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Editorial

EDITORIAL

Alcenir Soares dos Reis; Fabrício José Nascimento da Silveira

Este número da Revista Perspectivas em Ciência da Informação, publicado em caráter especial, tem como tema de reflexão a Biblioteca Pública e se organiza a partir das exposições apresentadas no seminário "A Biblioteca Pública no Século XXI: lugar social, atuação política e estratégias de mobilização". Congregando análises relacionadas tanto às dimensões teóricas quanto práticas que atravessam o contexto geral dessas instituições, os textos aqui reunidos explicitam um conjunto multivariado de indagações e olhares interpretativos responsáveis por delinear não apenas as preocupações e posicionamentos político-ideológicos de seus organizadores, mas, sobretudo, a abrangência de questionamentos inscritos em diversos campos do conhecimento que têm se dedicado a estudar as conformações e os jogos de sentidos que justificam a presença e fundamentam a atuação das bibliotecas públicas nas mais diferentes realidades sociais do mundo contemporâneo, fato que terminou por conferir à revista seu escopo e identidade. Porém, sem negligenciar os aspectos subjetivos e utópicos que motivaram a concretização do seminário, consideramos válido resgatar algumas das inquietações que o nortearam, de forma a sinalizar para o leitor a importância de se partilhar coletivamente seus resultados e aspirações.

Sendo assim, comecemos respondendo à seguinte pergunta: por que um seminário dedicado a pensar a importância e as novas configurações sociais assumidas pelas bibliotecas públicas no século XXI? Em um primeiro momento, a justificativa para tal empreitada mostrou-se vinculada à possibilidade de debatermos acerca dos distintos direcionamentos que a conjuntura contemporânea impõe a essas instituições, redefinindo, inclusive, seus modos de atuação e ampliando o quadro geral de suas quatro funções básicas – informacional, cultural, de lazer e educação.

Contudo, ao olharmos para sua historicidade e apreendermos as múltiplas modalidades de intervenção social que as bibliotecas públicas congregam em torno de si, uma segunda justificativa se fez ainda mais imperativa, qual seja, compreender os enquadramentos políticos, econômicos e simbólicos que, na atualidade, as inserem na categoria de mais importante equipamento cultural do ponto de vista da incidência territorial no âmbito dos municípios brasileiros1 1 Afirmativa que tem por referência as seguintes pesquisas: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAGIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa de informações básicas municipais: perfil dos municípios brasileiros – cultura, 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2007. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAGIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa de informações básicas municipais: perfil dos municípios brasileiros – cultura, 2012. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Censo nacional das bibliotecas públicas municipais: estudo quantitativo: principais resultados. Brasília: FGV, 2010. Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/site/2010/04/30/primeiro-censo-nacional-das-bibliotecas-publicas-municipais/>. Acesso em: 02 ago. 2014. SISTEMA NACIONAL DE BIBLIOTECAS PÚBLICAS – SNBP. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2014. Disponível em: < http://snbp.bn.br>. Acesso em: 02 ago. 2014. . Extrapolando a frieza dos números, o que se pretendia assinalar é que, para além de um lugar de leitura e formação individual, as bibliotecas públicas instauram-se no contexto sócio-informacional do país como pólos dinamizadores da realidade local, atuando como centros de memória e gestoras de patrimônios documentais específicos; suprindo demandas pedagógicas, educacionais e informativas tanto particulares quanto comunitárias; e amparando, enquanto esferas que se abrem para o público, movimentos e situações que dramatizam a própria vida em sociedade.

Sendo assim, ao justapor esses dois planos de ação, tornou-se imprescindível questionarmos acerca dos modelos de formação e das estratégias acionadas pelos bibliotecários para responder às diferentes injunções ora impostas às bibliotecas públicas. Isto porque, a disparidade de cenários em que se inscrevem e as redefinições simbólico-operacionais em torno do acesso e do valor de uso da informação, passou a exigir desses profissionais uma série de atributos e competências teórico-práticas que colocam em cheque modelos de formação acadêmica até então estáveis e difundidos nacionalmente.

Questionamentos complexificados sobremaneira quando se coloca em discussão o estatuto ontológico da biblioteca pública e as expectativas de atuação desses profissionais no desenrolar do século XXI. Trazendo à cena o argumento da fluidez digital, o momento contemporâneo propicia a emergência de enunciados que apregoam não apenas o fim do livro, mas também a ineficiência das bibliotecas públicas e dos bibliotecários em oferecer respostas adequadas aos dilemas capitais do mundo globalizado, em especial à problemática dos novos fluxos informacionais e à questão das dinâmicas de sociabilidade mediadas tecnologicamente.

Nestes termos, dada a profusão de questões subscritas pela proposta inicial do seminário, era de fundamental importância que o debate constituído tivesse por linha condutora referenciais teórico-práticos multidisciplinares, uma vez que seu objetivo principal era demarcar o lugar social ocupado pelas bibliotecas públicas no mundo contemporâneo, notadamente em sua interface com as estruturas simbólicas e as demandas contingenciais que orientam os planos da cultura, da política cultural, da história e da vida coletiva onde tais instituições se inserem, sem negligenciar ou supervalorizar as distintas modalidades de atuação dos bibliotecários e o protagonismo assumido pelas tecnologias de informação e comunicação – TICs na edificação desses cenários.

Debate que a publicação desse número especial da Revista Perspectivas em Ciência da Informação agora coloca em ampla circulação. Contribuição importante para o cenário acadêmico nacional, não somente para a Biblioteconomia e a Ciência da Informação, mas também para muitos outros que, assim como os autores aqui reunidos, coadunam com a premissa de que esses dispositivos culturais não são organismos públicos apenas porque estão vinculados à administração de governos locais, regionais ou nacionais. O são, essencialmente, porque se mostram abertos à pluralidade das manifestações sócio-culturais dos lugares onde se fazem presentes e porque se dão a ver como espaços vivenciais cujos contornos só podem ser determinados a partir da confluência com os desejos, interesses e necessidades de seus usuários.

Não por acaso, o conceito e o projeto de "biblioteca pública" que serviu como referência norteadora das discussões aqui erigidas faz alusão direta a uma instituição cultural capaz de propiciar as mesmas condições para que seus usuários efetuem um exercício livre da palavra, da informação e do conhecimento, transformando a agregação isolada dos indivíduos em laços de solidariedade capazes de fortalecer suas identidades individuais e amparar o conjunto de experiências moduladoras de nossa vida social.

Premissa conceitual expressa e mobilizada tanto na conferência de abertura do Seminário quanto nas quatro sessões temáticas em torno das quais suas atividades se desenvolveram. Nesses termos, os dezesseis textos aqui publicados, ao apresentarem diferentes pontos de vistas e acionarem referenciais teórico-práticos também diversificados e oriundos de múltiplos campos do conhecimento, evidenciam, a partir de uma leitura sócio-histórica, as potencialidades, avanços e contradições que se fazem presentes na atuação das bibliotecas públicas no mundo contemporâneo. Mais que isso, ao olharem dialeticamente para as funções, missão e atividades intrínsecas às bibliotecas públicas, os expositores trouxeram para a discussão coletiva a necessidade de refletir sobre as estratégias e desafios que pautam sua ação concreta.

Assim, visando tornar claro para o leitor o percurso e os elementos específicos das discussões apresentadas no Seminário realizado entre os dias 21 e 22 de novembro de 2013, indica-se a seguir a estrutura organizativa que o conformou, explicitando-se os eixos temáticos orientadores tanto da sua sessão de abertura quanto das quatro mesas de apresentação de trabalhos.

Sessão de Abertura – Tema: A biblioteca pública no século XXI: lugar social, atuação política e estratégias de mobilização cultural

Expositor: Luiz Percival Leme Britto

Sessões Temáticas

Mesa 01 – Tema: Biblioteca pública: significado, importância social e desafios na contemporaneidade

Coordenadora da mesa: Terezinha de Fátima Carvalho de Souza

Expositores: Alcenir Soares dos Reis; Marina Nogueira Ferraz e Marlene Edite Pereira de Rezende.

Em seu conjunto, os trabalhos aqui apresentados tiveram por objetivo discutir sobre a importância social e o lugar ocupado pelas bibliotecas públicas no século XXI; os diálogos instaurados entre as bibliotecas públicas e os planos da cultura, da política cultural e da economia simbólica que caracteriza/perpassa o atual contexto histórico, seja este brasileiro ou internacional; bem como os desafios impostos por tais contextos às bibliotecas públicas.

Mesa 02 – Tema: A biblioteca pública e as reestruturações do espaço público: estratégias de mobilização cultural e a atuação sócio-política do bibliotecário

Coordenador da mesa: Fabrício José Nascimento da Silveira

Expositores: Elisa Campos Machado, Maria Aparecida Moura, Maria Guiomar da Cunha Frota e Marília de Abreu Martins de Paiva.

Balizaram as discussões dessa segunda seção temática as seguintes questões: o que define a biblioteca pública enquanto espaço/instituição pública na contemporaneidade? Como se dá suas modalidades de apropriação por parte dos usuários? As bibliotecas públicas são mesmo esferas de mobilização cultural e da vida social de uma dada localidade? Qual deve ser o perfil e quais as implicações da atuação dos bibliotecários no âmbito das bibliotecas públicas?

Mesa 03 – Tema: Biblioteca pública: memória, identidade e mediação cultural

Coordenadora da mesa: Maria Guiomar da Cunha Frota

Expositores: Ana Amélia Lage Martins, Fabiano Cataldo de Azevedo2 2 Alegando questões de fórum íntimo, o mesmo se disse impossibilitado de enviar a versão escrita da apresentação, razão pela qual seu texto não foi aqui publicado. , Fabrício José Nascimento da Silveira e Henriette Ferreira Gomes.

O intuito dessa mesa era aproximar as bibliotecas públicas dos domínios teórico-práticos ligados aos campos da memória, da identidade – tanto coletiva quanto individual – e da mediação cultural.

Mesa 04 – Tema: Biblioteca pública, leitura e educação: velhos problemas, novas realidades.

Coordenadora da mesa: Alcenir Soares dos Reis

Expositores: Ana Maria Galvão, Diana Gonçalves Vidal, Fabíola Farias, Maria da Conceição Carvalho e Marcus Vinícius Rodrigues Marins3 3 Embora o referido autor não tenha apresentado trabalho no Seminário, os organizadores do evento optaram por incluir seu texto na publicação final por se tratar de análise histórica em estreito diálogo com as discussões acionadas pelos demais componentes da mesa. .

Atentando para a importância das bibliotecas públicas no que tange à promoção das práticas de leitura e educação, essa última seção temática contou com a participação de pesquisadores interessados em debater os seguintes pontos: a biblioteca pública e suas múltiplas relações com as práticas de leitura e educação no século XXI; a biblioteca pública como formadora de leitores e dinamizadora de ações político-educativas; e, por fim, a emergência do digital e sua inserção no universo das bibliotecas públicas.

Seguindo a mesma estrutura do Seminário, esse número especial da Revista Perspectivas em Ciência da Informação traz à luz importantes análises que visam ampliar o grau de compreensão acerca da importância das bibliotecas públicas no mundo contemporâneo, olhando com detida atenção para o seu lugar social, suas dimensões políticas e as estratégias de mobilização cultural que diferentes instituições têm acionado para responderem aos anseios e necessidades de seus mais distintos usuários. Dessa forma, acreditamos que as reflexões aqui reunidas representam subsídios importantes para se repensar a instituição biblioteca pública – sua função, missão e estrutura de funcionamento – e o quanto a mesma pode contribuir para ampliar os recursos informacionais, simbólicos, estéticos e afetivos que orientam nossas ações no mundo, nossos referenciais intersubjetivos e nossas relações sociais.

  • 1
    Afirmativa que tem por referência as seguintes pesquisas:
    INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAGIA E ESTATÍSTICA – IBGE.
    Pesquisa de informações básicas municipais: perfil dos municípios brasileiros – cultura, 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2007.
    INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAGIA E ESTATÍSTICA – IBGE.
    Pesquisa de informações básicas municipais: perfil dos municípios brasileiros – cultura, 2012. Rio de Janeiro: IBGE, 2013.
    FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS.
    Censo nacional das bibliotecas públicas municipais: estudo quantitativo: principais resultados. Brasília: FGV, 2010. Disponível em: <
    SISTEMA NACIONAL DE BIBLIOTECAS PÚBLICAS – SNBP. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2014. Disponível em: <
    http://snbp.bn.br>. Acesso em: 02 ago. 2014.
  • 2
    Alegando questões de fórum íntimo, o mesmo se disse impossibilitado de enviar a versão escrita da apresentação, razão pela qual seu texto não foi aqui publicado.
  • 3
    Embora o referido autor não tenha apresentado trabalho no Seminário, os organizadores do evento optaram por incluir seu texto na publicação final por se tratar de análise histórica em estreito diálogo com as discussões acionadas pelos demais componentes da mesa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jan 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 2014
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