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Quantificação de tecido conjuntivo do músculo cardíaco de cães

Quantification of connective tissue in dogs cardiac muscle

Resumos

Objetivou-se, neste trabalho, estudar a proporção de tecido conjuntivo existente na fração ventricular direita e esquerda do músculo cardíaco de cães, buscando, através da morfometria, dados referentes a inter-relação entre o tecido conjuntivo e o tecido muscular cardíaco, para o conhecimento das relações anátomo-funcionais da estrutura cardíaca, característica de determinados processos ligados a diminuição do trabalho do órgão. Utilizou-se 6 corações de cães SRD, machos e fêmeas, com idade entre 48 e 150 meses, pesando entre 18 e 30 Kg, sem alterações cardíacas, confirmado mediante exames eletrocardiográfico e ecocardiográfico. Preparou-se o material oriundo de três regiões ventriculares em relação a sua base, proximal, média e distal, tanto da face direita quanto da esquerda, segundo as técnicas histológicas convencionais e corados com Picrosirius red, Fucsina-Paraldeido e Tricromo de Gomori, para evidenciação das fibras conjuntivas. As lâminas foram analisadas com auxílio do Axioscópio Zeiss acoplado ao programa de análise de imagens KS-400 Zeiss. A quantidade de tecido conjuntivo no Ventrículo Esquerdo variou de 0,44 a 26,26%; no Ventrículo Direito variou de 0,97 a 21,18%; no ápice variou de 1,32 a 29,24% e no septo interventricular variou de 5,41 a 11,24%. Os resultados obtidos mostram que há uma complexa rede de fibras conjuntivas envolvendo as fibras do tecido muscular cardíaco e que sua quantidade e disposição é muito variada, dependendo da região estudada.

Cães; Coração; Miocárdio; Tecido Conjuntivo; Colágeno


The aim of this study was to evaluate the ratio of connective tissue on the right and left ventricule of the cardiac muscle in the dog. Throughout the morphometric study, we can gather information regarding the relationship between the connective and the muscle tissue, in order to find out the anatomic and functional relationship of the heart, which can provide information as for the diseases of the heart. In this study, we evaluated the heart of 6 dogs, males and females, from 48 to 150 months-old, whose weight ranged from 18 to 30 kilograms, with no heart diseases confirmed by eletrocardographic and echocardiographic examinations. We got sample from 3 different regions of the ventricule, on the proximal, medial and distal faces, both on the right and left parts. We used the Picrosirius red and Gomori's Trichrome to stain the material and bring out the connective fibers. We evaluated the slides by Axioscope Zeissâ with program KS400 analyse of images. The amount of connective tissue on the left ventricule ranged from 0.44 to 26.26%. On the right ventricule, it ranged from 0.97 to 21.18%. On the apex, it ranged from 1.32 to 29.24% and on the septo interventricular, it ranged from 5.41 to 11.24%. The results showed that there is a accureted connective fibers pattern surrounding the cardiac muscle tissue and it has an assorted amount and arrangement of fibers.

Dogs; Heart; Myocardium; Connective tissue; Collagen


Quantificação de tecido conjuntivo do músculo cardíaco de cães

Quantification of connective tissue in dogs cardiac muscle

Hildebrando Gomes Benedicto; Pedro Primo Bombonato

Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, São Paulo – SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Pedro Primo Bombonato Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP Avenida Prof. Orlando Marques de Paiva, 87 - Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira 05508-270 – São Paulo – SP e-mail: bombonat@usp.br; hillgb@fmvz.usp.br

RESUMO

Objetivou-se, neste trabalho, estudar a proporção de tecido conjuntivo existente na fração ventricular direita e esquerda do músculo cardíaco de cães, buscando, através da morfometria, dados referentes a inter-relação entre o tecido conjuntivo e o tecido muscular cardíaco, para o conhecimento das relações anátomo-funcionais da estrutura cardíaca, característica de determinados processos ligados a diminuição do trabalho do órgão. Utilizou-se 6 corações de cães SRD, machos e fêmeas, com idade entre 48 e 150 meses, pesando entre 18 e 30 Kg, sem alterações cardíacas, confirmado mediante exames eletrocardiográfico e ecocardiográfico. Preparou-se o material oriundo de três regiões ventriculares em relação a sua base, proximal, média e distal, tanto da face direita quanto da esquerda, segundo as técnicas histológicas convencionais e corados com Picrosirius red, Fucsina-Paraldeido e Tricromo de Gomori, para evidenciação das fibras conjuntivas. As lâminas foram analisadas com auxílio do Axioscópio Zeiss acoplado ao programa de análise de imagens KS-400 Zeiss. A quantidade de tecido conjuntivo no Ventrículo Esquerdo variou de 0,44 a 26,26%; no Ventrículo Direito variou de 0,97 a 21,18%; no ápice variou de 1,32 a 29,24% e no septo interventricular variou de 5,41 a 11,24%. Os resultados obtidos mostram que há uma complexa rede de fibras conjuntivas envolvendo as fibras do tecido muscular cardíaco e que sua quantidade e disposição é muito variada, dependendo da região estudada.

Palavras-chave: Cães. Coração. Miocárdio. Tecido Conjuntivo. Colágeno.

SUMMARY

The aim of this study was to evaluate the ratio of connective tissue on the right and left ventricule of the cardiac muscle in the dog. Throughout the morphometric study, we can gather information regarding the relationship between the connective and the muscle tissue, in order to find out the anatomic and functional relationship of the heart, which can provide information as for the diseases of the heart. In this study, we evaluated the heart of 6 dogs, males and females, from 48 to 150 months-old, whose weight ranged from 18 to 30 kilograms, with no heart diseases confirmed by eletrocardographic and echocardiographic examinations. We got sample from 3 different regions of the ventricule, on the proximal, medial and distal faces, both on the right and left parts. We used the Picrosirius red and Gomori's Trichrome to stain the material and bring out the connective fibers. We evaluated the slides by Axioscope Zeissâ with program KS400 analyse of images. The amount of connective tissue on the left ventricule ranged from 0.44 to 26.26%. On the right ventricule, it ranged from 0.97 to 21.18%. On the apex, it ranged from 1.32 to 29.24% and on the septo interventricular, it ranged from 5.41 to 11.24%. The results showed that there is a accureted connective fibers pattern surrounding the cardiac muscle tissue and it has an assorted amount and arrangement of fibers.

Key-words: Dogs. Heart. Myocardium. Connective tissue. Collagen.

Introdução

Nas últimas décadas, a busca pelo conhecimento do coração tem sido empreendida de forma vigorosa, pois alguns de seus aspectos funcionais e da sua forma, bem como se relacionam, são questões que ainda não estão por completo respondidas.

Estruturas como o músculo cardíaco, cuja forma e função são fundamentais para o trabalho adequado de todo o sistema cardiovascular, ganharam grande importância atualmente devido ao seu envolvimento em muitas das doenças cardíacas, uma vez que, modificações nesta estrutura podem ocasionar falhas e comprometer outros sistemas intrínsecos e extrínsecos do coração e por conseguinte todo o organismo.

O tecido conjuntivo do músculo cardíaco é um importante componente responsável pelo mecanismo ventricular de contração e relaxamento. Morfologicamente há 3 tipos descritos de tecido conjuntivo em corações de mamíferos: o epimisio: faixa de tecido conjuntivo ao redor de uma faixa muscular do coração; o endomisio: pequena porção de tecido conjuntivo ao redor das células musculares do coração; o perimisio: faixa de tecido conjuntivo que une o endomisio ao epimisio e ao redor de grupos celulares do músculo cardíaco. Estudos na matriz do tecido conjuntivo extracelular no coração têm mostrado uma complexa hierarquia organizacional1. A matriz intersticial de colágeno é um componente importante do miocárdio, que cerca e apóia os miócitos e a microcirculação coronária2. Os tipos principais de colágeno presentes no interistício do miocárdio são I, III e V, sendo predominante o colágeno tipo I. O colágeno é a única proteína do organismo que mostra mudanças definidas conforme a idade, uma relação direta com o processo de envelhecimento3 e o aumento no conteúdo total de colágeno de certos tecidos tem sido encontrado com a variação da idade4,5. O fator responsável pelo aumento no conteúdo de fibras colágenas é, no momento, desconhecido.

Junqueira e Carneiro6 afirmam que os três tipos principais de fibras do conjuntivo são as colágenas, reticulares e elásticas, que se distribuem desigualmente entre as variedades de tecido conjuntivo, e as fibras predominantes muitas vezes são responsáveis por certas propriedades do tecido.

Debessa, Maifrino e Souza3 estudando o tecido muscular cardíaco de 12 corações e, em especial, as fibras de colágeno, demonstrou que há diferenças na quantidade e tipos de fibras de colágeno entre os corações de jovens e velhos. A perda de miócitos poderia ser uma causa da acumulação de colágeno, outro possível mecanismo para a acumulação de colágeno com a idade poderia ser uma inibição de degradação de colágeno. Assim, o aumento do colágeno miocárdico pode contribuir para a diminuição da elasticidade ventricular com a idade7.

Necessário se faz estudar os mecanismos que envolvem o trabalho cardíaco, bem como todas as estruturas que participam deste. Para isto dispomos de diversas técnicas de estudo, uma delas é a morfometria, que tem servido de pilar de sustentação para o embasamento conceitual da anatomia e, em especial, da anatomia funcional, uma vez que os dados métricos de alguma forma refletem também a disposição funcional.

A literatura, pobre no sentido de discorrer sobre a inter-relação existente entre a morfologia do tecido muscular do coração e a quantidade de tecido conjuntivo, foi sem dúvida a nossa maior motivação para desenvolvimento desse projeto. Assim, no intuito de contribuir para o preenchimento de algumas lacunas existentes na literatura; esse trabalho visa fornecer subsídios para que o clínico e/ou patologista possam avaliar o comprometimento cardíaco relacionado às alterações quantitativas de tecido conjuntivo no músculo cardíaco.

Assim, objetivou-se quantificar, proporcionalmente, o tecido conjuntivo e seus tipos existentes em determinadas frações do tecido muscular de cães.

Material e Método

Para desenvolvimento do presente trabalho utilizou-se de 6 corações de cães SRD, machos e fêmeas adultos, em igual número, sem histórico anterior de alteração cardíaca, confirmados através de exames eletrocardiográficos e ecocardiográficos, cedidos e realizados pelo Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP).

Logo após a abertura dos ventrículos, tomou-se a medida relativa a espessura da parede dos mesmos, tendo por base o terço médio da face esquerda de cada ventrículo. Retirou-se fragmentos do terço proximal, médio e distal das faces esquerda e direita dos ventrículos direito e esquerdo e, posteriormente, estes foram subdivididos, ainda, em fragmentos representativos das camadas superficial e profunda da parede miocárdica; um fragmento do septo interventricular, padronizada a parte interna do ventrículo direito; um fragmento do ápice do coração, sendo, este, também, subdividido em fragmentos das camadas superficial e profunda. Em seguida, todos os fragmentos foram fixados em solução aquosa de formol a 10,00% para preparação segundo a técnica histológica convencional. Selecionou-se 3 cortes com 5 mm de cada bloco para confecção das lâminas, perfazendo um total de 390 lâminas. Corou-se as lâminas de acordo com as técnicas: Picrosirius red, para evidenciação das fibras colágenas; Fucsina-Paraldeido e Tricromo de Gomori, para evidenciação das fibras elásticas, colágenas e demais componentes do tecido conjuntivo; Hematoxilina-Eosina, para padronização e identificação do material.

Observou-se as lâminas com auxílio do microscópio óptico Axioscópio Zeiss® e os resultados analisados em um microcomputador com programa de morfometria específico KS-400 Zeiss®. Para efeito de mensuração foram desprezadas as áreas de tecido conjuntivo referentes ao epícardio, endocárdio e margens das artérias ou veias (perivascular). Em seguida procedeu-se a análise e discussão dos resultados. (Figuras 1 e 2)



Resultados

Encontrou-se quantidade variável de tecido conjuntivo envolvendo as artérias coronárias e as camadas do endocárdio e epicárdio, regiões descartadas previamente para fins de quantificação, e distintamente quantidade de tecido conjuntivo menor do que a primeira referida envolvendo os miócitos. Também esta quantidade de tecido conjuntivo variava conforme a porção observada (Tabela 1). As fibras que predominantes eram do tipo colagênicas, já as fibras elásticas restringiam-se as regiões de vasos, epicárdio e endocárdio. (Figuras 3 e 4).



Dos animais utilizados, em relação ao sexo, buscou-se a sua paridade, portanto trabalhou-se o mesmo número de machos e fêmeas. Já, concernente a idade, esta ficou compreendida entre 48 e 150 meses em animais pesando entre 18,6 e 30 Kg.

Quanto a altura ventricular e espessura dos ventrículos: a altura ventricular (AV) variou de 7,3 a 11,2 cm, com média de 8,9 cm, mediana de 8,6 cm e desvio padrão de ±1,54. A espessura dos ventrículos (EV) variou de 0,3 a 0,6 cm, com média de 0,4 cm, mediana de 0,35 e desvio padrão de ±0,12; de 0,8 a 1,4 cm, com média de 1,13 cm, mediana de 1,15 cm e desvio padrão de ±0,19, respectivamente para os ventrículos direito e esquerdo.

A quantidade de tecido conjuntivo presente no miocárdio do ventrículo esquerdo de cães variou conforme a porção estudada (Tabela 1). No ventrículo esquerdo encontramos quantidade de tecido conjuntivo que variou de 0,44% a 19,69%, com média de 6,38% segundo a técnica FPG e de 1,33% a 26,26%, com média de 9,51% segundo a técnica PR. No ventrículo direito encontramos variação de 0,97% a 18,44%, com média de 7,58% segundo a técnica FPG e de 1,32% a 21,18% segundo a técnica PR. No ápice do coração, variação de 1,32% a 13,40%, com média de 5,15.00% segundo a técnica FPG e de 1,35.00% a 29,24% segundo a técnica PR. Já o septo interventricular variou de 6,79% a 11,24%, com média de 8,62% segundo a técnica FPG e de 5,41% a 9,60%, com média de 7,57% segundo a técnica PR.

No referente as correlações, notou-se que o trabalho sinaliza a existência de uma distribuição variável de tecido conjuntivo, sem a manutenção de relação específica, quer seja de localização (ventrículo, ápice e septo interventricular), porção (proximal, média e distal) ou camada (superficial e profunda). No entanto, algumas correlações indicam relação positiva entre o peso e a idade do animal com a quantidade de tecido conjuntivo presente no ápice; entre a idade e o septo interventricular; entre a altura ventricular e a espessura ventricular com o septo interventricular; entre as faces esquerdas de ventrículos esquerdo e direito, porção proximal. Outras indicam relação negativa, tais como: peso do animal e a quantidade de tecido conjuntivo presente no septo interventricular; entre a altura ventricular e o ápice.

Discussão

Os relatos contidos na literatura indicam que a parede do coração é constituída de três camadas, o epicárdio, o miocárdio e o endocárdio; também apresenta um esqueleto de tecido conjuntivo que sustenta e dá inserção a musculatura, sendo a espessura da camada miocárdica proporcional ao volume de trabalho que executa8.

Apesar dos muitos estudos sobre a organização tecidual dos corações de mamíferos, poucas informações avaliam os aspectos estruturais do espaço extracelular do miocárdio. A região entre a superfície celular miocárdica e o caminho dos capilares não tem sido estudada em detalhes nem tem suas estruturas sido quantificadas9, de sorte que aspectos como estes é que levaram ao empreendimento deste trabalho.

Segundo Robinson, Cohen-Gould e Factor1 o tecido conjuntivo do músculo cardíaco está constituído por componentes que variam grandemente em tamanho e forma. A diversidade destas estruturas, indubitavelmente, refletem um considerável requerimento dinâmico do coração como, por exemplo, sua resistência às dramáticas mudanças de sua forma durante o ciclo cardíaco. Em nosso material encontramos uma considerável variação na proporção de componentes conjuntivos das diversas porções do músculo cardíaco de cães, sem no entanto permiti-nos o estabelecimento de uma caracterização regional para a distribuição do tecido conjuntivo.

Sanches-Quintana et al.10 concluíram que o colágeno é o maior componente da matriz do tecido conjuntivo intramiocárdico, observando, ainda, aumento de colágeno e remodelação na matriz do tecido conjuntivo em corações anormais. Nossos achados indicam que a predominância de tecido conjuntivo, presente nas porções miocárdicas estudadas, eram essencialmente formadas por colágeno e que as fibras elásticas estavam restritas nas regiões de epicárdio, endocárdio, camadas íntima e média dos grandes vasos.

Segundo Doerr (1959) apud Bargmann11, o tecido intersticial do miocárdio não está igualmente desenvolvido em todas as partes. A parede do ventrículo direito cujas fibras musculares são mais delgadas que a do esquerdo, tendo por outro lado mais interstício que este; os processos inflamatórios e o edema se estendem com mais facilidade naqueles pontos onde o interstício conjuntivo é mais desenvolvido e, também, os produtos do metabolismo se depositam preferencialmente nestes locais. Com relação a este fato, encontramos em nosso trabalho resultados que concordam com a citação do autor, ainda que aquele não tenha se prendido as observações quantitativas, valendo-se de amostras e observações subjetivas para tal afirmação; de fato o ventrículo direito apresentou maior quantidade de tecido conjuntivo do que o esquerdo, se comparado os valores médios de cada porção (Tabela 1); parece-nos que processos intersticiais ocorrem predominantemente onde o tecido intersticial é mais desenvolvido, por conta da sua disposição e das suas características hidrófilas, no entanto, ressaltamos que tal fato não foi objetivo de nossa exploração, ainda que, subjetivamente verificado.

Frank e Langer9, estudando o interstício do miocárdio de coelhos, relatam que o referido espaço possue 4,00% de fibras colágenas. Ao analisar a quantidade, a solubilidade e a composição de colágeno intramuscular do ventrículo esquerdo de vários mamíferos, usando a determinação do conteúdo de hidroxiprolina, Medugorac12 descobriu que o tecido do ventrículo esquerdo do rato contém normalmente 2,20% de colágeno, entretanto, o porco e coelho apresentaram 3,20% e, ainda, o gato, a vaca e o cão 3,80%; com 55,00 a 90,00% do total de colágeno extraído, através da digestão moderada com pepsina a 0,10%. Concluiu que o conteúdo de colágeno miocárdico pode ser substancialmente alterado em certas doenças miocárdicas, entretanto não observou alterações na distribuição desse componente, mas acredita que alterações na distribuição ou relação dos tipos de colágeno podem afetar as propriedades mecânicas do músculo cardíaco. Segundo o autor cerca de 88,00% do total de colágeno do ventrículo esquerdo do coração de cão foi extraído, se analisarmos esta proporção e compararmos aos nossos dados veremos que encontraremos semelhanças entre eles; também concordamos que alterações na quantidade ou distribuição das fibras de colágeno podem ou devem afetar a função cardíaca. Nossos achados são concordantes com aquele relatado para cães, ainda que os valores citados mantenham certas divergências com os nossos valores absolutos; assim cremos que tais divergências possam estar sendo decorrentes da estratégia metodológica diferente daquela por nós adotada; pode-se dizer que o autor valeu-se da extração do tecido conjuntivo pela técnica da pepsina, ou ainda, do fato de que ele não diferencia o tecido intersticial do endocárdio, epicárdio e perivascular do tecido intersticial do miocárdio.

Sobel e Marmorston4; Clausen5 concluíram que o aumento do conteúdo total de colágeno de certos tecidos tem sido encontrado com a variação da idade; também Wézar7 e Debessa, Maifrino e Souza3 notaram que o aumento de colágeno miocárdico pode contribuir para a diminuição da elasticidade ventricular com a variação da idade; mesmo não encontrando uma correlação clara entre idade e quantidade de tecido conjuntivo, notamos que alguns segmentos possuíam correlação positiva, como por exemplo o ápice, algumas porções dos ventrículos e a parede septal, tal fato é importante pois nos leva a acreditar que com a variação da idade pode haver um aumento progressivo na quantidade de tecido conjuntivo presente no interstício do coração de cães, concordando com as afirmações relatadas, anteriormente, ainda que a metodologia por eles empregada seja diferente daquela proposta para este trabalho.

Abrahams, Janicki e Weber13 concluiram que alterações no esqueleto de colágeno que foram observadas nas hipertrofias devem ter um papel significativo na diminuição da função ventricular. Concordamos com os mesmos por acreditar na inter-relação forma e função, portanto modificações que venham a sofrer quaisquer um dos componentes dos tecidos cardíacos podem comprometer toda a atividade do órgão.

Conclusões

Em face aos resultados apresentados e os argumentos discutidos viemos por concluir que:

1. Há uma complexa rede de fibras de tecido conjuntivo envolvendo o tecido miocárdico.

2. A quantidade de fibras existentes varia conforme a região, não estabelecendo-se a predominância evidente entre as porções, as faces, as camadas e os lados.

3. A quantidade de tecido conjuntivo presente no miocárdio do ventrículo esquerdo de cães variou de 0,44% a 26,26%; com média de 6,38% e 9,51% segundo a coloração.

4. A quantidade de tecido conjuntivo presente no miocárdio do ventrículo direito de cães variou de 0,97% a 21,18%; com média de 7,58% e 9,03% segundo a coloração.

5. A quantidade de tecido conjuntivo presente no ápice do coração de cães variou de 1,32% a 29,24%; com média de 5,15.00% e 9,77% segundo a coloração.

6. A quantidade de tecido conjuntivo presente no septo interventricular do coração de cães variou de 5,41% a 11,24%; com média de 8,62% e 7,57% segundo a coloração.

7. As correlações feitas entre a quantidade de tecido conjuntivo e as variáveis peso, idade, altura ventricular, espessura ventricular e as diversas porções apresentaram resultados dispersos sem a manutenção de uma relação específica; mas cabe ressaltar que algumas porções exibiram correlação positiva, entre elas a quantidade de tecido conjuntivo existente no ápice do coração e no septo interventricular e a idade do animal, indicando que conforme varia a idade do mesmo há um aumento de tecido conjuntivo presente nestas porções.

Recebido para publicação: 03/07/2002

Aprovado para publicação: 05/09/2002

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  • Endereço para correspondência

    Pedro Primo Bombonato
    Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP
    Avenida Prof. Orlando Marques de Paiva, 87 - Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira
    05508-270 – São Paulo – SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Maio 2004
    • Data do Fascículo
      2003

    Histórico

    • Recebido
      03 Jul 2002
    • Aceito
      05 Set 2002
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