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Inquérito sobre os casos de miíase por Cochliomyia hominivorax em gatos das zonas norte, sul e oeste e do centro do município do Rio de Janeiro no ano 2000

Inquiry of cases of myiasis by Cochliomyia hominivorax in cats of the northern, southern, western and central zones of Rio de Janeiro municipality in 2000

Resumos

Foi realizado um inquérito sobre os casos de miíase por larvas de Cochliomyia hominivorax (bicheira) em gatos atendidos em 227 clínicas e consultórios veterinários das Zonas Norte, Sul e Oeste e Centro do Município do Rio de Janeiro durante o ano 2000, com o objetivo de identificar os fatores predisponentes e, assim, contribuir na compreensão dos aspectos epidemiológicos desta parasitose. Cento e cinqüenta e dois estabelecimentos veterinários consultados atenderam pelo menos um caso de miíase por C. hominivorax em gatos em 2000 e a espécie canina foi mais afetada que a felina. A maior ocorrência foi nos meses ou períodos de calor do ano: janeiro, fevereiro, novembro e dezembro. Os gatos mais afetados foram os sem raça definida, adultos, machos não castrados, de pelagem curta e escura. Já que as miíases são freqüentes no Município do Rio de Janeiro, como observado neste inquérito, e não são enfermidades de notificação compulsória, observou-se que muitas vezes não foram consideradas pelos veterinários uma doença de maior importância. Programas preventivos contra miíases devem ser desenvolvidos baseados nos fatores predisponentes identificados, tais como características fenotípicas do animais acometidos (raça, comprimento e cor de pelagem, sexo e idade) e meses de maior ocorrência, quando os programas preventivos deverão se intensificados. Os proprietários devem ser alertados pelos médicos veterinários a respeito dos malefícios provocados pela doença e receber orientações sobre as medidas preventivas a serem adotadas, incluindo a manutenção da higiene do ambiente e a prevenção das causas mais freqüentes de miíases.

Gato; Miíase; Cochliomyia hominivorax; Bicheira; Inquérito


An inquiry about the cases of myiasis by Cochliomyia hominivorax larvae in cats presented to 227 veterinary establishments of the Northern, Southern, and Western Zones of Rio de Janeiro municipality in 2000 was performed, to identify predisposing factors and to contribute to the comprehension of the epidemiological features of this parasitic disease. In one hundred and fifty two establishments, at least one case of myiasis by C. hominivorax larvae in cats was presented, and dogs were most infested than cats. Incidence was higher in hot weather months or periods of the year: January, February, November, and December. Adult, dark and short-haired, intact males, and mixed-breeding cats were the most affected. Because myiasis by C. hominivorax larvae are often in Rio de Janeiro City, as concluded in this inquiry, and it is not necessary to report the cases to authorities, a lot of clinicians did not consider it as a disease of great importance. Preventive programs against screwworm infestation should be developed according to identified predisposing factors, such as phenotypic features of infested animals (breed, hair color, hair size, sex, and age) and months of highest incidence, when programs should be intensified. Pet owners should be warned by veterinary clinicians about harm caused by myiasis and should receive directions about preventive rules, including maintenance of environment hygiene and avoidance of more common myiasis causes.

Cat; Myiasis; Cochliomyia hominivorax; Screwworm; Inquiry


Inquérito sobre os casos de miíase por Cochliomyia hominivorax em gatos das zonas norte, sul e oeste e do centro do município do Rio de Janeiro no ano 2000

Inquiry of cases of myiasis by Cochliomyia hominivorax in cats of the northern, southern, western and central zones of Rio de Janeiro municipality in 2000

Bianca Chiganer Cramer-RibeiroI; Argemiro SanavriaI; Marcelo Queiroz de OliveiraII; Fábio Silva de SouzaI; Fernanda da Silva RoccoI; Patrícia Giupponi CardosoI

IDepartamento de Epidemiologia e Saúde Pública, Instituto de Veterinária, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - RJ

IIMédico Veterinário Autônomo, Rio de Janeiro - RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Bianca Chiganer Cramer-Ribeiro Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública Instituto de Veterinária, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro BR 465, Km 7 23890-000 - Seropédica - RJ E-mail: ribeirobcc@ig.com.br

RESUMO

Foi realizado um inquérito sobre os casos de miíase por larvas de Cochliomyia hominivorax (bicheira) em gatos atendidos em 227 clínicas e consultórios veterinários das Zonas Norte, Sul e Oeste e Centro do Município do Rio de Janeiro durante o ano 2000, com o objetivo de identificar os fatores predisponentes e, assim, contribuir na compreensão dos aspectos epidemiológicos desta parasitose. Cento e cinqüenta e dois estabelecimentos veterinários consultados atenderam pelo menos um caso de miíase por C. hominivorax em gatos em 2000 e a espécie canina foi mais afetada que a felina. A maior ocorrência foi nos meses ou períodos de calor do ano: janeiro, fevereiro, novembro e dezembro. Os gatos mais afetados foram os sem raça definida, adultos, machos não castrados, de pelagem curta e escura. Já que as miíases são freqüentes no Município do Rio de Janeiro, como observado neste inquérito, e não são enfermidades de notificação compulsória, observou-se que muitas vezes não foram consideradas pelos veterinários uma doença de maior importância. Programas preventivos contra miíases devem ser desenvolvidos baseados nos fatores predisponentes identificados, tais como características fenotípicas do animais acometidos (raça, comprimento e cor de pelagem, sexo e idade) e meses de maior ocorrência, quando os programas preventivos deverão se intensificados. Os proprietários devem ser alertados pelos médicos veterinários a respeito dos malefícios provocados pela doença e receber orientações sobre as medidas preventivas a serem adotadas, incluindo a manutenção da higiene do ambiente e a prevenção das causas mais freqüentes de miíases.

Palavras-chave: Gato. Miíase. Cochliomyia hominivorax. Bicheira. Inquérito.

SUMMARY

An inquiry about the cases of myiasis by Cochliomyia hominivorax larvae in cats presented to 227 veterinary establishments of the Northern, Southern, and Western Zones of Rio de Janeiro municipality in 2000 was performed, to identify predisposing factors and to contribute to the comprehension of the epidemiological features of this parasitic disease. In one hundred and fifty two establishments, at least one case of myiasis by C. hominivorax larvae in cats was presented, and dogs were most infested than cats. Incidence was higher in hot weather months or periods of the year: January, February, November, and December. Adult, dark and short-haired, intact males, and mixed-breeding cats were the most affected. Because myiasis by C. hominivorax larvae are often in Rio de Janeiro City, as concluded in this inquiry, and it is not necessary to report the cases to authorities, a lot of clinicians did not consider it as a disease of great importance. Preventive programs against screwworm infestation should be developed according to identified predisposing factors, such as phenotypic features of infested animals (breed, hair color, hair size, sex, and age) and months of highest incidence, when programs should be intensified. Pet owners should be warned by veterinary clinicians about harm caused by myiasis and should receive directions about preventive rules, including maintenance of environment hygiene and avoidance of more common myiasis causes.

Keywords: Cat. Myiasis. Cochliomyia hominivorax. Screwworm. Inquiry.

INTRODUÇÃO

A miíase é a infestação de animais vertebrados vivos com larvas de dípteros8,10, 16. As larvas da mosca Cochliomyia hominivorax (Townsend, Calliphoridae)9 causam a miíase conhecida como bicheira16. A C. hominivorax ocorre principalmente em áreas tropicais16 e é a espécie de mosca mais importante como produtora de miíase no homem e nos animais das Américas, desde o sul dos Estados Unidos até o norte do Chile7. O primeiro registro de C. hominivorax ocorreu na Guiana Francesa, em 1858, pelo médico Coquerel11. El-Azazy5 descreveu os primeiros registros de miíase por C. hominivorax na Líbia. O primeiro caso de miíase auricular canina por C. hominivorax diagnosticado na França foi descrito por Chermette, Prigent e Bourdeau4. A mosca deposita seus ovos em feridas recentes do hospedeiro7, 16 e as enzimas proteolíticas das larvas digerem os tecidos deste7, produzindo lesões em áreas extensas15, com odor desagradável7, 17. Os animais ficam inquietos, param de se alimentar e emagrecem. A morte pode ocorrer por toxemia, hemorragia ou infecções bacterianas secundárias7. O diagnóstico é feito pelo achado das larvas, sendo a presença de fístulas um parâmetro de determinação cutânea17. A doramectina foi 100% eficaz na profilaxia de bicheiras em bovinos após castração14, mas não há relatos a respeito de seu uso em cães ou gatos. Em cães, há relatos sobre a utilização de lufenuron na prevenção de bernes e bicheiras, na dose de 10 mg/kg, uma vez ao mês, por via oral3.

O presente estudo teve como objetivo realizar um inquérito sobre os casos de miíase por Cochliomyia hominivorax em gatos atendidos em clínicas e consultórios veterinários das Zonas Norte, Sul e Oeste e Centro do Município do Rio de Janeiro durante o ano 2000, para identificar os fatores predisponentes e, assim, contribuir na compreensão dos aspectos epidemiológicos desta parasitose.

MATERIAL E MÉTODO

O presente inquérito foi realizado em 227 clínicas e consultórios veterinários do Município do Rio de Janeiro que funcionavam desde janeiro de 2000 e contavam com, pelo menos, um médico veterinário em sua equipe para responder a um questionário sobre os casos de miíase por larvas de C. hominivorax atendidos em gatos durante o ano. Na Zona Norte, foram incluídos 108 estabelecimentos veterinários, nos bairros Acari (um estabelecimento), Andaraí (4), Bancários (1), Bento Ribeiro (2), Bonsucesso (1), Brás de Pina (2), Cachambi (4), Cacuia (1), Campinho (1), Cascadura (1), Cavalcante (1), Cocotá (1), Coelho Neto (1), Engenho de Dentro (1), Engenho Novo (4), Grajaú (2), Guadalupe (1), Higienópolis (1), Inhaúma (1), Irajá (3), Jabour (1), Jacaré (1), Jardim América (1), Jardim Guanabara (1), Lins de Vasconcelos (3), Madureira (2), Maracanã (2), Marechal Hermes (1), Maria da Graça (1), Méier (9), Moneró (1), Olaria (2), Pavuna (2), Penha (3), Penha Circular (2), Piedade (4), Pilares (1), Praça da Bandeira (1), Ramos (2), Riachuelo (2), Rio Comprido (3), Rocha Miranda (3), São Cristóvão (1), Tijuca (8), Tomás Coelho (1), Usina (2), Vaz Lobo (1), Vicente de Carvalho (1), Vila da Penha (2), Vila Isabel (7), Vila Kosmos (1), Vista Alegre (1) e Zumbi (1). Foram consultados 34 estabelecimentos veterinários na Zona Sul, localizados nos bairros Botafogo (8), Catete (1), Copacabana (6), Flamengo (2), Gávea (3), Humaitá (1), Ipanema (3), Jardim Botânico (4), Laranjeiras (2), Leblon (2) e São Conrado (2). Já na Zona Oeste, foram incluídos 82 estabelecimentos, nos bairros Anil (1), Bangu (4), Barra da Tijuca (20), Campo Grande (17), Freguesia (7), Paciência (2), Padre Miguel (1), Pechincha (4), Pedra de Guaratiba (1), Praça Seca (3), Realengo (5), Recreio dos Bandeirantes (3), Santa Cruz (2), Sepetiba (1), Sulacap (2), Tanque (1), Taquara (4) e Vila Valqueire (4). Por fim, no Centro do município, foram incluídos três estabelecimentos, nos bairrosCatumbi (1), Centro (1) e Lapa (1).

As perguntas aplicadas nos questionários referiam-se à incidência de casos durante 2000, à raça, comprimento e cor de pelagem, sexo e faixa etária dos animais acometidos, ao número de larvas por cão infestado, ao local das lesões no corpo dos animais e à origem dessas lesões, às complicações observadas em decorrência das miíases, ao tempo de cura e ao tipo de domicílio em que os cães acometidos residiam. Também foi questionado se os proprietários tentaram tratar seus animais por conta própria, quais produtos foram usados nesses casos e se os cães infestados já tinham apresentado esta miíase anteriormente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entre os 108 estabelecimentos veterinários consultados na Zona Norte do Município do Rio de Janeiro, em 104 (96%) foi atendido pelo menos um caso de miíase por larvas de C. hominivorax em 2000 e, entre estes, em 75 (69% de 108) foram atendidos casos desta miíase em gatos (Tabela 1). Entre os 75 estabelecimentos que atenderam casos em gatos no ano 2000, 33% dos veterinários relataram maior ocorrência em dezembro, 20%, em janeiro, 7%, em novembro, 4%, em fevereiro, 4%, em março, 3%, em abril, 3%, em outubro, 1%, de janeiro a março, 1%, em maio, 1%, em julho e 1%, em agosto de 2000, enquanto 11% relataram que não houve um determinado mês de maior ocorrência durante o ano e 11% não souberam responder (Tab. 2). A incidência de miíases foi maior na espécie canina do que na felina, segundo 99% dos veterinários, enquanto apenas 1% relatou maior incidência em gatos. Segundo 96% dos veterinários, os gatos mais acometidos foram os sem raça definida (SRD), enquanto de acordo com 3% dos veterinários a maior incidência foi em gatos de raça definida (todos citaram o Persa) e, segundo 1% não houve preferência por gatos SRD ou de raça (Tab. 3). Foi relatado por 69% dos veterinários que os gatos de pelagem curta foram os mais acometidos, por 24% os de pelagem de comprimento intermediário, por 4% os de pelagem longa e por 3% que não houve preferência por comprimento de pelagem (Tab. 3). Além disso, 41% dos veterinários declararam que a maioria dos gatos acometidos apresentava pelagem escura, 29% citaram os de pelagem clara, 23% declararam que não houve preferência por cor de pelagem e 7% não souberam responder (Tab. 3). A respeito do sexo dos gatos acometidos, 59% citaram os machos como os mais acometidos, sendo que, entre estes 44 veterinários, 40, ou seja, 91%, relataram que os animais eram inteiros (não castrados). Não houve maior ocorrência em determinado sexo segundo 21% dos veterinários, enquanto 5% citaram as fêmeas e 15% não souberam responder (Tab. 3). Foi relatado por 81% dos veterinários que os gatos adultos foram os mais afetados, por 15%, os idosos, por 15%, os filhotes e por apenas 1% que não houve preferência por faixa etária (Tab. 3).

Entre os 34 estabelecimentos veterinários consultados na Zona Sul do município, 31 (91%) atenderam pelo menos um caso de miíase por larvas de C. hominivorax em 2000 e, entre estes, 18 (53% de 34) atenderam casos em gatos (Tab. 1). Entre os 18 estabelecimentos que atenderam casos em gatos no ano 2000, 28% dos veterinários descreveram maior incidência em janeiro, 22%, em fevereiro, 22%, em novembro e 11%, em dezembro de 2000, enquanto 11% relataram que não houve um determinado mês de maior ocorrência durante o ano e 6% não souberam responder (Tab. 2). A espécie canina foi mais acometida do que a felina, de acordo com 88% dos veterinários, enquanto 6% relataram o oposto e 6% não observaram preferência por espécie. Os gatos mais acometidos pelas miíases foram os SRD, de acordo com 77% dos veterinários, enquanto 11% descreveram que não houve preferência por gatos SRD ou de raça e 6% relataram maior incidência em gatos de raça definida (todos citaram o Persa), enquanto 6% não souberam responder à pergunta (Tab. 3). Os gatos de pelagem curta foram os mais afetados, segundo 66% dos veterinários, enquanto 11% citaram os de pelagem de comprimento intermediário como os mais acometidos, 11% relataram que não houve preferência por comprimento de pelagem e 6% mencionaram os de pelagem longa, enquanto também 6% não souberam responder à pergunta (Tab. 3). Foi relatado por 50% dos veterinários que a maioria dos gatos acometidos apresentava pelagem escura, 28% relataram que não houve preferência por cor de pelagem, 11% mencionaram os de pelagem clara e 11% não souberam responder (Tab. 3). Segundo 44% dos veterinários, os machos foram os mais acometidos, sendo que, entre estes oito veterinários, quatro, ou seja, 50%, relataram que os animais eram inteiros. No entanto, 33% dos veterinários relataram que não houve maior ocorrência em determinado sexo, enquanto 6% mencionaram as fêmeas e 17% não souberam responder (Tab. 3). Segundo 78% dos veterinários, os gatos adultos foram os mais afetados, segundo 11%, os filhotes e de acordo com 11%, os idosos (Tab. 3).

Já na Zona Oeste, entre as 82 clínicas e consultórios veterinários consultados, em 81 (99%) foi atendido pelo menos um caso em 2000 e, entre estes, em 56 (68% de 82) foram atendidos casos de miíase em gatos no mesmo período (Tab. 1). Entre os 56 estabelecimentos que atenderam casos em gatos, a incidência foi maior em dezembro, segundo 30% dos veterinários. Já 21% relataram maior incidência em janeiro, 11%, em novembro, 4%, em outubro, 2%, em março, 2%, em julho e 2%, em agosto, enquanto 5% relataram maior incidência nos meses mais quentes do ano, 11% que não houve um determinado mês de maior ocorrência e 12% não souberam responder (Tab. 2). Foi descrito por 91% dos veterinários que a incidência de miíase foi maior na espécie canina do que na felina, por 7% que os gatos foram mais acometidos que os cães e por 2% que não houve preferência por espécie. Segundo 95% dos veterinários, os gatos SRD foram os mais acometidos pelas miíases, enquanto 5% relataram que não houve preferência por gatos SRD ou de raça (Tab. 3). De acordo com 59% dos veterinários, os gatos de pelagem curta foram os mais acometidos, enquanto 19% citaram os de pelagem de comprimento intermediário, 4% os de pelagem longa e 18% relataram que não houve preferência por comprimento de pelagem (Tab. 3). Além disso, foi relatado por 46% dos veterinários que a maioria dos gatos acometidos apresentava pelagem escura, por 32% que não houve preferência por cor de pelagem e por 20% os de pelagem clara, enquanto 2% não souberam responder à pergunta (Tab. 3). De acordo com 52% dos veterinários, os machos foram os mais afetados, sendo que, entre estes 29 veterinários, 22, isto é, 76%, relataram que os animais eram inteiros. Segundo 36% dos veterinários, não houve maior incidência em determinado sexo, enquanto 3% citaram as fêmeas e 9% não souberam responder à pergunta (Tab. 3). De acordo com 75% dos veterinários, os gatos adultos foram os mais acometidos, enquanto 13% citaram os idosos, 3%, os filhotes e 9% não observaram maior incidência em determinada faixa etária (Tab. 3).

No Centro, todos os três estabelecimentos atenderam casos em gatos durante 2000 (Tab. 1). A incidência foi maior em janeiro, segundo 33% dos veterinários, em dezembro, de acordo com 33%, e não houve mês de maior incidência também segundo 33% dos clínicos (Tab. 2). Foi relatado por 67% dos veterinários que a espécie canina foi a mais acometida que a felina, enquanto 33% relataram o oposto. Todos (100%) os veterinários descreveram que os gatos adultos, SRD e de pelagem curta foram os mais acometidos (Tab. 3). Os gatos de pelagem escura foram os mais afetados segundo 67% dos veterinários e os de pelagem clara, segundo 33% (Tabela 3). Os machos inteiros foram os mais acometidos de acordo com 67% dos veterinários e não foi observada preferência por sexo por 33% (Tab. 3).

Scott, Miller e Griffin 15 relataram que as miíases não são comuns em cães e gatos, o que não foi observado no nosso estudo, pois entre os 227 estabelecimentos veterinários incluídos no inquérito, em 219 (97%) foi atendido pelo menos um caso de miíase por larvas de C. hominivorax em cães durante o ano 2000 e em 152 (67%) foram atendidos casos em gatos. A maioria dos veterinários relatou que os cães foram mais acometidos que os gatos, dado também obtido por Ribeiro et al.12 na Zona Oeste e por Ribeiro et al.13 no Centro do Município, ambos também em 2000. Segundo informação prestada espontaneamente por alguns veterinários, no Rio de Janeiro a população de cães é maior que a de gatos e, assim, os cães constituem a maioria em atendimentos nos estabelecimentos veterinários para pequenos animais.

Os meses de janeiro, fevereiro, novembro e dezembro foram mencionados como os de maior incidência de miíases em gatos. São meses quentes, no qual a população de moscas aumenta. Além disso, vários veterinários citaram que não houve determinado mês do ano com maior incidência de miíases, o que pode ser justificado pelo fato de no Município do Rio de Janeiro a temperatura apresentar oscilações durante o ano que permitem dias quentes mesmo no inverno, ou seja, há dias de calor durante todo o ano.

Os gatos SRD de pelagem curta ou intermediária foram os mais acometidos, o que pode ser explicado pelo fato de os mesmos formarem a maior parte da população de felinos no município, segundo informação prestada espontaneamente por alguns veterinários. Além disso, a pelagem curta facilita o acesso das moscas à pele do animal. Segundo outras informações espontâneas prestadas por alguns veterinários, os gatos adultos machos inteiros saem de casa com maior freqüência e, várias vezes, permanecem na rua por vários dias, envolvendo-se em brigas nas quais são formadas lesões que servem de acesso às miíases, o que explicaria porque foram citados como os mais afetados.

Scott, Miller e Griffin 15 e Foil6 consideraram esta enfermidade conseqüência da negligência do proprietário, o que também foi espontaneamente mencionado por alguns dos veterinários participantes do presente inquérito. Foi relatado por alguns veterinários que o poder aquisitivo dos proprietários muitas vezes é baixo e, assim, nem sempre os animais são levados ao médico veterinário, e que muitos proprietários são negligentes em relação aos seus animais de estimação, não oferecendo condições de manejo e higiene adequadas. Segundo Foil6, a correção do manejo e a higiene do local são indispensáveis para que se evite as miíases.

Foram observadas diversas diferenças entre as respostas dos veterinários consultados, apesar da proximidade, em vários casos, dos estabelecimentos em que trabalhavam. Alguns veterinários não souberam responder às perguntas por não lembrarem dos dados relacionados às mesmas. Já que as miíases por C. hominivorax são freqüentes no Município do Rio de Janeiro, como observado neste inquérito, e não são enfermidades de notificação compulsória, observou-se que muitas vezes não foram consideradas pelos veterinários uma doença de maior importância, inversamente ao que ocorre nos Estados Unidos, onde, segundo Aiello1, devem ser notificadas às autoridades estaduais e federais.

Os animais de companhia proporcionam benefícios psicológicos, fisiológicos e sociais aos humanos e, várias vezes, cães e gatos são considerados membros da família2. A manutenção do bem-estar dos mesmos inclui a prevenção de doenças, inclusive as miíases. Apesar disso, Ribeiro et al.12 não encontraram nenhum estudo similar sobre miíase por C. hominivorax em gatos realizado no Município do Rio de Janeiro.

CONCLUSÕES

A maioria dos estabelecimentos veterinários consultados atendeu pelo menos um caso de miíase por C. hominivorax em gatos em 2000, o que demonstra a necessidade de se elaborar métodos de controle e prevenção da enfermidade. Para isso, mais estudos devem ser realizados para que os programas de prevenção de miíases sejam baseados nos fatores predisponentes identificados, tais como características fenotípicas do animais acometidos (raça, comprimento e cor de pelagem, sexo e idade) e meses de maior incidência.

A miíase é considerada uma conseqüência da negligência dos proprietários e, portanto, estes devem ser alertados pelos médicos veterinários a respeito dos malefícios que a doença provoca e, também, sobre o aspecto zoonótico da mesma. Os proprietários devem receber orientações referentes às medidas preventivas a serem adotadas, o que inclui a manutenção da higiene do ambiente e a prevenção das causas mais freqüentes de miíases. No caso das brigas, por exemplo, uma das soluções seria evitar que o animal fosse ou permanecesse vários dias na rua.

Como no Município do Rio de Janeiro a temperatura apresenta oscilações durante o ano e, assim, há dias quentes mesmo durante o inverno, os programas preventivos devem ser realizados continuamente. No entanto, esses programas devem ser intensificados nos meses ou períodos de maior ocorrência, para que se obtenha maior eficácia no controle da enfermidade.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro (CRMV-RJ) por fornecer os endereços das clínicas e consultórios veterinários do Município, bem como aos médicos veterinários que responderam aos nossos questionários.

Recebido para publicação: 16/01/2002

Aprovado para public ação: 21/05/2002

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  • Endereço para correspondência
    Bianca Chiganer Cramer-Ribeiro
    Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública Instituto de Veterinária, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
    BR 465, Km 7
    23890-000 - Seropédica - RJ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jun 2003
    • Data do Fascículo
      2002

    Histórico

    • Aceito
      21 Maio 2002
    • Recebido
      16 Jan 2002
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