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Emprego de escama de sardinha (Sardinella brasiliensis - STEIDACHNER, 1859), conservada em glicerina, em ceratoplastias lamelares experimentais em cães

The use of the sardine scale (Sardinella brasiliensis - STEIDACHNER, 1859), preserved in glicerine, in experimental lamellar keratoplasties in dogs

Resumos

Estudou-se experimentalmente a escama de sardinha (Sardinella brasiliensis) como substituto de córneas no reparo de ceratectomias superficiais em cães. Utilizaram-se 14 animais, machos e fêmeas, sem raça definida, com peso médio de 10 kg, considerados sadios. Analisaram-se, macro e microscopicamente, as córneas receptoras bem como o material implantado aos 1, 3, 7, 14, 30 e 60 dias de pós-operatório. As evidências clínicas para a enxertia lamelar mostraram fotofobia e blefarospasmo mais incidentes nos períodos iniciais e intermediários, com tendência à regressão nos tardios. Revelaram edema discreto e igualmente regressivo; neoformação vascular mais incidente nas fases intermediárias e pouco nas tardias. O estudo microscópico evidenciou quadro reacional compatível com "padrão benigno" a exemplo do que fora visto macroscopicamente. Ambos retrataram boa adesividade da "prótese", epitélio e estroma neoformados, sob e sobrepostos a ela. A transparência das córneas receptoras, junto às zonas de enxertia, manteve-se por 14 dias. Para a enxertia interlamelar, observou-se quadro reacional pouco significativo. Para ambas as enxertias, não foram observados sinais de extrusão do material implantado. A escama de sardinha pode ser empregada para fins tectônicos, com bons resultados em ceratoplastias lamelares em cães.

Córnea; Cães; Escama; Transplante de córnea; Sardinha


Sardine scales (Sardinella brasiliensis) were experimentally studied as a corneal substitute in keratectomy in dogs. For this purpose, fourteen healthy male and female mongrel dogs, with an average weight of ten kilograms, were used. The recipient corneas and the implanted material were examined macro- and microscopically at 1, 3, 7, 14, 30 and 60 postoperative days. The clinical evidence for the lamellar graft showed a higher incidence of photophobia and blepharospasm during the early and intermediate postoperative periods, tending to regress during later phases. The corneas showed a mild and equally regressive edema, a more proeminent neovascularization during the intermediate periods and rare neovascularization at the later ones. The microscopic study demonstrated a "benign pattern" of reaction signs. Moreover, both studies showed good adhesiveness of the "prosthesis", and neoformed epithelium and neoformed stroma beneath and above the prosthesis. The transparency of the recipient corneas close to the graft areas was maintained for fourteen days. For the interlamellar procedure, the phenomena showed an evident "benign pattern" with non-significant reaction signs. There were no signs of extrusion of the prosthesis. The sardine scale can be used with good results in lamellar keratoplasties in dogs for tectonic effects.

Cornea; Dogs; Scale; Corneal transplantation; Sardines


Emprego de escama de sardinha (Sardinella brasiliensis - STEIDACHNER, 1859), conservada em glicerina, em ceratoplastias lamelares experimentais em cães

The use of the sardine scale (Sardinella brasiliensis - STEIDACHNER, 1859), preserved in glicerine, in experimental lamellar keratoplasties in dogs

José Luiz LAUS1 a 1 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de Jaboticabal, Jaboticabal - SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, Ribeirão Preto - SP 3 Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da Faculdade de Odontologia da UNESP, Campus de Araçatuba, Araçatuba - SP Amplictil - Rhodia. b Thionembutal - Abbott. c Halothano - Cristália. d Mononylon 9-0 - Cirumédica. e Mononylon 4-0 - Cirumédica. f Epitezan oculum - Frumtost. ; Afonso Luis FERREIRA2 a 1 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de Jaboticabal, Jaboticabal - SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, Ribeirão Preto - SP 3 Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da Faculdade de Odontologia da UNESP, Campus de Araçatuba, Araçatuba - SP Amplictil - Rhodia. b Thionembutal - Abbott. c Halothano - Cristália. d Mononylon 9-0 - Cirumédica. e Mononylon 4-0 - Cirumédica. f Epitezan oculum - Frumtost. ; Alexandre Lima de ANDRADE3 a 1 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de Jaboticabal, Jaboticabal - SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, Ribeirão Preto - SP 3 Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da Faculdade de Odontologia da UNESP, Campus de Araçatuba, Araçatuba - SP Amplictil - Rhodia. b Thionembutal - Abbott. c Halothano - Cristália. d Mononylon 9-0 - Cirumédica. e Mononylon 4-0 - Cirumédica. f Epitezan oculum - Frumtost.

CORRESPONDÊNCIA PARA:

José Luiz Laus

Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária

Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP

Campus de Jaboticabal

Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane, s/n

14884-900 – Jaboticabal – SP

e-mail: jllaus@fcav.unesp.br

RESUMO

Estudou-se experimentalmente a escama de sardinha (Sardinella brasiliensis) como substituto de córneas no reparo de ceratectomias superficiais em cães. Utilizaram-se 14 animais, machos e fêmeas, sem raça definida, com peso médio de 10 kg, considerados sadios. Analisaram-se, macro e microscopicamente, as córneas receptoras bem como o material implantado aos 1, 3, 7, 14, 30 e 60 dias de pós-operatório. As evidências clínicas para a enxertia lamelar mostraram fotofobia e blefarospasmo mais incidentes nos períodos iniciais e intermediários, com tendência à regressão nos tardios. Revelaram edema discreto e igualmente regressivo; neoformação vascular mais incidente nas fases intermediárias e pouco nas tardias. O estudo microscópico evidenciou quadro reacional compatível com "padrão benigno" a exemplo do que fora visto macroscopicamente. Ambos retrataram boa adesividade da "prótese", epitélio e estroma neoformados, sob e sobrepostos a ela. A transparência das córneas receptoras, junto às zonas de enxertia, manteve-se por 14 dias. Para a enxertia interlamelar, observou-se quadro reacional pouco significativo. Para ambas as enxertias, não foram observados sinais de extrusão do material implantado. A escama de sardinha pode ser empregada para fins tectônicos, com bons resultados em ceratoplastias lamelares em cães.

UNITERMOS: Córnea; Cães; Escama; Transplante de córnea; Sardinha.

INTRODUÇÃO

A córnea está vulnerável a diversos traumas que podem, em graus variados, comprometê-la. Dentre eles, os processos lesivos em decorrência de defeitos palpebrais ou ciliares, disfunção nervosa e outros12,19.

As condutas terapêuticas fundamentam-se no alívio dos sinais clínicos e, sobretudo, na profilaxia de descemetoceles e perfurações totais da córnea. Os procedimentos clínicos congregam terapia antimicrobiana, cicloplégica, de lubrificação ocular, cauterização química, medidas dietéticas e, ainda, uso de soluções ou pomadas hiperosmóticas. Há controvérsias quanto à eficácia dos agentes anticolagenolíticos11,12,14,17,19. As condutas cirúrgicas reservam-se aos casos graves, de persistência ou deterioração do quadro clínico. Neste particular, as condutas são abrangentes, incluindo-se as tarsorrafias, recobrimentos com terceira pálpebra12 e recobrimentos utilizando-se córnea e conjuntiva autógenas13,18,21. Membranas biológicas preservadas também têm sido empregadas em oftalmologia veterinária, tais como o pericárdio xenólogo4, peritônio homólogo6, membrana amniótica xenóloga3, cápsula renal xenóloga2. Estas foram utilizadas para reparar lesões lamelares e penetrantes da córnea.

Tendo em vista a facilidade de obtenção e preservação da escama de sardinha e a dificuldade de realização de transplantes de córnea nas espécies animais, investigou-se, experimentalmente, um método original para a reparação tectônica de feridas corneanas em cães.

MATERIAL E MÉTODO

Foram utilizados 14 cães, machos e fêmeas, com peso médio de 10 kg que, depois de submetidos a exame biomicroscópio com lâmpada de fenda (Lâmpada de Fenda, DF Vasconcelos S. A., São Paulo) e oftalmoscopia indireta (Oftamoscópio Indireto O.H - 3.2 - FA, Eyetec, São Paulo), tiveram os olhos e particularmente as córneas consideradas normais.

Constituíram-se 6 grupos experimentais de 2 animais cada, para estudo clínico e morfológico realizados aos 1, 3, 7, 14, 30 e 60 dias de pós-operatório.

Objetivando-se investigar os efeitos do material protético sobre a resposta inflamatória e/ou imunogênica na córnea, sem as intercorrências da injúria por fios de sutura, concebeu-se um sétimo grupo, constituído de dois animais, onde se aplicou a escama de sardinha através de enxertia interlamelar, conforme estudou Guimarães8.

Após jejum prévio de 12 horas, os cães foram pré-medicados com clorpromazinaa a 1 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de Jaboticabal, Jaboticabal - SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, Ribeirão Preto - SP 3 Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da Faculdade de Odontologia da UNESP, Campus de Araçatuba, Araçatuba - SP Amplictil - Rhodia. b Thionembutal - Abbott. c Halothano - Cristália. d Mononylon 9-0 - Cirumédica. e Mononylon 4-0 - Cirumédica. f Epitezan oculum - Frumtost. na dose de 1,0 mg/kg de peso corpóreo, seguida de indução anestésica com tiopental sódicob a 1 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de Jaboticabal, Jaboticabal - SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, Ribeirão Preto - SP 3 Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da Faculdade de Odontologia da UNESP, Campus de Araçatuba, Araçatuba - SP Amplictil - Rhodia. b Thionembutal - Abbott. c Halothano - Cristália. d Mononylon 9-0 - Cirumédica. e Mononylon 4-0 - Cirumédica. f Epitezan oculum - Frumtost. , na dose média de 12,5 mg/kg e manutenção com mistura de anestésico halogenadoc a 1 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de Jaboticabal, Jaboticabal - SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, Ribeirão Preto - SP 3 Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da Faculdade de Odontologia da UNESP, Campus de Araçatuba, Araçatuba - SP Amplictil - Rhodia. b Thionembutal - Abbott. c Halothano - Cristália. d Mononylon 9-0 - Cirumédica. e Mononylon 4-0 - Cirumédica. f Epitezan oculum - Frumtost. e oxigênio em circuito semifechado.

Após preparação rotineira do campo operatório, foi realizada cantotomia temporal e, em seguida, fixação do globo ocular por meio de reparo esclero-conjuntival. Com o auxílio de equipamento para esteoroscopia (Microscópio cirúrgico MC-9, DF Vasconcelos, São Paulo) e por meio de trépano de 6,0 mm de diâmetro, realizaram-se lesões superficiais na córnea com exérese do epitélio e de aproximadamente um terço da espessura do estroma. A escama de sardinha, preservada em glicerina 98%, previamente hidratada, foi suturada à córnea em pontos simples separados não perfurantes totais com náilon monofilamentoso 9-0d a 1 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de Jaboticabal, Jaboticabal - SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, Ribeirão Preto - SP 3 Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da Faculdade de Odontologia da UNESP, Campus de Araçatuba, Araçatuba - SP Amplictil - Rhodia. b Thionembutal - Abbott. c Halothano - Cristália. d Mononylon 9-0 - Cirumédica. e Mononylon 4-0 - Cirumédica. f Epitezan oculum - Frumtost. . A cantorrafia foi realizada com náilon 4-0e a 1 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de Jaboticabal, Jaboticabal - SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, Ribeirão Preto - SP 3 Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da Faculdade de Odontologia da UNESP, Campus de Araçatuba, Araçatuba - SP Amplictil - Rhodia. b Thionembutal - Abbott. c Halothano - Cristália. d Mononylon 9-0 - Cirumédica. e Mononylon 4-0 - Cirumédica. f Epitezan oculum - Frumtost. em pontos simples separados.

Para os animais que receberam a enxertia interlamelar, realizou-se clivagem límbica na região temporal superior da córnea, seguida da introdução de um fragmento de escama de permeio ao estroma corneano.

Como procedimentos pós-operatórios, para todos os grupos, efetuou-se, a intervalos de 12 horas, aplicação de pomada oftálmica antibióticaf a 1 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de Jaboticabal, Jaboticabal - SP 2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, Ribeirão Preto - SP 3 Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da Faculdade de Odontologia da UNESP, Campus de Araçatuba, Araçatuba - SP Amplictil - Rhodia. b Thionembutal - Abbott. c Halothano - Cristália. d Mononylon 9-0 - Cirumédica. e Mononylon 4-0 - Cirumédica. f Epitezan oculum - Frumtost. e colocação de colar protetor tipo elizabetano.

Decorridos os períodos preestabelecidos, os animais dos grupos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 foram submetidos ao mesmo protocolo anestésico para a realização da enucleação dos olhos que receberam a prótese. Após enucleação subconjuntival, as córneas foram coletadas e fixadas em solução de formalina 10% tamponada. Os fragmentos foram reduzidos e incluídos em parafina, cortados em micrótomo convencional e os cortes foram corados pela Hematoxilina-Eosina (H.E) e Tricômico de Masson, para estudo morfológico à microscopia de luz.

RESULTADOS

O estudo clínico possibilitou visualizar evolução pós-operatória dentro dos padrões compatíveis com as ceratoplastias. Tanto o segmento anterior do olho quanto o posterior não mostraram sinais de processo inflamatório.

A evolução clínica oftálmica variou consideravelmente. A fotofobia e o blefarospasmo manifestaram-se em graus variáveis com grande disparidade individual. No que se refere ao edema corneano, não houve grande variação individual, sendo leve nos períodos iniciais, moderado nos intermediários e ausente ao final da observação. Não foram evidenciados leucomas nas adjacências e à distância dos enxertos, no entanto, foram visíveis nas áreas próprias às próteses. A neovascularização das córneas, nas adjacências da prótese implantada, puderam ser mais bem observadas a partir de 7 dias de pós-operatório, sendo crescentes, e tenderam à regressão nas fases tardias da observação. Não foram detectados sinais de rejeição do implante (Fig. 1A e 1B).

Figura 1

Do ponto de vista morfológico, nas primeiras 24 horas, observaram-se ausência de infiltrado inflamatório, boa adesividade das próteses, edema corneano leve, neovasos e pigmentos ausentes.

Aos 3 dias, notaram-se preservação do material junto ao leito receptor, ausência de células inflamatórias e discreta invasão epitelial nas áreas de limite córnea receptora/prótese.

Dos 7 aos 14 dias, notaram-se epitélio e tecido conjuntivo estromal tendendo a recobrir a extremidade do implante, neovasos e discreto infiltrado mononuclear (Fig. 2). Aos 30 dias, observaram-se epitélio e tecido conjuntivo estromal recobrindo o implante, juntamente com células mononucleares além de um maior número de neovasos e fibrose.

Figura 2

Aos 60 dias, observou-se atenuação dos fenômenos inflamatórios. O epitélio apresentou-se hipertrofiado sobre o implante indicando reação de seqüestração; no entanto, apresentava-se bem constituído e com infiltração discreta de células.

No tocante ao quadro clínico dos animais que receberam a prótese interlamelar, verificou-se pouca reação inflamatória. Aos 3 dias, o material implantado mostrou-se bem relacionado ao estroma mantendo textura e transparência. A ferida cirúrgica e as adjacências das zonas de implante exibiram discreto edema e nenhum neovaso. Até os 14 dias, os fenômenos assim se mantiveram, quando então houve regressão do edema e surgimento de neovasos "fantasmas" de permeio à região onde fora realizada a incisão. Tal fenômeno regrediu nos períodos tardios (Fig. 1C).

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

As lesões corneanas em cães freqüentemente necessitam de reparação cirúrgica que visam a proteção e o reforço do local fragilizado. Tentaram-se inúmeras propostas e encontraram-se técnicas de valor, utilizando-se próteses biológicas e sintéticas. As condutas terapêuticas nas urgências oftálmicas vêm despertando, há séculos, o interesse dos especialistas, em encontrar um material ideal para reparação corneana.

As razões que motivaram experimentar a escama de peixe como material protético inclui o fato de que não foram utilizadas anteriormente. Outrossim, contaram a favor a transparência, a espessura, a textura e a flexibilidade. Paralelamente, se considerarmos os fenômenos envolvidos na evolução cicatricial na córnea, principalmente a neoformação vascular e fibrose, a busca de materiais mais inertes é um objetivo comum entre os que militam na especialidade8. Foi o que se imaginou quando se pretendeu testar a escama como sucedâneo. Por se tratar de tecido córneo, seria intuitivo tentar aplicá-la experimentalmente.

A opção foi conservar as próteses em glicerina a 98% por se tratar de procedimento simples, como fora mostrado por Pigossi15 na conservação da dura-máter. Alternativamente, o uso da glicerina a 98% para preservação de membranas biológicas e enxertos corneanos para utilização nas ceratoplastias lamelares e penetrantes também foi reportado com sucesso2,4. Sob este aspecto, a glicerina foi um excelente meio para preservação do material aqui descrito, com a vantagem dos baixos custos.

Procederam-se as feridas corneanas mediante ceratectomia superficial, com trépano corneano5,12,20, não se encontrando dificuldades na realização desta manobra. Embora em outras condições, a síntese operatória seja executada com alguma facilidade, nesta experimentação, necessitou-se de um adestramento adicional, principalmente por tratar-se de material com o qual não se estava familiarizado. Ao se aplicarem os pontos, verificou-se a necessidade de fazê-lo penetrando previamente a córnea receptora, pois realizá-lo de maneira reversa implicava pinçamento da "prótese" com grande tensão, propiciando a sua ruptura e/ou fragmentação.

No que se refere aos quadros secretórios, o padrão mucoso é próprio de processos inflamatórios de localização conjuntival e, portanto, esperado em cirurgia desta natureza7. Embora não tenha havido manipulação cirúrgica da conjuntiva, foi observado o predomínio deste tipo de secreção, que preferimos não quantificar, tendo em vista a sua subjetividade, principalmente devido ao uso da medicação tópica.

Os fenômenos de blefarospasmo e fotofobia não estão claramente descritos na literatura consultada. É possível que estes tenham ocorrido aqui, devido à exposição do estroma pelo procedimento cirúrgico, à semelhança do que ocorre nas doenças abrasivas da córnea17,19, e ainda devido à presença dos fios de sutura junto à córnea receptora, promovendo sensibilização da conjuntiva palpebral12.

Já no que concerne ao edema, inúmeros autores o estudaram e o relacionaram com os fatores causais. Obrigatoriamente há que se estabelecer correlações com os processos avulsivos e exposição do estroma16,22. Ao investigarem-se as manifestações do quadro quali/quantitativo nos procedimentos aqui delineados, pode-se inferir que a condição edematosa deu-se de forma discreta e pouco relevante. Houve boa imbricação da prótese no leito receptor e pouca permeabilidade a fluidos.

A neoformação vascular corneana está diretamente relacionada à natureza e permanência da injúria, qualidade das manobras microcirúrgicas e materiais de sutura empregados5,12,14. Por tratar-se de um material de origem xenógena, a escama de sardinha possivelmente seria capaz de causar reação inflamatória intensa. Neste sentido, empreendeu-se estudar suas eventuais manifestações. Os resultados mostraram uma resposta tecidual inexpressiva no local da incisão, bem como nas adjacências e no local da implantação. Ao se comparar o quadro reacional de córneas submetidas ao implante lamelar, com o da enxertia interlamelar, verificou-se, neste último, uma reação de menor significado. Encontraram-se manifestações irrelevantes de neoformação vascular e edema corneanos. Houve preservação do implante, com ausência de sinais de extrusão precoce ou tardia.

Relativamente à infiltração celular, não foram evidenciados infiltrados polimorfo e mononucleares que revelassem reação tecidual de grande significado. Ao contrário, nas fases inicial e intermediária, quando se esperaria encontrá-los de permeio aos enxertos em grau compatível com os respectivos períodos2,4,6,13,14, foram encontrados raramente. O mesmo se verificou na fase tardia.

Abordando-se a transparência e a fibrose, a prótese manteve-se translúcida, bem como o leito trepanado, até os 14 dias. No entanto, as áreas próprias da enxertia, nas fases intermediária e tardia, perderam a transparência, por conta de fenômenos reparatórios. O clareamento progressivo das córneas, com melhora crescente da visão, é observado comumente em várias técnicas de ceratoplastia, assim como a presença de uma cicatriz opaca junto à lesão original9,10. Este fenômeno foi mais importante nos animais submetidos a enxertia lamelar do que naqueles que receberam a prótese pela enxertia interlamelar; sugerindo que tenha se exacerbado pelo maior eutrofismo e neovascularização2,13,17. A realização de uma segunda ceratectomia e o adicional recobrimento com terceira pálpebra foram descritos para a atenuação desses quadros1.

Quanto à pigmentação, clinicamente não se observaram córneas impregnadas por pigmentos. A sua ocorrência não foi descrita na ceratoplastia xenógena de pericárdio eqüino4, mas foi apontada quando se avaliou a membrana amniótica no reparo de ceratectomias em cães3.

Com base nas observações colhidas nas condições experimentais adotadas, pôde-se concluir que:

1. a escama de sardinha, preservada em glicerina, pode ser empregada em ceratoplastias lamelares em cães, para fins tectônicos;

2. o emprego da glicerina 98%, como meio de preservação da escama de sardinha, constitui-se de procedimento simples com baixos custos, podendo-se estocá-la por tempo indeterminado;

3. devem-se conceber estudos adicionais, admitindo-se períodos mais crônicos de avaliação, bem como o seu emprego em casos clínicos de processos ulcerativos da córnea.

SUMMARY

Sardine scales (Sardinella brasiliensis) were experimentally studied as a corneal substitute in keratectomy in dogs. For this purpose, fourteen healthy male and female mongrel dogs, with an average weight of ten kilograms, were used. The recipient corneas and the implanted material were examined macro- and microscopically at 1, 3, 7, 14, 30 and 60 postoperative days. The clinical evidence for the lamellar graft showed a higher incidence of photophobia and blepharospasm during the early and intermediate postoperative periods, tending to regress during later phases. The corneas showed a mild and equally regressive edema, a more proeminent neovascularization during the intermediate periods and rare neovascularization at the later ones. The microscopic study demonstrated a "benign pattern" of reaction signs. Moreover, both studies showed good adhesiveness of the "prosthesis", and neoformed epithelium and neoformed stroma beneath and above the prosthesis. The transparency of the recipient corneas close to the graft areas was maintained for fourteen days. For the interlamellar procedure, the phenomena showed an evident "benign pattern" with non-significant reaction signs. There were no signs of extrusion of the prosthesis. The sardine scale can be used with good results in lamellar keratoplasties in dogs for tectonic effects.

UNITERMS: Cornea; Dogs; Scale; Corneal transplantation; Sardines.

Recebido para publicação: 03/02/99

Aprovado para publicação: 05/08/99

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    - VAUGHAN, D.; ASBURY, T. Oftalmologia geral São Paulo : Universidade de São Paulo, 1977. p.71-87 : Córnea e esclerótica.
  • a
    1 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de Jaboticabal, Jaboticabal - SP
    2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, Ribeirão Preto - SP
    3 Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da Faculdade de Odontologia da UNESP, Campus de Araçatuba, Araçatuba - SP
    Amplictil - Rhodia.
    b
    Thionembutal - Abbott.
    c
    Halothano - Cristália.
    d
    Mononylon 9-0 - Cirumédica.
    e
    Mononylon 4-0 - Cirumédica.
    f
    Epitezan oculum - Frumtost.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Abr 2001
    • Data do Fascículo
      2000

    Histórico

    • Aceito
      05 Ago 1999
    • Recebido
      03 Fev 1999
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