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Efeito das temperaturas de bulbo seco e de globo negro e do índice de temperatura e umidade, em vacas em produção alojadas em sistema de free-stall

Evaluating the dry bulb and black globe temperatures and temperature and humidity index effect in dairy cows lodged in free-stall system

Resumos

O resultado da exposição de vacas em produção em ambiente adequado, pode ter reflexo na produtividade leiteira, por permitir o uso correto de equipamentos reduzindo o estresse térmico nos animais, e consequentemente, melhorando a produtividade. No presente trabalho avaliou-se o efeito das temperaturas de bulbo seco e de globo negro, na produção de vacas leiteiras alojadas em sistema de freestall, utilizando-se dois grupos de vacas: mais produtivas, com produção acima de 29 kg/dia e menos produtivas, com produção média abaixo de 14 kgdia-1. Os resultados mostraram os efeitos das variáveis ambientais e do índice de temperatura e umidade regional, no declínio da produção de leite. Não houve correlação significativa entre os valores do índice e o declínio na produção de leite, para nenhum dos dois grupos estudados.

Conforto Térmico; Produção Leiteira; Temperatura Ambiente; Ambiência Animal


Dairy cows exposition to an adequate environment may lead to a good result in the milk production, for permitting a better use of cooling equipment and reducing the thermal stress in the animals, as well as improving level of productivity. This research work evaluated the effect of environmental dry bulb and black globe temperatures in dairy cows lodged in a freestall building, separated in two groups: the most productive ones with milk yield above 29 kgday-1 and the less productive, with milk yield below 14 kg/day. Results showed the effect of the environmental variables and the temperature and humidity index in the decrease in milk yield. No high correlation was found between the index and the milk yield for both studied groups.

Thermal Comfort; Dairy Production; Temperature


Efeito das temperaturas de bulbo seco e de globo negro e do índice de temperatura e umidade, em vacas em produção alojadas em sistema de free-stall

Evaluating the dry bulb and black globe temperatures and temperature and humidity index effect in dairy cows lodged in free-stall system

Francine Galhiardo Marcheto; Irenilza de Alencar Nääs; Douglas D'Alessandro Salgado; Silvia Regina Lucas de Souza

Departamento de Construções Rurais, FEAGRI-UNICAMP, Campinas - SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Irenilza de Alencar Nääs Faculdade de Engenharia Agrícola – FEAGRI Departamento de Construções Rurais Caixa Postal 6011 13083-970 – Campinas – SP E-mail: irenilza@agr.unicamp.br

RESUMO

O resultado da exposição de vacas em produção em ambiente adequado, pode ter reflexo na produtividade leiteira, por permitir o uso correto de equipamentos reduzindo o estresse térmico nos animais, e consequentemente, melhorando a produtividade. No presente trabalho avaliou-se o efeito das temperaturas de bulbo seco e de globo negro, na produção de vacas leiteiras alojadas em sistema de freestall, utilizando-se dois grupos de vacas: mais produtivas, com produção acima de 29 kg/dia e menos produtivas, com produção média abaixo de 14 kgdia-1. Os resultados mostraram os efeitos das variáveis ambientais e do índice de temperatura e umidade regional, no declínio da produção de leite. Não houve correlação significativa entre os valores do índice e o declínio na produção de leite, para nenhum dos dois grupos estudados.

Palavras-chave: Conforto Térmico. Produção Leiteira. Temperatura Ambiente. Ambiência Animal.

SUMMARY

Dairy cows exposition to an adequate environment may lead to a good result in the milk production, for permitting a better use of cooling equipment and reducing the thermal stress in the animals, as well as improving level of productivity. This research work evaluated the effect of environmental dry bulb and black globe temperatures in dairy cows lodged in a freestall building, separated in two groups: the most productive ones with milk yield above 29 kgday-1 and the less productive, with milk yield below 14 kg/day. Results showed the effect of the environmental variables and the temperature and humidity index in the decrease in milk yield. No high correlation was found between the index and the milk yield for both studied groups.

Keywords: Thermal Comfort. Dairy Production. Temperature.

INTRODUÇÃO

O efeito das condições climáticas sobre o desempenho de vacas leiteiras é marcante, principalmente em regiões tropicais e subtropicais, razão pela qual o conhecimento das relações funcionais entre o animal e o meio ambiente, permite-se adotar procedimentos que elevam a eficiência da exploração leiteira4.

Um animal é considerado em estado de estresse quando se fazem necessários ajustes (naturais ou artificias) em seu comportamento e/ou fisiologia, com a finalidade de facilitar a expressão de seu fenótipo e fazer frente aos aspectos anti-homeostáticos do ambiente. Um agente estressor é definido como fator individual, natural ou artificial, endógeno ou exógeno, que contribui, direta ou indiretamente, para o estresse do indivíduo5.

As respostas aos estressores climáticos dependem principalmente do genótipo do animal e da intensidade do agente estressor. Seu efeito sobre os sistemas fisiológicos dos bovinos pode ser de tal magnitude, que afeta sua capacidade de crescimento, reprodução e produção 9.

A depressão na produção de leite das vacas sob estresse térmico advindo de elevadas temperaturas deve-se, primordialmente, à redução no consumo de alimentos, hipofunção da tiróide e ao gasto de energia despendida para eliminar calor do corpo. A redução no consumo de alimentos é maior quanto mais intenso o estresse térmico e seria devida, principalmente, à inibição, pelo calor, do centro do apetite localizado no hipotálamo, resultante da hipertermia corporal1.

Além da temperatura do ar, a radiação solar direta e a umidade relativa do ar quando assumem valores inferiores ou superiores a determinada faixa, podem exercer influência negativa sobre a produção. Assim, a combinação de altas temperaturas com elevada umidade deprime o desempenho de vacas leiteiras 8. Johnson e Vanjonack; apud Baccari 1, estudaram os efeitos da temperatura do ar e da umidade sobre a produção de leite para vacas das raças Holandesa, Jersey e Pardo Suíça, submetidas a variação da temperatura de bulbo seco (TBS) de 24 a 34 °C, enquanto a umidade relativa (UR) foi de 38 a 80% e quantificaram as respectivas perdas de produção. Enquanto para os registros de produção dentro da zona de termoneutralidade (TBS=24°C e UR=38%) os valores de produção foram de 100%, à medida que estes valores foram aumentando (TBS=34°C e UR=80%), ocorreu decréscimo na produção de leite de 59% para as vacas da raça Holandesa, 44% para as vacas da raça Jersey e, finalmente, 29% para aquelas da raça Pardo-Suíça.

O declínio da produção de leite também pode ser expresso através do índice de temperatura e umidade (ITU). O índice ITU pode ser descrito como uma função que leva em consideração pesos para as temperaturas dos termômetros de bulbo seco e bulbo úmido, ou a temperatura do ponto de orvalho para a relação com o desempenho dos animais (Kelly e Bond 7). Os valores do índice podem ser calculados a partir da temperatura de bulbo seco mais uma medida de umidade, e é expresso em unidades; como segue:

onde: TBS - temperatura de bulbo seco em °C e TBU- temperatura de bulbo úmido em °C.

A estimativa de declínio da produção de leite em função do ITU, de acordo com Johnson6 é dada pela equação:

onde: N= nível médio normal de produção de leite em kg/dia/vaca, e ITU = índice de temperatura e umidade.

Segundo Johnson6, a partir do valor de ITU de 72, e à medida em que este índice se elevou, a produção de leite foi declinando, sendo este declínio mais acentuado nas vacas mais produtoras. Quanto mais produtora uma vaca, maior sua taxa metabólica (produção de calor interno no organismo) e maior, também, sua sensibilidade ao estresse pelo calor. O declínio acentuou-se a partir do valor de ITU de 76 a 78. Ainda nesse estudo, as vacas de baixa produção, 13 kg/dia, foram menos afetadas com ITU de 76 que as de alta produção, 22 kgdia-1.

O termômetro de globo negro ou globotermômetro fornece, numa só medida, indicação dos efeitos combinados de temperatura do ar, temperatura radiante e velocidade do vento (Kelly e Bond 7), além de prover uma medida indireta do calor radiante do ambiente e a leitura é expressa em termos de temperatura de globo negro (Tgn), em graus Celsius (Baccari1). No trabalho de Zoa-Mboe et al.10, verificou-se que Tgn média de 37°C, das 8 às 18 horas, para vacas em lactação expostas à radiação solar direta, deprimiu a produção de leite em 9,2 % quando comparada à de vacas com acesso à sombra em que a Tgn média foi de 29,2°C.

Segundo Baêta e Souza 2 atualmente o manejo do ambiente tem sido amplamente difundido, no sentido de melhorar as condições de conforto do animal, em função da influência dos parâmetros climáticos em favorecer ou prejudicar o seu desempenho; este manejo engloba as estratégias usadas para reduzir os problemas existentes na relação animal-ambiente. Em climas quentes e úmidos, o uso de modificações ambientais, primárias ou secundárias, torna-se necessário ao combate do estresse térmico dos animais, permitindo que eles possam produzir e reproduzir com eficiência.

Baccari 1 indica a aspersão de água como uma boa alternativa de resfriamento do animal, com base no comportamento natural e na capacidade de suar das vacas.

Em alguns sistemas de produção de leite usa-se a aspersão de água combinada a ventiladores, para aliviar o estresse por altas temperaturas. Experimentos demonstram que, com esta prática, vacas holandesas produziram 7,1% a mais de leite em Israel e 15,8% a mais no Kentucky (EUA), segundo dados referidos por Bucklin et al.3. Algumas propriedades, em várias localidades do país e no exterior, aplicam a água na forma de nebulização, mediante nebulizadores. Trabalhos de pesquisa realizados na Califórnia (clima quente e seco) demonstraram ser o método eficiente, o que não ocorreu na Flórida, onde a umidade do ar é mais elevada, conforme Bucklin et al.3

De modo geral, a aplicação de água, de diferentes formas, como agente resfriador visando aliviar as vacas do estresse térmico e aumentar a produção, é recomendada nas horas mais quentes do dia, à sombra, e quando a temperatura de bulbo seco do ar ultrapassa 26-27°C e a umidade relativa do ar não é muito elevada (abaixo de 70%). O número de vezes a ser praticada é variável e deve ser economicamente viável1.

Objetivou-se com esse trabalho avaliar o declínio da produção de leite em vacas alojadas em sistema de confinamento total free-stall, em função da temperatura de bulbo seco e globo negro da instalação e do índice de temperatura e umidade.

MATERIAL E MÉTODO

Foram utilizadas 25 vacas com características genéticas e morfológicas homogêneas, da raça Holandesa, multíparas, na mesma fase da curva de lactação e puras por cruzamento, de produção média diária variando no período de 12,98 a 33,32 kgdia-1, alojadas em sistema free-stall, em fazenda de exploração comercial no estado de São Paulo, a uma longitude 47°37'52'' W e latitude 22°24'54'' S, com ventos predominantes SE.

Os animais foram alojados em galpão com pé direito de 3,5m e beiral de 0,8m, orientado Leste-Oeste, o piso era de concreto, com dimensões de 16m x 60m, a telha era de fibrocimento e cama de areia fina.

Os parâmetros ambientais, fisiológicos e comportamentais foram monitorados no interior e no exterior das instalações, no período de 10 a 20 de março de 2000. Registraram-se as temperaturas de bulbo seco (TBS), globo negro (Tgn) utilizando-se registradores de temperatura com sensor interno (para registro de TBS) e com sensor externo (adaptado para registro de Tgn), da marca DIDAIÒ. A coleta de dados foi programada a cada 15 minutos e o posterior processamento se deu com a utilização do programa computacional que acompanha o equipamento. A adaptação para medir a temperatura de globo negro foi feita incorporando-se aos registadores com sensor externo, uma esfera plástica pintada com tinta negra fosca.

Os valores de umidade relativa (UR) foram compilados da estação meteorológica distante cerca de 5 km do local onde se deu o experimento. Os valores de TBU foram calculados a partir dos dados de UR, utilizando-se o programa computacional PsicartÒ. O índice ITU foi calculado a partir da eq 1.

Os registros da produção de leite do lote de vacas foram efetuados nas ordenhas de manhã e tarde, calculando-se a média diária de produção. A partir das médias diárias das vacas nos 10 dias, tendo em vista a alta dispersão dos valores, calculou-se a distribuição normal da produção no período e se fez a seleção das vacas mais produtivas e menos produtivas. Esta seleção correspondeu às 6 vacas com produção acima de 29kgdia-1 (relativo aos valores acima do terceiro quartil da curva normal) e às 6 vacas com produção abaixo de 14kgdia-1 (relativo aos valores abaixo do primeiro quartil da curva normal).

Foram calculados os valores de ITU para os horários das 8:00h, 11:00h, 14:00h e 17:00h. Utilizando-se o software estatístico SAS, foi realizada análise de variância através da qual se calculou o P-valor e o coeficiente de Pearson, de maneira a se interagir as informações de TBS, ITU, TG e TBU nos horários acima descritos, com os valores de produção dos dois grupos de vacas, menos e mais produtivas

RESULTADOS, DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Os valores médios de produção de leite foram descartados na análise porque o interesse era evidenciar a influência dos fatores ambientais sobre os extremos de produção de leite, uma vez que, na literatura, especificamente em relação as vacas de elevada produção leiteira, são mais suscetíveis a variações no ITU. A Tab. 1 mostra os valores obtidos do teste de variância.

Nota-se que o maior nível de significância obtido na análise foi de 9%, correspondente ao declínio de -0,57 kgdia-1, relativo à TBS das 11:00h, e valores equivalente foram também encontrados para ITU no mesmo horário. Os resultados são apresentados nas vacas menos produtivas, enquanto os valores de declínio obtidos para as vacas de maior produtividade foram muito semelhantes, embora numericamente menores que a resposta das vacas menos produtivas.

Considerando-se que o manejo e a alimentação adotados durante o experimento é fato comum, estes resultados divergem do recomendado por Baccari 1 qualificando a depressão da produção não somente à alimentação, mas também ao ambiente. Procede, de acordo com esses dados, a decisão de se alterar o ambiente, com base nos dados de TBS2,3, uma vez que os valores desta variável mostraram correlação nos horários das 11:00h e 17:00h, para os dois grupos de vacas. Constata-se que, da mesma maneira que a temperatura de bulbo seco influenciou na produção média das vacas mais produtivas, também a TG teve o mesmo comportamento, concordando com o citado por Zoa-Mboe et al.10.

Os valores de ITU seguem o mesmo padrão de comportamento encontrado nas variáveis anteriores, mostrando correlação com o declínio na produção. A exemplo das demais variáveis analisadas, as respostas obtidas estão na proporção inversa, ou seja, a medida em que o ITU aumenta, diminui a produtividade das vacas, resultados esses semelhantes aos encontrados por Johnson 6. Os valores de declínio foram calculados de acordo com a equação 2 e os resultados estão nas Fig. 1 e 2.



Os resultados são diferentes dos encontrados por Johnson 6 e, embora não tenha havido uma variação alta dos valores de ITU, a variação do declínio se manteve crescente para as vacas menos produtivas. Enquanto, para as mais produtivas observou-se que houve uma tendência de queda do declínio na produção de leite, com a variação do ITU.

Com base nos resultados obtidos, verificou-se correlação relativamente baixa entre declínio na produção de leite e ITU, para os dois grupos de vacas estudados. Os investimentos na ambiência para vacas devem levar em conta os dados de clima local, de maneira a justificar o acréscimo, ou a manutenção de níveis de produtividade.

Recebido para publicação: 27/11/2001

Aprovado para public ação: 19/08/2002

  • 1
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  • 2
    BAÊTA, F. C.; SOUZA, C. F. Ambiência em edificações rurais - conforto animal. Viçosa, Editora da UFV, 1997. 246p.
  • 3
    BUCKLIN, R.A., TURNER, L.W., BEEDE, D.K., BRAY, D.R., HEMKEN, R.W. Methods to relieve heat stress for dairy cows in hot, humid climates. Applied Engineering, v7, 1991. p241-246.
  • 4
    DAMASCENO, J. C.; TARGA, L. A. Definição de variáveis climáticas na determinação da resposta de vacas holandesas em um sistema " free stall". Energia na Agricultura, Botucatu, v.12, n.2, 1997. p.12-25.
  • 5
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  • 7
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  • 8
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  • 9
    YOUSEF, M. K. Stress physiology in livestock Boca Ratton: CRC PRESS, 1985, 217p.
  • 10
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  • Endereço para correspondência
    Irenilza de Alencar Nääs
    Faculdade de Engenharia Agrícola – FEAGRI Departamento de Construções Rurais
    Caixa Postal 6011
    13083-970 – Campinas – SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jun 2003
    • Data do Fascículo
      2002

    Histórico

    • Recebido
      27 Nov 2001
    • Aceito
      19 Ago 2002
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