram, conforme podemos observar nos artigos publicados no presente volume. Falar da escola, do processo ensino-aprendizagem e de outros temas que oferecem ferramentas para compreender a formação humana no processo educativo, nos leva a refletir sobre como poderemos “Dezembrar” e, assim, criar modos de enfrentamentos para superarmos a crise que vivenciamos nestes últimos dois anos.

Que entremos em janeiro de 2022 resistindo, por meio da ciência em suas diferentes contribuições, da Psicologia Escolar e Educacional e da Arte em suas muitas manifestações; afinal, como canta Chico Buarque, “Amanhã há de ser outro dia”.2 2 Trecho da música “Apesar de você”, de Chico Buarque (1970). Disponível em http://chicobuarque.com.br/construcao/mestre.asp?pg=apesarde_70.htm

REFERÊNCIAS

  • Mãe, V. H. (2017). A desumanização 2ª ed. São Paulo: Biblioteca Azul.
  • Saviani, D. (1991). Pedagogia Histórico-crítica - primeiras aproximações. São Paulo: Cortez: Autores Associados.
  • 1
    https://abrapee.files.wordpress.com/2021/10/retomadadasaulaspresenciais_abrapee.pdf
  • 2
    Trecho da música “Apesar de você”, de Chico Buarque (1970). Disponível em http://chicobuarque.com.br/construcao/mestre.asp?pg=apesarde_70.htm

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), Rua Mirassol, 46 - Vila Mariana , CEP 04044-010 São Paulo - SP - Brasil , Fone/Fax (11) 96900-6678 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@abrapee.psc.br