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Características do desenvolvimento embrionário de Gallus gallus domesticus, em temperaturas e períodos diferentes de incubação

Features of the embryonic development of Gallus gallus domesticus in different temperatures and times of incubation

Resumos

Objetivando avaliar o desenvolvimento embrionário de Gallus gallus domesticus, foram incubados ovos nas temperaturas de 34,0ºC, 37,5ºC e 40,0ºC, nos períodos de 48, 72 e 96 horas. Avaliaram-se em 81 embriões o comprimento cefalocaudal, o peso total e 6 características morfológicas, utilizando-se um protocolo referindo o desenvolvimento como padrão, acelerado ou defasado. Os dados relativos ao nível de diferenciação das estruturas embrionárias demonstram que os fatores temperatura e tempo de incubação interagem nos processos de morfogênese.

Desenvolvimento embrionário; Galináceos; Incubação; Morfogênese


With the aim to evaluate the embryonic development of Gallus gallus domesticus, hatching eggs were incubated at temperatures of 34.0ºC, 37.5ºC and 40.0ºC and in time periods of 48h; 72h and 96h. In 81 embryos, besides the head-rump length and total weight determination, 6 characteristics were evaluated through morphological scores. Median values that, at the three incubation times, differ from the standard scores, represent accelerated or retarded development. The length and developmental level of embryonic structures, increase with temperature and time elevations, characterizing the interaction in the studied factors, related with the morphogenetic processes.

Embryonic development; Fowes; Incubation; Morphogenesis


Características do desenvolvimento embrionário de Gallus gallus domesticus, em temperaturas e períodos diferentes de incubação

Features of the embryonic development of Gallus gallus domesticus in different temperatures and times of incubation

Paulo Fernando DIAS1 1 Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética do Centro de Ciências Biomédicas da UFSC - SC ; Yara Maria Rauh MÜLLER1 1 Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética do Centro de Ciências Biomédicas da UFSC - SC

Correspondência para:

Paulo Fernando Dias

Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética – CCB

Laboratório de Embriologia

Universidade Federal de Santa Catarina – Campus Universitário Trindade

88040-900 – Florianópolis – SC

e-mail: paulus@mbox1.ufsc.br

RESUMO

Objetivando avaliar o desenvolvimento embrionário de Gallus gallus domesticus, foram incubados ovos nas temperaturas de 34,0ºC, 37,5ºC e 40,0ºC, nos períodos de 48, 72 e 96 horas. Avaliaram-se em 81 embriões o comprimento cefalocaudal, o peso total e 6 características morfológicas, utilizando-se um protocolo referindo o desenvolvimento como padrão, acelerado ou defasado. Os dados relativos ao nível de diferenciação das estruturas embrionárias demonstram que os fatores temperatura e tempo de incubação interagem nos processos de morfogênese.

UNITERMOS: Desenvolvimento embrionário; Galináceos; Incubação; Morfogênese.

INTRODUÇÃO

Na moderna avicultura, em que se exige da ave o máximo de desempenho e rendimento, é fundamental o processo de incubação artificial. Mesmo considerando toda a especialização pertinente a esta área, a tarefa de transformar com qualidade o ovo em um pinto de 1 dia permanece carente de conhecimentos referentes às condições de incubação e sua relação com o processo de desenvolvimento embrionário11,12,18.

A embriogênese das aves está diretamente relacionada à temperatura de incubação, estabelecendo-se a polaridade durante a segmentação do ovo, que na galinha se processa no oviduto à temperatura de 40ºC aproximadamente21,23. Após a postura, em incubação a 37,5ºC17,completa-se o processo de gastrulação13,24 e modela-se progressivamente o organismo9,19,20. Ao final do 4º dia de incubação, evidenciam-se as flexuras e a rotação do sistema nervoso central10,16, que, juntamente com o padrão metamérico dos somitos5, arcos branquiais, membros e botão caudal4, caracterizam externamente o embrião14.

No Gallus gallus domesticus, o processo de incubação pode realizar-se em temperaturas inferiores ou superiores à considerada mais adequada à espécie. Contudo, modificações efetivas nesse fator podem alterar o padrão de desenvolvimento do organismo, com conseqüente prejuízo à taxa de eclosão2.

Níveis diferenciados no desenvolvimento dos tecidos ou sistemas, em cada temperatura de incubação, resultam em idades cronológica e estrutural distintas6,7,15. Nos estudos voltados à ação da temperatura nos processos de morfogênese, a perspectiva de viabilizar a manipulação no período de embriogênese pode representar, para o tempo total de incubação, uma relação tão importante quanto é a do peso do frango em razão do peso do ovo e do pinto ao nascer.

MATERIAL E MÉTODO

Três amostras de 27 ovos incubáveis de Gallus gallus domesticus foram mantidas nas temperaturas de 34,0ºC, 37,5ºC e 40,0ºC, subdivididas em 3 grupos de 9 unidades, correspondentes a 48, 72 e 96 horas de incubação. A umidade atmosférica relativa correspondeu a 85% aproximadamente, sendo a renovação do ar possibilitada nos 2 a 3 minutos em que a estufa permaneceu aberta, 3 a 5 vezes ao dia, para a rotação dos ovos. Decorridos aqueles períodos de incubação e após a remoção da casca e suas membranas, os embriões foram pesados e medidos no comprimento cefalocaudal. Os dados foram expressos através da média ± desvio padrão e as diferenças significativas, evidenciadas por meio da ANOVA e identificadas através do método de comparações múltiplas. Relações biologicamente relevantes entre temperatura e períodos de tempo foram representadas através da análise de regressão utilizando-se o modelo exponencial.

Cada embrião foi examinado em estereomicroscópio (20X), em relação ao desenvolvimento de flexuras do tubo neural (F), nível de rotação do corpo (R), número de somitos (S), formação dos arcos branquiais (A), morfogênese de membros (M) e nível de curvatura do botão caudal (C). As estruturas embrionárias foram avaliadas utilizando-se um protocolo8 elaborado com base em Hamburger; Hamilton14 e Eyal-Giladi9, sendo o nível de desenvolvimento estrutural caracterizado em uma escala de valores contínuos. Para as estruturas acima referidas, os valores padrão da escala nos períodos de 48, 72 e 96 horas (estádios 12HH, 20HH e 23HH)14, correspondem a:

- 48h ® F(1) + R(3) + S(5) + A(1) + M(1) + C(2) = (13);

- 72h ® F(5) + R(5) + S(10) + A(5) + M(3) + C(5) = (33);

- 96h ® F(7) + R(5) + S(10) + A(6) + M(5) + C(6) = (39).

O somatório das medianas dos valores referentes a cada estrutura, determinado em cada embrião, foi comparado com a soma correspondente ao padrão (HH), de acordo com o período, caracterizando-se por faixa de temperatura o desenvolvimento (ß) em defasado (ß-) padrão (ßp) ou acelerado (ß+).

RESULTADOS

Os registros efetuados ao término dos períodos de incubação mostraram que o menor comprimento cefalocaudal corresponde aos embriões provenientes de ovos mantidos a 34ºC por 48 horas e o maior, a 40ºC no período de 96 horas. O menor e o maior peso foram verificados em 72 horas de incubação, a 34,0ºC e 37,0ºC, respectivamente. As médias de comprimento, em cada temperatura, elevaram-se no intervalo de 48 a 96 horas de incubação.

Verificou-se diferença significativa (p<0,05) entre as médias de comprimento das 3 temperaturas, no período de tempo de 96 horas e entre as médias de peso, no período de 72 horas.

A análise de regressão, realizada através do modelo exponencial (Fig. 1), com intervalo de confiança de 95%, apontou relações de significado biológico entre as variáveis peso e comprimento na temperatura de 37,5ºC (R2 = 61,07). Nesta condição, no período inicial de incubação, a elevação no comprimento é superior ao aumento do peso e, posteriormente, esta relação se inverte.

Figura 1

Os dados referentes à mediana, baseados na morfologia embrionária nos 3 períodos de tempo, indicaram que o desenvolvimento (ß) na temperatura de 37,5ºC corresponde ao padrão (HH) e a 34ºC apresenta-se defasado (ß-). A 40ºC o desenvolvimento mostrou-se acelerado (ß+), excetuando-se o ocorrido nas 72 horas de incubação (Tab. 2 e Fig. 2).

Tabela 1

Tabela 2

Figura 2

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Os processos de morfogênese são relevantes para o estabelecimento progressivo da forma e, no período embrionário, predominam sobre as características estruturais específicas. O tamanho, o peso e as características morfológicas de um organismo podem ser representados através de medidas e escores estruturais, passíveis de caracterizar na ontogenia a influência de fatores relacionados ao ambiente de incubação3,9. Os dados referentes à biometria e morfologia (Tab. 1 e 2) demonstram que a temperatura influencia a organização das estruturas embrionárias, determinando acelerações ou retardamentos no ritmo do desenvolvimento e evidenciando um comportamento interativo com o tempo de incubação (Fig. 1 e 2).

Os resultados referentes ao comprimento cefalocaudal, no período de 96 horas de incubação (Tab. 1), e as características do sistema nervoso, somitos, membros e alantóide, expressas nos escores morfológicos (Tab. 2), indicam que, a 40ºC, há uma aceleração nos processos de morfogênese, em comparação com o ritmo de desenvolvimento ocorrido à temperatura de 34ºC. Esta condição é semelhante à descrita na literatura7, onde há registro de que embriões incubados a 40ºC desenvolveram-se duas vezes mais rápido que a 35ºC. Enquanto os dados de comprimento denotam uma elevação proporcional à cronologia da morfogênese embrionária, o mesmo não se verifica em relação ao peso (Tab. 1), onde os maiores valores pertencem à temperatura de 37,5ºC, sugerindo ser esta a mais adequada ao aumento do peso do embrião. As variações no peso das amostras observadas no estudo podem resultar de diferenças individuais, mas também sugerem que a massa corporal é alternadamente acumulada e mobilizada em função energética, durante o crescimento. A Fig. 1 mostra que o comprimento cefalocaudal e os processos de diferenciação da superfície embrionária são priorizados em relação ao acúmulo de massa corporal. Em conformidade com a literatura1, taxas máximas de crescimento são verificadas inicialmente no sistema nervoso e, após, no tecido adiposo.

As alternâncias quanto aos escores morfogenéticos, registradas nas 72 horas, a 37,5ºC e 40ºC (Tab. 1 e Fig. 2), traduzem o comportamento ondulatório da curva de desenvolvimento22, onde a diferenciação dos tecidos ou estruturas não ocorre uniformemente ao longo do tempo de incubação.

Os dados de comprimento e o nível de desenvolvimento das estruturas estudadas demonstram que, à temperatura de 40ºC, nos períodos de 48 e de 96 horas de incubação, ocorre aceleração nos processos de morfogênese embrionária.

SUMMARY

With the aim to evaluate the embryonic development of Gallus gallus domesticus, hatching eggs were incubated at temperatures of 34.0ºC, 37.5ºC and 40.0ºC and in time periods of 48h; 72h and 96h. In 81 embryos, besides the head-rump length and total weight determination, 6 characteristics were evaluated through morphological scores. Median values that, at the three incubation times, differ from the standard scores, represent accelerated or retarded development. The length and developmental level of embryonic structures, increase with temperature and time elevations, characterizing the interaction in the studied factors, related with the morphogenetic processes.

UNITERMS: Embryonic development; Fowes; Incubation; Morphogenesis.

Recebido para publicação: 28/02/1997

Aprovado para publicação: 26/02/1998

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    Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética do Centro de Ciências Biomédicas da UFSC - SC
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2000
    • Data do Fascículo
      1998

    Histórico

    • Recebido
      28 Fev 1997
    • Aceito
      26 Fev 1998
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