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Comunicação científica intercultural: olhares cruzados sobre os processos psicológicos e comunicacionais

Communication scientifique interculturelle Regards croisés sur les processus psychologiques et communicationnels

Resumos

Esta pesquisa incide sobre os processos psicológicos e comunicacionais que se instalam nos pesquisadores em intercâmbio no estrangeiro. O estudo qualitativo apresentado aqui e realizado junto a doutorandos bolsistas do governo mexicano recebidos nos laboratórios franceses de pesquisa, inscreve-se nos campos da Psicologia e das Ciências da Informação e da Comunicação. A análise das entrevistas realizadas com uma amostra de onze doutorandos, permitiu identificar as dificuldades, essencialmente devido às diferenças culturais, que se originam pelo menos em três níveis : 1) as modalidades info-comunicacionais, 2) as interações na vida cotidiana e nos laboratórios, 3) as representações dos comportamentos do outro.

Comunicação intercultural; Comunicação científica intercultural; interações; representações; identitdade cultural; choque cultural


Cette recherche porte sur les processus psychologiques et communicationnels qui se mettent en place chez les chercheurs en situation de mobilité à l'étranger. L'étude de type qualitatif présentée ici et réalisée auprès de doctorants mexicains boursiers de leur gouvernement et accueillis dans des laboratoires de recherche français, s'inscrit dans les champs de la Psychologie et des Sciences de l'Information et de la Communication. L'analyse des entretiens menés auprès d'un échantillon de onze doctorants, a permis d'identifier des difficultés, essentiellement dues à des différences culturelles, qui se déclinent à trois niveaux au moins, 1) les modalités info-communicationnelles, 2) les interactions dans la vie quotidienne et dans les laboratoires, 3) les représentations des comportements de l'autre.

Communication interculturelle; communication scientifique interculturelle; tinteractions; représentations; identité culturelle; choc culturel


Comunicação científica intercultural :olhares cruzados sobre os processos psicológicos e comunicacionais

Communication scientifique interculturelle Regards croisés sur les processus psychologiques et communicationnels

Michèle CariaI; Silvia Sigales RuizII

IMaître de Conférences en Sciences du LangageUniversité Toulouse III Paul Sabatier, EA 827. Laboratoire d'études et de recherches appliquées en sciences sociales (LERASS), France. Équipe Médiations en information et communication spécialisées (MICS)-Toulouse

IIProfesora-Investigadora de Tiempo Completo Facultad de Psicología, Universidad de Colima. Presidenta del Equipo de Investigaciones en Cindynica y Psicología (EDICAPSI) Colima, México

RESUMO

Esta pesquisa incide sobre os processos psicológicos e comunicacionais que se instalam nos pesquisadores em intercâmbio no estrangeiro. O estudo qualitativo apresentado aqui e realizado junto a doutorandos bolsistas do governo mexicano recebidos nos laboratórios franceses de pesquisa, inscreve-se nos campos da Psicologia e das Ciências da Informação e da Comunicação. A análise das entrevistas realizadas com uma amostra de onze doutorandos, permitiu identificar as dificuldades, essencialmente devido às diferenças culturais, que se originam pelo menos em três níveis : 1) as modalidades info-comunicacionais, 2) as interações na vida cotidiana e nos laboratórios, 3) as representações dos comportamentos do outro.

Palavras-chave: Comunicação intercultural; Comunicação científica intercultural; interações; representações; identitdade cultural; choque cultural.

RÉSUMÉ

Cette recherche porte sur les processus psychologiques et communicationnels qui se mettent en place chez les chercheurs en situation de mobilité à l'étranger. L'étude de type qualitatif présentée ici et réalisée auprès de doctorants mexicains boursiers de leur gouvernement et accueillis dans des laboratoires de recherche français, s'inscrit dans les champs de la Psychologie et des Sciences de l'Information et de la Communication. L'analyse des entretiens menés auprès d'un échantillon de onze doctorants, a permis d'identifier des difficultés, essentiellement dues à des différences culturelles, qui se déclinent à trois niveaux au moins, 1) les modalités info-communicationnelles, 2) les interactions dans la vie quotidienne et dans les laboratoires, 3) les représentations des comportements de l'autre.

Mots-clés: Communication interculturelle;communication scientifique interculturelle; interactions; représentations; identité culturelle; choc culturel.

Introdução

Desde1957, os países membros da Comunidade Européia colocaram em prática políticas de cooperação científica internacional. O discurso, em um primeiro momento, néocolonialista e etnocêntrico, evoluiu pouco a pouco no sentido da interculturalidade e dos intercâmbios1 1 « A ação da UE se concentrará sobre os temas seguintes: ( ) emergência de novas formas de cidadania e de identidades culturais, formas e impacto da integração e da diversidade cultural na Europa; diálogo social e cultural englobando a Europa assim como o resto do mundo » - http://europa.eu.int/eur-lex/fr/accessible/treaties/fr/livre201.htm para chegar em junho de 2002 à adoção do Sexto Programa-quadro. A União Européia visando a construção de uma sociedade do conhecimento e da partilha dos saberes exprime pelas suas escolhas políticas a vontade de desenvolver a intercâmbio de pesquisadores e assim facilitar, a permuta académica e científica, a criação de redes interinstitucionais entre os países do sul e os países industrializados. As ações específicas de cooperação internacional assim desenvolvidas, sobretudo com países emergentes, são « baseadas no interesse mútuo »2 2 http://europa.eu.int/eur-lex/fr/accessible/treaties/fr/livre201.htm . Assim, a União Européia e a América Latina engajaram em programas de cooperação científica, tais como Alßan, Alfa, Ecos-norte, Ecos-Sul,3 3 Programas europeus destinados a orientar, apoiar e financiar as ações de cooperação . destinados a reforçar as colaborações entre os dois continentes no intercâmbio de doutorandos e de pesquisadores. Ora, no âmbito das permutas internacionais já realizadas, numerosos cientistas estrangeiros, renomados em seus países e sendo alguns professores na universidade, encontram, durante suas estadias na França, dificuldades comunicacionais tanto a nível interpessoal quanto científico, seja o período de estudo em Ciências exatas ou em Ciências humanas e sociais. Pensando a priori em partilhar uma cultura científica universal, os pesquisadores durante o encontro intercultural, começam a trabalhar juntos a partir de suas visões específicas; os mal-entendidos e incompreensões confirmam rapidamente que, de acordo com a origem cultural, a interpretação da informação pode variar. Realmente, nas interações sociais e/ou profissionais, a emissão e a receção da informação, submetidas à influência da linguagem comum da cultura de origem (Windisch, 1982), são condicionadas pelos esquemas socio-cognitivos permitindo apreender e interpretar as diversas situações e lógicas de ação da vida cotidiana ou profissional. Considerando-se que culturalmente os pesquisadores de diferentes origens não têm a mesma visão do mundo, o tratamento da informação revela-se forçosamente diferente e, em situação intercultural, uns e outros encontram-se desfavorecidos face à diversidade das modalidades de comunicação interpessoais e profissionais. Se considerarmos como Eliseo Véron (1997) que existe uma comunicação endógena, intra disciplinar, quer dizer durante a qual o pesquisador se dirige aos seus colegas, existe uma certa distância entre as expectativas e os comportamentos dos pesquisadores implicados em programas de cooperação científica internacionais e as dificuldades são reais. Estas, expressas em termos de desvios a nível das interações sociais, culturais, acadêmicas e científicas, podem se explicar por vários fatores. Este desnivelamento entre a situação vivenciada e o estímulo às trocas acadêmicas leva-nos a observar e analisar diversos aspectos ligados aos intercâmbios.

Observações empíricas realizadas junto aos doutorandos mexicanos, bolsistas do CONACYT4 4 Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología ou do PROMEP5 5 Programa de Mejoramiento del Profesorado admitidos em diversos laboratórios de pesquisa da cidade de Toulouse já evidenciaram as dificuldades a nível das interações entre pesquisadores franceses e estrangeiros nos laboratórios de acolhimento. Estas dificuldades, de ordem psico-cultural, comunicacional e metodológica (Caria, Sigales, 2003), ligadas ao choque cultural, às diferenças metodológicas, aos objetivos das pesquisas (fundamentais ou aplicadas), confirmaram a complexidade do processo comunicacional global (Couzinet, 2000). Assim, a mobilidade acadêmica, fonte de novas permutas e de novas modalidades de produção do saber, produz entre outros, uma influência de culturas sobre as condutas humanas dos participantes assim como sobre feitos sociais e participa no processo do desenvolvimento mundial. Várias disciplinas em Ciências humanas e sociais integram doravante esta dimensão nos seus campos de investigação (Demorgon, 2003). Mais, largamente monodisciplinar até hoje, o conhecimento deste fenômeno necessita que sejam realizados estudos pluridisciplinares no terreno e que sejam utilizadas metodologias interciências (Miège, 1990 ; Tetu, 2002). Como pesquisadores, respectivamente em psicologia e em informação e comunicação, confrontados a esta problemática6 6 ou por mobilidade pessoal no estrangeiro ou como estrutura de acolhimento do encontro intercultural entre cientistas de origens diferentes7 7 os estudantes, os doutorandos e os pesquisadores convidados, mas também os diretores de pesquisa, os pesquisadores e os professores que os acolhem nosseus centros ou laboratórios de pesquisa, e/ou universidades em pesquisa realizada já a algum tempo8 8 Nós mesmos participamos neste sentido da formulação da problemática geral dos intercâmbios científicos e de suas implicações desde o primeiro colóquio Internacional "Estudar, Pesquisar Noutro Local : Os estudantes estrangeiros na universidade francesa » (2003) , colocamos em ligação direta os fatores psicoculturais e as interações socioprofissionais a fim de preservar uma abordagem holística dos indivíduos em situação intercultural. Estes esclarecimentos complementares, mas perfeitamente disciplinares, organizam-se numa alternância de análises nas quais a compreensão do sujeito psicológico pode explicar o comportamento do ator social e/ou inversamente.

O sujeito em situação de comunicação científica intercultural

Do ponto de vista das Ciências da Informação e da Comunicação, a atividade científica é uma atividade de comunicação, pela transmissão, a circulação de informações, mas igualmente a relação, a interação ou a intercompreensão (Boure, Suraud, 1994). Por outro lado, Lamizet e Silem (1997) explicam que a interação social conduz a uma transformação dos comportamentos e à co-construção de significados de ordem cognitiva, social, afetiva, emocional. A situação de trabalho no seio de um laboratório de pesquisa pode então ser considerada como um sistema de comunicação (ibid.) no interior do qual se desenvolvem práticas sociais onde várias dimensões interagem: sociais, linguísticas e culturais. Isto, num contexto intercultural implica de fato modalidades interacionais variando em função das respectivas origens. Segundo Geertz9 9 apresentado por Journet, N, in Sciences Humaines, N°110, Nov. 2000 , a atitude científica é cultural, ela não é universal e seu objeto de estudo não é o mesmo nos diferentes países do mundo. Além da diferença de idiomas (Gumperz, 1982), das linguagens científicas, a interculturalidade manifesta-se pela disposição em compartilhar convenções implícitas e explícitas do discurso científico. As interações socioprofissionais entre pesquisadores estrangeiros suscitam então novos comportamentos, uma nova temporalidade (Mattelart, 1990) e portanto uma nova relação com o mundo. Ao se implicarem num processo de permutas entre cientistas de origens múltiplas, os pesquisadores decidem permutar, partilhar saberes e socializar o pensamento individual (Hert, 2006) segundo modalidades que devem adaptar-se as suas diferenças. Um processo de « interculturação » (Clanet, 1990 ; Demorgon, 2003) se desencadeia então, testemunhando uma adaptação e uma transformação não somente de comportamentos, mas sobretudo do sistema de representações sociais « sustentado por uma estrutura sociocognitiva dada que vai lado a lado com as estruturas axio-cognitiva e afetivo-cognitiva dadas e tais estruturas não se veiculam através duma estrutura discursiva qualquer » (Windisch, 1982). A construção cultural que emerge (de Almeida, Nutkowicz, 1993) modifica desde então os hábitos info-comunicacionais profissionais no interior dos laboratórios de acolhimento, sobretudo na relação doutorandos estrangeiros /orientadores de pesquisa. Estabelecemos assim de um ponto de vista info-comunicacional (Caria, 2006) o que parece ser obstáculo à compreensão recíproca, mesmo que o código linguístico (sintaxe, léxico, ) não seja considerado, e sim a pluralidade de interpretações e a diversidade das interações. O processo interacional reforça o choque cultural que, segundo os psicólogos, tem por consequência as tensões e sentimentos de mal-estar que resultam da obrigação de ter que satisfazer, sob formas que nos são estrangeiras, as necessidades cotidianas, como se alimentar, se tratar e manter relações interpessoais (Brislin, 1994 citado no McEntee, 1998). Os sintomas do choque cultural exprimem-se sob diversas formas segundo os indivíduos : tensão, sentimento de surpresa, de rejeição, desorientação, sensação de perda de pontos de referência,, inclusive da sua identidade, ansiedade, deceção, indignação ou ainda sentimento de impotência.. Parece então que todos os parâmetros indicando um choque cultural são de carácter negativo, ou, mesmo muitas vezes dolorosos, correspondendo, de forma geral quando indivíduos precisam se integrar numa outra cultura que não a sua. De fato, os processos de ordem psicológica que esse choque provoca estão ligados aos traços característicos da personalidade de cada um, portanto essas características vão ter um papel determinante no processo de adaptação ou não ao novo contexto social. Com efeito, os recursos de que cada personalidade dispõe farão com que cada um enfrente diferentemente a nova situação, alguns ultrapassam-na, adaptando-se e atingindo sua autonomia, outros ficam bloqueados. Ora, as pessoas em intercâmbio deverão ultrapassar as dificuldades ligadas ao choque intercultural (Brislin, ibid.), sem isso elas não poderão atingir os objetivos fixados em sua estadia. Nesta perspectiva, se elas têm consciência que têm a capacidade de fazer desse encontro um momento enriquecedor e positivo e que é possível se formarem a competências interculturais antes da sua partida para o estrangeiro, essas pessoas, que decidem de se inserir numa outra cultura, podem então se preparar e usando recursos cognitivos, afetivos que poderão ajudá-los a enfrentar as situações de interculturalidade, e a gerir melhor o choque cultural e assim reduzir os seus efeitos negativos.

Um estudo interdisciplinar

Como o progresso dos conhecimentos virá sobretudo de reflexões e de trabalhos fundados nas metodologias interciências (Miège, 1990), decidimos tratar nosso tema do ponto de vista da psicologia e das CIC. Assim, o estudo qualitativo bidisciplinar (2006-2008) apresentado no colóquio MUSSI no RIO (Caria e al, 2008) incide sobre as interações entre doutorandos mexicanos10 10 que no âmbito da sua formação doutoral nos laboratórios de Toulouse participavam no Programa de melhoramento do sistema académico (PROMEP) financiado pelo CONACYT e a SEP (Secretaria de Educación Publica) e seus orientadores franceses, de teses. Certos temas abordados durante as entrevistas eram destinados a fazer emergir as percepções, as expectativas e a vivência da situação intercultural. Outras questões levaram os doutorandos a caracterizar suas representações sobre a sociedade de acolhimento, a descreverem suas expectativas socioprofissionais em relação ao intercâmbio e às interações sociais e profissionais vividas entre cientistas mexicanos e franceses.

Um roteiro de entrevistas constituido por 25 questões abertas foi aplicado a onze doutorandos mexicanos acolhidos num laboratório de automatismo de Toulouse em dezembro de 2005 (7 homens e 4 mulheres, entre 27 e 42 anos, todos professores de universidades no México). Recolhemos assim informações sobre as condições de trocas e de intercâmbio dos pesquisadores mexicanos e analisamos suas colocações a partir de sua vivência antes e durante a sua estadia na França.

Uma análise do discurso das respostas conduziu a se criar três categorias. Na categoria de respostas de ordem info-comunicacional, foram ordenadas as representações de interações socioprofissionais antes da estadia e as interações socioprofissionais vividas durante a estadia. Na categoria de respostas de ordem acadêmica, as respostas foram divididas em três sub-conjuntos: aprendizagem, direção de pesquisa (Pontos fortes/Pontos fracos/Sugestões) e colocações pessoais. Na categoria de respostas de ordem psicológica, dois sub-grupos reuniram os elementos indicando as condições favoráveis ao intercâmbio e ao choque cultural (Fatores determinando a intensidade do choque/Etapas do choque cultural: Lua de mel –Desintegração – Recuperação – Adaptação (Adler, 1997)). Identificamos assim fatores favoráveis e desfavoráveis de acordo com os lugares e a natureza do choque: a família, os amigos, a atividade científica, a comunicação em francês (100% da amostra), as discriminações (100% da amostra) In fine uma verificação das diferenças de ordem relacional e de origem cultural e incompreensões ligadas aos hábitos info-comunicacionais11 11 Por hábitos info-comunicacionais, entendemos também tratar-se do conhecismento e da utilização de um código no sentido segundo B. Ollivier que, lembrando que em semiótica, o código, enquanto sistema de representações tem que considerar, não somente representações do mundo do indivíduo mas também palavras e símbolos que ele associa a estas representações, precisando que « a cada código corresponde um tipo de relação ao mundo exterior, à linguagem, à autoridade » (2000, p. 89). foi realizada.

As conclusões:

As representações das interações sociais no país hospedeiro são globalmente muito positivas antes do intercâmbio e globalmente muito negativas durante ou após a estadia na França. Os doutorandos pensavam que as relações sociais seriam mais fáceis e mais ricas na França que no país deles, a realidade vivida durante a estadia não corresponde geralmente as suas expectativas antes da estadia na França e provoca muitas vezes uma real decepção. Comunicar-se numa língua estrangeira e descobrir uma cultura de acolhimento que não corresponde à "realidade fantasiada" foram evidentemente fatores determinantes para a vivência das interações sociais.

As representações das interações interculturais no país hospedeiro são muito positivas antes do intercâmbio e globalmente positivas, mas com certas reservas durante ou após a estadia na França. As interações interculturais são difíceis em razão do desconhecimento da língua, e também porque culturalmente esses protagonistas estrangeiros, não têm a mesma relação com o corpo, com o tempo, com o espaço, com o conhecimento, nem a mesma hierarquia de valores. Por outro lado, apesar do bloqueio no estado de « desintegração » (Adler, ibid.), a estadia na França permitiu aos doutorandos mexicanos desenvolver certas competências interculturais, habilidades cognitivas, afetivas e práticas das quais eles dispõem para responder de maneira mais eficaz a um contexto de encontro intercultural, mesmo se eles não conseguiram integrar-se na cultura hospedeira francesa.

As representações das interações acadêmicas no país hospedeiro muito positivas antes da mobilidade, se degradam durante ou após a estadia na França. Os doutorandos, esperando encontrar uma excelente formação acadêmica na França, sentiram-se muitas vezes mais acompanhados na redação em detrimento do seu projeto científico,(sendo dada mais importância à forma que ao conteúdo). Contudo, o conjunto da população pesquisada reconheceu ter desenvolvido competências metodológicas em sua estadia no laboratório de pesquisa. Os doutorandos indicaram que aprenderam a melhor organizar seu trabalho e suas idéias o que possibilitou maior clareza e precisão na gestão de seu tempo e na expressão de seu pensamento.

Enfim, as representações das interações científicas no país hospedeiro são muito positivas antes do intercâmbio e muitas vezes negativas durante ou após a estadia na França. Na verdade, eles esperavam uma relação científica de alto nível. Os doutorandos mexicanos exprimem a sua decepção em relação às práticas francesas. Esta situação explica-se principalmente pelo fato de que, cada um dos doutorandos mexicanos e orientadores franceses, tendo construído sua expertise num dado sistema científico funcionando através de publicações, de saberes implícitos, de não revelados, (Sicard, 1997) encontram-se numa situação de incompreensão mútua. Além disso, no discurso dos doutorandos subentende-se uma diferença de nível de formação e de informação no que diz respeito às permutas internacionais entre cientistas.

As características intrapessoais como: o desejo de superação pessoal e profissional, o desejo de aprender, a capacidade de superação dos doutorandos, sua perseverança e a consciência de constrangimentos temporários foram de grande ajuda para gerir o choque cultural; assim, enquanto que no plano psicológico 90% dos doutorandos ficaram bloqueados na etapa de « desintegração » (Adler, op.cit.), a grande maioria conseguiu terminar seu doutoramento. No entanto, muitos deles não pensam conservar laços com o laboratório que os acolheu pois, mesmo se o desejo de ter êxito profissionalmente é um forte fator de motivação, este, apesar dos cinco anos em média de estadia na França, não é suficiente forte para permitir aos doutorandos superar a etapa de adaptação (ibid.).

Comunicação intercultural entre pesquisadores estrangeiros

Duma maneira geral, a comunicação mobiliza processos psicológicos impulsionando um processo intrapsíquico no qual intervêm o espaço intrasubjetivo , o espaço intersubjetivo, o espaço transsubbjetivo (Krakov, Pachuk, 1998). A análise das entrevistas dos doutorandos mexicanos, confirma que estes três espaços interagem também no período do intercâmbio do doutorado. No plano transubjetivo e intrasubjetivo, o processo instala-se antes da partida do México devido à, por um lado das representações da cultura francesa, por outro lado da expressão do desejo de tornarem-se diferentes de outros Mexicanos através dessa estadia na França. Com efeito, no imaginário deles, a França é um país rico fazendo parte do mundo industrializado, que alimenta as fantasias de prestígio existentes à volta desta cultura. O processo provoca um conflito intrapsíquico assim que os doutorandos mexicanos são obrigados pelo contexto a entrarem em relação com a cultura de acolhimento, seus valores, seu sistema de comunicação, de organização social etc... Essencialmente devido às diferenças entre as culturas, as dificuldades se declinam pelo menos em três níveis , 1) as modalidades info-comunicacionais, 2) as interações na vida cotidiana e nos laboratórios, 3) as representações dos comportamentos do outro. Assim, por exemplo, os sintomas de tensão estão fortemente ligados aos aspectos comunicacionais, porque em situação intercultural, os Mexicanos devem fazer um esforço importante para formular suas idéias e suas emoções em francês. Estas dificuldades constituem por um lado o núcleo da tensão e por outro lado uma fonte de ansiedade, cujo medo e a dúvida alimentam nos Mexicanos a idéia de que eles são rejeitados (o espaço intersubjetivo entra então em jogo no processo intrapsíquico). Com efeito, dado que há código e sinal, os processos de interpretação e a liberdade dos atores (Ollivier, 2000) estão tanto mais fortemente « em carne viva » na altura de permutas, formais ou informais, em situação intercultural que, cada emissor não conhecendo as margens de interpretação e os limites da liberdade do receptor, na interlocução não podem comunicar de maneira eficaz (Véron, 1997). De fato, « a natureza que conhecemos através do saber científico não será « a natureza em si », mas a natureza tal como nossas categorias e nossos mecanismos cognitivos nos permitem constituir » (ibid.) ; daí as diferenças de concessão de ordem metodológica e por extensão de ordem conceitual na abordagem científica.

A adição e o entrelace dessas diferenças como problema, o espaço intrasubjetivo intervem então no processo de adaptação que, influenciado pelo choque cultural, provoca na maior parte das vezes, uma série de descontentamentos sintomáticos (Brislin, ob.cit.) que aparecem por processos successivos e traduzem tensões e sentimentos de mal-estar. No âmbito deste estudo, a maior parte dos doutorandos mexicanos implicados neste encontro intercultural ficaram bloqueados no processo de "desintegração" interrompendo assim o processo aculturativo no qual eles estavam comprometidos no plano pessoal e interacional. Esta "desintegração" produziu-se (depois da etapa da "Lua de mel" (Adler, op. Cit.) quando, durante o processo psicológico, o « eu » foi ultrapassado pela confrontação entre a realidade da cultura hospedeira e as representações -incluindo também as esperanças- que tinham os doutorandos mexicanos antes de chegarem à França. As duas últimas etapas (Recuperação – Adaptatção (Adler, ibid.)) não foram atingidas, na maior parte das vezes.

Contudo, com o tempo, as interações interculturais parecem desenvolver-se numa capacidade de comunicação eficaz. Cada um adapta-se a uma leitura partilhada da informação, que entendemos, segundo a definição de Yves Jeanneret (2000), como « a relação entre o documento e o olhar posto nele », conhecimentos novos entendidos como « o trabalho produtivo dos sujeitos sobre eles mesmos para adaptar-se à idéias ou métodos » diferentes, saberes enquanto « formas de conhecimento que são reconhecidas por uma sociedade » e, neste caso, por cada uma das sociedades. Hoje podemos dizer que, num contexto intercultural, pode-se construir, em certas condições, uma forma coletiva de pensamento que « se organize à volta de um objeto e de práticas comuns, de um implícito compartilhado, de um estilo de razão conceitual e teórica, quer dizer, finalmente à volta de uma cultura local » (Lefèbvre, 2006). No seio desta comunidade científica voluntariamente e conscientemente recomposta, as permutas interculturais reduzem a fratura cognitiva e habilitam a diversidade; elas transformam também a visão do mundo de todos os parceiros no plano científico assim como no plano pessoal.

Finalmente, os resultados indicam que, mesmo se os pesquisadores em situação intercultural têm uma base disciplinar comum no seu domínio de pesquisa e partilham saberes científicos universais, as dificuldades de interação existem. Elas estão ligadas aos processos psicológicos que, entrando de maneira natural em jogo, devem criar as condições cognitivas necessárias para redimensionar as expectativas dos doutorandos tanto no plano profissional, social como pessoal em razão da confrontação de dois sistemas de comunicação, de representação e de significação.

A título de conclusão

A questão da "aculturação", do "diálogo das culturas" do "intercultural", continua a ser atual pelo crescimento accentuado de intercâmbios. Ora, para atingir os objetivos do intercâmbio científico, a interação entre os fatores situacionais e as variáveis individuais têm de ser homeostáticas; esta cooperação determina o comportamento da pessoa para tomar parte ou não na sua integração no interior da sociedade de acolhimento. Assim, em situação intercultural, no cotidiano ou num laboratório, o estrangeiro constrói uma nova visão do mundo sob o efeito da combinação de um processo cognitivo e de um processo emocional. Fundada na hibridação de pelo menos duas culturas (a do indivíduo e a do país de acolhimento), esta construção é sempre particular, poque cada sujeito é único, e dá lugar à constituição de uma identidade plural. A partir do encontro com o outro, inicia-se então um movimento que vai ligar, dentro e pela interação info-comunicacional, representações, saberes, sensações e sentimentos num conjunto estrangeiro a si, num « estranho » de si-mesmo, num novo si-próprio mas também num novo interlocutor para o outro. É por isso que é de vital importância produzir dispositivos que acompanhem e consolidem nesses tempos de globalização uma cultura de permuta e de interculturalidade que projete para o futuro, uma melhor compreensão dessas novas ordens da nossa sociedade postmoderna. E para concluir, o objetivo, central e não-declarado, dessas permutas entre cientistas não será apenas descobrir um potencial formador de um feixe de filiações territorias e mentais mas de se construir uma nova identidade onde se « conjugam segundo alquimistas a diversidade do local, do regional, do nacional, do internacional » (Mattelart, 1990) .

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    « A ação da UE se concentrará sobre os temas seguintes: ( ) emergência de novas formas de cidadania e de identidades culturais, formas e impacto da integração e da diversidade cultural na Europa; diálogo social e cultural englobando a Europa assim como o resto do mundo » -
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    Programas europeus destinados a orientar, apoiar e financiar as ações de cooperação
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    Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología
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    Programa de Mejoramiento del Profesorado
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    ou por mobilidade pessoal no estrangeiro ou como estrutura de acolhimento
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    os estudantes, os doutorandos e os pesquisadores convidados, mas também os diretores de pesquisa, os pesquisadores e os professores que os acolhem nosseus centros ou laboratórios de pesquisa, e/ou universidades
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    Nós mesmos participamos neste sentido da formulação da problemática geral dos intercâmbios científicos e de suas implicações desde o primeiro colóquio Internacional "Estudar, Pesquisar Noutro Local : Os estudantes estrangeiros na universidade francesa » (2003)
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    apresentado por Journet, N, in Sciences Humaines, N°110, Nov. 2000
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    que no âmbito da sua formação doutoral nos laboratórios de Toulouse participavam no Programa de melhoramento do sistema académico (PROMEP) financiado pelo CONACYT e a SEP (Secretaria de Educación Publica)
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    Por hábitos info-comunicacionais, entendemos também tratar-se do conhecismento e da utilização de um código no sentido segundo B. Ollivier que, lembrando que em semiótica, o código, enquanto sistema de representações tem que considerar, não somente representações do mundo do indivíduo mas também palavras e símbolos que ele associa a estas representações, precisando que « a cada código corresponde um tipo de relação ao mundo exterior, à linguagem, à autoridade » (2000, p. 89).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      2009
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