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Avaliação eletroneuromiográfica em gatos normais e submetidos ao hiperparatireoidismo secundário nutricional

Electroneuromyographic evaluation in healthy cats and in those submitted to the nutritional secondary hyperparathyroidism

Resumos

O trabalho teve por objetivos estudar a condução nervosa motora e a transmissão neuromuscular e eletromiografia de repouso em gatos normais (grupo I), submetidos a hiperparatireoidismo secundário nutricional (grupo II). Para estudo normativo (grupo I), foram utilizados 10 gatos, aparentemente saudáveis, sem raça definida, sendo seis machos e quatro fêmeas, com idades entre 4 e 5 meses e peso médio de 1,67kg. No grupo II, empregaram-se 10 gatos, sem raça definida, sendo cinco machos e cinco fêmeas, com idade aproximada inicial entre 2 e 3 meses e peso inicial médio de 820 gramas. Após um período de adaptação de 10 dias, foram alimentados por 60 dias com coração bovino moído e cru, visando a indução de hiperparatireoidismo secundário nutricional. Foi possível concluir que latência, amplitude e velocidade de condução nervosa motora e os achados eletromiográficos das atividades insercional e espontânea de gatos com hiperparatireoisdismo secundário nutricional, apresentaram um padrão similar aos de gatos normais da mesma idade. Para estimulações repetitivas a 3Hz, observou-se tendência global a decremento dos potenciais de ação musculares compostos e a 10 Hz houve tendência de incremento ou decremento; entretanto, tais variações apresentaram-se dentro dos limites de normalidade.

Gatos; Condução Nervosa; Eletromiografia; Hiperparatireoidismo; Nutricional


The aim of this study was to evaluate the motor nerve conduction velocity, neuromuscular transmission, and electromyography at rest in healthy cats (group I) and in cats submitted to the nutritional secondary hyperparathyroidism (group II). Ten mongrel cats, six males and four females, aged between 4 and 5 months and average body weight of 1.67 kg were used to establish normal pattern (group I). Ten mongrel cats, five males and five females, initial age between 2 and 3 months, old and initial body weight of 820 grams were used in group II. After 10 days of adaptation period, the group II animals were fed with raw heart beef for 60 days to induce the nutritional secondary hyperparathyroidism. It was possible to conclude that the motor nerve conduction velocity, and electromyographic findings of insertional and spontaneous activities of cats with nutritional secondary hyperparathyroidism showed similar pattern to healthy cats at the same age. Using repetitive stimulation at 3Hz it was observed global tendency to decrement of the compound muscle action potentials, and using repetitive stimulation at 10Hz a tendency to decrement or increment occurred; though, the variations were at normal limit.

Cats; Conduction Studies; Electromyography; Hyperparathyroidism; Nutritional


Avaliação eletroneuromiográfica em gatos normais e submetidos ao hiperparatireoidismo secundário nutricional

Electroneuromyographic evaluation in healthy cats and in those submitted to the nutritional secondary hyperparathyroidism

Sheila Canevese RahalI; Luiz Antonio de Lima ResendeII; Ana Carolina MortariI; Sandra Regina TorelliI; Evelyn Hasegawa Gonçalves CaporaliI

IDepartamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp, Botucatu - SP

IIMédico Neurologista e Eletromiografista - Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Unesp, Botucatu - SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência SHEILA CANEVESE RAHAL Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP Distrito de Rubião Júnior, s/n 18618-000 - Botucatu - SP sheilacr@fmvz.unesp.br

RESUMO

O trabalho teve por objetivos estudar a condução nervosa motora e a transmissão neuromuscular e eletromiografia de repouso em gatos normais (grupo I), submetidos a hiperparatireoidismo secundário nutricional (grupo II). Para estudo normativo (grupo I), foram utilizados 10 gatos, aparentemente saudáveis, sem raça definida, sendo seis machos e quatro fêmeas, com idades entre 4 e 5 meses e peso médio de 1,67kg. No grupo II, empregaram-se 10 gatos, sem raça definida, sendo cinco machos e cinco fêmeas, com idade aproximada inicial entre 2 e 3 meses e peso inicial médio de 820 gramas. Após um período de adaptação de 10 dias, foram alimentados por 60 dias com coração bovino moído e cru, visando a indução de hiperparatireoidismo secundário nutricional. Foi possível concluir que latência, amplitude e velocidade de condução nervosa motora e os achados eletromiográficos das atividades insercional e espontânea de gatos com hiperparatireoisdismo secundário nutricional, apresentaram um padrão similar aos de gatos normais da mesma idade. Para estimulações repetitivas a 3Hz, observou-se tendência global a decremento dos potenciais de ação musculares compostos e a 10 Hz houve tendência de incremento ou decremento; entretanto, tais variações apresentaram-se dentro dos limites de normalidade.

Palavras-chave: Gatos. Condução Nervosa. Eletromiografia. Hiperparatireoidismo. Nutricional.

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate the motor nerve conduction velocity, neuromuscular transmission, and electromyography at rest in healthy cats (group I) and in cats submitted to the nutritional secondary hyperparathyroidism (group II). Ten mongrel cats, six males and four females, aged between 4 and 5 months and average body weight of 1.67 kg were used to establish normal pattern (group I). Ten mongrel cats, five males and five females, initial age between 2 and 3 months, old and initial body weight of 820 grams were used in group II. After 10 days of adaptation period, the group II animals were fed with raw heart beef for 60 days to induce the nutritional secondary hyperparathyroidism. It was possible to conclude that the motor nerve conduction velocity, and electromyographic findings of insertional and spontaneous activities of cats with nutritional secondary hyperparathyroidism showed similar pattern to healthy cats at the same age. Using repetitive stimulation at 3Hz it was observed global tendency to decrement of the compound muscle action potentials, and using repetitive stimulation at 10Hz a tendency to decrement or increment occurred; though, the variations were at normal limit.

Key-words: Cats. Conduction Studies. Electromyography. Hyperparathyroidism. Nutritional.

Introdução

A eletroneurografia ou estudo da condução nervosa1, permite diferenciar neuropatias axonais das desmielinizantes. Em teste de condução nervosa motora, registra-se o potencial muscular evocado pela estimulação do nervo, e no estudo da condução sensitiva, registra-se o potencial do próprio nervo. A velocidade de condução nervosa motora (m/s) é determinada pelo comprimento do segmento do nervo entre os dois locais de estimulação, dividido pela diferença em latência entre os potenciais de ação muscular composto - PAMC2. Existem três tipos básicos de anormalidades comumente encontradas em estudos da condução nervosa motora, quando estimula-se o nervo proximal à lesão: amplitude reduzida com latência um pouco aumentada ou normal, latência aumentada com amplitude relativamente normal, ausência de resposta.3 Dano em axônio ou disfunção resulta em perda de amplitude, ao passo que desmielinização leva a um prolongamento do tempo de condução.

Pela eletromiografia a atividade elétrica de um músculo pode ser determinada na inserção de um eletrodo de exploração, em repouso, e em contrações mínimas e máximas4. Anormalidades da atividade elétrica incluem descarga anormal na inserção; potenciais de ação alterados em formato, tamanho, freqüência e velocidade; e atividade espontânea em um músculo relaxado4,5. A atividade voluntária não pode ser induzida facilmente em animais, sendo a eletromiografia geralmente limitada aos músculos em repouso1. A atividade espontânea deve ser realizada com o animal anestesiado. Desta forma, nenhuma atividade elétrica é registrada no músculo normal, com exceção do ruído do potencial de placa motora, observado quando a agulha está na área da junção neuromuscular.6,7

O teste mais comum para investigação da transmissão neuromuscular consiste na estimulação repetitiva, em que um nervo motor é estimulado repetidamente e as ondas M evocadas registradas, utilizando-se a mesma técnica para estudos da condução nervosa motora.1 Estímulos de intensidade supramáxima são aplicados em diferentes freqüências (1 a 10 por segundo), sendo usados em humanos em torno de 2 a 5 por segundo.

As características eletrofisiológicas da condução motora em sete gatos normais, com mais de um ano de idade, foram determinadas por Malik e Ho.8 A velocidade de condução no nervo tibial (proximal-distal) variou de 86,4-133,7ms (média-101,4) e a latência distal de 1,88 ± 0,4ms, por sua vez a do nervo ulnar foi de 60,2-124,2 ms (média-88,3) e a latência distal de 1,3 ± 0,3ms. O índice de decremento para o músculo interósseo plantar/nervo tibial variou de 81-116% a 3Hz e 83-107% a 10Hz, e para o músculo interósseo palmar/nervo ulnar variou de 95-106% a 3Hz e 79-108% a 10Hz. Concluíram ser a condução nervosa motora substancialmente mais rápida em gatos do que em cães. Embora um pequeno declínio na amplitude de sucessivos potenciais tenha sido observado após estimulação repetitiva dos nervos tibial e ulnar a 20Hz, o decremento foi menos nítido que no cão.

Scott e Greaves9 ao examinarem gatos submetidos ao hiperpatireoidismo secundário nutricional e paralisados, verificaram que o tônus dos músculos dos membros posteriores estava fraco e nenhuma reação postural pode ser induzida. A medula espinhal apresentava lesões compressivas pelas anormalidades ósseas da coluna. Nos gatos com deficiência de cálcio, mas sem paralisia, não foram encontradas alterações histológicas da medula. Entretanto, o cérebro tinha consistência menos firme que nos gatos que receberam suplementação de cálcio. Fraqueza muscular, com perda de peso do músculo bíceps femoral foi observada apenas em gatos parcialmente paralisados. No exame histológico não foi detectada miopatia.

Anormalidades eletromiográficas não específicas foram encontradas, por Pedersen10, em diversos pontos dos músculos paraespinhais, extensor do carpo e interósseo, em gatos Persas de 17 semanas de idade com hiperparatireoidismo secundário nutricional. As velocidades de condução nervosa foram normais. Havia, entretanto, algum decremento de potenciais musculares na estimulação repetitiva, sem recuperação em 1, 3 e 5 segundos após. Biópsias musculares demonstraram uma miodegeneração caracterizada por focos pequenos de duas a três miofibras necróticas. Havia um modesto número de macrófagos no perimísio do tecido conjuntivo e dentro das miofibras necróticas.

De acordo com Engel11, a fraqueza muscular em humanos pode ocorrer no hiperparatireoidismo primário, secundário e na osteomalácia. Em alguns estudos a eletromiografia não mostrou fibrilações ou fasciculações e a biópsia revelou atrofia simples, mudança vacuolar mínima, atrofia de fibra tipo II e mudanças que podem sugerir atrofia de denervação média. Há especulações de que o envolvimento em ambos os tipos de hiperparatireoidismo seja neuropático.

Mesmo com o número cada vez mais elevado de dietas comerciais para gatos, o hiperparatireoidismo secundário nutricional ainda constitui um problema em nossa região, especialmente pela desinformação e baixo poder aquisitivo dos proprietários. Vários animais são trazidos por apresentarem claudicações, fraturas ou paralisias. Nos relatos de casos clínicos e experimentais, há vários estudos referentes aos achados radiográficos e laboratoriais, mas poucos fazem referências às alterações eletroneuromiográficas. Pelo exposto, o trabalho teve por objetivos estudar a condução nervosa motora e a transmissão neuromuscular e eletromiografia de repouso em gatos normais e submetidos a hiperparatireoidismo secundário nutricional.

Materiais e Métodos

Grupo I

Para estudo normativo (grupo I) foram utilizados 10 gatos, aparentemente saudáveis, sem raça definida, seis machos e quatro fêmeas, com idades entre 4 e 5 meses e peso médio de 1,67kg.

Para o procedimento e técnica eletroneuromiográfica (ENMG), os animais, em jejum de 12 horas, foram tranqüilizados com maleato de acetilpromazina (0,1 mg/kg/IV) e, quinze minutos após, anestesiados com propofol na dose de 5 mg/kg/IV. A manutenção foi efetuada com o mesmo agente e em doses suficientes para se obter o plano anestésico desejado. Para a realização dos exames os gatos, foram mantidos em decúbito lateral e a temperatura corpórea mensurada. Foi utilizado aparelho Nicolet Compass Meridian TM1(Nicolet Biomedical Inc. - P.O. Box 44451 - Madison, WI, USA), de 2 canais.

A condução nervosa motora foi estudada no nervo ulnar e no nervo tibial.3 No membro torácico os eletrodos de captação, discos de platina de 5 mm de diâmetro, G1 (eletrodo ativo) e G2 (eletrodo indiferente), foram posicionados, respectivamente, no corpo e tendão do músculo interósseo na região do 5º dedo, após limpeza da pele com álcool e utilização de gel eletrodo condutivo. Os pontos de estímulo foram: 2-3 cm proximal do olécrano na face medial (estímulo proximal), e na região do processo estilóide da ulna (estímulo distal). O terra foi interposto entre o catodo do estimulador e G1. No membro pélvico, os eletrodos de captação G1 e G2, foram posicionados, respectivamente, no corpo e tendão do músculo interósseo na região do 2º dedo, após limpeza da pele com álcool. Os pontos de estímulo foram: adjacente ao trocânter maior (estímulo proximal) e 1 cm proximal ao calcâneo (estímulo distal). O terra foi interposto entre o catodo do estimulador e G1. Foi utilizada base de tempo de 2 milisegundos/cm, sensibilidade de 2 milivolts/cm e filtros com banda passante de 20 a 3000 Hz. O estímulo elétrico supramáximo, aplicado com 1 cm de distância entre catodo e anodo, foi pulso quadrado de corrente contínua de 0,2 milisegundos de duração.

A eletromiografia de repouso foi realizada após inserção de eletrodo co-axial de 20 mm de comprimento, no músculo tibial cranial esquerdo, com terra adjacente. A base de tempo foi de 10 milisegundos/cm, sensibilidade de 20 microvolts/cm e filtros com banda passante de 10 a 10.000 Hz.

Para a transmissão neuro-muscular foram empregadas estimulações repetitivas com freqüências de 3 e 10 Hz. O estímulo elétrico foi pelo menos 20% superior àquele necessário para obtenção do potencial de ação muscular composto, correspondendo a pulsos quadrados de corrente contínua de 0,2 ms de duração, aplicados por eletrodos de superfície com distância de 1cm entre catodo e anodo.

Grupo II

Foram empregados 10 gatos, sem raça definida, sendo cinco machos e cinco fêmeas, com idade aproximada inicial entre 2 e 3 meses e peso inicial médio de 820 gramas, alocados dois a dois em jaulas de 60X49X52 cm, recebendo água e alimentação ad libitum.

Após vermifugação e vacinação, os animais foram submetidos a um período de adaptação de 10 dias, nos quais receberam um mesmo tipo de ração comercial para filhotes, considerada de boa qualidade. Posteriormente, foram alimentados por 60 dias com coração bovino moído e cru, visando indução de hiperparatireoidismo secundário nutricional. Para o controle da desmineralização óssea foi realizada a densitometria óptica por imagens radiográficas, bem como exames físicos e bioquímicos de cálcio, fósforo e fosfatase alcalina.

Os estudos ENMG foram realizados da mesma forma que no grupo I, no 60º dia após a introdução da dieta com coração bovino, ou seja, no período em que os sinais clínicos e densitométricos foram indicativos do hiperparatireoidismo secundário nutricional.

Análise estatística

Para as variáveis Latência distal, Amplitude e Velocidade foi utilizado o teste T de Student não pareado, ao passo que para as variáveis mediana das respostas à estimulação repetitiva a 3 Hz e 10Hz empregou-se o teste de Mann-Whitney. O nível de significância adotado foi de 5% de probabilidade.

Resultados

Grupo I

No estudo da condução nervosa motora, os potenciais musculares proximal e distal obtidos pela estimulação do nervo ulnar tiveram uma latência média de 1,59 (DP 0,20) e 1,59 (DP 0,32), com amplitude média de 6,26 (DP 2,13) e 5,12 (DP 1,84) e velocidades médias de 81,02 (DP 9,25) e 82,08 (DP 10,15), para os membros direito e esquerdo, respectivamente. Igualmente, para o nervo tibial, encontraram-se valores de médios de latência de 2,02 (DP 0,17) e 2,13 (DP 0,28), amplitudes médias de 5,90 (DP 2,13) e 6,58 (DP 2,66) e velocidades médias de 73,68 (DP 7,18) e 75,54 (DP 8,61), para os membros direito e esquerdo, respectivamente.

O exame eletromiográfico de repouso do músculo tibial esquerdo estava dentro do padrão de normalidade, ou seja, não foi verificada nenhuma atividade espontânea. Também não foi verificada descarga anormal na inserção, tais como sua diminuição, ausência ou aumento anormal após a cessação do movimento da agulha.

Exames em condições técnicas satisfatórias para avaliação da transmissão neuro-muscular foram obtidos em 73 membros. Para estimulações repetitivas a 3Hz, observou-se uma tendência global a decremento dos potenciais de ação musculares compostos que foi, em média, 4,61% no nervo tibial direito, 2,81% no nervo tibial esquerdo, 2,60% no nervo ulnar direito e 3,53% no nervo ulnar esquerdo. Para estimulações repetitivas a 10 Hz, observou-se uma tendência de incremento ou decremento dos potencias de ação musculares compostos, que foi de 7,74% no nervo tibial direito, 8,67% no nervo tibial esquerdo, 5,94% no nervo ulnar direito e 6,05% no nervo ulnar esquerdo.

Grupo II

No estudo da condução nervosa motora, os potenciais musculares proximal e distal obtidos pela estimulação do nervo ulnar tiveram uma latência média de 1,32 (DP 0,19) e 1,40 (DP 0,12), com amplitude média de 4,41 (DP 0,84) e 4,62 (DP 2,21) e velocidades médias de 73,14 (DP 6,09) e 79,91 (DP 10,07), para os membros direito e esquerdo, respectivamente. Igualmente para o nervo tibial, encontraram-se valores médios de latência de 1,86 (DP 0,27) e 1,87 (DP 0,16), amplitudes médias de 4,68 (DP 2,68) e 4,17 (DP 1,15), velocidades médias de 76,10 (DP 7,91) e 77,38 (DP 9,07), para os membros direito e esquerdo, respectivamente.

O exame eletromiográfico de repouso do músculo tibial esquerdo estava dentro do padrão de normalidade, com exceção de dois gatos, que apresentaram fasciculações musculares. Para confirmação diagnóstica de uma possível patologia, efetuou-se biópsia do músculo tibial esquerdo em ambos os animais e de um animal controle da mesma idade, sendo o resultado compatível com um músculo normal.

Exames em condições técnicas satisfatórias para avaliação da transmissão neuro-muscular foram obtidos em 73 membros. Para estimulações repetitivas a 3Hz observou-se uma tendência global a decremento dos potenciais de ação musculares compostos que foi, em média, 3,43% no nervo tibial direito, 7,00% no nervo tibial esquerdo, 2,21% no nervo ulnar direito e 3,22% no nervo ulnar esquerdo. Para estimulações repetitivas a 10 Hz, observou-se uma tendência de incremento ou decremento dos potencias de ação musculares compostos, que foi de 6,83% no nervo tibial direito, 13,43% no nervo tibial esquerdo, 4,22% no nervo ulnar direito e 4,67% no nervo ulnar esquerdo.

Análise estatística

Não foram observadas, em geral, diferenças nas variáveis latência distal e velocidade, obtidas nos nervos tibial e ulnar, entre os membros de um mesmo grupo e entre os grupo I (controle) e II (hiperparatireoidismo secundário nutricional) (Tabela 1). A exceção foi a diferença de latência do nervo ulnar, entre os membros esquerdos dos grupos I e II. Verificaram-se diferenças significativas na amplitude do nervo tibial entre os membros direito e esquerdo do grupo II e entre os membros esquerdos dos grupos I e II. A amplitude do nervo ulnar variou entre os membros esquerdo e direito do grupo II e entre os membros direitos dos grupos I e II (Tabela 1).

Não foram detectadas diferenças nas variáveis medianas das respostas a estimulação repetitiva a 3Hz e 10Hz, tanto no nervo tibial como ulnar, entre os membros de um mesmo grupo e entre os grupos (Tabela 2).

Discussão

A latência, ou tempo necessário para induzir atividade elétrica no músculo4, foi menor no nervo ulnar comparativamente ao tibial, em ambos os grupos. Fato semelhante foi verificado em estudos normativos em gatos8,12 e cães13. Isto se explica pelas diferenças de distâncias entre estimulador e G1, maior no tibial que no ulnar.

A latência distal, em sua maioria, não variou entre os grupos, sendo ela mais significativa que a proximal. Alterações da latência proximal estão embutidas na velocidade de condução nervosa motora, determinada pelo comprimento do segmento do nervo entre os dois locais de estímulo dividido pela diferença de latência (proximal-distal).2 A única diferença significante foi a latência do nervo ulnar dos membros esquerdos dos grupos I e II. Se a latência distal estiver prolongada indica lesão nervosa abaixo do ponto estímulo3; no entanto, o maior valor pertencia aos animais do grupo I (controle). Desta forma, a diferença pode estar associada à distância entre catodo e G1, promovida pelas diferenças de tamanho de membros e de animais.

De acordo com Kimura3, entre as anormalidades encontradas em estudo da condução nervosa motora estão amplitude reduzida com latência um pouco aumentada ou normal e latência aumentada com amplitude relativamente normal. Embora tenham sido observadas algumas diferenças significativas nas amplitudes dos nervos tibial e ulnar, as velocidades de condução e latências estavam iguais nestes casos, sugerindo que não houve alteração nervosa pela avaliação eletrofisiológica.

A velocidade de condução nervosa dos animais do grupo II foi similar a dos gatos do grupo I (controle), fato também verificado por Pedersen10 em casos clínicos da doença. Isto indica que, com 60 dias de uma dieta cárnea, alterações musculares não são detectáveis, ao contrário da desmineralização óssea, perceptíveis tanto pela densitometria óssea como pelo aumento da fosfatase alcalina.

O grupo controle foi constituído de gatos, com idades e pesos semelhantes às dos animais após 60 dias de dieta cárnea, por dois motivos: o primeiro é que a idade tem grande influência na velocidade de condução nervosa, e filhotes têm velocidades de condução reduzidas em relação aos adultos1,7,14, o segundo está associado ao fato que tamanho corpóreo e velocidade de condução mostram correlação negativa.1

Comparando-se os valores normativos de condução nervosa motora encontrados em cães7,13,15,16,17 com as dos gatos do experimento, verificou-se que os animais dos grupos I (controle) e II apresentaram uma velocidade de condução mais rápida, tanto do nervo ulnar como tibial, fato também verificado por Malik e Ho8 e Ushikoshi et al..12

Entretanto, comparação entre velocidades de condução nervosa em gatos adultos normais, obtidas por Malik e Ho8, que foram de 101,4m/s para o nervo tibial (DP 12,9) e 88,3m/s para o nervo ulnar (DP 17,8), e por Ushikoshi12, que foram de 87,53m/s para o nervo tibial (DP 14,08) e 81,12 m/s para o nervo ulnar (DP 9,62), observam-se diferenças em relação ao grupo I (controle), sendo que foram de 73,68 (DP 7,18) e 75,54m/s (DP 8,62) para o nervo tibial direito e esquerdo, respectivamente, e 81,02 m/s (DP 9,76) e 82,08 (DP 10,70) para o nervo ulnar. Um fato a ser inferido é que o grau de variação entre os valores mínimos e máximos obtidos por Malik e Ho8 foram muito amplos, ao contrário do observado nos animais do grupo I e II. Por sua vez Chrisman e Clemmons17 citaram que no gato os valores normais para os nervos ciático-tibial são de 80 m/s ou mais. No entanto, os autores não especificaram a idade dos animais.

As diferenças em velocidade de condução nervosa podem estar associadas a diversos fatores, incluindo a idade dos animais1,7,14 e condições do laboratório. Também podem contribuir os fatores individuais e ambientais, como temperatura.1 Desta forma, é importante que cada laboratório estabeleça o seu normativo.

O exame eletromiográfico foi realizado apenas em repouso, devido a não cooperação dos animais para a realização da atividade voluntária, fato também citado por Niederhauser e Holliday.1 Como observado por outros autores4,5,6,7, nos animais do grupo I (controle) não foram detectadas alterações anormais durante a atividade insercional, bem como atividade elétrica espontânea no músculo relaxado. Como o propofol promove uma anestesia geral, eliminou-se qualquer atividade reflexa e voluntária, sendo assim adequado para avaliar a atividades musculares espontâneas.

Dois animais do grupo com hiperparatireoidismo secundário nutricional apresentaram fasciculações musculares, que são atividades involuntárias de uma única unidade motora.4 Segundo Kimura3, os potenciais de fasciculação, embora não exclusivos, são comumente encontrados em doenças dos neurônios do corno anterior da medula, podendo também ocorrer em lesões irritativas das raízes e nervos periféricos, e desarranjos metabólicos tais como tetania e tirotoxicose, dentre outros. Como alguns animais apresentaram lesões na coluna pela descalcificação, isto poderia justificar a presença da fasciculação. No entanto, os dois animais que a manifestaram não eram portadores deste tipo de lesão. Outra possibilidade seria as alterações metabólicas induzidas pelo hiperparatireoidismo, mas o nível de cálcio sérico estava dentro dos padrões de normalidade.

Pedersen10 também verificou alterações eletromiográficas não específicas em gatos Persas de 17 semanas de idade com hiperparatireoidismo secundário nutricional, ao passo que Engel11 citou que em alguns estudos em humanos com hiperparatireoidismo primário ou secundário ocorreram fibrilações ou fasciculações. Entretanto, diferentemente destes autores, que verificaram na biópsia miodegeneração10 e atrofia muscular11, as biópsias dos animais do Grupo II estavam normais. Da mesma forma, Scoott e Greaves9 não detectaram miopatia no exame histológico de gatos submetidos ao hiperpatireoidismo secundário nutricional.

Acredita-se que as fasciculações encontradas em dois gatos do grupo II poderiam ser consideradas benignas, tanto pelos achados clínicos e biópsias, como pelo fato das mesmas, segundo Kimura3, não poderem ser consideradas patológicas a menos que também se demonstre, simultaneamente, potencias de fibrilação ou ondas agudas positivas.

Da mesma forma que o observado por Malik, Ho e Church18 em cães normais, os gatos apresentaram um decremento do potencial de ação muscular composto a 3 Hz tanto no nervo tibial/músculo interósseo plantar como no ulnar/músculo interósseo palmar. Entretanto, a 10 Hz houve tendência de incremento ou decremento, o que diferiu do decremento progressivo verificado por Malik, Ho e Church18 nestes mesmos músculos e nervos.

Por sua vez, Pedersen10 verificaram em gatos Persas de 17 semanas de idade com hiperparatireoidismo secundário nutricional, decremento de potenciais musculares na estimulação repetitiva, sem recuperação em 1, 3 e 5 segundos após, em diversos pontos dos músculos paraespinhais, extensor do carpo e interósseo. Vale salientar que a liberação de acetilcolina dos axônios terminais é dependente do íon cálcio; desta forma, a hipocalcemia poderia diminuir o limiar do potencial de repouso da membrana causando despolarização espontânea do músculo.3 Pelos métodos utilizados neste trabalho, não ocorreram alterações na junção neuromuscular, uma vez que em todos os animais com hiperparatireoidismo secundário nutricional o valor sérico do cálcio estava normal e as respostas ao potencial de ação muscular foram semelhantes ao grupo I (controle).

Conclusões

Foi possível concluir que a latência, amplitude e velocidade de condução nervosa motora e os achados eletromiográficos das atividades insercional e espontânea de gatos com hiperparatireoisdimso secundário nutricional, induzido com dieta exclusivamente cárnea por 60 dias, apresentam um padrão similar aos de gatos normais da mesma idade. Para estimulações repetitivas a 3Hz, observa-se uma tendência global a decremento dos potenciais de ação musculares compostos, ao passo que a 10 Hz há uma tendência de incremento ou decremento; entretanto, tais variações apresentam-se dentro dos limites de normalidade.

Recebido para publicação: 03/06/2003

Aprovado para publicação: 19/02/2004

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  • Endereço para correspondência
    SHEILA CANEVESE RAHAL
    Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária
    Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP
    Distrito de Rubião Júnior, s/n
    18618-000 - Botucatu - SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Set 2005
    • Data do Fascículo
      2003

    Histórico

    • Aceito
      19 Fev 2004
    • Recebido
      03 Jun 2003
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