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Pontes de miocárdio em bovinos da raça Canchim

Myocardial bridges in bovine of the Canchim race

Resumos

Estudaram-se em 30 corações de Bos taurus, fêmeas adultas da raça Canchim, a freqüência, a largura, a localização e a angulação das pontes de miocárdio. Os corações tiveram injetadas as artérias coronárias com solução corada de Neoprene Látex 450, com posterior fixação em solução aquosa de formol a 10% e consecutiva dissecação. Os resultados indicaram que as pontes de miocárdio ocorreram em 100% dos corações, com largura média de 1,24 cm e situaram-se mais comumente nas porções média (38,87%), ventral (26,11%). Pontes múltiplas foram observadas em 93,33% dos corações variando de duas a seis. As fibras musculares do segmento formam ângulos com o eixo longitudinal dos vasos arteriais com mediana de 46º.

Gado Canchim; Coração; Pontes de miocárdio; Bovinos; Artérias


It was studied 30 hearts of adult Bos taurus, females of the race Canchim, with the objective of observing the frequency, width, location and angulation of the myocardial bridges. For the macroscopic study the hearts had injected the coronary arteries with solution of Neoprene red-faced latex 450, with posterior fixation in aqueous solution of formol to 10% and after dissection. The results indicate that the myocardial bridges happen in 100% of the hearts, with medium width of 1.24 cm and they locate more commonly in the portions average (38.87%), ventral (26.11%). Multiple bridges are observed in 93.33% of the hearts varying from two to six. The muscular fibers of the segment form angles with the longitudinal axis of the arterial vases with medium of 46º.

Canchim; Heart; Myocardial bridges; Bovine; Arteries


Pontes de miocárdio em bovinos da raça Canchim

Myocardial bridges in bovine of the Canchim race

José Wilson dos SANTOS1 1 Universidade de Brasília – DF 2 Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP – SP 3 Universidade Federal de Uberlândia – MG ; Pedro Primo BOMBONATO2 1 Universidade de Brasília – DF 2 Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP – SP 3 Universidade Federal de Uberlândia – MG ; Marcelo Emílio BELETTI3 1 Universidade de Brasília – DF 2 Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP – SP 3 Universidade Federal de Uberlândia – MG ; Renato Souto SEVERINO3 1 Universidade de Brasília – DF 2 Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP – SP 3 Universidade Federal de Uberlândia – MG ; Frederico Ozanan CARNEIRO E SILVA3 1 Universidade de Brasília – DF 2 Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP – SP 3 Universidade Federal de Uberlândia – MG

CORRESPONDÊNCIA PARA:

Pedro Primo Bombonato

Departamento de Cirurgia

Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP

Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira

Av. Orlando Marques de Paiva, 87

05808-000 – São Paulo – SP

e-mail: bombonat@usp.br

RESUMO

Estudaram-se em 30 corações de Bos taurus, fêmeas adultas da raça Canchim, a freqüência, a largura, a localização e a angulação das pontes de miocárdio. Os corações tiveram injetadas as artérias coronárias com solução corada de Neoprene Látex 450, com posterior fixação em solução aquosa de formol a 10% e consecutiva dissecação. Os resultados indicaram que as pontes de miocárdio ocorreram em 100% dos corações, com largura média de 1,24 cm e situaram-se mais comumente nas porções média (38,87%), ventral (26,11%). Pontes múltiplas foram observadas em 93,33% dos corações variando de duas a seis. As fibras musculares do segmento formam ângulos com o eixo longitudinal dos vasos arteriais com mediana de 46º.

UNITERMOS: Gado Canchim; Coração; Pontes de miocárdio; Bovinos; Artérias.

INTRODUÇÃO

Divergências geradas a partir de informações sobre patologias cardíacas, nos animais domésticos, têm requerido um retorno dos pesquisadores às áreas de informações básicas, tais como a morfologia, especialmente a anatomia e a histologia. De sorte que, apesar dos vários trabalhos desenvolvidos sobre diferentes aspectos anatomopatológicos atinentes ao coração, ainda muito há por se acrescentar em relação a esse tema.

A compreensão da ponte de miocárdio ainda é confusa, e tem merecido por parte de autores como Severino; Bombonato20 e Severino et al.21 (no prelo) atenção para que se promova de maneira mais adequada a nominação dessas tunelizações.

Assim, na expectativa de fornecermos novos informes sobre a morfologia do coração, propomo-nos neste trabalho a estudar a freqüência, a largura, a angulação e a localização das tunelizações dos vasos arteriais coronarianos de bovinos da raça Canchim, junto à massa muscular dos ventrículos, evento este denominado "pontes de miocárdio", conforme sugere Bezerra6.

MATERIAL E MÉTODO

Utilizamos 30 corações de bovinos da raça Canchim, todos de fêmeas adultas, com idade aproximada de 30 a 48 meses. Material este obtido a partir de abates efetuados em diferentes estabelecimentos industriais, sendo que 12 eram fêmeas procedentes do município de Cachoeira Alta, Goiás, e abatidas no Frigorífico Frigoalta, da mesma cidade, e 18 fêmeas oriundas do município de Santa Helena, Goiás, e abatidas no Frigorífico Friboi, no município de Goiânia, Goiás.

Os órgãos tiveram as cavidades atriais e ventriculares esvaziadas através de massagens manuais e lavadas em água corrente. As artérias coronárias foram canuladas e injetadas separadamente com solução de Neoprene Látex 450 corada com pigmento específico (Du Pont do Brasil S/A IQ). Posteriormente, procedemos à fixação destas peças mediante imersão em solução aquosa de formol a 10%, durante no mínimo 48 horas, em seguida dissecamos as artérias coronárias e seus ramos ventriculares, respeitando sempre o comportamento das fibras de seu tecido muscular cardíaco.

Finalizada a dissecação, coletamos dados relativos à freqüência e localização das pontes de miocárdio, das quais, com o auxílio do paquímetro (GPM-104 Pied a Coulisse Sliding Caliper Swiss Made), tomamos as medidas relativas à largura, bem como a altura dos ventrículos correspondentes, esta última efetuada sempre pela face auricular, em um ponto que se estende da margem dorsal do sulco coronário, junto à emergência da artéria coronária esquerda ao ápice do coração.

Realizamos, ainda, com o auxílio de um transferidor curvo, as medidas relativas ao ângulo formado entre as fibras musculares das pontes de miocárdio em relação ao eixo longitudinal da respectiva artéria coronária.

Submetemos os resultados a tratamento estatístico, valendo-nos para tanto do programa "Statigraphics STES- versão 2,6", sendo testadas as diferenças de localização e tamanho das pontes pelos testes c 2, de duas proporções, e as correlações entre dados métricos do coração e das pontes de miocárdio com auxílio de teste de correlação de Pearson, com nível de significância de 1%.

RESULTADOS

Freqüência das Pontes de Miocárdio nos Ventrículos

Dentre os 30 corações analisados, encontramos pontes de miocárdio em ramos das artérias coronárias em todas as peças (100%). O número de pontes de miocárdio variou de cinco a 26, vale dizer: com cinco pontes, dois corações; com seis, um coração; com sete, três corações; com oito, um coração; com nove, três corações; com dez, cinco corações; com onze, quatro corações; com doze, três corações; com treze, um coração; com quatorze, três corações; com dezessete, um coração; com dezoito, um coração; com dezenove, um coração; com 26, um coração, num total de 337 pontes de miocárdio. As pontes de miocárdio ocorrem com maior freqüência em ramos da artéria coronária esquerda, 293 (86,94%) pontes, enquanto em ramos da artéria coronária direita verificamos 44 (13,06%) pontes.

Na amostra total, as pontes de miocárdio se distribuíram nas faces e respectivas margens cardíacas com a seguinte freqüência: face auricular 194 (57,56%) pontes; face atrial 111 (32,94%); margem ventricular esquerda 19 (5,64%); e margem ventricular direita 13 (3,86%).

Largura das Pontes de Miocárdio nos Ventrículos

As larguras das pontes de miocárdio variaram de 0,1 cm a 7,1 cm, com média de 1,24 cm, em ventrículos cuja altura oscilou de 13,9 cm a 19,1 cm, com média de 16,91 cm.

Com relação às pontes de miocárdio encontradas sobre ramos da artéria coronária esquerda, suas respectivas larguras alternaram de 0,1 cm a 7,1 cm, com média de 1,22 cm, enquanto para as pontes de miocárdio restantes, encontradas sobre ramos da artéria coronária direita, suas larguras variaram de 0,1 cm a 4,1 cm, com média de 1,39 cm. As pontes de miocárdio encontradas na face auricular apresentaram largura variando de 0,1 cm a 5,1 cm, com média de 1,34 cm; na face atrial, as larguras variaram de 0,1 cm a 7,1 cm, com média de 1,05 cm; na margem ventricular esquerda, oscilaram de 0,3 cm a 2,65 cm, com média de 0,9 cm; e na margem ventricular direita, variaram de 0,25 cm a 4,1 cm, com média de 1,19 cm (Tab. 1).

Tabela 1

Localização das Pontes de Miocárdio nos Ventrículos

Para a localização das pontes de miocárdio, os ventrículos foram divididos, equitativamente, em quatro regiões: dorsal, média, ventral e apical. Após a dissecação dos corações, observamos que as pontes de miocárdio posicionavam-se, mais freqüentemente, na porção média – 131 (38,87%) pontes, na porção ventral – 88 (26,11%) pontes, na porção apical – 53 (15,73%) pontes, na porção dorsal – 6 (7,72%) pontes, nas porções dorsal e média consecutivamente – 21 (6,23%) pontes, nas porções média e ventral concomitantemente – 11 (3,26%) pontes, nas porções ventral e apical conjuntamente – 7 (2,08%) pontes (Tab. 2).

Tabela 2

As pontes de miocárdio observadas em ramos da artéria coronária esquerda foram visualizadas com maior freqüência: na porção média – 111 (32,94%) pontes, na porção ventral – 88 (26,11%) pontes, na porção apical – 53 (15,73%) pontes, nas porções dorsal e média concomitantemente – 11 (3,26%) pontes, nas porções média e ventral consecutivamente – 11 (3,26%) pontes, na porção dorsal – 10 (2,97%) pontes e nas porções ventral e apical conjuntamente – 7 (2,08%) pontes. As pontes de miocárdio observadas em ramos da artéria coronária direita foram notadas mais freqüentemente: na porção média – 18 (5,34%) pontes, na porção dorsal – 16 (4,75%) pontes e nas porções dorsal e média concomitantemente – 10 (2,97%) pontes (Tab. 2).

As 337 pontes de miocárdio posicionavam-se nas faces e respectivas margens cardíacas, de acordo com a subdivisão em porções, com a seguinte freqüência: face auricular: porção ventral – 68 (20,18%) pontes, média – 67 (19,88%), apical – 25 (7,42%), dorsal – 11 (3,26%), dorsal e média respectivamente – 9 (2,67%), média e ventral consecutivamente – 8 (2,37%) e ventral e apical concomitantemente – 6 (1,78%); face atrial: porção média – 46 (13,65%) pontes, apical – 24 (7,12%), ventral – 17 (5,04%), dorsal – 12 (3,56%), dorsal e média respectivamente – 10 (2,97%), média e ventral concomitantemente – 2 (0,59%) e média e apical consecutivamente – 1 (0,30%); margem ventricular esquerda: porção média – 15 (4,45%) pontes, ventral – 2 (0,59%), apical – 1 (0,30%) e média e ventral consecutivamente – 1 (0,30%) e margem ventricular direita: porção apical – 5 (1,48%) pontes, dorsal – 3 (0,89%), média – 2 (0,59%), dorsal e média respectivamente – 2 (0,59%) e ventral – 1 (0,30%).

Vasculotopia

Das 293 (86,94%) pontes de miocárdio presentes em ramos da artéria coronária esquerda, foram notadas mais freqüentemente: no ramo colateral proximal I – 50 (14,84%) pontes, ramo interventricular paraconal – 42 (12,47%) pontes, ramo colateral proximal II –38 (11,27%) pontes, ramo marginal obtuso – 33 (9,79%) pontes, ramo proximal ventricular esquerdo – 28 (8,31%) pontes, ramo colateral distal I – 26 (7,71%) pontes, ramo distal ventricular esquerdo – 24 (7,12%) pontes, ramo interventricular subsinuoso – 15 (4,46%) pontes, ramo colateral proximal III –14 (4,15%) pontes, ramo colateral distal II – 7 (2,08%) pontes, ramo colateral esquerdo para o ventrículo direito – 4 (1,19%) pontes, ramo ventricular direito II – 4 (1,19%) pontes, ramo ventricular direito III – 2 (0,59%) pontes, ramo ventricular direito para o ventrículo esquerdo – 2 (0,59%) pontes, artéria adiposa esquerda – 2 (0,59%) pontes e no ramo colateral distal III – 2 (0,59%) pontes. Nas restantes 44 (13,06%) pontes de miocárdio observadas em ramos da artéria coronária direita, foram visualizadas mais freqüentemente: no ramo proximal ventricular direito –22 (6,53%) pontes, ramo distal ventricular direito – 14 (4,15%) pontes, artéria adiposa – 7 (2,08%) pontes e no ramo circunflexo direito – 1 (0,29%) ponte.

As pontes de miocárdio distribuíam-se nas faces e respectivas margens ventriculares em relação aos vasos coronarianos, com a seguinte freqüência: face auricular: ramo colateral proximal I – 50 (14,84%) pontes, colateral proximal II – 37 (10,98%), interventricular paraconal – 26 (7,72%), proximal ventricular esquerdo – 26 (7,72%), colateral distal I – 18 (5,34%), colateral proximal III – 14 (4,15%), marginal obtuso – 8 (2,37%), colateral distal II – 7 (2,07%), colateral esquerdo para o ventrículo direito – 3 (0,89%), artéria adiposa esquerda – 2 (0,59%), colateral distal III – 1 (0,30%), proximal ventricular direito – 1 (0,30%) e artéria adiposa – 1 (0,30%); face atrial: ramo distal ventricular esquerdo – 24 (7,12%) pontes, proximal ventricular direito – 19 (5,64%), interventricular subsinuoso – 15 (4,45%), distal ventricular direito – 14 (4,15%), interventricular paraconal – 12 (3,56%), marginal obtuso – 9 (2,67%), colateral distal I – 6 (1,78%), ventricular direito II (1,19%), ventricular direito III – 2 (0,59%), ventricular direito para o ventrículo esquerdo – 2 (0,59%), colateral esquerdo para o ventrículo direito – 1 (0,30%), colateral distal III – 1 (0,30%), artéria adiposa – 1 (0,30%) e ramo circunflexo direito – 1 (0,30%); margem ventricular esquerda: ramo marginal obtuso – 16 (4,75%) pontes, proximal ventricular esquerdo – 2 (0,59%) e colateral proximal II – 1 (0,30%) e na margem ventricular direita: artéria adiposa – 5 (1,48%) pontes, interventricular paraconal – 4 (1,19%), colateral distal I – 2 (0,59%) e proximal ventricular direito – 2 (0,59%).

Em 28 (93,33%) dos corações de bovinos da raça Canchim notamos a presença de 202 (59,94%) pontes de miocárdio que se distribuíam de maneira múltipla, por sobre um mesmo vaso. Destas, 179 (53,12%) foram visualizadas em ramos da artéria coronária esquerda na seguinte freqüência: no ramo interventricular paraconal – 35 (10,39%) pontes; ramo colateral proximal I – 34 (10,09%) pontes; no ramo colateral proximal II – 29 (8,60%) pontes; no ramo proximal ventricular esquerdo – 21 (6,23%) pontes; no ramo marginal obtuso – 19 (5,64%) pontes; no ramo distal ventricular esquerdo – 13 (3,86%) pontes; no ramo colateral distal I – 10 (2,97%) pontes; no ramo colateral proximal III – 9 (2,67%) pontes; no ramo interventricular subsinuoso – 7 (2,08%) pontes e no ramo colateral distal II – 2 (0,59%) pontes. As 23 (6,82%) pontes de miocárdio restantes foram encontradas em ramos da artéria coronária direita na seguinte freqüência: no ramo proximal ventricular direito – 12 (3,56%) pontes; no ramo distal ventricular direito – 9 (2,67%) pontes e na artéria adiposa – 2 (0,59%) pontes.

Na amostra total, as pontes de miocárdio que se distribuíam de maneira múltipla, posicionavam-se nas faces e respectivas margens cardíacas com a seguinte freqüência: face auricular – 126 (37,39%) pontes; face atrial – 51 (15,13%) pontes; margem ventricular esquerda – 15 (4,45%) pontes e margem ventricular direita – 10 (2,97%) pontes.

Angulação das fibras miocárdicas pontinas

Foram efetuadas, ainda, medidas referentes ao ângulo formado entre o eixo longitudinal do vaso arterial e as fibras musculares da ponte de miocárdio presente sobre este, tomando-se como referência o quadrante dorsal esquerdo. O menor ângulo observado foi de 11º, o maior 168º, com mediana 46º.

Sumário estatístico

Após tratamento dos resultados, pudemos identificar que em relação à largura, a mediana era de 0,9 cm com variância de 1,06209, desvio padrão de 1,03058 e erro padrão de 0,056139. No referente à angulação das fibras musculares nos segmentos pontinos, notamos uma variância de 2.935,12 com desvio padrão de 54,1767 e erro padrão de 2,95119. Já no que tange à altura ventricular, observamos mediana de 17,1 cm com variância de 1,33628, desvio padrão de 1,15597 e erro padrão de 0,06297.

Quando da aplicação do teste do c 2 e de duas proporções, com aproximação normal, e nível de significância de 1%, constatamos a existência de diferenças significantes quando analisamos freqüência das pontes e a face cardíaca de ocorrência.

Relativamente à largura e angulação das fibras das pontes de miocárdio, não foram assinaladas diferenças estatisticamente significantes, quando levada em consideração a face cardíaca de ocorrência do evento.

Ainda, com a utilização do teste de correlação de Pearson, pudemos verificar um coeficiente de correlação positivo, porém de baixíssima intensidade, quando comparamos a largura das pontes com a altura ventricular e negativo com tendência à nulidade, quando confrontamos o ângulo das fibras musculares no segmento pontino com a altura ventricular e a largura das pontes, indicando-nos que tanto o ângulo das fibras como a largura das pontes não mantêm relação expressa com a altura ventricular, tão pouco a largura das pontes está condicionada ao ângulo das fibras nos segmentos pontinos.

DISCUSSÃO

Em se tratando da anatomia animal, podemos notar que as descrições sistemáticas, especialmente aquelas de ordem comparativa, ainda são incipientes, principalmente quando o assunto abordado é "pontes de miocárdio"10,11,12,14,17. Apesar de descrito há algum tempo, conforme refere Bezerra6, aspectos morfológicos ainda são escassos e trazem interpelações que passam por divergências de nomenclatura, historicamente observadas e tratadas em outros trabalhos como os de Amaral1 e Severino; Bombonato20, alcançam questionamentos ainda não esclarecidos, em especial aqueles atinentes aos aspectos relativos à anatomia racial comparada. Assim, Berg2,3, após estudos em suínos e bovinos, passou a considerar a ponte de miocárdio como anomalia anatômica. Encontrou, ainda, artérias coronárias com trajeto subepicárdico com raras e pequenas pontes, atribuindo este fato a animais em escala evolutiva mais avançada. Hadziselimovic et al.15 admitem serem seus dados concordantes com o de Berg2,3 e afirmam que o trajeto arterial não depende do tamanho do animal, como descrevia Polacék19. Nos corações da raça bovina por nós analisados, observamos uma alta freqüência de pontes de miocárdio. Desta forma, podemos assegurar, conforme conceitua Getty13, que esta entidade não representa uma anomalia nem um problema de ordem filogenética para os animais, como acreditavam os referidos autores.

Se agruparmos as várias espécies já estudadas no referente às pontes, em ruminantes e não- ruminantes, a análise da freqüência deste evento nos evidencia fatos como os descritos por Amaral1, Bombonato et al.8, Bombonato et al.9, Bertolini et al.4, Bertolini et al.5, que, trabalhando com não-ruminantes, observaram que a freqüência de pontes de miocárdio estava compreendida entre 32% e 66,7%; enquanto Severino; Bombonato20, Severino et al.21 (no prelo) e Machado16, trabalhando com ruminantes, observaram pontes de miocárdio em 94% a 100% dos corações analisados. Estes últimos dados são concordantes com os nossos achados, já que encontramos 100% de peças com presença de pontes de miocárdio (Fig. 1 e 2).

Figura 1

Figura 2

Nossos resultados são concordantes com os de Severino; Bombonato20 quanto à freqüência das pontes de miocárdio em relação aos vasos, a largura dessas e a altura ventricular destes corações; no entanto, parte desses resultados destoa daqueles apresentados por estes autores com relação à freqüência com que estas entidades se distribuem nas várias regiões, pois na região média os referidos autores encontraram 50,97% de pontes de miocárdio, enquanto nos bovinos da raça Canchim encontramos 38,87%; na região dorsal 18,18% contra 7,72%; região apical 14,61% contra 15,73%; região ventral 8,7% contra 26,11%; regiões dorsal e média consecutivamente 7,46% contra 6,23%; encontramos ainda pontes de miocárdio entre as regiões média e ventral e entre as regiões ventral e apical concomitantemente, fatos esses não relatados pelos mesmos autores (Fig. 1).

Ainda, com relação à freqüência, autores como Amaral1 e Bombonato8 relataram o aparecimento de uma percentagem de pontes de miocárdio na face auricular (92,55% e 76,7% respectivamente), não reportando a presença dessas nas margens ventriculares. Embora esses autores se reportem a espécies não-ruminantes, seus dados distanciam-se daqueles por nós encontrados, pois na face auricular encontramos 57,56% de pontes, na face atrial 32,94% e ainda observamos um percentual de 5,64% pontes na margem ventricular esquerda e 3,86% na margem ventricular direita. Acreditamos poder debitar as variações entre as percentagens apontadas por estes autores e os nossos resultados, às diferenças decorrentes das espécies estudadas.

Autores como Nie; Vincent18, tendo trabalhado com corações de ruminantes, suínos e caninos, classificaram as pontes de miocárdio em quatro modalidades, de acordo com o vaso sob o qual estas se posicionavam. Em concordância com os nossos achados, somos obrigados a discordar destes autores, já que presenciamos grande número de ramos arteriais ainda não nominados. Assim, achamos melhor classificar as pontes de miocárdio de acordo com sua distribuição em faces cardíacas e margens ventriculares e não simplesmente por conta da vasculotopia.

Quanto ao número de pontes de miocárdio, os nossos resultados são semelhantes aos encontrados por Severino; Bombonato20. Entretanto, quando estes autores analisam o número de pontes de miocárdio nesses ramos individualmente, os resultados são totalmente discrepantes dos nossos. Para eles, o ramo interventricular paraconal apresenta o maior número de pontes de miocárdio (42,53%); no nosso trabalho, o ramo a apresentar o maior número de pontes de miocárdio foi o colateral proximal I (14,84%). Vale comentar que o número de ramos arteriais com pontes de miocárdio, por nós encontrados, foi redundante maior que os observados pelos referidos autores, o que poderia justificar tal diferença.

Quanto à presença de múltiplas pontes de miocárdio, Severino; Bombonato20 e Severino et al.21 (no prelo) encontraram uma freqüência de corações com pontes de miocárdio de 40% e 56,6%, respectivamente, contrariando totalmente os nossos resultados, nos quais encontramos 93,33% dos corações com pontes de miocárdio múltiplas (Fig. 2).

Observando o ângulo formado entre a fibra muscular da ponte de miocárdio e o eixo longitudinal dos respectivos vasos arteriais, pudemos encontrar uma variação de 11º a 168º com mediana de 46º, que determinam serem estas fibras dispostas obliquamente em relação ao eixo dos vasos. Esses resultados são destoantes em parte do relato de Bezerra et al.7, que citaram fibras oblíquas e transversais ao eixo longitudinal do vaso, assim como aos de Bertolini et al.4, que encontraram fibras com ângulos variando de 40º e 105º (Fig. 1).

No que concerne aos dados relativos à análise estatística, nossos resultados se assemelham aos de Severino; Bombonato20, caracterizando que as diferenças entre as larguras das pontes se fazem por si sós e não na dependência da altura ventricular. Nossos estudos vão um pouco além, podendo afirmar que a largura e a angulação das pontes não dependem das faces cardíacas de ocorrência, o que já não ocorre com a freqüência destas pontes, que na análise estatística está na dependência das faces cardíacas.

CONCLUSÕES

Em concordância com os resultados apresentados, julgamos ser possível concluir que:

1. nos bovinos da raça Canchim, as pontes de miocárdio ocorrem em 100% dos corações estudados, variando o seu número, em um mesmo coração, de 5 a 26 pontes, com maior freqüência em ramos da artéria coronária esquerda (86,94%) do que em ramos da artéria coronária direita (13,06%); dispondo-se na face auricular (57,86%), na face atrial (32,94%), na margem ventricular esquerda (5,64%) e na margem ventricular direita (3,86%); múltiplas pontes de miocárdio são notadas em 93,33% dos corações de bovinos da raça Canchim, variando em número de duas a seis em um mesmo vaso;

2. a largura das pontes de miocárdio encontradas varia de 0,1 cm a 7,1 cm, com média de 1,24 cm em corações cuja altura ventricular média é de 16,91 cm;

3. com relação à localização, as pontes de miocárdio são posicionadas mais freqüentemente na porção média (38,87%), seguida da ventral (26,11%), apical (15,73%), dorsal (7,72%), dorsal e média consecutivamente (6,23%), média e ventral concomitantemente (3,26%) e ventral e apical conjuntamente (2,08%);

4. as fibras musculares das pontes de miocárdio formam ângulos com o eixo longitudinal dos respectivos vasos arteriais, que variam de 11º a 168º, com mediana de 46º;

5. não foram notadas diferenças significantes entre a largura e a angulação das fibras nas pontes de miocárdio, quando confrontados com a face cardíaca de ocorrência. Porém, diferença significante ocorre em relação à freqüência das pontes;

6. a largura e a angulação das fibras musculares das pontes de miocárdio não sofrem interferência das alturas ventriculares.

SUMMARY

It was studied 30 hearts of adult Bos taurus, females of the race Canchim, with the objective of observing the frequency, width, location and angulation of the myocardial bridges. For the macroscopic study the hearts had injected the coronary arteries with solution of Neoprene red-faced latex 450, with posterior fixation in aqueous solution of formol to 10% and after dissection. The results indicate that the myocardial bridges happen in 100% of the hearts, with medium width of 1.24 cm and they locate more commonly in the portions average (38.87%), ventral (26.11%). Multiple bridges are observed in 93.33% of the hearts varying from two to six. The muscular fibers of the segment form angles with the longitudinal axis of the arterial vases with medium of 46º.

UNITERMS: Canchim; Heart; Myocardial bridges; Bovine; Arteries.

Recebido para publicação: 09/04/1999

Aprovado para publicação: 03/09/1999

  • 1
    - AMARAL, R.C. Pontes de miocárdio em cães São Paulo, 1989. 96p. Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo.
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    Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP – SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Fev 2001
    • Data do Fascículo
      2000

    Histórico

    • Aceito
      03 Set 1999
    • Recebido
      09 Abr 1999
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