Acessibilidade / Reportar erro

Aspectos morfológicos e citoquímicos dos glóbulos sangüíneos de Caiman crocodilus yacare (Daudin, 1802) (Reptilia, Crocodilia)

Morphological and cytochemical observations of blood cells of Caiman crocodilus yacare (Daudin, 1802) (Reptilia, Crocodilia)

Resumos

Foram utilizados 10 jacarés Caiman crocodilus yacare, colhendo-se 5 ml do sangue periférico de cada animal. A análise morfológica foi realizada após coloração por Leishman. Para estudo citoquímico, empregaram-se os métodos do PAS, do Sudan black B, da o-toluidina e do azul de bromofenol. Foram identificados 7 tipos celulares: eritrócitos, trombócitos, heterófilos, eosinófilos, basófilos, linfócitos e monócitos azurófilos. Os eritrócitos nucleados apresentam formato elíptico com atividade mitótica e positividade citoplasmática para o azul de bromofenol. Os trombócitos são de formato elíptico, com citoplasma abundante nos pólos, contendo grânulos de glicogênio e núcleo com sulcos profundos. Heterófilos, grosseiramente esféricos, mostram núcleo esférico excêntrico e citoplasma repleto de grânulos corados em salmão, de formato fusiforme, em baqueta, oval ou esférico. A citoquímica nestas células revelou a presença de glicogênio, grânulos citoplasmáticos positivos para azul de bromofenol e parcialmente sudanófilos e positivos para mieloperoxidase. Eosinófilos mostram-se esféricos com núcleo lenticular excêntrico e citoplasma com grânulos esféricos ou ovais róseos positivos para Sudan e mieloperoxidase, porém fracamente para o azul de bromofenol. Basófilos apresentam formato esférico, de tamanho menor em relação aos demais granulócitos, núcleo esférico central e citoplasma com poucos grânulos fortemente basófilos. Linfócitos mostram-se polimórficos com núcleo de formato irregular, citoplasma escasso com projeções e grânulos azurófilos. Monócito azurófilo, de formato esférico, núcleo excêntrico e citoplasma basófilo contendo grânulos azurófilos abundantes.

Caiman crocodilus yacare; Células sangüíneas; Morfologia; Citoquímica


Samples of peripheral blood were collected from 10 healthy Caiman crocodilus yacare and stained with Leishman, for morphological analysis, or submitted to the following cytochemical methods: PAS, Sudan black B, o-toluidine and mercury bromophenol blue. Seven types of cells were identified: erythrocytes, thrombocytes, heterophils, eosinophils, basophils, lymphocytes and azurofilic monocytes. Erythrocytes were elliptical and positive for bromophenol blue. Some mitotic figures were noted. Spindle-shaped thrombocytes showed large nucleus with striking indentation. The cytoplasm was attenuated at one or both poles into knob-like projections containing glycogen. Heterophils revealed round eccentric nuclei and cytoplasm containing glycogen and many polymorphic granules. These granules showed partial positive reaction for Sudan and activity for myeloperoxidase. Eosinophils showed eccentrically located lenticular-shaped nuclei and numerous round granules stained positive with myeloperoxidase and Sudan. Basophils revealed a round central nuclei and cytoplasm with few basophilic round granules. Lymphocytes appeared as polygonal or irregular cells with thin cytoplasm forming bleb-like protrusions. Azurophilic monocytes were round with eccentrically located nuclei and basophilic cytoplasm containing numerous azurophilic granules.

Caiman crocodilus yacare; Blood cells; Morphology; Cytochemistry


Aspectos morfológicos e citoquímicos dos glóbulos sangüíneos de Caiman crocodilus yacare (Daudin, 1802) (Reptilia, Crocodilia)* * Subvencionado por CNPq, CAPES e FAPESP. 1 Departamento de Morfologia da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP – SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP – SP

Morphological and cytochemical observations of blood cells of Caiman crocodilus yacare (Daudin, 1802) (Reptilia, Crocodilia)

Weber Leal de MOURA1 * Subvencionado por CNPq, CAPES e FAPESP. 1 Departamento de Morfologia da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP – SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP – SP ; Eliana Reiko MATUSHIMA2 * Subvencionado por CNPq, CAPES e FAPESP. 1 Departamento de Morfologia da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP – SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP – SP ; Luiz Waldemar OLIVEIRA1 * Subvencionado por CNPq, CAPES e FAPESP. 1 Departamento de Morfologia da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP – SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP – SP ; Mizue Imoto EGAMI1 * Subvencionado por CNPq, CAPES e FAPESP. 1 Departamento de Morfologia da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP – SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP – SP

Correspondência para:

Weber Leal de Moura

Departamento de Medicina da Escola Paulista de Medicina

Universidade Federal de São Paulo

Rua Botucatu, 740 – Vila Clementino

04023-062 – São Paulo – SP

e-mail: webermoura.dmed@epm.br

RESUMO

Foram utilizados 10 jacarés Caiman crocodilus yacare, colhendo-se 5 ml do sangue periférico de cada animal. A análise morfológica foi realizada após coloração por Leishman. Para estudo citoquímico, empregaram-se os métodos do PAS, do Sudan black B, da o-toluidina e do azul de bromofenol. Foram identificados 7 tipos celulares: eritrócitos, trombócitos, heterófilos, eosinófilos, basófilos, linfócitos e monócitos azurófilos. Os eritrócitos nucleados apresentam formato elíptico com atividade mitótica e positividade citoplasmática para o azul de bromofenol. Os trombócitos são de formato elíptico, com citoplasma abundante nos pólos, contendo grânulos de glicogênio e núcleo com sulcos profundos. Heterófilos, grosseiramente esféricos, mostram núcleo esférico excêntrico e citoplasma repleto de grânulos corados em salmão, de formato fusiforme, em baqueta, oval ou esférico. A citoquímica nestas células revelou a presença de glicogênio, grânulos citoplasmáticos positivos para azul de bromofenol e parcialmente sudanófilos e positivos para mieloperoxidase. Eosinófilos mostram-se esféricos com núcleo lenticular excêntrico e citoplasma com grânulos esféricos ou ovais róseos positivos para Sudan e mieloperoxidase, porém fracamente para o azul de bromofenol. Basófilos apresentam formato esférico, de tamanho menor em relação aos demais granulócitos, núcleo esférico central e citoplasma com poucos grânulos fortemente basófilos. Linfócitos mostram-se polimórficos com núcleo de formato irregular, citoplasma escasso com projeções e grânulos azurófilos. Monócito azurófilo, de formato esférico, núcleo excêntrico e citoplasma basófilo contendo grânulos azurófilos abundantes.

UNITERMOS: Caiman crocodilus yacare; Células sangüíneas; Morfologia; Citoquímica.

INTRODUÇÃO

Atualmente o jacaré-do-pantanal (Caiman crocodilus yacare) tem despertado interesse econômico por parte de pecuaristas, que passaram a criá-lo em cativeiro. Como se trata de um animal silvestre, a criação em regime de confinamento leva à necessidade do conhecimento da fisiopatologia e, também, da hematologia deste animal.

Em 1917, Reese19 publicou artigo em que relatava suas observações sobre as células do sangue de Alligator mississipiensis, um membro da família à qual pertence também Caiman crocodilus yacare. Suas investigações restringiram-se à descrição dos aspectos morfológicos de eritrócitos e leucócitos.

Dawson5 deu importante contribuição ao estudo das células eritrocíticas nucleadas de vertebrados, quando demonstrou, com rica documentação fotográfica, a capacidade que possuíam tais células de realizar mitoses no próprio sangue circulante.

Os sete tipos de elementos figurados conhecidos hoje, no sangue de crocodilianos, foram descritos em Crocodilus rhombifer22. O autor relatou a presença de eritrócitos, trombócitos, linfócitos típicos e atípicos, monócitos pequenos e grandes, granulócitos, compreendendo as formas acidófilas (eosinófilos e neutrofilóides) e basófilos. Nos granulócitos, os grânulos acidófilos foram descritos como sendo esféricos ou fusiformes, estes referidos como formas "cristalóides". Núcleo único, não-segmentado, situado excentricamente foi observado nas formas neutrofilóides e nos eosinófilos. Relatou também não ter encontrado neutrófilos verdadeiros, típicos, e referiu-se à fragilidade celular das formas neutrofilóides nos preparados corados.

A distinção entre dois tipos de granulócitos acidófilos foi a principal preocupação de Ryerson20, quando estudou sangue de tartaruga. Após análise ampla e minuciosa, chegou à importante conclusão de que existem duas séries citogenéticas distintas quanto aos granulócitos acidófilos que foram por ele classificados em dois tipos: eosinófilos e heterófilos.

Uma das maiores contribuições ao estudo das células sangüíneas de crocodilianos, entretanto, foi proporcionada por Mateo et al.14. Esses autores realizaram detalhados estudos morfológico e citoquímico, além de demonstrarem in vitro a capacidade de certas células sangüíneas de Alligator mississipiensis de fagocitarem bactérias quando expostas, por exemplo, a uma amostra de Staphylococcus aureus vivos.

Desse modo, decidimos realizar este trabalho com o objetivo de esclarecer a morfologia e alguns aspectos da citoquímica de Caiman crocodilus yacare.

MATERIAL E MÉTODO

Foram utilizados dez exemplares, jovens, do jacaré da espécie Caiman crocodilus yacare. De cada animal foram colhidos 5 ml de sangue por punção do seio venoso cervical na presença de EDTA, utilizados para a realização das extensões sangüíneas, sendo estas submetidas a coloração para análise morfológica por Leishman e a diversos métodos citoquímicos: demonstração do glicogênio (PAS)16, com controle de especificidade por tratamento com amilase salivar13, demonstração da mieloperoxidase pelo método da orto-toluidina-peróxido de hidrogênio11, identificação de lipídios pelo Sudan black B13 e identificação de proteínas pelo azul de bromofenol15.

RESULTADOS

Morfológicos

Os eritrócitos apresentaram forma elíptica. O citoplasma é abundante, ocupando cerca de 80% da célula, apresentando-se acidófilo, de tonalidade rósea ou alaranjada. O núcleo, basófilo, de cromatina condensada, apresenta predominantemente a forma elíptica e ocupa a posição central da célula. Eritrócitos de maior tamanho com núcleos esféricos vesiculosos e formas arredondadas também são ocasionalmente encontrados. Além da forma elíptica típica predominante, foram observados eritrócitos menores com aspecto "em gota" e núcleo de cromatina condensada, aspecto característico da fase final da citocinese.

Os trombócitos são predominantemente elípticos, podendo também apresentar, às vezes, forma menos alongada. O citoplasma hialino pode variar em volume, sendo preferencialmente mais abundante nos pólos. Em outros casos é escasso. Em certos trombócitos, nota-se nitidamente a presença de alguns grânulos azurófilos no citoplasma. O núcleo, em violeta, apresenta acentuada variação quanto ao aspecto morfológico, sendo, porém, geralmente elíptico, muitas vezes com chanfradura, indentação ou sulcos; a localização comumente é central.

Os heterófilos apresentam tamanho grande e forma de esférica a oval ou irregular. O citoplasma de maneira geral é abundante, repleto de grânulos compactos, cuja acidofilia varia na sua intensidade, dependendo do aspecto do grânulo, corando-se na tonalidade rósea escura ou salmão. Quanto à morfologia, os grânulos mostram aspectos extremamente variados, tanto no que se refere à intensidade de cor, quanto a sua forma, podendo ser esféricos, fusiformes intensamente corados, ou ainda em forma de bastão, de baqueta ou oval. Há nítida predominância dos fusiformes em relação aos demais. O núcleo esférico, em geral vesiculoso, é de localização excêntrica ou periférica (Fig. 1).

Figura 1

O eosinófilo em geral possui forma esférica. O citoplasma é abundante e homogeneamente preenchido por grânulos acidófilos, compactos, aproximadamente esféricos, ovais ou alongados, corados em róseo, de tonalidade relativamente homogênea. O núcleo, de cor violeta, é geralmente esférico ou lenticular e está situado em posição excêntrica, podendo se apresentar eventualmente bilobulado (Fig. 2).

Figura 2

Os basófilos possuem forma esférica e são de tamanho menor quando comparados aos demais leucócitos granulócitos. O citoplasma apresenta poucos grânulos, quando comparado aos demais tipos de granulócitos, de forma esférica, fortemente basófilos, de tamanho variável e, quando dispostos sobre o núcleo, podem até impossibilitar a distinção do seu contorno. Em algumas células, devido à escassez dos grânulos, é possível a caracterização de um núcleo esférico central corado em violeta.

Os linfócitos apresentam grande variação quanto ao tamanho e à forma. É freqüente a presença de células de aspecto irregular ou mesmo esféricas. O citoplasma é escasso, basófilo, com grânulos azurófilos, exibindo comumente projeções citoplasmáticas.

O monócito azurófilo apresenta formato esférico, podendo às vezes mostrar contorno irregular. No citoplasma intensamente basófilo, observam-se grânulos citoplasmáticos fortemente basófilos e azurófilos. O núcleo basófilo, grosseiramente esférico, em geral com contorno irregular, ocupa posição excêntrica (Fig. 3).

Figura 3

Citoquímicos

O glicogênio foi observado sob a forma de pequenos grânulos de cor magenta, principalmente na periferia, em heterófilos. Nos trombócitos elípticos, forma predominante, apresenta-se como uma massa compacta, volumosa, localizada em um ou ambos os pólos da célula e corada intensamente em magenta. Em outros trombócitos, este polissacarídeo mostra-se na forma de pequenos grânulos de cor magenta, localizados ao redor do núcleo (Fig. 4).

Figura 4

A mieloperoxidase é observada no citoplasma dos heterófilos e dos eosinófilos. A reação positiva se manifesta sob a forma de precipitados de cor marrom, como grânulos esféricos compactos nos eosinófilos, e, principalmente, com aspecto fusiforme ou puntiforme, nos heterófilos (Fig. 5).

Figura 5

Quanto aos lipídios, a reação positiva mostra grânulos compactos homogêneos, de tonalidade cinza e preta, nos eosinófilos. Nos heterófilos (Fig. 6), somente alguns grânulos, principalmente os fusiformes, reagiram fortemente corando-se em preto, distribuídos de forma característica, freqüentemente radiada.

Figura 6

Em relação às proteínas em geral, foi observada reação nitidamente positiva no citoplasma dos eritrócitos e nos grânulos dos heterófilos. Os eosinófilos apresentaram reação também positiva e homogênea nos grânulos, porém de fraca intensidade. Nos heterófilos, os grânulos citoplasmáticos mostraram-se puntiformes, intensamente corados ou alongados, de coloração mais fraca.

DISCUSSÃO

Quanto ao estudo morfológico de eritrócitos em répteis e à multiplicação no sangue circulante, é referido que os eritrócitos do crocodilídeo Alligator mississipiensis, denominados de células vermelhas19, apresentaram núcleo central e freqüentemente figuras de mitose. Em sangue de urodelos normais5, observaram-se células semelhantes àquelas anteriormente citadas, que também apresentavam atividade mitótica, chamando-as de eritrócitos. Descrição morfológica semelhante foi feita22 para o réptil Crocodilus rhombifer. Já os eritrócitos do réptil Testudo ibera9 foram divididos em dois grupos, sendo que somente um deles apresentou mitoses freqüentemente. Em répteis18 do gênero Crocodilus, foram descritos como sendo elípticos, com núcleo esférico picnótico intensamente corado, citoplasma acidófilo, e a eritropoiese e a maturação das células vermelhas podendo ocorrer em vários órgãos e também na circulação periférica. Para répteis21 em geral, as formas matura, imatura e figuras de mitose podem estar presentes. Em Sphenodon punctatus6, além das formas ditas normais, foram encontradas algumas em processo de mitose. Na espécie Alligator mississipiensis14, foram observados eritrócitos de citoplasma homogêneo, núcleo geralmente central, alguns com citoplasma apresentando policromasia e raras figuras de mitose. Os eritrócitos da tartaruga terrestre1Gopherus agassizii apresentam o mesmo padrão morfológico descrito pelos autores citados anteriormente, tendo sido classificados, entretanto, em maturos e imaturos. No trabalho ora realizado, os resultados foram compatíveis com aqueles encontrados na literatura supracitada, inclusive no que diz respeito à presença de células em diversas fases do ciclo celular.

Um outro tipo celular, de formato elíptico e menor que os eritrócitos, foi descrito no sangue da tartaruga terrestre Testudo ibera9, descritos como "corpos fusiformes de Jolly". Foram encontradas12 células semelhantes no sangue de um lagarto, chamadas de trombócitos, sendo posteriormente descritas em répteis21 em geral como sendo ovais e pequenas, de núcleo alongado, central e altamente cromofílico, com citoplasma escasso, contendo grânulos azurófilos. Os mesmos resultados morfológicos foram descritos para répteis10,14, acrescentando que os trombócitos apresentaram atividade coaguladora e fagocitaram bactérias. Em relação ao aspecto morfológico dos trombócitos de Caiman crocodilus yacare, os resultados são consonantes com a literatura1,25.

No que diz respeito aos glóbulos brancos, é referido que, em sangue de Crocodilus rhombifer22, foram observados linfócitos, monócitos e células chamadas de "elementos granulados", classificados em três subtipos: "neutrofilóides", eosinófilos e basófilos.

Em relação à nomenclatura, os leucócitos granulócitos de tartaruga20, antes denominados de "neutrofilóides", possuidores de grânulos fusiformes, passaram a ser chamados de heterófilos. Essas células possuem núcleo localizado perifericamente, em oposição ao granulócito de grânulos arredondados, que corresponderiam aos eosinófilos. Em répteis18, foi estabelecida a divisão dos granulócitos não-basófilos em dois tipos, preferindo-se denominar de eosinófilo tipo um aquele com grânulos fusiformes e, eosinófilo tipo dois, com grânulos esféricos. Os granulócitos não-basófilos07 de Agama stellio foram divididos em "células de grânulos grandes fusiformes" e "células de grânulos grandes esféricos". Saint-Girons21 dividiu os granulócitos não-basófilos em eosinófilos de grânulos cilíndricos e eosinófilos de grânulos arredondados, enquanto Desser6 os chamou de eosinófilos e neutrófilos. Verma; Banerjee24 afirmaram que os granulócitos não-basófilos da tartaruga indiana podem ser eosinófilos de grânulos fusiformes ou eosinófilos de grânulos esferóides. Já Glassman et al.10 utilizaram os termos heterófilo e neutrófilo como sendo sinônimos, e descreveram essas células no Alligator mississipiensis como possuindo núcleo não-segmentado, contendo grânulos fagocíticos que aumentavam de quantidade nos processos infecciosos; em contraposição, o eosinófilo apresentava núcleo ovóide e seus grânulos citoplasmáticos forma angular, corando-se em amarelo-laranja. Mateo et al.14 descreveram heterófilos de Alligator mississipiensis como células arredondadas ou ovais, núcleo lenticular, oval ou raramente bilobulado, ocupando posição geralmente excêntrica; o citoplasma contém grande quantidade de grânulos corados em salmão que podem apresentar arranjo radial com configuração "em estrela" próximo ao núcleo; em contraposição, os eosinófilos teriam forma oval ou, ocasionalmente, arredondada; núcleo lenticular ou oval localizado em um dos pólos da célula; os grânulos citoplasmáticos seriam de coloração róseo-brilhante. As células descritas como heterófilos e eosinófilos por Mateo et al.14 foram chamadas, respectivamente, de neutrófilo e eosinófilo por Wood; Ebanks25, heterófilo e eosinófilo por Alleman et al.1 para Gopherus agassizii e grandes eosinófilos e pequenos eosinófilos por Cannon2 para Lepidochelys kempi. No presente trabalho preferimos as denominações de heterófilo e eosinófilo para a caracterização dos granulócitos acidófilos porque dos animais acima referidos aquele que mais se aproxima filogenicamente de Caiman crocodilus yacare é o Alligator mississipiensis, cujos leucócitos heterófilo e eosinófilo mostraram14 características morfológicas e tintoriais que coincidiram amplamente com os nossos achados.

Os basófilos foram descritos em Crocodilus rhombifer22 como células cujo citoplasma é tão rico em "grânulos de coloração basofílica", que se torna difícil observar o núcleo1,2,6,10,12,14,17,18,21,24,25. Em relação aos basófilos que observamos em C. crocodilus yacare, nossos dados coincidiram com os da literatura acima no que se refere à descrição morfológica e às propriedades tintoriais.

Em Alligator mississipiensis, foram descritas células pequenas19, de citoplasma escasso, contendo pequenos grânulos azurófilos e que poderiam corresponder aos linfócitos humanos. Vários autores confirmaram tal descrição6,7,9,10,12,18,22,24. Mateo et al.14 concordaram com tais autores acrescentando, porém, que essas células do Alligator mississipiensis apresentaram formato geralmente esférico ou oval, podendo ser irregular ou poligonal, com núcleo grande violeta e projeções citoplasmáticas1,2,14,25, tal como em Caiman crocodilus yacare.

Um outro tipo de célula do sangue pesquisado19 em Alligator mississipiensis foi o dos leucócitos mononucleares. Esses foram classificados em monócitos pequenos e monócitos grandes22 em Crocodilus rhombifer. Zylbersac26 relatou ter encontrado células "da série monocitiforme" no sangue de Lacerta muralis. Pienaar18, pesquisando Cordylus vittifer, usou o termo monócito para se referir à célula anteriormente descrita, tal como para Agama stellio7, acreditando tratar-se de uma célula fagocítica. Saint-Girons21 afirmou a existência de um subtipo de monócito que chamou de granulócito azurófilo6,14,24. Alleman et al.1 classificam os monócitos de Gopherus agassizii em tipo I e tipo II, relatando a presença de grânulos azurófilos pequenos no segundo. No trabalho ora realizado, encontramos também dois subtipos deste leucócito que preferimos denominar simplesmente de monócito azurófilo, possivelmente equivalente ao monócito tipo 2 referido por Alleman et al.1.

No que diz respeito à citoquímica e consultando a literatura específica, constatamos que foi detectada a presença de glicogênio em células do sangue do réptil Cordilus vittifer18 em eosinófilos tipo 1 e substância PAS positiva resistente à amilase7 em eosinófilo de Agama stellio. Desser6 encontrou glicogênio em heterófilos, eosinófilos e basófilos de Sphenodon punctatus. Caxton-Martins; Nganwuchu4 observaram a referida substância em todos os tipos de granulócitos, bem como nos monócitos e linfócitos de Agama agama. Mateo et al.14 detectaram depósitos de glicogênio em heterófilos, eosinófilos, basófilos, linfócitos, monócitos e trombócitos de Alligator mississipiensis. Em sangue1 de Gopherus agassizii, observou-se a presença de glicogênio somente em trombócitos. Cannon2 detectou glicogênio nos "grandes eosinófilos" e nos linfócitos de Lepidochelys kempi. Neste trabalho, foi observada a presença de glicogênio apenas em trombócitos e heterófilos, o que vem confirmar os resultados da maioria dos autores acima e particularmente aqueles encontrados em Alligator mississipiensis, espécie animal que mais se assemelha à do presente estudo.

A presença da mieloperoxidase foi detectada no sangue em estudo nos grânulos de eosinófilos e em parte dos grânulos dos heterófilos, concordando com vários autores1,2,6,14. Foi observada sudanofilia nos grânulos citoplasmáticos dos eosinófilos e dos heterófilos, característica devida à constituição fosfolipídica da membrana. Entretanto, nem todos os grânulos do heterófilo desse animal mostraram-se reativos, o que caracteriza diferenças existentes na constituição dos componentes membranosos entre os próprios grânulos citoplasmáticos neste tipo de célula. Resultado também positivo foi obtido principalmente em granulócitos ou tipos de leucócitos equivalentes por outros autores2,3,4,7,18. Considerando-se os tipos celulares que mostraram sudanofilia e aqueles que foram positivos para a mieloperoxidase, é surpreendente a superposição dos resultados. A coincidência se estende também no que diz respeito ao padrão de distribuição desses grânulos, em disposição "radiada" ou "em estrela", observada no estudo morfológico, e que foram sudanófilos, coincidindo também com aqueles que mostraram reação positiva para mieloperoxidase, sugerindo serem grânulos correspondentes. Esse padrão de disposição característica dos grânulos dos heterófilos foi descrito também14 para Alligator mississipiensis.

Em nosso material foram identificadas proteínas nas células em geral, porém mais intensamente em grânulos de heterófilos e no citoplasma dos eritrócitos, indicando que, principalmente os grânulos de heterófilos, são ricos em proteínas enzimáticas e possivelmente também estruturais e catiônicas23. Resultados semelhantes foram obtidos7 para Agama stellio e Bothrops jararaca8, nos granulócitos ou em tipos equivalentes de leucócitos, conforme a espécie animal.

CONCLUSÕES

1. Foram identificados 7 tipos celulares no sangue periférico do crocodilídeo Caiman crocodilus yacare, a saber: eritrócitos, trombócitos, heterófilos, eosinófilos, basófilos, linfócitos e monócitos;

2. Os eritrócitos são nucleados, de formato elíptico; os trombócitos possuem formato elíptico, núcleo com chanfraduras e sulcos; os heterófilos apresentam núcleo esférico, excêntrico e citoplasma abundante em grânulos acidófilos com ampla variação em forma e tamanho; os eosinófilos mostram núcleo esférico, excêntrico e ocasionalmente bilobulado e citoplasma abundante em grânulos acidófilos grosseiramente esféricos; os basófilos são pequenos, esféricos, com núcleo central e citoplasma contendo grânulos de basofilia intensa; os linfócitos apresentam grande variação em tamanho e forma, sendo o citoplasma basófilo, com nítidas projeções; os monócitos azurófilos são esféricos, com núcleo excêntrico, de contorno irregular e citoplasma intensamente basófilo com presença de grânulos azurófilos;

3. Os trombócitos e os heterófilos contêm glicogênio no citoplasma. Há presença da enzima mieloperoxidase e reação positiva para Sudan nos grânulos de heterófilos e de eosinófilos; reação nitidamente positiva para proteínas nos grânulos de heterófilos e no citoplasma de eritrócitos.

SUMMARY

Samples of peripheral blood were collected from 10 healthy Caiman crocodilus yacare and stained with Leishman, for morphological analysis, or submitted to the following cytochemical methods: PAS, Sudan black B, o-toluidine and mercury bromophenol blue. Seven types of cells were identified: erythrocytes, thrombocytes, heterophils, eosinophils, basophils, lymphocytes and azurofilic monocytes. Erythrocytes were elliptical and positive for bromophenol blue. Some mitotic figures were noted. Spindle-shaped thrombocytes showed large nucleus with striking indentation. The cytoplasm was attenuated at one or both poles into knob-like projections containing glycogen. Heterophils revealed round eccentric nuclei and cytoplasm containing glycogen and many polymorphic granules. These granules showed partial positive reaction for Sudan and activity for myeloperoxidase. Eosinophils showed eccentrically located lenticular-shaped nuclei and numerous round granules stained positive with myeloperoxidase and Sudan. Basophils revealed a round central nuclei and cytoplasm with few basophilic round granules. Lymphocytes appeared as polygonal or irregular cells with thin cytoplasm forming bleb-like protrusions. Azurophilic monocytes were round with eccentrically located nuclei and basophilic cytoplasm containing numerous azurophilic granules.

UNITERMS: Caiman crocodilus yacare; Blood cells; Morphology; Cytochemistry.

Recebido para publicação: 21/08/1997

Aprovado para publicação: 18/06/1998

  • 1
    - ALLEMAN, A.R.; JACOBSON, E.R.; RASKIN, R.E. Morphologic and cytochemical characteristics of blood cells from the desert tortoise (Gopherus agassizii). American Journal of Veterinary Research, v.53, n.9, p.1645-51, 1992.
  • 2
    - CANNON, M.S. The morphology and cytochemistry of the blood leukocytes of Kemp’s ridley sea turtle (Lepidochelys kempi). Canadian Journal of Zoology, v.70, p.1336-40, 1992.
  • 3
    - CAXTON-MARTINS, A.E. Cytochemistry of blood cells in peripheral smears of some West African reptiles. Journal of Anatomy, v.124, n.2, p.393-400, 1977.
  • 4
    - CAXTON-MARTINS, A.E.; NGANWUCHU, A.M. A cytochemical study of the blood of the rainbow lizard (Agama agama). Journal of Anatomy, v.125, n.3, p.477-80, 1978.
  • 5
    - DAWSON, A.B. Differentiation and multiplication by mitosis of cells of the erythrocyte series in the circulating blood of several normal urodeles. The Anatomical Record, v.45, p.177-87, 1930.
  • 6
    - DESSER, S.S. Morphological, cytochemical, and biochemical observations on the blood of the tuatara, Sphenodon punctatus New Zealand Journal of Zoology, v.5, p.503-8, 1978.
  • 7
    - EFRATI, P.; NIR, E.; YAARI, A. Morphological and cytochemical observations on cells of the hemopoietic system of Agama stellio (Linnaeus). Israel Journal of Medical Sciences, v.6, n.1, p.23-31, 1970.
  • 8
    - EGAMI, M.I.; SASSO, W.S. Cytochemical observations of blood cells of Bothrops jararaca (Reptilia, Squamata). Revista Brasileira de Biologia, v.48, n.2, p.155-9, 1988.
  • 9
    - GIROD, C.; LEFRANC, G. Recherches sur la cytologie sanguine des reptiles: le sang normal de Testudo ibera (Pal.). Comptes Rendue Séance de la Societé de Biologie, v.152, p.490-4, 1958.
  • 10
    - GLASSMAN, A.B.; BENNETT, C.E.; HAZEN, T.C. Peripheral blood components in Alligator mississippiensis Transaction of the American Microscopy Society, v.100, p.210-15, 1981.
  • 11
    - JACOBS, A. Staining for leucocyte peroxidase. Lancet, v.1, p.697, 1958.
  • 12
    - KELLY, J.W.; BOSEILA, A.W.; CAVAZOS, L.F. Hematology of the horned lizard, especially blood basophils and tissue mast cell. Acta Haematologica, v.26, p.378-84, 1961.
  • 13
    - LISON, L. Lipides et lipoproteines. In: LISON, L. Histochimie et cytochimie animales Principes et méthodes. Paris : Gauthier-Villares, 1960. V.2. p.449-530.
  • 14
    - MATEO, M.R.; ROBERTS, E.D.; ENRIGHT, F.M. Morphologic, cytochemical, and functional studies of peripheral blood cells of young healthy American alligators (Alligator mississippiensis). American Journal of Veterinary Research, v.45, n.5, p.1046-53, 1984.
  • 15
    - MAZIA, D.; BREWER, P.A.; ALFERT, M. The cytochemical staining and measurement of protein with mercuric bromophenol blue. Biological Bulletin, v.104, p.57-67, 1953.
  • 16
    - McMANUS, J.F.A. Histological demonstration of mucin after periodic acid. Nature, v.158, p.202, 1946.
  • 17
    - MEAD, K.F.; BORYSENKO, M.; FINDLAY, S.R. Naturally abundant bosophils in the snapping turtle, Chelydra serpentina, posses cytophilic surface antibody with reaginic function. Journal of Immunology, v.130, n.1, p.334-40, 1983.
  • 18
    - PIENAAR, U.d.V. Haematology of some south African reptiles. Johannesburg : Witwatersrand Univ. Press, 1962.
  • 19
    - REESE, A.M. The blood of Alligator mississipiensis The Anatomical Record, v.13, p.37-44, 1917.
  • 20
    - RYERSON, D.L. Separation of the two acidophilic granulocytes of turtle blood, with suggested phylogenetic relationships. The Anatomical Record, v.85, p.25-48, 1943.
  • 21
    - SAINT-GIRONS, M.C. Morphology of the circulating blood cells. In: GANS C.; PARSONS T. Biology of the reptilia New York : Academic Press, 1970. p.73-92.
  • 22
    - SLONIMSKI, P. Les éléments figurés du sang chez le crocodile (Crocodilus rhombifer). Comptes Rendue Séance de la Societé de Biologie de Varsovie, v.119, p.1206-8, 1935.
  • 23
    - SPITZNAGEL, J.K.; CHI, H-Y. Cationic proteins and antibacterial properties of infected tissues and leukocytes. American Journal of Pathology, v.43, p.697-711, 1963.
  • 24
    - VERMA, G.K.; BANERJEE, V. The leukocytes of a common indian turtle, Trionyx gangeticus Annals of Zoology, v.14, p.33-46, 1980.
  • 25
    - WOOD, F.E.; EBANKS, G.K. Blood cytology and hematology of the green sea turtle, Chelonia mydas Herpetologica, v.40, p.331-6, 1984.
  • 26
    - ZYLBERSZAC, S. Sur la nature des leucocytes réticulaires et spongieux du sang des reptiles. Comptes Rendue Séance de la Societé de Biologie, v.126, p.97-8, 1937.
  • *
    Subvencionado por CNPq, CAPES e FAPESP.
    1 Departamento de Morfologia da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP – SP
    2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP – SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2000
    • Data do Fascículo
      1999

    Histórico

    • Aceito
      18 Jun 1998
    • Recebido
      21 Ago 1997
    Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia / Universidade de São Paulo Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87, Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, 05508-270 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 3091-7636, Fax: +55 11 3031-3074 / 3091-7672 / 3091-7678 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: brazvet@edu.usp.br