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Do encanto à vingança: o processamento e o comportamento do consumidor sobre informações de atributos de produtos tecnológicos

From the charm to vengeance: the processing and the behavior of the consumer on information attributes of technological products

RESUMO

As informações e símbolos envolvendo produtos de alta tecnologia são comuns na literatura acadêmica e do mercado, sobre produtores e de consumidores. A tecnologia evoluiu rapidamente desde a revolução industrial, porém a usabilidade dos produtos não evoluiu tanto, frustrando consumidores. Esta pesquisa visou analisar, usando a lógica do comportamento do consumidor, suas relações com produtos de alta tecnologia e a evolução do encanto antes e durante a compra, passando pelas expectativas, avaliação, dissonância cognitiva e chegando a casos de raiva, retaliação e vingança. Foi construído um modelo analítico utilizando esses construtos. Com base nesse modelo, observou-se bom nível de correlação entre os construtos Dissonância Cognitiva e Raiva e entre os construtos Raiva e Retaliação/Vingança. A pesquisa demonstra que grande parcela dos consumidores possui a crença de que aparelhos sofisticados e modernos vão resolver seus problemas e são fáceis de usar. Entretanto, isto não acontecendo, surgem a frustração e raiva.

Palavras-chave:
Informações do consumidor; Alta tecnologia; Retaliação; Vingança

ABSTRACT

Information and symbols involving high technology products are common in the academic and market literature, on producers and consumers. Technology has evolved rapidly since the industrial revolution, but the usability of products has not evolved so much, frustrating consumers. This research aimed to analyze, using the logic of consumer behavior, its relations with high technology products and the evolution of the charm before and during the purchase, passing through expectations, evaluation, cognitive dissonance and getting to cases of anger, retaliation and revenge. An analytical model was constructed using these constructs. Based on this model, there was a good correlation between the constructs Cognitive Dissonance and Rage and between the constructs Rage and Retaliation/Revenge. Research shows that a large portion of consumers have the belief that sophisticated, modern handsets will solve their problems and are easy to use. However, when this does not happen, there is frustration and anger.

Keywords:
Consumer information; High technology; Retaliation; Revenge

1 Introdução

Na história do homem, as tribos que desenvolveram tecnologias mais avançadas sempre se impuseram sobre outras mais atrasadas, que não tiveram esta competência. Diamond (2001DIAMOND, J. M. Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas. Rio de Janeiro: Record, 2001.) afirma que tecnologias ajudam os povos a ampliarem seus reinos e a dominarem outros povos. Assim, o domínio tecnológico sempre representou vantagem competitiva. Nesta premissa, a tecnologia proporciona valor social e prestígio dentro das respectivas sociedades. A partir da Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, ocorreram as transformações mais dramáticas e rápidas de toda a história da humanidade.

Considerando a história da espécie humana, este período em que vivemos representa um curto segmento de tempo. Entretanto a intensidade das mudanças tem sido tão intensa, que perdemos a visão de como foi trilhado o caminho até aqui. Carvalho (1997CARVALHO, M. G. Tecnologia, desenvolvimento social e educação tecnológica. Revista Educação & Tecnologia, n. 1, p. 70-87,1997. ) relata que o homem permaneceu como caçador coletor durante 76,16% da história humana, enquanto que a fase agrícola e controle de produção de alimentos apenas 23,35%; a sociedade moderna industrial representa somente 0,36% da história da humanidade.

Notáveis inventores e empreendedores, tais como: Thomas Edison, que patenteou e financiou o desenvolvimento de múltiplos dispositivos importantes de grande interesse industrial; Nikola Tesla, com a invenção da transmissão sem fios; Alan Turing, conhecido como o pai da ciência da computação e tendo formalizado o conceito de algoritmo; Albert Eisntein, que desenvolveu a teoria da relatividade, ampliando as concepções astrofísicas; Alexander Fleming que descobriu a penicilina, um antibiótico natural; Christiaan Barnard, que efetuou o primeiro transplante de coração humano, abrindo caminhos para outras evoluções na medicina; James Watson e Francis Crick, que descobriram a molécula do DNA; Enrico Fermi, que empreendeu a primeira reação em cadeia da fissão nuclear; Narinder Singh Kapany, que revolucionou o campo das telecomunicações, com a invenção das fibras óticas; Gordon Gould, com a invenção dos raios lazer; Henri Coanda, inventor do avião a jato; Henry Ford, com a criação da produção em série; Tim Berners-Lee, desenvolvendo a World Wide Web; Luis E. Miramontes, sintetizando o primeiro contraceptivo oral; Vladimir Zworykin, que patenteaou o tubo iconoscópico para câmara de televisão; Thomas Green Morton, o inventor da anestesia; a Intel, que em 1971 criou o primeiro microprocessador, até as apresentações de novos produtos, em que Steve Jobs encenava em seu "campo de distorção da realidade", passou-se pouco mais de um século. A fome de conhecimento, a fascinação e o desejo das pessoas por esses novos produtos alimentaram os desejos e as crenças e contribuíram para grandes transformações mercadológicas e sociais, seja por conhecimento de novas técnicas, seja por crenças e valores sociais associados aos novos produtos e serviços. Resultado de conhecimento acumulado pela história da humanidade, essa evolução tecnológica ocorre em uma velocidade muito maior do que as mudanças nos comportamentos sociais.

As inovações mágicas, radicais ou incrementais, tornam os produtos contemporâneos objetos de desejos e em crenças que são formas de mostrar valor para a sociedade, além de contribuir para que os indivíduos sejam aceitos por ela. Em suas propostas mais básicas, os equipamentos e as tecnologias são criados para tornar a vida humana mais prática, economizar energia, executar trabalhos indesejados ou inconvenientes, aumentar a produtividade da economia, proporcionar acesso a produtos e serviços, assim como aumentar a qualidade e a quantidade de vida, sendo estes aspectos tão reivindicados em nossos dias. Nesse contexto, os equipamentos modernos e sofisticados, derivados de tecnologias eletrônicas e computacionais, além de tornar os consumidores mais produtivos, têm sido usados como marcadores sociais, conforme Brookey (2006); Huefner e Hunt (2000HUEFNER, J.; HUNT, H. K. Consumer retaliation as a response to dissatisfaction. Journal of Consumer Satisfaction, Dissatisfaction & Complaining Behavior, v. 13, p. 1-22, 2000. Disponível em: <https://faculty.unlv.edu/gnaylor/JCSDCB/articles/>. Acesso: 27 out. 2017.
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); Pinker (2001PINKER, S. Como a mente funciona. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.); Hertlein e Ancheta (2014HERTLEIN, K. M.; ANCHETA, K. Advantages and disadvantages of technology in relationships: findings from an open-ended survey. The Qualitative Report, v. 19, n. 11, p. 1-11, 2014. Disponível em: <http://nsuworks.nova.edu/tqr/vol19/iss11/2>. Acesso: 27 out. 2017.
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); Fausti (2017FAUSTI, M. Disruptive technologies and evolving sourcing tools. ISG - White Paper Information, Services Group. 2017. Disponível em: <https://www.isg-one.com/docs/default-source/default-document-library/old_dogs_new_tricks.pdf?=0>. Acesso: 27 out. 2017.
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).

Schmitt (2004SCHMITT, B. H. Gestão da experiência do cliente: uma revolução no relacionamento com os consumidores. Porto Alegre: Bookman. 2004.) observa que os produtos de tecnologia se tornam cada vez mais produtos experienciais de estilo de vida, devendo ser, por isso mesmo, pesquisados e comercializados dentro de parâmetros adequados. McCracken (1986) postula a cultura e o consumo como atributos da vida contemporânea, enfatizando a incorporação de determinantes do consumo vivencial em elementos como a influência e suscetibilidade à propaganda, o sistema gerador de modas, e os rituais de posse, de troca, preparação e de desinvestimento em produtos. Bauman (2001BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.) com seu conceito de “Modernidade Líquida”, destaca o papel do consumo na sociedade líquida contemporânea.

Festingher (1975) preconiza que os indivíduos, em suas cognições, buscam uma coerência em suas crenças e percepções sobre as coisas e contextos. A dissonância cognitiva ocorre quando sensações de desconforto resultam de duas crenças contraditórias. Quando há uma discrepância entre as crenças e comportamentos, desenvolve-se uma atitude com o propósito de eliminá-la ou reduzi-la. A Teoria da Dissonância Cognitiva vem sendo referenciada nos mais diversos campos de estudos com o propósito de compreender a mente humana na lógica das contradições entre valores atribuídos a condutas e decisões.

No que tange a produtos eletrônicos de consumo, em muitos casos a usabilidade torna os softwares que controlam esses equipamentos, máquinas de difícil compreensão, causando frustrações nos consumidores, ávidos por produtividade e status (PAULA FILHO, 2003PAULA FILHO, W. P. Engenharia de software: fundamentos métodos e padrões. 2. ed. São Paulo: LTC, 2003.). O uso dos manuais de instrução por vezes causa confusão e dificultam ainda mais o acesso do consumidor ao seu produto. Assim a distância entre o imaginário do consumidor e a experiência traumatizante que ele vivencia é normalmente intensa, caracterizando a dissonância cognitiva. Afinal ele compra um produto eficiente, moderno, bonito, cheio de recursos sofisticados, promessas de solução de todos os seus problemas e não consegue usufruir desses recursos. O consumidor, nessa situação, pode agir de diversas formas, tais como diminuir a importância da aquisição feita ou devolver o produto. Caso não haja informações que demonstrem que ele tomou uma boa decisão, essa dissonância não será reduzida (HAWKINS; MOTHERSBAUGH; BEST, 2007HAWKINS, D. I.; MOTHERSBAUGH, D. L.; BEST, R. J. Comportamento do consumidor: construindo a estratégia de marketing. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007).

A insatisfação é uma condição necessária para originar o comportamento de reclamação (ANDRADE; BALASSIANO; BRANDÃO, 2013ANDRADE, D. M.; BALASSIANO, M.; BRANDÃO, M. M. Modelo estrutural do comportamento de retaliação e vingança do consumidor insatisfeito. REMark, Revista Brasileira de Marketing, v. 12, n. 1, 2013. Disponível em: <http://www.revistabrasileiramarketing.org/ojs-.2.4/index.php/remark/issue/view/134>. Acesso: 27 de out. 2017
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). Ela ocorre quando as experiências e a performance frustram as expectativas, como definem Blackwell, Miniard e Engel (2009BLACKWELL, R. D.; MINIARD, P. W.; ENGEL, J. F. Comportamento do consumidor. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2009). A retaliação é vista como uma resposta à insatisfação de consumidores em suas experiências de consumo (HUEFNER; HUNT, 2000HUEFNER, J.; HUNT, H. K. Consumer retaliation as a response to dissatisfaction. Journal of Consumer Satisfaction, Dissatisfaction & Complaining Behavior, v. 13, p. 1-22, 2000. Disponível em: <https://faculty.unlv.edu/gnaylor/JCSDCB/articles/>. Acesso: 27 out. 2017.
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). À medida em que aumenta a intensidade da raiva e outras emoções relacionadas, aumenta-se também a propensão dos consumidores a agir e cobrar de forma danosa à empresa (ROCHA et al. 2014ROCHA, A. P. B. et al. Consequentes de atitudes de vingança: novos olhares sobre os aspectos negativos no comportamento do consumidor. Revista Ciências Administrativas, v. 20, n. 2, 2014. Disponível em: <http://ojs.unifor.br/index.php/rca/article/view/3663>. Acesso: 2 abr. 2016
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). Permanecendo nesse estado, alguns consumidores experimentam uma situação tão intensa de insatisfação que responderão de forma pró-ativa a esse momento (BECHWATI; MORRIN, 2003BECHWATI, N. N.; MORRIN, M. Outraged consumers: getting even at the expense of getting a good deal. Journal of Consumer Psychology, v. 13, n. 4, p. 44-53, 2003. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=412320>. Acesso: 27 out. 2017
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). Frequentemente essas ações poderão gerar um comportamento de vingança. Falar mal da marca ou produto, participar de comunidades virtuais, engajar-se em criar ações ou atividades como forma de punição aos agentes motivadores, são exemplos de ações por parte desses consumidores em que a correção de uma suposta injustiça percebida e recuperação da autoestima do vingador seriam aliviadas agindo de modo vingativo (ALBUQUERQUE; PEREIRA; BELLINI, 2011ALBUQUERQUE, F. M. F.; PEREIRA, R. C. F.; BELLINI, C. G. P. Do repertório de comportamentos do consumidor: retaliação e vingança no ciberespaço. Revista de Administração, v. 46, n. 2, p. 135-149, 2011. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rausp/article/view/4453>. Acesso em: 5 abr. 2013.
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).

Neste contexto de relações do consumidor com produtos de alta tecnologia, propõe-se a seguinte pergunta de pesquisa: qual é a relação dos consumidores com produtos de alta tecnologia, no que se refere do encanto à vingança?

O objetivo geral deste trabalho consiste em analisar, na lógica do comportamento do consumidor, a dissonância cognitiva e a propensão à vingança no consumo de produtos eletrônicos computadorizados. Especificamente, pretende-se: 1) identificar os determinantes da dissonância cognitiva incidentes na compra de produtos de alta tecnologia baseados em computador; 2) identificar a propensão e a natureza das atitudes de vingança do consumidor proporcionada pela frustração na compra de produtos de alta tecnologia baseados em computador; e, 3) relacionar os determinantes da dissonância cognitiva e os determinantes da propensão à vingança.

Como justificativas para este estudo, destaca-se que muitos consumidores, quando reclamam de uma experiência de uso, associam essa deficiência à marca e ao produto. Identificar, medir reclamações, descobrir a sua influência nas tomadas de decisão do consumidor são ações que visam propiciar dados e informações importantes para ajudar as empresas a melhorarem seus produtos e proporcionar melhor atendimento pós-vendas e, por consequência, melhorar a qualidade de vida dos consumidores. Para a academia este trabalho tem por propósito contribuir com um estudo que trata de personagens modernos e contemporâneos e que estão mudando de forma dramática as estruturas sociais. Apesar das contribuições substantivas de uma miríade de pesquisadores no campo do comportamento do consumidor, é possível vislumbrar lacunas que surgem em relação ao consumo de produtos e serviços, em situações específicas, como, por exemplo, estudando a extensão comportamental do encanto à vingança em relação à aquisição de produtos de alta tecnologia. Este estudo pretende imergir neste complexo campo de relações, tentando contribuir ao avanço do conhecimento na área.

2 Revisão da literatura

2.1 Os fundamentos dos estudo sobre o comportamento do consumidor

Os estudos da disciplina comportamento do consumidor tiveram seu início na década de 1960, segundo Mowen e Minor (2003MOWEN, J. C.; MINOR, M. S. Comportamento do consumidor. São Paulo: Prentice Hall, 2003.). Entretanto, a origem intelectual teve os primeiros estudos no fim do século XIX, com o sociólogo Thorstein Veblen, que em 1889 pesquisou sobre os exageros de consumo oriundos da abundância de produtos advindos da revolução industrial. Veblen alegava que a luta por status seria o fator que motivava a aquisição de bens materiais. O estudo do comportamento do consumidor tornou possível entender melhor o próprio consumidor e assim definir estratégias de marketing direcionadas ao atendimento das suas necessidades (BACKER; SAREN, 2016BACKER, M.; SAREN, M. Marketing theory: student edition. London UK. SAGE, 2016. ).

O comportamento do consumidor vem sendo investigado desde os primórdios do pensamento humano (STIGLER, 1954). Os hebreus, os gregos e em menor envolvimento, os romanos, já tinham o consumidor como unidade analítica na relação entre homens e deuses; entretanto, o foco era o preço como elemento de usura e, portanto, levando ao afastamento dos homens em relação aos deuses. Na idade média, São Tomaz de Aquino já preconizava a relação entre produtores e consumidores, tendo como fundamento o preço de produtos (KUMCU, 1987KUMCU, E. An historical perspective framework to study consumer behavior and retailing systems. In: WALLENDORF, M.; ANDERSON, P. Advances in consumer research. Provo, UT: Association for Consumer Research, 1987. vol. 14. p. 439-441. Disponível em: <http://acrwebsite.org/volumes/6735/volumes/v14/NA-14>. Acesso: 27 out. 2017.
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). O consumidor, e mais especificamente o consumo, entram ainda que muito discretamente, no contexto dos economistas clássicos, com Adam Smith, e neoclássicos, com Marshall e com os chamados marginalistas, pela teoria do valor subjetivo ou teoria da utilidade marginal. Mais tarde as relações entre o consumo conspícuo e o utilitarismo passam a contextualizar as especulações em importante um novo campo da Economia (RUCKER; GALINSKI, 2009RUCKER, D. D.; GALINSKY, A. D. Conspicuous consumption versus utilitarian ideals: how different levels of power shape consumer behavior. In: SCHIFFMAN, L. G.; KANUK, L.L . Comportamento do consumidor. 9. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2009.). Torna-se mais nítida a constatação de que quanto maior a necessidade que o consumidor sente de um bem e quanto maior sua escassez, tanto maior a força de atração deste bem sobre ele. Na chamada Nova Economia o consumidor assume enfoque como um novo paradigma, sendo que o novo consumidor tem um perfil tecnográfico específico, e o marketing eletrônico tem um potencial nunca antes alcançado, fazendo emergir novas relações de negócios, com outros níveis de complexidade interpretativa e atitudinal.

Outras vertentes do pensamento, ao longo da história, vêm contribuindo para se descrever, explicar e até prever o comportamento do consumidor. A Psicologia se insere no tema a partir das especulações sobre a natureza e as características das emoções, das motivações, da percepção, da aprendizagem, da personalidade, das atitudes, estilos de vida e auto-conceitos (OLIVER, 2014OLIVER, R. Satisfaction: a behavioral perspective on the consumer. London: Routledge, 2014.). Destacam-se como contribuições inseridas no contexto da compreensão do comportamento do consumidor, aquelas provenientes dos estudos da Psicanálise e suas derivações. No contexto dos estudos sobre as necessidades, primárias e psicológicas, este campo do conhecimento desenvolveu importantes construtos que levam à compreensão das dimensões epistemológicas e teóricas sobre o tema. Nesta abordagem o comportamento do consumidor consiste no estudo das unidades compradoras e dos processos de trocas envolvidos na aquisição, na disposição de mercadorias e no consumo, de acordo com os mesmos autores. O comportamento do consumidor tem sido definido por diversos autores, como por exemplo Schiffman e Kanuk (2009), como um processo em que o consumidor procura, avalia e compra produtos ou serviços para as suas necessidades. Esses indivíduos decidem baseados na disponibilidade de recursos, tais como dinheiro, esforço ou conhecimento. O consumidor, enquanto indivíduo, pensa, sente e age para ter suas necessidades e desejos satisfeitos e faz isso através de um processo que conta com os seguintes passos: busca, análise, seleção, compra, consumo e pós consumo de um produto ou serviço. Neste sentido o comportamento do consumidor tem sido um tema de grande interesse dos consumidores, das empresas, de profissionais de marketing e de profissionais que estudam ciências do comportamento humano.

Adicionalmente, o consumidor tem sido estudado no contexto mais metodológico que teórico, na lógica das Neurociências. Nesta disciplina, enquanto as tecnologias e metodologias de pesquisa se desenvolvem intensamente, a estruturação teórica ainda está insipiente, requerendo esforços dos estudiosos no campo, apesar dos muitos experimentos realizados em diversos países já serem conhecidos e estarem disponíveis a pesquisadores (SOUZA, et al. 2016SOUZA, C. V. et. al. Estado da arte da publicação nacional e internacional sobre Neuromarketing e Neuroeconomia. Revista Brasileira de Marketing, v. 15, n. 1, p. 28-41, jan./mar. 2016. Disponível em: <10.5585/remark.v15i1.3188>. Acesso: 27 out. 2017. ); (LONDHE, 2014LONDHE, B. R. Marketing mix for next generation marketing. Procedia Economics and Finance, v. 11, p. 335-340, 2014. Doi: 10.1016/S2212-5671(14)00201-9. Acesso: 27 out. 2017.
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). O foco dos estudos consiste em mapear áreas cerebrais, buscando elementos que permitem extrair conclusões sobre a mente e o comportamento de consumidores.

A Antropologia vem contribuindo à compreensão do consumo e do consumidor ao estudá-lo no contexto predominante das estruturas sociais, da etnografia, das identidades, das imagens, símbolos, metáforas, significados, práticas e modos de vida, e, especialmente, das visões de mundo e conduta de grupos e das sociedades (SUNDERLAND; DENNY, 2016SUNDERLAND, P. L.; DENNY, R. M. Doing Anthropology in consumer research. London: Routledge, 2016.). A Sociologia, no mesmo sentido, tem proporcionado relevantes contribuições, ao interpretar o consumo e o consumidor no contexto das relações históricas e contemporâneas entre as sociedades e pessoas, no que tange às razões, modos e perspectivas dos atos e rituais nos quais o consumo se efetiva. Assim, relações identitárias de classes, de gêneros, de posses, de raças, de locais e culturas, bem como de poder, se entrelaçam, proporcionando um contexto complexo de descrições e de interpretações sobre as múltiplas variações de consumo e de realidades de consumidores (STILLERMAN, 2015STILLERMAN, J. The Sociology of consumption: a global approach. Cambridge, UK: John Wiley & Sons, 2015. ).

A teoria do Direito tem proporcionado substratos sobre o consumidor e suas relações com produtos, serviços e pessoas envolvidas, na lógica da justiça e de relações saudáveis entre estes agentes do sistema. As ações jurídicas ganharam foro específico e um corpo doutrinário que viesse a buscar a proteção ao consumidor, com os códigos de defesa dos consumidores, instituídos em diversos países (GARCIA, 2017GARCIA, L. M. Código de defesa do consumidor comentado artigo por artigo. 13. ed. Salvador: Podium, 2017.).

Em conjunto, estas disciplinas, a Economia, Psicologia, Neurociências, Antropologia, Sociologia e Direito, além de outras contribuições menos densas vêm compondo, no contexto do Marketing, o complexo sistema de estudos do comportamento do consumidor. Todas elas, com maior ou menor ênfase, estudam e projetam circunstâncias que permitem projetar as decisões do consumidor. De acordo com Solomon (2016SOLOMON, M. R. Comportamento do Consumidor: comprando, possuindo e sendo. 11. ed. Porto Alegre: Bookman. 2016.) e Blackwell, Miniard e Engel (2009BLACKWELL, R. D.; MINIARD, P. W.; ENGEL, J. F. Comportamento do consumidor. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2009), a tomada de decisão é influenciada e caracterizada por vários fatores determinantes e os separa em três grupos, sendo: as diferenças individuais, que incluem a demografia, psicografia, valores e personalidade, recursos do consumidor, motivação, conhecimento e atitudes; as influências ambientais, que compreendem cultura, classe social, família, influência pessoal e situação; e os processos psicológicos, caracterizados pelo processamento da informação, aprendizagem e mudança de comportamento e atitude e personalidade e autoconceito.

O processo decisório do consumidor é descrito na literatura como cognitivo. O consumidor toma consciência de uma necessidade ou desejo e de possíveis maneiras de como satisfazê-lo (FOXALL, 2005FOXALL, G. R. O processo decisório do consumidor: processo, nível e estilo. In: BAKER, M. (Org.). Administração de marketing. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 87-102). Já Grewal e Levy (2014GREWAL, D.; LEVY, M. Marketing. 2. ed. Porto Alegre: Amgh, 2014. ) afirmam que o modelo do processo de decisão do consumidor representa as etapas que os consumidores são submetidos em todo o processo que vem a ser antes, durante e depois de fazerem as compras. Blackwell, Miniard e Engel (2009BLACKWELL, R. D.; MINIARD, P. W.; ENGEL, J. F. Comportamento do consumidor. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2009), desenvolveram um complexo modelo de caracterização do comportamento do consumidor, sustentando que, para entender claramente o comportamento do consumidor durante o processo de compra é imprescindível ter em mente que ele passa por cinco estágios em seu processo de decisão de compra: o reconhecimento da necessidade, a busca de informações sobre o objeto de necessidade ou desejo, a avaliação de alternativas de oferta, a compra e o comportamento pós-compra. É importante, continuam os autores, ter-se em mente que apesar de análise dos estágios do processo de decisão de compra ser compartimentalizada, estes estágios podem ocorrer simultaneamente e não são unidirecionais, ou seja, estágios podem ser retomados depois de ultrapassados. Além disso, alguns estágios podem ser suprimidos e outros podem ganhar mais importância, dependendo do esforço e envolvimento do consumidor. Nem sempre as decisões dos consumidores incluem todos os cinco estágios. Kahneman (2011KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.) sugere que muitas das decisões econômicas dos indivíduos são baseadas em heurísticas e por meio de um processamento cognitivo mais automático, onde nem todas as variáveis são devidamente ponderadas.

Autores como Grewal e Levy (2014GREWAL, D.; LEVY, M. Marketing. 2. ed. Porto Alegre: Amgh, 2014. ) concordam que, na avaliação pós-compra o resultado será a satisfação ou insatisfação. O consumidor irá se queixar, reclamar, demonstrar sua insatisfação ou comprar novamente aquela marca e produto escolhidos se tornando fiel à marca. Os autores indicam que a satisfação ocorre quando o desempenho do produto é consistente com o que esperava o consumidor, ou ainda, excede suas expectativas. A insatisfação ocorre quando o contrário acontece, o desempenho do produto fica aquém da expectativa do consumidor. No que pertine ao consumo de produtos de tecnologia, constata-se que essa escolha é mais relacionada ao psicológico do que à habilidade própria do indivíduo. Uma combinação de crenças define a adoção desses produtos. Elementos contribuintes e inibidores do consumo de tecnologia, segundo Souza e Luce (2005SOUZA, R. V. de; LUCE, F. B. Avaliação da aplicabilidade do technology readiness index (tri) para a adoção de produtos e serviços baseados em tecnologia. Revista de Administração Contemporânea, v. 9, n. 3, p. 121-141, 2005. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1415-65552005000300007>. Acesso: 27 out. 2017.
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) são: otimismo - ideia que a tecnologia é boa e oferece maior controle; inovação - referência a ideia de pessoas experimentando lançamentos de produtos que tenham novas tecnologias; desconforto - pessoas sentem que a tecnologia não é feita para todos e, insegurança - desconfiança em relação ao funcionamento da tecnologia. Otimismo e inovação se caracterizam como condutores da propensão ou prontidão para tecnologia, enquanto desconforto e insegurança representam fatores que atrasam ou impedem a adoção desses novos produtos. O não atendimento aos requisitos de satisfação, normalmente leva o consumidor ao estado da dissonância cognitiva em relação à sua decisão de compra, ou seja, ao arrependimento da compra pela não correspondência real às suas expectativas em relação ao produto, serviço ou atendimento. Consiste em um estado de desconforto psicológico que ocorre devido a relações discordantes entre cognições, ou seja, pela divergência entre o esperado, o desejado e o efetivamente obtido. Esse desconforto gera uma motivação a quem é afetado de tal forma que impulsiona esse indivíduo a tentar reduzi-la ou eliminá-la. A redução da dissonância pode se dar de várias formas. Racionalizar suas decisões como sendo sábias, buscar anúncios que reforcem suas escolhas, evitar propagandas da concorrência, convencer amigos e familiares a comprar a mesma marca ou procurar outros proprietários satisfeitos para confirmar sua decisão. São várias as alternativas possíveis para tentar reduzir a dissonância. Uma contribuição pioneira neste estudo foi proporcionada por Festinger (1957FESTINGER, L. A Theory of cognitive dissonance. Stanford, CA: Stanford University Press, 1957.), que estuda a relação dissonante, a relação consonante e a relação irrelevante do indivíduo em relação às suas crenças, motivações e cognições.

2.2 O modelo analítico da pesquisa

Suportado no estado da arte da vasta literatura na área, desenvolveu-se o modelo analítico desta pesquisa, mostrado na Figura 1. Foram estabelecidos os estados mentais e processos atitudinais que ocorrem durante o processo de compra e pós-compra de um produto. Neste caso, a premissa assumida consiste em que o encanto do consumidor acontece durante o processo de decisão, fluindo em uma evolução crescente e atingindo seu ápice no momento da compra propriamente dita. O encanto do consumidor, naturalmente, fortalece-se ainda com os reforços cognitivos proporcionados pela convivência com o objeto do desejo, bem como pelas manifestações congruentes de pessoas influentes, normalmente próximas dele. O desencanto, ou a dissonância cognitiva, igualmente ocorre pela própria experiência do consumidor, assim como pelas manifestações negativas sobre atributos expressadas pelas pessoas de seu relacionamento. O modelo conecta o comportamento do consumidor, a dissonância cognitiva e a vingança do consumidor num arcabouço estrutural único, de onde surgem as relações para o estudo, constituindo o foco deste trabalho. Parte-se da premissa que o consumidor compra muitas vezes não por utilitarismo, mas por razões hedônicas ou porque o produto ou serviço o encanta. Não necessariamente pela utilidade, mas pelos valores ou crenças que, adquirindo aquele produto, o consumidor pode atingir uma situação melhor que a anterior. Lindstrom (2008LINDSTROM, M. A lógica do consumo: verdades e mentiras sobre o que compramos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.) constata que “boa parte do que acontece no cérebro é emocional, e não cognitivo” e que é por meio das emoções que o cérebro codifica as coisas que têm valor, nesse caso uma marca que cativa emocionalmente venceria todos os testes de aderência.

Figura 1
O modelo analítico da pesquisa

Após se encantar e adquirir o produto, o consumidor faz uma avaliação do que adquiriu, compara com suas expectativas e pode ficar satisfeito com o produto tendo suas necessidades atendidas, ou entra em um estado de dissonância cognitiva, que é um estado de desconforto entre a situação desejada, que o consumidor tem em relação às suas expectativas e a situação real em que se encontra. O desencanto, ou a decepção, resulta da dissonância cognitiva que o consumidor estabelece em sua mente, sobre suas expectativas não atendidas em relação ao que almeja e que se esforça para alcançar e pagar. O indivíduo nesta situação ficará frustrado e propenso a sentir raiva, uma vez que suas necessidades que seriam satisfeitas com a aquisição do produto, não serão atendidas. Muitas vezes o consumidor se lembra mais da raiva do que do produto ou serviço que comprou. A raiva é ingrediente para uma possível retaliação ou vingança. A raiva tem sido avaliada por autores na psiquiatria como a mais cruel das emoções. A retaliação consiste em sentimento que os consumidores sentem em relação a uma empresa, despertando o desejo de exercer vingança, geralmente seguindo uma experiência de compra extremamente negativa (ZOURRIG; CHEBAT; TOFFOLI, 2009ZOURRIG, H.; CHEBAT, J. C.; TOFFOLI, R. Consumer revenge behavior: a crosscultural perspective. Proceedings of ASBBS Annual Conference: Las Vegas, v. 16, n. 1, p. 995-1001, 2009. Disponível em: <http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download;jsessionid=553AF3096AEAC82EBAF9B85079352A7D?doi=10.1.1.483.3075&rep=rep1&type=pdf>. Acesso: 27 out. 2017.
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). A retaliação é caracterizada por um agressivo comportamento do consumidor, no intuito de retribuir ou revidar um suposto prejuízo causado pela marca; essa ação pode ser executada na forma de reparação, punição ou vingança, sempre em resposta a uma injustiça percebida.

3 Procedimentos metodológicos

Realizou-se uma pesquisa descritiva quantitativa, ou survey, buscando caracterizar os construtos e variáveis do modelo, assim como identificar suas relações. Foram utilizadas métricas estatísticas descritivas, análise fatorial, análise de correlação entre os construtos e análise de regressão, para identificar a propensão à retaliação de consumidores em relação a produtos de base tecnológica. As unidades de observação foram 308 alunos, 153 mulheres e 155 homens, escolhidos aleatoriamente, de três instituições de nível superior da região metropolitana de Belo Horizonte, que demonstram e relatam experiências com produtos tecnológicos.

4 Resultados e discussões

A análise de dispersão dos dados estatísticos dos construtos e variáveis do modelo sobre as relações do consumidor com produtos tecnológicos é apresentada tabelas a seguir.

Tabela 1
Análise de Dispersão - Construtos e variáveis do modelo

Conforme é possível verificar na Tabela 1 acima, as dispersões entre as variáveis explicativas do modelo foram significativas. Algumas foram as mais heterogêneas de cada construto, como por exemplo: “Sempre que há um lançamento de um dispositivo mais moderno, eu compro”, para Encantos (59,63%); “Logo após comprar meu novo dispositivo tecnológico eu comparo o design e recursos com outros modelos ou aparelhos de outras pessoas”, para Avaliação (44,99%); “Quando um aparelho não atende as minhas expectativas eu compro um novo”, para Expectativa (48,53%) ; “Quando compro um dispositivo tecnológico, fico em dúvida se precisava realmente dele”, referente à Dissonância Cognitiva; “Quando meu dispositivo tecnológico não atende minhas necessidades, eu desisto e abandono produto”, para Raiva (51,66%); “Não me conformo com desonestidade de fornecedor e, se puder, farei algo para me vingar”, para Vingança (72,84%).

O coeficiente alfa, de Cronback, para o modelo foi 0,866, refletindo a adequação e consistência de variáveis e construtos.

Na Análise Fatorial Exploratória, pelo método Varimax, demonstrou-se que a variância explicada do construto Encantos foi de 45,08, sendo o KMO 0,81. A comunalidade mais significativa, e explicativa do fator foi “Eu compro um dispositivo tecnológico novo porque ele é bonito”. Para o construto Avaliação a variância explicada foi de 51,86, e o KMO = 0,59, sendo a comunidade predominante “Logo após comprar meu novo dispositivo tecnológico eu faço uma avaliação da qualidade do produto”. Sobre o construto Expectativa, a variância foi 62,86 e KMO = 0,61 e a comunalidade destacada foi “Quando um aparelho não atende as minhas expectativas eu fico com raiva e desisto dele”. A Dissonância Cognitiva apresentou variância de 63,85 e KMO = 0,53, sobressaindo neste construto a variável “Quando compro um dispositivo tecnológico, fico em dúvida se precisava realmente dele”. A Raiva foi caracterizada com a variância de 52,89 e KMO 0,79 e “Quando percebo que o aparelho eletrônico que comprei não atende os requisitos anunciados, eu fico com raiva”, a variável que apresenta a maior contribuição ao fator. O construto Vingança demonstrou variância de 42,2 e KMO 0,67, com a variável “Quando meu novo dispositivo tecnológico não atende minhas necessidades, eu denuncio a empresa no PROCON” sobressaindo-se em sua comunalidade e contribuição ao fator.

As correlações entre os construtos foram calculadas pela média de cada um, conforme Tabela 2.

Tabela 2
Correlações entre os construtos do modelo

Conforme Tabela 2, as correlações entre os construtos foram positivas e razoavelmente baixas, sendo que aquelas que apresentaram o coeficiente mais forte foram Raiva e Dissonância Cognitiva com uma correlação 0.619. A propensão à retaliação/vingança demonstrou correlação positiva e média com a raiva, muito baixa com encantos e baixa com a avaliação, a expectativa e a dissonância. Provavelmente este constaste coadune com o estado positivamente irracional do homem, referente aos benefícios inesperados de se desafiar a lógica em muitos aspectos da vida, especialmente enquanto consumidor, conforme Ariely (2010ARIELY, D. Positivamente irracional. Rio de Janeiro: Campus, 2010. ). Afinal, no contexto de Douglas e Isherwood (2006), os produtos eletrônicos, não atendem, em primeiro lugar, à subsistência, mas à exibição competitiva, sendo necessários para dar visibilidade e estabilidade às categorias de cultura.

A análise de regressão do modelo foi elaborada para verificar se alguma das médias dos construtos (Encantos, Avaliação, Expectativa, Dissonância Cognitiva e Raiva) influencia na variável resposta (Retaliação / Vingança). Utilizou-se o método de estimação conhecido como método dos mínimos quadrados ordinários. Constatou-se que, como o p-valor é menor que 0.001, pode-se concluir, a um nível de 5% de significância, que algum dos construtos influencia na variável resposta, como se demonstra na Tabela 3.

Tabela 3
Informação do ajuste do modelo

O Coeficiente de Determinação Múltiplo (R2) representa a proporção da variabilidade de Y explicada pelas variáveis regressoras, conforme se demonstra na Tabela 4.

Tabela 4
Coeficientes de Determinação

As estimativas dos parâmetros do modelo foram calculadas, caracterizando a regressão dos construtos para a explicabilidade da propensão dos compradores de produtos tecnológicos à Vingança por desejos não satisfeitos, conforme Tabela 5.

Tabela 5
Estimativas dos parâmetros do modelo

A constante e os construtos Avaliação e Raiva foram significativos para o modelo a um nível de significância de 5%, enquanto os construtos Encantos, Expectativa e Dissonância Cognitiva não o foram. Sendo assim, tem-se o modelo verificado:

Resposta (Construto Retaliação / Vingança) = 1.491

+ 0.106 * Construto Avaliação

+ 0.386 * Construto Raiva.

Sendo assim, na Regressão Múltipla, as suposições do modelo ajustado necessitam ser validadas para que os resultados sejam estatisticamente confiáveis. Pelas estatísticas de Kolmogorov-Smirnov, os resíduos padronizados apresentaram proximidade a uma distribuição normal.

5 Considerações finais

Em síntese, o estudo demonstrou que um percentual significativo de consumidores considera os produtos eletrônicos de tecnologia fáceis de usar, que eles atendem aos desejos de consumo e resolvem seus problemas, e que eles compram dispositivos tecnológicos novos porque possuem muitos recursos utilitários de usabilidade. Entretanto, a amostra de entrevistados afirmou que não compra equipamentos sempre que há um lançamento. Essa afirmação confirma que os chamados early adopters, indivíduos que compram os produtos sempre que lançam novos modelos, são um percentual pequeno dos consumidores. Eles afirmaram ainda que admitem esperar que o produto tecnológico funcione como na propaganda, estudam os recursos que o aparelho promete, tem alta expectativa sobre o produto, confere os anúncios e, após a compra, verifica se suas expectativas foram atendidas. Caso perceba que o aparelho que comprou não cumpra o prometido, admitem ficar com raiva, apesar de um percentual maior de clientes, indicar que ficaram frustrados diante de uma situação como essa. Deste estado emocional resultam manifestações de humor que se salientam nos consumidores, caracterizando experiências que eles se envolvem e reagem, aproximando-se aos fundamentos sobre temperamentos preconizados por Cloninger; Svrakic; Przybeck, (1993CLONINGER, C. R.; SVRAKIC, D. M.; PRZYBECK, T. R. A psychobiological model of temperament and character. Arch Gen Psychiatriy, v. 50, n.12, p. 975-90, 1993. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8250684>. Acesso: 27 out. 2017.
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) e Lara (2004LARA, D. Temperamento forte e bipolaridade. Porto Alegre: DL, 2004.). Esses fatores devem ser observados pelos profissionais de marketing, a fim de diminuir a ocorrência desses casos nos produtos de suas marcas. Eles demonstraram a disposição de registrar seus descontentamentos nas redes sociais e reclamar junto ao PROCON. Ainda que a lógica do hedonismo preceitue o contrário, sob o contexto do utilitarismo, os consumidores admitiram que não compram um produto eletrônico somente porque ele apresenta design atraente. Portanto, a engenharia de design das empresas deve considerar o quesito beleza associado a atributos de performance do equipamento ao construir seus produtos. A propensão à dissonância cognitiva dos consumidores foi considerada de alta incidência. Neste contexto, os executivos de Engenharia e de Marketing devem pensar e agir intensamente no sentido de se precaver contra quaisquer manifestações de inadequação ao consumidor, por mais discreto que seja o atributo, já que ele manifesta intensa propensão à avaliação criteriosa dos dispositivos e propensão à raiva e à reclamação. Embora os consumidores não disponham de recursos densos para vingança contra fabricantes e distribuidores de dispositivos tecnológicos, a manifestação deste tipo de intensão demonstra o estado de humor deles em relação a produtos que não atendam às expectativas de necessidade e de desejo.

Para estudos futuros, recomenda-se que a organização e a sistematização do conhecimento neste campo sejam evoluídas, de forma a consolidar as relações entre os construtos, a partir de hipóteses, tais como:

  • H1 - Os construtos do modelo independem, significativamente, de validações externas;

  • H2 - Incluindo-se novas variáveis a cada construto, o R2 e R2 ajustado aumentarão os graus de explicabilidade dos construtos independentes, e do construto dependente;

  • H3 - Todos os construtos do modelo contribuem, significativamente, para explicar, nomologicamente, as relações no sequenciamento dos construtos entre encantos e retaliação / vingança;

  • H4 - Todos os construtos, em escala sequencial, apresentam dependência de seu antecessor;

  • H5 - No modelo, se for incluído um novo construto, chamado “esforço de reconquista do cliente”, ele será significativamente relevante para proporcionar a “satisfação do cliente”.

Esse estudo se mostrou ser inicial e, possivelmente, de grandes implicações e importância, tanto para o entendimento do ambiente do consumidor de produtos tecnológicos, quanto para empresas e marcas que produzem ou vendem esses produtos. Observa-se que com a expansão do uso das múltiplas tecnologias, e consequente queda nos preços, o acesso a esses equipamentos se intensifique, fazendo parte do cotidiano de grande parte dos consumidores, seja em uso pessoal ou profissional. Paralelamente, a literatura demanda estudos intensos que descrevam com consistência e permitam previsões sobre sentimentos e ações do consumidor no sentido da relação com produtos e serviços inovadores e surpreendentes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2017
  • Aceito
    19 Set 2017
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