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Ocorrência de anticorpos antitoxoplasma em gatos infectados naturalmente pelo vírus da imunodeficiência dos felinos

Ocurrence of antibodies to Toxoplasma in cats naturally infected with feline immunodeficiency virus

Resumos

Foram avaliadas, pela técnica de imunofluorescência indireta, a freqüência e a magnitude dos títulos de anticorpos antitoxoplasma (Toxoplasma gondii, Nicolle; Manceaux, 1909), em gatos infectados naturalmente pelo vírus da imunodeficiência dos felinos (VIF). Utilizaram-se 115 amostras de soro sangüíneo de gatos negativos ao vírus da leucemia felina que foram divididas em 3 grupos. Os 22 animais do grupo I eram positivos ao VIF. Os 58 animais que compuseram o grupo II eram doentes porém negativos na pesquisa de anticorpos anti-VIF e os 35 felinos do grupo III eram hígidos e negativos ao VIF. Os resultados obtidos permitiram concluir que a freqüência de anticorpos antitoxoplasma foi maior no grupo I do que nos grupos II e III. A análise estatística mostrou forte associação entre a infecção pelo VIF e a presença de anticorpos antitoxoplasma. Não se observou diferença entre a magnitude dos títulos de anticorpos antitoxoplasma nos animais positivos e negativos ao VIF. Embora gatos que desenvolvam imunidade raramente eliminem oocistos, não se sabe exatamente como esta imunidade pode influenciar a eliminação de oocistos naqueles gatos infectados pelo VIF. Em face da alta freqüência de anticorpos antitoxoplasma observada nos animais positivos ao VIF, acredita-se que todos os gatos positivos a esse vírus devam ser avaliados quanto à presença de anticorpos antitoxoplasma.

Vírus da imunodeficiência felina; Toxoplasma gondii; Toxoplasmose felina


In order to evaluate the occurrence of Toxoplasma gondii infection in cats infected with feline immunodeficiency virus (FIV), 22 serum samples obtained from diseased cats harbouring FIV were submitted to an indirect immunofluorescence antibody test to Toxoplasma. Another 58 ill cats, but that were negative for FIV antibody test and 35 healthy animals, also FIV negative, comprised the second and the third group, respectively. All cats were negative for feline leukemia virus test. The results showed that cats infected with FIV (Grupo I) presented a higher frequency of Toxoplasma antibody titer when compared to groups II and III. Also, a strong correlation was detected between FIV infection and positive serum reaction for Toxoplasma gondii. On the other hand, there was no difference in the magnitude of Toxoplasma antibody titer between positive and negative cats. Although cats that are seropositive to Toxoplasma rarely excrete oocysts in their feces, it is not well known how this immunity can influence oocysts shedding in cats infected with FIV. In consequence of the high frequency of antibody titer to Toxoplasma in FIV positive cats, these animals should always be submitted to antibody test to Toxoplasma.

Feline Immunodeficiency virus; Toxoplasma gondii; Feline toxoplasmosis


Ocorrência de anticorpos antitoxoplasma em gatos infectados naturalmente pelo vírus da imunodeficiência dos felinos

Ocurrence of antibodies to Toxoplasma in cats naturally infected with feline immunodeficiency virus

Sílvia Regina Ricci LUCAS1; Mitika Kuribayashi HAGIWARA1; Archivaldo RECHE Jr.1; Pedro Manuel Leal GERMANO2

Correspondência para:

Mitika Kuribayashi Hagiwara

Departamento de Clínica Médica

Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP

Cidade Universitária Orlando de Salles Oliveira

Av. Orlando Marques de Paiva, 87

05508-000 – São Paulo – SP

e-mail: mkhagiwa@usp.br

RESUMO

Foram avaliadas, pela técnica de imunofluorescência indireta, a freqüência e a magnitude dos títulos de anticorpos antitoxoplasma (Toxoplasma gondii, Nicolle; Manceaux, 1909), em gatos infectados naturalmente pelo vírus da imunodeficiência dos felinos (VIF). Utilizaram-se 115 amostras de soro sangüíneo de gatos negativos ao vírus da leucemia felina que foram divididas em 3 grupos. Os 22 animais do grupo I eram positivos ao VIF. Os 58 animais que compuseram o grupo II eram doentes porém negativos na pesquisa de anticorpos anti-VIF e os 35 felinos do grupo III eram hígidos e negativos ao VIF. Os resultados obtidos permitiram concluir que a freqüência de anticorpos antitoxoplasma foi maior no grupo I do que nos grupos II e III. A análise estatística mostrou forte associação entre a infecção pelo VIF e a presença de anticorpos antitoxoplasma. Não se observou diferença entre a magnitude dos títulos de anticorpos antitoxoplasma nos animais positivos e negativos ao VIF. Embora gatos que desenvolvam imunidade raramente eliminem oocistos, não se sabe exatamente como esta imunidade pode influenciar a eliminação de oocistos naqueles gatos infectados pelo VIF. Em face da alta freqüência de anticorpos antitoxoplasma observada nos animais positivos ao VIF, acredita-se que todos os gatos positivos a esse vírus devam ser avaliados quanto à presença de anticorpos antitoxoplasma.

UNITERMOS: Vírus da imunodeficiência felina; Toxoplasma gondii; Toxoplasmose felina.

INTRODUÇÃO

Os felinos desempenham papel fundamental na epidemiologia da toxoplasmose por serem hospedeiros definitivos do Toxoplasma gondii e os únicos animais em que o parasita realiza a fase sexuada de seu ciclo de vida com a produção de oocistos, os quais são eliminados nas fezes e assim infectam outros hospedeiros.

Segundo Frenkel8 e Amato et al.1, a importância da toxoplasmose em termos de saúde pública reside no fato de esta zoonose representar uma causa importante de alterações neonatais como lesões oculares, microcefalia, hidrocefalia, calcificações cerebrais, alterações psicomotoras e retardo mental, o que torna a infecção primária na gestante e conseqüentemente a infecção do feto por via transplacentária o aspecto mais grave da toxoplasmose humana.

Em geral, o Toxoplasma parasita o hospedeiro sem produzir sintomas, já que parece ser um parasita muito bem adaptado a seus hospedeiros em vista de sua capacidade de formar cistos em diversos tecidos13,21. Embora na maioria das vezes a infecção seja inaparente, em alguns casos pode se tornar sintomática, sendo as manifestações mais evidentes a febre, linfoadenopatia, meningoencefalite, mialgia e artralgia, cefaléia, lesões oculares e miocárdicas e linfocitose9. Atenção especial deve ser dispensada à doença nos pacientes imunossuprimidos, como nos casos de AIDS, nos quais ocorre reativação da forma latente do parasita que permaneceu encistado nos tecidos após a infecção primária7,20. Nesses casos, podemos ter o desenvolvimento de encefalite toxoplásmica, que é uma das mais importantes causas de mortalidade em aidéticos15.

Em relação aos gatos, a toxoplasmose-doença não é muito freqüente quando comparada à taxa de infecção verificada através de levantamentos sorológicos4,6. Entre os sintomas mais freqüentes da doença no gato incluem-se: febre, tosse, dispnéia, letargia, anorexia, vômito, diarréia e icterícia, além da ocorrência de alterações miocárdicas, hiperestesia muscular, alterações neurológicas e oculares6,21,22,23,26. Embora a doença não seja tão freqüente, fatores iatrogênicos ou naturais que promovem alterações dos mecanismos de defesa, como a administração de altas doses de corticosteróides16 e a infecção pelo vírus da imunodeficiência dos felinos12,18,31, podem reativar a infecção latente resultando em quadros sintomáticos de toxoplasmose.

O vírus da imunodeficiência dos felinos (VIF), isolado em 1986, é um lentivírus à semelhança do HIV, porém antigenicamente distinto25,30. Estudos sobre a prevalência da infecção pelo VIF em gatos demonstram que os machos são mais acometidos do que as fêmeas27,31 e que a idade dos animais infectados varia segundo os pesquisadores, observando-se, entretanto, maior prevalência em animais com mais de 2 anos31. Os gatos infectados naturalmente apresentam imunossupressão secundária similar àquela observada na AIDS19,24. Muitos dos quadros clínicos associados com a infecção pelo VIF desenvolvem-se secundariamente a infecções oportunistas que ocorrem durante a fase imunossupressiva da doença24.

Acredita-se que a infecção humana pelo HIV reative a infecção latente pelo Toxoplasma20 e o mesmo poderia ocorrer entre os felinos infectados pelo VIF31. Considerando-se o gato o hospedeiro no qual a reativação da infecção pelo Toxoplasma pode resultar na eliminação de oocistos nas fezes6, com conseqüente risco de contaminação do meio ambiente e propagação da infecção para seres humanos e outros animais domésticos, torna-se extremamente importante o conhecimento, em nosso meio, da freqüência da infecção toxoplásmica em animais infectados pelo VIF.

Procurou-se, assim, estudar uma possível associação entre a infecção pelo VIF e a infecção toxoplásmica em gatos domésticos, avaliando-se, através da pesquisa de anticorpos, a freqüência da infecção pelo Toxoplasma gondii em felinos doentes, infectados e não infectados pelo VIF, e em felinos hígidos, sorologicamente negativos para esse lentivírus.

MATERIAL E MÉTODO

Amostras de soro de felinos

Utilizaram-se 115 amostras de soro de gatos atendidos no Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. Foram considerados possíveis portadores do vírus da imunodeficiência dos felinos (VIF) aqueles que apresentaram, ao exame clínico, doenças infecciosas ou de decurso crônico que pudessem estar relacionadas à alteração da resposta imunológica. Esses animais foram submetidos a testes sorológicos para pesquisa do VIF e do vírus da leucemia felina (VLF). Todos os animais utilizados apresentaram teste de leucemia felina negativo. Do total de amostras de soro obtidas, 22 apresentaram reação positiva para a pesquisa de anticorpos anti-VIF, constituindo o Grupo I. Felinos doentes, porém negativos para o teste VIF, num total de 58 animais, constituíram o Grupo II. Finalmente, o Grupo controle (III), constituído por 35 animais hígidos e sorologicamente negativos a ambos os vírus.

Ensaio sorológico

As amostras de soro obtidas dos animais foram testadas para a presença de anticorpos anti-VIF e proteína p27 do VLF através de kits comerciais para a técnica ELISA* * 1 Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP - SP 2 Departamento de Práticas de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP - SP CITE Agrytec Systems Inc. ** BIOLAB Diagnóstica S/A. . Para a pesquisa de anticorpos antitoxoplasma procedeu-se à prova de Imunofluorescência Indireta (IFI), segundo Camargo3, utilizando-se como antígeno Toxoplasma gondii liofilizado obtido comercialmente** * 1 Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP - SP 2 Departamento de Práticas de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP - SP CITE Agrytec Systems Inc. ** BIOLAB Diagnóstica S/A. . O conjugado antigamaglobulina felina empregado na execução da prova foi preparado no Laboratório de Imunologia do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo e titulado segundo Camargo3.

A prova de IFI para pesquisa de anticorpos antitoxoplasma foi realizada no Laboratório Clínico do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. Os soros testados foram diluídos em tampão PBS, pH 7,2, em progressão geométrica de razão quatro, a partir de 1:16 a 1:4096. As amostras de soro foram consideradas positivas até a diluição na qual os taquizoítos apresentassem nítida fluorescência periférica. Em cada lâmina utilizaram-se soros controle positivo e negativo, que orientavam a interpretação da reação.

Os soros controle positivos foram obtidos de gatos inoculados por via intraperitoneal com 106 taquizoítos, obtidos de lavado peritoneal de camundongos albinos inoculados há dois ou três dias com a cepa RH, mantida no laboratório do Setor de Moléstias Infecciosas do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo.

Análise Estatística

Os testes estatísticos foram realizados segundo Berquó et al.2. Utilizaram-se o coeficiente de Yule e o teste do qüi-quadrado para tabelas de associação. As análises restantes foram realizadas aplicando-se o teste de duas proporções, com o valor de alfa estipulado em 0,05.

RESULTADOS

A freqüência de anticorpos antitoxoplasma observada pela técnica de imunofluorescência indireta (IFI) no soro dos 22 animais positivos para o vírus da imunodeficiência dos felinos (VIF) que constituíram o grupo I foi de 50,0%. Nas 58 amostras de soro dos animais do grupo II, 22,4% foram positivas, enquanto o grupo III, constituído pelos animais hígidos, apresentou 22,9% de positividade. A freqüência de anticorpos antitoxoplasma nos 93 animais estudados, negativos para o VIF (grupos II e III), foi de 22,6% (Tab. 1).

Tabela 1

A análise estatística mostrou forte associação entre a infecção pelo VIF e a presença de anticorpos antitoxoplasma (X2 = 5,22, p<0,05) e diferença estatística significante entre os grupos I e II (z = 2,406, p<0,05), I e III (z = 2,116, p<0,05) e entre o grupo I e a associação dos grupos II e III (z = 3,138, p<0,05). Não houve diferença estatística em relação ao número de animais positivos na pesquisa de anticorpos antitoxoplasma nos grupos II e III (p>0,05), ambos sorologicamente negativos ao VIF (Tab. 1). Na Fig. 1, observa-se a distribuição dos animais dos grupos I, II e III segundo os títulos de anticorpos antitoxoplasma. Não se constatou diferença em relação à magnitude dos títulos de anticorpos nos animais estudados.

Figura 1

Em relação à idade dos animais estudados, 81,8% dos gatos infectados pelo VIF tinham idade superior a 2 anos, dos quais 55,6% foram positivos ao Toxoplasma. Nos Grupos II e III, 82,8% e 54,3% respectivamente estavam na faixa etária superior a 2 anos e a positividade foi de 23,1 e 22,4%. Os dados relativos à idade e títulos de anticorpos podem ser verificados na Tab. 2.

Tabela 2

DISCUSSÃO

A freqüência da infecção toxoplásmica observada nos animais do Grupo I, positivos ao VIF (50%), assemelha-se àquela observada por Witt et al.31 e por O’Neil et al.24 e foi maior nos animais desse Grupo do que nos Grupos II e III, negativos ao VIF. A análise estatística mostrou forte correlação entre as infecções pelo VIF e Toxoplasma gondii.

Para uma análise mais criteriosa da relação existente entre as duas infecções, devemos considerar que os animais utilizados neste estudo, embora domiciliados e em contato constante com seus proprietários, tinham, em sua maioria, livre acesso à rua. Assim, da mesma forma que o livre acesso à rua facilitaria a infecção pelo VIF, uma vez que estes animais estariam mais predispostos a brigas pela disputa de fêmeas ou território, o mesmo ocorreria em relação ao Toxoplasma, já que estes gatos poderiam estar caçando pequenas presas. Nesse caso, a forte correlação existente entre as infecções pelo VIF e Toxoplasma estaria apenas associada ao modo de transmissão de ambas as doenças. Entretanto, verificamos que a freqüência de anticorpos antitoxoplasma foi significativamente mais baixa em animais em condições ambientais semelhantes, doentes, porém sorologicamente negativos ao VIF. Comparando-se os animais negativos ao VIF, doentes e sadios (GII e G III), a freqüência de animais positivos foi semelhante, mas houve diferença significante em relação ao Grupo I (p<0,05), o que demonstra que a relação entre as infecções pelo VIF e Toxoplasma provavelmente não se limita apenas ao seu modo de transmissão.

Outro fator a ser considerado seria a idade dos animais. Existe a tendência de que o número de animais portadores de infecção toxoplásmica aumente em relação direta com a idade11. Neste estudo, considerando-se os animais negativos ao VIF (GII e GIII), os animais com mais de 2 anos não apresentaram maior prevalência de anticorpos antitoxoplasma. No Grupo I, dos animais com mais de 2 anos, 55,6% foram positivos ao Toxoplasma, assim, poderíamos supor que o VIF poderia ser o fator que facilitaria ou reativaria a infecção pelo Toxoplasma nos animais infectados pelos dois agentes.

A freqüência mais alta de anticorpos antitoxoplasma verificada no Grupo I poderia então ser atribuída a um contato recente com o protozoário, sendo os gatos acometidos pelo VIF mais suscetíveis a adquirir a infecção toxoplásmica, ou ainda à reativação de infecção latente como resultado das alterações imunológicas decorrentes da infecção pelo VIF que promoveriam a reativação dos cistos teciduais.

Segundo Luft et al.20, nos casos de pessoas infectadas pelo HIV e Toxoplasma, acredita-se que, mais do que uma manifestação da infecção aguda, a imunossupressão provocada pelo vírus levaria à reativação da infecção latente. No caso dos felinos, torna-se difícil avaliar através dos títulos de anticorpos se está ocorrendo reativação ou infecção recente, já que, segundo Frenkel et al.11, os títulos de anticorpos encontrados em gatos com reativação da infecção podem ser similares em magnitude aos títulos encontrados na população felina em geral e, de acordo com Lappin15, a obtenção de um único exame sorológico positivo não pode ser correlacionada a infecção recente.

Analisando-se a magnitude da resposta imunitária dos gatos infectados pelo VIF e Toxoplasma, os 8 gatos estudados por Witt et al.31 apresentavam altos títulos de IgG quando comparados àqueles infectados apenas pelo Toxoplasma gondii. Resultados similares não foram observados neste estudo. Mesmo considerando o pequeno número de animais positivos ao VIF, a observação relativa aos títulos de anticorpos está em consonância com os achados de O’Neil et al.24, onde não foi possível constatar diferença na magnitude dos títulos de anticorpos antitoxoplasma nos gatos infectados pelo VIF.

Embora a infecção pelo VIF seja responsável por alterações irreversíveis no sistema imunológico, tais alterações dependem da fase da infecção. Acredita-se que a produção de anticorpos contra antígenos T dependentes possa não requerer atividade completa das células T "helper", células alvo do VIF29; nesse caso, é possível admitir-se que, uma vez que as células B sejam ativadas, a produção de anticorpos antitoxoplasma seja conseguida. Segundo Lappin et al.17, a alteração inicial do sistema imune permite que ocorra proliferação de bradizoítos, e quando os antígenos do Toxoplasma são liberados, os linfócitos B não expostos previamente podem reagir com estes antígenos levando a um aumento na produção de imunoglobulinas. Além disso, presume-se que gatos infectados pelo VIF possam apresentar títulos altos de anticorpos antitoxoplasma como parte de uma ativação policlonal generalizada não específica das células B, como é visto em pacientes com AIDS14,28. Estes fatores justificariam a ocorrência de títulos mais altos de anticorpos nos animais positivos ao VIF.

Por outro lado, considerando-se a ocorrência de títulos baixos, O’Neil et al.24, utilizando testes sorológicos para detecção de anticorpos antitoxoplasma das classes IgM e IgG em gatos acometidos pelo VIF, concluíram que apenas 17,9% apresentavam IgG. Acredita-se que a alteração na atividade de linfócitos T "helper" induzida pelo VIF seja responsável por um retardo na passagem da classe de imunoglobulinas circulantes de M para G, havendo nesses casos um retardo na produção de IgG, o que poderia justificar a ocorrência de títulos mais baixos19,24 ou, então, a ativação não específica das células B poderia levar a um nível persistentemente baixo de anticorpos. Outra hipótese para a ocorrência de baixos títulos seria a indução de anticorpos não específicos que acabariam por reconhecer o Toxoplasma gondii19. Além disso, é importante lembrar que os gatos, de forma geral, desenvolvem títulos de anticorpos antitoxoplasma mais lentamente e atingem níveis mais baixos do que aqueles encontrados no homem e outras espécies de mamíferos5,10.

Embora gatos que desenvolvem imunidade raramente eliminem oocistos, não se sabe exatamente como esta imunidade pode influenciar a eliminação de oocistos naqueles gatos infectados pelo VIF. Em face da observação da alta freqüência de anticorpos antitoxoplasma nos gatos acometidos pelo VIF encontrada neste estudo, acredita-se que todos os gatos positivos à presença de anticorpos anti-FIV devam ser avaliados quanto à presença de anticorpos antitoxoplasma, justificando-se também outros estudos sobre a relação existente entre ambas as infecções.

SUMMARY

In order to evaluate the occurrence of Toxoplasma gondii infection in cats infected with feline immunodeficiency virus (FIV), 22 serum samples obtained from diseased cats harbouring FIV were submitted to an indirect immunofluorescence antibody test to Toxoplasma. Another 58 ill cats, but that were negative for FIV antibody test and 35 healthy animals, also FIV negative, comprised the second and the third group, respectively. All cats were negative for feline leukemia virus test. The results showed that cats infected with FIV (Grupo I) presented a higher frequency of Toxoplasma antibody titer when compared to groups II and III. Also, a strong correlation was detected between FIV infection and positive serum reaction for Toxoplasma gondii. On the other hand, there was no difference in the magnitude of Toxoplasma antibody titer between positive and negative cats. Although cats that are seropositive to Toxoplasma rarely excrete oocysts in their feces, it is not well known how this immunity can influence oocysts shedding in cats infected with FIV. In consequence of the high frequency of antibody titer to Toxoplasma in FIV positive cats, these animals should always be submitted to antibody test to Toxoplasma.

UNITERMS: Feline Immunodeficiency virus; Toxoplasma gondii; Feline toxoplasmosis.

AGRADECIMENTOS

Prof. Dr. Leonardo José Richtzenhain, do Setor de Imunologia do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal, onde foi produzido o conjugado antigamaglobulina felina.

Profa. Dra. Masaio Mizuno Ishizuka, do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal, por ter cedido gentilmente a cepa RH de Toxoplasma gondii, inoculada em felinos para a obtenção de soropositivos.

Solvay Saúde Animal Ltda. e Virbac do Brasil S.A.

Éffem Produtos Alimentícios Inc. & Cia.

Recebido para publicação: 19/08/1996

Aprovado para publicação: 28/05/1997

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    1 Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP - SP
    2 Departamento de Práticas de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP - SP
    CITE Agrytec Systems Inc.
    **
    BIOLAB Diagnóstica S/A.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Ago 2000
    • Data do Fascículo
      1998

    Histórico

    • Aceito
      28 Maio 1997
    • Recebido
      19 Ago 1996
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