Acessibilidade / Reportar erro

Utilidade do coágulo sangüíneo para o isolamento de Sporothrix schenckii de gatos naturalmente infectados

Sporothrix schenckii isolation from blood clot of naturally infected cats

Resumos

O diagnóstico de esporotricose disseminada costuma ser obtido através da necrópsia e o isolamento de Sporothrix schenckii do sangue é raro. Fungemia foi demonstrada in vivo através do isolamento do S. schenckii do sangue periférico de 13 (n=38; 34,2%) gatos com esporotricose naturalmente adquirida. A coinfecção com FIV e com FeLV encontradas, respectivamente, em 6 (n=34; 17,6%) casos e 1 (n=34; 2,9%), aparentemente não alterou a freqüência do isolamento de S. schenckii do sangue periférico. Comparando estes resultados aos dos hemocultivos realizados simultaneamente houve concordância de 84,2%. Assim, propomos o cultivo do coágulo como um método alternativo prático, eficiente e econômico para o diagnóstico de esporotricose disseminada em gatos in vivo.

Esporotricose; Sporothrix schenckii; Hemocultivo; Coágulo; Gato


The diagnosis of disseminated sporotrichosis is usually obtained by necropsy and the isolation of Sporothrix schenckii from blood is rare. Fungemia was shown in vivo through the isolation of S. schenckii from peripheral blood of 13 (n=38, 34.2%) cats with naturally acquired sporotrichosis. The coinfection with FIV and with FeLV found, respectively, in 6 (n=34, 17.6%) cases and 1 (n=34, 2.9%), apparently did not alter the frequency of the isolation of S. schenckii from peripheral blood. There was agreement of 84.2% comparing these results to the blood culture results simultaneously achieved. In this way, we propose the clot culture as a practical alternative method, efficient and cheap for the diagnosis of disseminated sporotrichosis in cats in vivo.

SIS Sporothrix schenckii; Lood culture; Clot. Cat.


Utilidade do coágulo sangüíneo para o isolamento de Sporothrix schenckii de gatos naturalmente infectados

Sporothrix schenckii isolation from blood clot of naturally infected cats

Tânia Maria Pacheco SchubachI; Armando de Oliveira SchubachI; Thais OkamotoI, VI; Fabiano Borges FigueiredoI; Sandro Antonio PereiraI; Luiz Rodrigo Paes LemeII; Isabele Barbiere dos SantosI, VI; Rosani Santos dos ReisII; Rodrigo de Almeida PaesII; Mauricio de Andrade PerezIV; Mauro Célio de Almeida MarzochiV; Antônio Carlos Francesconi-do-ValleIII; Bodo WankeII

IServiço de Zoonoses, Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC) - Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - RJ

IIServiço de Micologia, Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC) - Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - RJ

IIIServiço de Dermatologia, Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC) - Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - RJ

IVServiço de Epidemiologia, Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC) - Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - RJ

VServiço de Parasitologia, Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC) - Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - RJ

VIPrograma Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) - Fiocruz / CNPq - RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência TÂNIA MARIA PACHECO SCHUBACH Serviço de Zoonoses Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas-Fiocruz Av. Brasil 4365 - Manguinhos 21045-900 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil tpschu@yahoo.com.br

RESUMO

O diagnóstico de esporotricose disseminada costuma ser obtido através da necrópsia e o isolamento de Sporothrix schenckii do sangue é raro. Fungemia foi demonstrada in vivo através do isolamento do S. schenckii do sangue periférico de 13 (n=38; 34,2%) gatos com esporotricose naturalmente adquirida. A coinfecção com FIV e com FeLV encontradas, respectivamente, em 6 (n=34; 17,6%) casos e 1 (n=34; 2,9%), aparentemente não alterou a freqüência do isolamento de S. schenckii do sangue periférico. Comparando estes resultados aos dos hemocultivos realizados simultaneamente houve concordância de 84,2%. Assim, propomos o cultivo do coágulo como um método alternativo prático, eficiente e econômico para o diagnóstico de esporotricose disseminada em gatos in vivo.

Palavras-chave: Esporotricose. Sporothrix schenckii. Hemocultivo. Coágulo. Gato.

ABSTRACT

The diagnosis of disseminated sporotrichosis is usually obtained by necropsy and the isolation of Sporothrix schenckii from blood is rare. Fungemia was shown in vivo through the isolation of S. schenckii from peripheral blood of 13 (n=38, 34.2%) cats with naturally acquired sporotrichosis. The coinfection with FIV and with FeLV found, respectively, in 6 (n=34, 17.6%) cases and 1 (n=34, 2.9%), apparently did not alter the frequency of the isolation of S. schenckii from peripheral blood. There was agreement of 84.2% comparing these results to the blood culture results simultaneously achieved. In this way, we propose the clot culture as a practical alternative method, efficient and cheap for the diagnosis of disseminated sporotrichosis in cats in vivo.

Key-words: SIS Sporothrix schenckii. Lood culture. Clot. Cat.

Introdução

A esporotricose é uma doença subaguda ou crônica causada pelo fungo dimórfico Sporothrix schenckii, capaz de infectar animais e seres humanos. Embora S. schenckii tenha sido encontrado em diferentes órgãos, o isolamento a partir do sangue é raro e geralmente associado à doença sistêmica.1 O diagnóstico de esporotricose disseminada costuma ocorrer em necrópsias de animais apresentando doença avançada.2,3,4,5 Recentemente, foram isoladas S. schenckii do sangue periférico de 17 gatos com esporotricose naturalmente adquirida.6 No presente estudo são comparados os isolamentos de S. schenckii obtidos tanto de sangue total quanto de coágulo de sangue periférico de gatos em diferentes estágios da doença.

Materiais e Métodos

O estudo foi aprovado e conduzido de acordo com as normas do Comitê de Ética no Uso de Animais em Pesquisas da Fiocruz.

Foram estudados gatos com esporotricose naturalmente adquirida diagnosticada pelo isolamento de S. schenckii de fragmento de biópsia ou de secreção de lesão cutânea. Os animais foram avaliados considerando-se: tempo de evolução, estado geral, presença de sinais extra-cutâneos, número e localização de lesões.

Após tranqüilização com ketamina e acepromazina, realizou-se tricotomia e anti-sepsia da pele, no local da venopunção, com tintura de iodo 2% e álcool 70%. A coleta de sangue da veia jugular externa foi realizada com agulha e seringa: 3 mililitros de sangue foram inoculados em frascos Hemobacâ (PROBAC). Os frascos foram mantidos invertidos e, no segundo e sétimo dias, um mililitro do sedimento foi aspirado com seringa e distribuído em partes iguais em 2 frascos contendo meio agar BHI (DIFCO), incubados a 25°C e o eventual crescimento de fungos foi observado durante 6 semanas. Outros 3 mL de sangue foram depositados em tubos Vacutainerâ (Becton Dickinson) sem anticoagulante e deixados em repouso à temperatura ambiente durante 3 horas. Após a retração do coágulo o tubo foi centrifugado a 1500 rpm durante 10 minutos e o soro sobrenadante foi retirado e utilizado para pesquisa de anticorpos para o vírus da imunodeficiência felina (FIV) e pesquisa de antígenos do vírus da leucemia felina (FeLV). Ambos os testes foram realizados de acordo com as instruções do fabricante (IDEXX, Westbrook, Mass). O coágulo foi macerado e semeado em meio agar-Sabouraud com cloranfenicol (DIFCO) e agar-Mycobiotic (DIFCO), incubado a 25°C e observado durante 4 semanas. Isolados suspeitos foram subcultivados em meio agar-dextrose-batata (DIFCO) a 25°C para estudos macroscópicos e microscópicos. O dimorfismo foi demonstrado por conversão à forma em levedura em meio agar BHI (DIFCO) a 37°C.

O teste t de Student foi utilizado para comparação de médias, sempre que a distribuição era normal e as variâncias eram equivalentes. Em caso contrário, utilizou-se o teste de Wilcoxon. O teste do Qui quadrado (Yates ou Fischer) foi utilizado para análise da comparação de proporções.

Resultados

Trinta e oito gatos foram submetidos ao protocolo: 28 machos e 10 fêmeas, com idade entre 8 meses e 7 anos (mediana = 2 anos). O tempo de evolução das lesões variou de 4 a 16 semanas (mediana=8) e 1 a 4 semanas (mediana=14), respectivamente, nos grupos com cultura de sangue positiva e negativa. As características clínicas encontram-se na figura 1. S. schenckii foi isolado do sangue periférico de 13 (n=38; 34,2%) animais, obtendo-se cultivos positivos de 11 amostras de sangue total e de 9 coágulos. Houve concordância de resultados em 32 amostras: 25 negativas e 7 positivas. Comparado ao hemocultivo, o cultivo do coágulo apresentou sensibilidade de 63,6% e especificidade 92,6%. Anticorpos para FIV foram detectados em 2 (n=11; 18,1%) dos animais nos quais o S. schenckii foi isolado do sangue periférico por qualquer um dos métodos. Nos animais com cultivo negativo, anticorpos para FIV foram encontrados em 4 (n=23; 17,4%) e antígenos de FeLV foram encontrados em 1 (n=23; 4,3%).


Discussão

Na esporotricose humana as formas cutânea fixa (uma única lesão no sítio de inoculação) e cutâneo-linfática (linfangite nodular subjacente à lesão inicial) são as mais citadas.7,8,9,10 Na doença felina, além das lesões únicas, as múltiplas lesões cutâneas e disseminação sistêmica são observadas com freqüência7,11, diferente do ser humano onde a forma sistêmica é rara e acomete principalmente pacientes imunocomprometidos.12 A International Society for Human and Animal Mycology (ISHAM) estabeleceu critérios para a definição de micose disseminada: fungemia acompanhada de envolvimento de duas ou mais vísceras sólidas, ou seja, um tipo particular de micose sistêmica.13 Eventualmente, foi observada fungemia em um caso humano sem doença disseminada.14 Encontrou-se uma única citação de isolamento de S. schenckii do sangue periférico de um gato naturalmente infectado e que apresentava "lesões cutâneas disseminadas"15. Posteriormente, os mesmos autores demonstraram o envolvimento sistêmico em gatos apresentando múltiplas lesões cutâneas.5 Em outro estudo, S. schenckii foi demonstrado no sangue periférico, tanto de felinos apresentando múltiplas lesões cutâneas quanto daqueles em bom estado geral apresentando lesões localizadas. Tais achados sugerem que a disseminação por via hemática possa ocorrer precocemente em gatos infectados pelo S. schenckii.6 Embora o grupo com isolamento de S. schenckii do sangue tenha apresentado maior freqüência de sinais indicadores de doença extra-cutânea (Figura 1), só houve diferença estatisticamente significante em relação ao estado geral. Anteriormente, os mesmos autores não evidenciaram qualquer diferença significativa entre os grupos quando estudaram 49 gatos.6 Tal discordância, poderia ser explicada pela diferença de tamanho das amostras estudadas. Caso a amostra atual fosse triplicada, mantendo-se as mesmas proporções, as diferenças encontradas para número de lesões e presença de sinais extra-cutâneos seriam estatisticamente significantes.

A elevada freqüência de fungemia associada à presença habitual de múltiplas lesões cutâneas em gatos, torna as classificações utilizadas para a doença humana9,16,17 de difícil aplicação na doença felina. Geralmente a esporotricose em gatos assemelha-se à doença disseminada observada em pacientes humanos imunocomprometidos. Entretanto, a coinfecção com FIV e com FeLV encontradas, respectivamente, em 6 (n=34; 17,6%) casos e 1 (n=34; 2,9%), aparentemente não alterou a freqüência do isolamento de S. schenckii do sangue periférico.

Para avaliar um método alternativo ao hemocultivo de sangue total em frascos apropriados, nem sempre disponíveis em nosso meio, cultivou-se o coágulo sangüíneo e os resultados encontrados em ambas as amostras concordaram em 84,2% dos casos. Alguns autores relataram variações entre 75-80% na concordância de resultados de hemocultivo para duas amostras coletadas sucessivamente18 e outros, utilizando técnicas mais sensíveis, encontraram 97% de concordância de resultados quando a mesma amostra foi inoculada em dois frascos diferentes.19

Conclusão

A cultura do coágulo se mostrou um método alternativo prático, eficiente e econômico para o diagnóstico de doença disseminada em gatos, além de ser possível utilizar o soro da mesma amostra de sangue para outras provas laboratoriais.

Agradecimentos

Agradecemos ao médico veterinário Virgílio Ferreira da Silva e estudantes do Serviço de Zoonoses do IPEC - Fiocruz: Isabella Vianna Pellon e Dilma Ferreira Monteiro pelo apoio técnico. Este projeto foi financiado parcialmente pelo Programa de Apoio à Pesquisa Estratégica (PAPES 3) - Fiocruz.

Recebido para publicação: 01/04/2003

Aprovado para publicação: 17/09/2003

  • 1
    MORGAN, M. A.; COCKERILL, F. R. D.; CORTESE, D. A.; ROBERTS, G. D. Disseminated sporotrichosis with Sporothrix schenckii fungemia. Diagnostic Microbiology Infectious Disease, v. 2, n. 2, p. 151-155, 1984.
  • 2
    DUNSTAN, R. W. et al. Feline sporotrichosis: a report of five cases with transmission to humans. Journal American Academy Dermatology, v. 15, n. 1, p. 37-45, 1986.
  • 3
    READ, S. I.; SPERLING, L. C. Feline sporotrichosis. Transmission to man. Archives Dermatology, v. 118, n. 6, p. 429-431, 1982.
  • 4
    REED, K. D. et al. Zoonotic transmission of sporotrichosis: case report and review. Clinical Infectious Diseases, v. 16, n. 3, p. 384-387, 1993.
  • 5
    SCHUBACH, T. M. P. et al. Pathology of sporotrichosis in 10 cats in Rio de Janeiro. Veterinary Record, v. 152, n. 6, p. 172-175, 2003.
  • 6
    SCHUBACH, T. M. P. et al. Hematogenous spread of Sporothrix schenckii in cats with naturally acquired sporotrichosis. Journal Small Animal Practice, v. 44, n. 9, p. 395-398, 2003.
  • 7
    BARROS, M. B. et al. Sporotrichosis: an emergent zoonosis in Rio de Janeiro. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 96, n. 6, p. 777-779, 2001.
  • 8
    KUSUHARA, M.; HACHISUKA, H.; SASAI, Y. Statistical survey of 150 cases with sporotrichosis. Mycopathologia, v. 102, n. 2, p. 129-33, 1988.
  • 9
    SAMPAIO, S.; LACAZ, C.; ALMEIDA, F. Aspectos clínicos da esporotricose em São Paulo. Revista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo, v. 9, p. 391-402, 1954.
  • 10
    VISMER, H. F.; HULL, P. R. Prevalence, epidemiology and geographical distribution of Sporothrix schenckii infections in Gauteng, South Africa. Mycopathologia, v. 137, n. 3, p.137-143, 1997.
  • 11
    ROSSER, E.; DUNSTAN, R. Sporotrichosis. In: GREENE, C. Infectious diseases of the dog and cat 2. ed. Philadelphia: W. B. Saunders, 1998. p. 399-402.
  • 12
    KWON-CHUNG, K.; BENNET, J. Sporotrichosis. In: KWON-CHUNG, K.; BENNET, J. Medical mycology Philadelphia: Lea & Febiger, 1992. p. 707-729.
  • 13
    ODDS, F. et al. Nomenclature of fungal diseases: a report and recommendations from a Sub-Committee of the International Society for Human and Animal Mycology (ISHAM). Journal Medical Veterinary Mycology, v. 30, p. 1-10, 1992.
  • 14
    KOSINSKI, R. M. et al. Sporothrix schenckii fungemia without disseminated sporotrichosis. Journal Clinical Microbiology, v. 30, n. 2, p. 501-503, 1992.
  • 15
    - SCHUBACH, T. M. P. et al. Sporothrix schenckii isolated from domestic cats with and without sporotrichosis in Rio de Janeiro, Brazil. Mycopathologia, v. 153, n. 2, p. 83-86, 2002.
  • 16
    LYNCH, P. J.; VOORHEES, J. J.; HARRELL, E. R. Systemic sporotrichosis. Annals Internal Medicine, v. 73, n. 1, p. 23-30, 1970.
  • 17
    KAUFFMAN, C. A. Sporotrichosis. Clinical Infectious Diseases, v. 29, n. 2, p. 231-236; quiz 7, 1999.
  • 18
    WASHINGTON II, J. A.; ILSTRUP, D. M. Blood cultures: issues and controversies. Reviews Infectious Diseases, v. 8, n. 5, p. 792-802, 1986.
  • 19
    ARCHIBALD, L. et al. Utility of paired BACTEC MYCO/F LYTIC blood culture vials for detection of bacteremia, mycobacteremia, and fungemia. Journal Clinical Microbiology, v. 39, n. 5, p. 1960-1962, 2001.
  • Endereço para correspondência
    TÂNIA MARIA PACHECO SCHUBACH
    Serviço de Zoonoses
    Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas-Fiocruz
    Av. Brasil 4365 - Manguinhos
    21045-900 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Nov 2004

    Histórico

    • Recebido
      01 Abr 2003
    • Aceito
      17 Set 2003
    Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia / Universidade de São Paulo Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87, Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, 05508-270 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 3091-7636, Fax: +55 11 3031-3074 / 3091-7672 / 3091-7678 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: brazvet@edu.usp.br