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Inteligência informacional e hipercultura entre estudantes de graduação

Informational intelligence and hyper culture among undergraduate students

RESUMO

Percebe-se uma oportunidade para melhor entender a inteligência informacional ao discuti-la no contexto acadêmico, de tal forma, o presente estudo teve como objetivo analisar as relações da inteligência informacional com os aspectos de hipercultura de estudantes universitários. Na sociedade da informação destacam-se os aspectos da cultura digital e da cibercultura; impulsionadas pelo desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação possuem como consequências a hipercultura, que serve de premissa para a teoria da mediação cognitiva (TMC) que articula a relação entre cognição, sociedade e tecnologia, auxiliando no entendimento dos impactos desses na cognição dos indivíduos. Para tanto, desenvolve-se o marco teórico apoiado nos entendimentos sobre inteligência informacional, teoria da mediação cognitiva e hipercultura. Metodologicamente a pesquisa possui abordagem quantitativa, utilizando questionário para coleta dos dados. Na análise e interpretação dos dados foram utilizados métodos estatísticos diversos. A população era composta por 1077 discentes matriculados no segundo semestre de 2017do curso de Administração da UFPE. A amostra foi não probabilística, por conveniência e estratificada, tendo participado 347 sujeitos. Os resultados da pesquisa revelaram que a inteligência informacional possui uma alta correlação com a hipercultura, essa correlação corrobora na direção que à luz da teoria da mediação cognitiva a inteligência informacional seja um elemento essencial da hipercultura.

Palavras-chave:
Inteligência informacional; Hipercultura; Gestão da Informação

ABSTRACT

It is an opportunity to better understand in formational intelligence by discussing it in the academic context, so the present study aimed to analyze the relationships of information al intelligence with the aspects of hyperculture of university students. In the information society, aspects of digital culture and cyberculture stand out; driven by the development of information and communication technologies have the consequences of hyperculture, which serves as a premise for the theory of cognitive mediation (TMC) that articulates the relationship between cognition, society and technology, helping to understand their impact on the cognition of individuals. To this end, the theoretic al framework is developed based on the understanding of informational intelligence, cognitive mediation theory and hyperculture. Methodologically, there search has a quantitative approach, using a questionnaire for data collection. In the analysis and interpretation of the data several statistic al methods were used. The population consisted of 1077 students enrolled in the second semester of 2017 of the UFPE Business Administration course. The sample was non-probabilistic, for convenience and stratified, having participated 347 subjects. The research results revealed that information al intelligence has a high correlation with hyperculture, this correlation corroborates that in the light of the theory of cognitive mediation informational intelligence is an essential element of hyperculture.

Keywords:
Informational intelligence; Hyperculture; Information management

1 Introdução

O desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação traz consigo a chamada cultura digital, impulsionada pela criação da internet. Seu conceito aproxima-se de outros como cibercultura, era digital, revolução digital, que possuem como elementos comuns a tecnologia e o ciberespaço. A cultura digital traz uma mudança em termos de hábitos cotidianos baseada numa história de sociedade industrial, fazendo parte das rotinas e conectando os indivíduos a ferramentas tecnológicas interativas, modificando o entendimento de partilhamento, territorialidade e produção. Depois da era industrial, pode-se falar de negócios da era da informação.

Na era da informação, o que acontece em termos de tecnologia tanto em hardware e software quanto em comportamentos digitais tende a acontecer primeiro no universo dos jogos. Nessa perspectiva de mudanças em uma cultura digital e buscando melhor entendê-la percebem-se esforços, como a teoria da mediação cognitiva-TMC, que, de acordo com Souza (2004SOUZA, Bruno Campello. A Teoria da Mediação Cognitiva: Os impactos cognitivos da Hipercultura e da Mediação Digital. 2004. 289 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004.), tem por objetivo explicar os impactos da introdução das novas tecnologias da informação e da comunicação na sociedade em termos das mudanças cognitivas individuais e coletivas resultantes de tal processo. Enquanto modelo de cognição humana que busca as relações entre pensamento, sociedade e tecnologia, a teoria da mediação cognitiva-TMC que, segundo Souza (2004), ao ser aplicada à cultura digital traz à pauta novas formas de pensar e agir ligadas às tecnologias da informação e comunicação-TIC e às novas estruturas socioculturais criadas ao redor delas, tratando de uma hipercultura que é uma nova forma de mediação cognitiva. Dentre os elementos intervenientes da hipercultura há a apropriação do uso de tecnologia, que impacta diretamente nos modos de pensar e agir dos indivíduos (SOUZA, et al, 2012).

A era digital traz consigo uma relação direta entre as tecnologias da informação e comunicação, os indivíduos e as organizações, impactando diretamente nas relações de produção. Corroborando com as perspectivas de desenvolvimento cognitivo e relacional e as premissas do construto hipercultura, Subrahmanyam et al (2000SUBRAHMANYAM, Kaveri; KRAUT, Robert E.; GREENFIELD, Patricia M.; GROSS, Elisheva F. The Impact of Home Computer Use on Children's Activities and Development. The Future of Children, v. 10, n. 2, p. 123-144, 2000., p.123) sugerem que a partir da interação com os jogos habilidades cognitivas relacionadas ao pensamento e conhecimento são desenvolvidas e aprimoradas, bem como a formação da subjetividade no caso das crianças, dentre outros fatores.

No contexto do século XXI em que a informação não para de crescer (explosão informacional) e que surgem a todo o momento novas tecnologias de informação e comunicação. Ressalta-se que dentre as condições para que a gestão da informação aconteça faz-se necessário o entendimento dos gatilhos do indivíduo que geram a necessidade ou motivação pela informação, que estimula o acesso à informação a partir do letramento e da competência, e respectivamente seu uso com a geração de conhecimento, tudo isso dentro de dado contexto, conforme preconiza o modelo de Inteligência informacional de Paula (2018PAULA, S. L. de. Conceituação, condicionantes e impactos da inteligência informacional: um estudo sobre aspectos informacionais no contexto de videogames e suas implicações entre estudantes de graduação em administração. 2018. Tese (Doutorado em Administração) - Programa de Pós Graduação em Administração, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018.).

Nessa perspectiva de uma era digital que influenciada pelo desenvolvimento e popularização de tecnologias da informação e comunicação como os videogames que favorecem o desenvolvimento de uma hipercultura nos indivíduos, torna-se importante refletir sobre os aspectos intervenientes da gestão da informação como a inteligência informacional, especificamente entre estudantes de graduação. Dessa forma, este trabalho busca o desdobramento e a articulação de duas categorias: Inteligência informacional e Hipercultura, além dos elementos que serão correlacionados aos dados referentes ao contexto de estudantes de graduação que jogam videogames.

2 Referencial Teórico

2.1 Gestão da informação e inteligência informacional

A busca pela essência da Ciência da Informação, bem como seus domínios de conhecimento e a definição de uma identidade não são recentes, assim como a busca de uma teoria da informação para o campo (FARRADENE, 1980FARRADENE, J. Knowledge, information, and information Science. Journal of Information Science, v. 2, n. 2, p. 75-80, 1980.; HJORLAND, 1998HJØRLAND, Birger. Theory and Metatheory of Information Science: A New Interpretation. Journal of Documentation, v. 54, n. 5, p. 606­621, 1998.; FLORIDI, 2004FLORIDI, Luciano. LIS as applied philosophy of information: a reappraisal. Library Trend. v. 52, n. 3, p. 658-65, 2004.). De origem transdisciplinar, seus conceitos vêm de diferentes abordagens como a cognitiva, a tradição documentária, a computação, dentre outras.

Nas palavras de Salaun (2007SALAÜN, Jean-Michel. La redocumentarisation, un défi pour les sciences de l’information. Études de Communication, v. 30, 2007.), o início da Ciência da Informação se dá no chamado movimento de redocumentarização, que é o processo de tratar um documento ou um conjunto de produtos de informação rearticulando os conteúdos de acordo com a perspectiva do usuário. Hawkins (2001HAWKINS, Donald T. Information Science Abstracts: Tracking the Literature of Information Science. Journal of the American Society for Information Science and Technology, v. 52, n. 1, p.44-53, 2001.) traz que esforços para definir a Ciência da Informação surgem com maior intensidade na década de 60, um dos fatos marcantes acontece quando o Instituto Americano de Documentação muda o nome para Sociedade Americana para Ciência da Informação, acrescentando nos anos 2000 “e Tecnologia”. Ainda na década de 80, Farradene (1980FARRADENE, J. Knowledge, information, and information Science. Journal of Information Science, v. 2, n. 2, p. 75-80, 1980.) posiciona grande parte da aplicação da Ciência da Informação como ciência cognitiva, lidando com processos de pensamento, entendida como um campo mais amplo da comunicação, ensino e aprendizagem, campos de interesse desta pesquisa.

Nessa busca de entendimento do campo da Ciência da Informação, identificam-se ainda esforços como o de Johannessen, Olsen e Olaisen (1999JOHANNESSEN, Jon Arild; OLSEN, Bjorn; OLAISEN, Johan. Aspects of innovation theory based on knowledge-management. International Journal of Information Management. v.19, n.2, p. 121-139, April, 1999. DOI: https://doi.org/10.1016/S0268-4012(99)00004-3
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), ao identificar e posicionar o subjetivismo como um instrumento ativo da investigação na Ciência da Informação, não apenas como objeto, mas também como agente de investigação científica, apresentando um contraponto ao ponto de vista positivista, predominante até os anos de 1980. No subjetivo, aproxima-se das ciências cognitivas e neurociências, explorando pensamento e aprendizagem, já no objetivo explora pensamentos da biblioteconomia, documentação, organização e representação da informação. De forma geral, a Ciência da Informação está focada em aspectos do conhecimento objetivo, particularmente nos seus aspectos tecnológicos e mediador.

Por essa perspectiva, este trabalho assumirá dentro da dicotomia objetivismo versus subjetivismo, a perspectiva subjetivista. Nos anos 2000 há um embricamento das várias abordagens, incluindo o fortalecimento do aspecto social e humano para melhor entendimento do campo.

Pode-se inferir que apoiada pela tecnologia, a informação é aceita como sendo o objeto de estudo e de trabalho da Ciência da Informação, embora autores como Almeida Júnior (2009ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação e múltiplas linguagens. Pesq. Bras. CI. Inf., v.2, n.1, p.89-103, jan./dez. 2009.) e Fadel et al (2010FADEL, Barbara; ALMEIDA, Carlos Cândido de; CASARIN, Hélen de Castro Silva; VALENTIM, Marta lígiaPomim; ALMEIDA JUNIOR, Oswaldo Francisco de; BELLUZZO, Regina Célia Baptista. Gestão mediação e uso da informação. In: VALENTIM, Marta. Gestão, mediação e uso da informação. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.) defendam a troca para a mediação da informação. Já autores como Zins (2006ZINS, Chaim. Redefining information science: from “information science” to “knowledge science”, Journal of Documentation, v.62, n.4, p.447-461, 2006. DOI: http://dx.doi.org/10.1108/00220410610673846
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) argumentam por uma mudança mais radical, por uma mudança não apenas no objeto, mas no nome da própria ciência, de Ciência da Informação para Ciência do Conhecimento.

Nas palavras de Fadel et al (2010FADEL, Barbara; ALMEIDA, Carlos Cândido de; CASARIN, Hélen de Castro Silva; VALENTIM, Marta lígiaPomim; ALMEIDA JUNIOR, Oswaldo Francisco de; BELLUZZO, Regina Célia Baptista. Gestão mediação e uso da informação. In: VALENTIM, Marta. Gestão, mediação e uso da informação. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.), a gestão da informação, assim como a do conhecimento, são modelos complementares, a primeira atua diretamente junto aos fluxos formais, ao que está explicitado, enquanto a segunda atua diretamente junto aos fluxos informais, não explicitados.

Por uma abordagem sócio cognitiva, as necessidades de informações individuais são socialmente condicionadas e influenciadas pelo contexto onde o indivíduo está inserido. Na perspectiva do processo, essa informação corre por um fluxo informacional e, permeando o processo, há a mediação da informação que conduz tal fluxo informacional.

Na figura a seguir representa-se de forma quase linear o processo de gestão da informação, antes de explicar a figura, esclarece-se o entendimento dos elementos utilizados. Possuindo papel central no tocante a informação, o usuário (U) é um agente basilar nas interações informacionais, é o demandante, de forma reducionista pode ser definido como o que possui uma necessidade informacional, motivada esta necessidade a partir de algum estímulo que o faz sair da situação de equilíbrio para demandar informação. Por uma perspectiva interacional, o usuário pode situar-se na posição de demandante com necessidade informacional para determinado uso, até o outro extremo na posição de fornecedor da informação, podendo ser tanto o gerador quanto o liberador do acesso à informação.

Já a mediação (M), de forma simples, deve ser entendida como o ato de intermediar informação entre indivíduos, grupos e tecnologia. A mediação aqui é entendida como algo que vai além de um indivíduo, o Agente externo (A) pode ser concebido tanto como um indivíduo como no caso de um mentor ou coaching no ambiente organizacional, como também incluindo a perspectiva digital trazida pelo ambiente web, que por meio de elementos como usabilidade e interação humano-máquina empodera o usuário, auxiliando-o nos processos que envolvem a informação. As Fontes de informações (F) contemplam os recursos que atendam às necessidades de informações dos usuários, enquanto repositórios em que a informação desejada se encontra, quanto ao formato podem ser orais, registradas e eletrônicas.

Contextualizando os termos definidos anteriormente na figura a seguir, que representa o processo de gestão da informação, têm-se que por meio do fluxo informacional, a informação pode ser mediada (M1) entre os usuários um (U1) e dois (U2), podendo M1 ser entendida como uma forma de mediação humana interpessoal, tendo o início e fim na troca entre os usuários. Outra possibilidade de utilização da informação é quando o usuário (U1) interage diretamente com a fonte de informação (F1) podendo dessa, receber feedback por meio da revocação, tal fonte pode ser uma base de dados estática registrada em meio físico como em um produto de informação do tipo relatório ou livro, ou uma base dinâmica como as possibilitadas por meio da tecnologia da informação e comunicação, a M3 pode ser entendida como uma forma de mediação entre o indivíduo e drivers.

Outro fluxo que a informação pode percorrer é entre a fonte de informação um (F1) e a fonte de informação dois (F2), nesse caso a forma de mediação pode ser entendida como mediação tecnológica ou automática entre drivers (M2). Por fim, uma quarta forma de mediação da informação (M4) pode ser realizada quando há um agente externo (A1), fazendo a ponte entre os indivíduos (U1 e U2) que demandam a informação ou a quinta forma de mediação (M5) que ocorre entre o agente externo (A2) e a fonte de informação (U1 e F1), tal forma de mediação pode ser entendida como mediação externa ou terceirizada.

Figura 1:
Processo de gestão da informação

Pelo prisma da competência humana, de acordo com a figura anterior, podem-se abordar quatro tipos de competência informacional para fins de mediação:

  1. C1: competência informacional do próprio usuário (U1) para a identificação, busca, recuperação, análise, criação, representação e uso da informação;

  2. C2: competência informacional do usuário (U1) para interagir com outros usuários (U2);

  3. C3: competência informacional do agente externo (A1) para mediar a informação entre usuários (U1 e U2), como exemplo há os bibliotecários, professores ou um mentor no ambiente organizacional;

  4. C4: competência informacional do usuário (U1) para interagir com os drivers das fontes de informação.

Embora não seja uma competência humana, ressaltam-se outras competências, a C5 e C6, para quem desenvolve a automação entre as fontes de informação e as faz interagir com os usuários.

Na perspectiva de Durugbo, Tiwari e Alcock (2013DURUGBO, Christopher; TIWARI, Ashutosh; ALCOCK, Jeffrey R. Modelling information flow for organisations: A review of approaches and future challenges. International Journal of Information Management, v.33, p. 597- 610, 2013.), o fluxo de informações pode envolver diferentes grupos, indivíduos, processos, canais de comunicação e assim por diante. Motivando seu entendimento pela necessidade de melhor compreender para poder gerar, organizar e compartilhar as informações, a informação pode fluir sob a forma verbal, escrita ou eletrônica de um remetente (que pode ser uma base de dados) para um receptor. De forma predominante, os trabalhos que abordam o processo de gestão da informação descrevem ciclos e fluxos. A exemplo tem-se os modelos de: McGee e Prusak (1994), Lesca e Almeida (1994LESCA, Humbert; ALMEIDA, Fernando C. de. Administração estratégica da informação. Revista de Administração, v. 29, n.3, p. 66-75, 1994.), Le Coadic (1996), Choo (2003CHOO, ChunWei. A organização do conhecimento: como as organizações usam a informação para criar significado, construir conhecimento e tomar decisões. São Paulo: Senac, 2003.), Smit e Barreto (2002SMIT, Johanna. W.; BARRETO, Aldo de Albuquerque. Ciência da informação: base conceitual para a formação do profissional. In: VALENTIM, Marta Lígia (Org.). Formação do profissional da informação. São Paulo: Polis, 2002. cap.1, p.9-23.), Davenport (2002DAVENPORT, Thomas. H. Ecologia da informação: por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 2002.), Beal (2008BEAL, Adriana. Segurança da informação: princípios e as melhores práticas para a proteção dos ativos de informações nas organizações. São Paulo: Atlas, 2008.)

Ao mesmo tempo em que o fluxo informacional deve ser considerado, outro aspecto que deve ser entendido ao abordar a gestão da informação é o contexto informacional, uma vez que os fluxos dependem do contexto para que a ação se configure. Aqui se entende que o uso de uma informação resulta e é direcionada em um contexto. Para Courtright (2007COURTRIGHT, Christina. Context in information behavior research. Annual Review of Information Science and Technology. v. 41, n. 1, p. 273-306, 2007.), quando as pessoas interagem com recursos de informação, uma situação de interação é construída, ainda que dentro de algum contexto.

Exposto tais elementos da gestão da informação, fluxo informacional e contexto informacional, a seguir será tratado o terceiro elemento: a mediação da informação. Enquanto palavra polissêmica, não raro, o uso da terminologia mediação emerge em diferentes áreas do saber, no campo do direito, da política, da educação, da psicologia, etc. Ressalta-se que a mediação tratada até o momento é uma mediação no sentido mais literal da palavra, ou seja, um meio de comunicação e de troca, de interação entre uma ou mais coisas.

No caso da teoria da mediação cognitiva que será tratada na seção de Cultura Digital e Hipercultura, aborda uma mediação adjetivada (cognitiva), que envolve um ato de conhecimento. No caso da interação de um usuário com uma fonte de informação, esse tipo de mediação pode ser desde um assessor, um assistente, ou um serviço oferecido por alguém de mediação no sentido de busca e resgate de informação; todavia, ao abordar a mediação cognitiva faz-se necessário esclarecer que se fala no uso de algum elemento externo como um dispositivo computacional sendo utilizado como forma de processamento de informação.

Ao partir de uma abordagem epistemológica construtivista, considerando a geração de conhecimento por alguém a partir de algum tipo de troca com um ou mais objetos por meio da ajuda de estruturas no ambiente, ou seja, considerando um indivíduo (sujeito) cognoscente que interage com um dado objeto cognoscível, Souza (2004SOUZA, Bruno Campello. A Teoria da Mediação Cognitiva: Os impactos cognitivos da Hipercultura e da Mediação Digital. 2004. 289 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004.), ao avaliar a sucessão das formas de mediação, defende a evolução conforme quadro a seguir, incluindo, posteriormente, ao quadro a hipercultura:

Quadro 1:
Evolução das formas de mediação

Embora o indivíduo nasça com um conjunto de conhecimentos, a maioria é gerado por meio de aprendizagem na interação com o mundo e sua sociedade. Para atendimento das demandas latentes faz-se necessário um processo para que ocorra, aqui, pensado a partir da perspectiva da Ciência da informação. Conforme apresentado, o conhecimento acontece a partir de experiências acumuladas, como preconizou Vergnaud (1996VERGNAUD, Gerard. Algunas ideas fundamentales de Piaget en torno a la didáctica. Perspectivas, v.26, n.10, p.195-207, 1996.) em suas etapas.

O conhecimento vai além da informação, é a capacidade adquirida, de interpretar e operar sobre um conjunto de informações, sua relevância e importância. A forma como cada um utiliza o conhecimento e as conexões cerebrais que processa é a inteligência, ou seja, a capacidade de dar respostas a partir do repositório de conhecimento que possui, utilizando adaptações, analogias, etc. Inteligência é a capacidade de aprender coisas e usar o seu próprio conhecimento para se adaptar a novas experiências. Habilidades cognitivas estão ligadas a inteligência, tais como raciocínio, memória, pensamento abstrato, etc. Assim, pode-se afirmar que inteligência é um conjunto complexo de capacidades. Buscando delimitar novas fronteiras na Gestão da Informação, Paula (2018PAULA, S. L. de. Conceituação, condicionantes e impactos da inteligência informacional: um estudo sobre aspectos informacionais no contexto de videogames e suas implicações entre estudantes de graduação em administração. 2018. Tese (Doutorado em Administração) - Programa de Pós Graduação em Administração, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018., p.61) afirma que:

inteligência em informação determina o potencial do indivíduo para apreender os fundamentos para domínio da informação (da identificação das necessidades ao acesso e uso) e afins, enquanto a competência em informação mostra o quanto desse potencial se domina de maneira que se traduza em conhecimento e capacidades.

O modelo de inteligência informacional permite ao indivíduo com todas as suas crenças, valores, premissas e conhecimento prévio, desde os gatilhos à capacidade de lidar com a informação, adquirindo, adaptando, criando, acessando, modificando, ampliando e usando informação para que consiga prover soluções para as demandas. Traz uma perspectiva da informação, reunindo os elementos pertinentes, é desenhado justamente para possibilitar o entendimento de como se dá o acesso e uso à informação relevante que conduza ao conhecimento e gere uma inteligência.

Paula e Souza (2019PAULA, Sílvio Luiz de. SOUZA, Bruno Campelo. Inteligência informacional: aspectos informacionais no contexto de videogames e suas implicações entre estudantes de graduação. Ci.Inf., v.48 n.3, p.155-172, 2019.) demonstram que a inteligência informacional possui correlação positiva com o resultado do teste de QI, a dimensão da personalidade ligada à erudição e ao teste de liderança, e marginalmente com o teste de conhecimentos.

2.2 A hipercultura

No livro Neuromancer, de 1984, o autor William Gibson introduziu o termo ciberespaço, de forma ampla, a cibercultura abrange os fenômenos relacionados ao ciberespaço, ou seja, as formas de comunicação mediadas por tecnologias. Para Levy (1999LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999., p.157) “o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam funções cognitivas humanas”.

Por uma visão histórica, percebe-se na mudança das tecnologias da informação e comunicação de uma base analógica para uma base digital. Segundo Silveira (2001SILVEIRA, Sérgio Amadeu. Exclusão Digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.), a cibercultura é uma cultura de grupos que atua com a expansão das redes informacionais, principalmente a internet, que trabalham no ciberespaço. Tornaghi (2010TORNAGHI, Alberto. O que é cultura digital. Cultura Digital e Escola, v. 20, n. 10. Ago., 2010., p.14) reforça o ato de não ser reducionista e entender a cibercultura apenas como o que se faz na rede ou usando computadores, traz que deve ser entendida como “a forma de lidar com a produção intelectual que aprofunda conceitos e práticas [...] não é uma cultura derivada das máquinas, feita por máquinas, é uma produção de pessoas e máquinas”.

Cultura enquanto termo polissêmico pode ser entendido como reflexo resultante da intervenção humana na sociedade que possibilita significações a tudo que a cerca. A ação humana possibilita a criação e desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação que possibilitam o emergir de uma cultura digital, ressalta-se aqui que não se defende o determinismo tecnológico, por premissa, entende-se a tecnologia como algo fundamental, mas que essa não determina a cultura. Segundo Lemos (2009LEMOS, Ronaldo. Economia da cultura digital. In: SAVAZONI, Rodrigo; COHN, Sergio. Cultura digital.br. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009., p.136) “A gente pode empregar como sinônimos cibercultura e cultura digital, que seriam nomes para a cultura contemporânea, marcada a partir da década de 70 do século passado, pelo surgimento da microinformática”. Nas palavras de Coelho (2009COELHO, Franklin. Infraestrutura para a cultura digital. In: SAVAZONI, Rodrigo; COHN, Sergio. Cultura digital.br. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009., p. 117): “A cultura digital significa uma revolução em termos de hábitos cotidianos baseada numa história de sociedade industrial compartimentada, segmentada”.

Baseando-se na ideia de cibercultura de Levy (1999LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.), que afirma que a tecnologia produz mudanças nas funções cognitivas, outro termo utilizado nesta pesquisa é hipercultura, considerada uma implicação da revolução digital que, segundo Souza (2004SOUZA, Bruno Campello. A Teoria da Mediação Cognitiva: Os impactos cognitivos da Hipercultura e da Mediação Digital. 2004. 289 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004.), é o contexto composto por tecnologias, indivíduos, informação, cognição, interatividade, conectividade e o hipertexto. Segundo Souza, Lula, Moura e Souza (2012b, p.2), “a inserção no ambiente hipercultural implica no aumento das chances de sucesso social e profissional do indivíduo”.

Assim, diferente do que se convenciona a chamar de cultura, a revolução digital traz uma nova forma de significar as habilidades, formas de fazer as coisas a partir das influências das tecnologias, a essa emergência da revolução digital chama-se de hipercultura. Os autores defendem que se está testemunhando o surgimento de uma hipercultura, onde os mecanismos de mediação externa incluem a tecnologia em si e seus impactos na cultura, enquanto os mecanismos internos incluem as competências necessárias para o uso eficaz dos mecanismos externos. Para Souza et al (2012bSOUZA, Flávia Andreza de; LULA, Anderson Magalhães; MOURA, Ana Lúcia Neves de Moura; SOUZA, Bruno Campello de. O Papel da Hipercultura na Atividade de Consultoria: um Estudo com Consultores na Região Metropolitana do Recife. Anais [...]. ENANPAD, 36. Rio de Janeiro: 2012b.), a combinação desses fatores sugere que a interação com as tecnologias da informação e comunicação traz impactos positivos a cognição humana como: 1) Domínio da utilização das TIC; 2) Uso de analogias e metáforas relacionadas com as TIC; 3) Pensamento científico-matemático; 4) Pensamento transcontextual; 5) Pensamento visual-espacial; 6) Ênfase na aquisição de habilidades para encontrar informações e conhecimento, em vez de acumular; 7) Técnicas para lidar com grandes conjuntos de conhecimento e informação; 8) Uso intenso de computação social e redes sociais.

Na perspectiva de Tornaghi (2010TORNAGHI, Alberto. O que é cultura digital. Cultura Digital e Escola, v. 20, n. 10. Ago., 2010.), a cibercultura e o ambiente hipercultural compostos por indivíduos e tecnologias podem ser entendidos pela perspectiva chamada de rede sociotécnica, em que os seres humanos são a parte sócio e os aparatos a parte técnica, elementos que condicionam tanto a forma de produzir como o que se produz.

A cultura digital, a cibercultura e a hipercultura possibilitam essa mudança de papéis entre os atores de um processo, diminuindo dependências, aumentando autonomias, rompendo limitações de tempo, desterritorializando espaços, facilitando a construção em rede. Por pressuposto, acredita-se nesta pesquisa que quanto maior o índice de cultura digital e hipercultura o indivíduo terá uma maior apropriação de conteúdos e saberes, potencializando a assimilação das competências e consequentemente terá uma melhor performance.

Retomando a ideia de hipercultura, elemento de investigação desta pesquisa, faz-se necessário falar da teoria da mediação cognitiva-TMC. Proposta por Souza (2004SOUZA, Bruno Campello. A Teoria da Mediação Cognitiva: Os impactos cognitivos da Hipercultura e da Mediação Digital. 2004. 289 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004.) é uma nova perspectiva acerca da cognição a qual se propõe a servir de modelo científico da mente humana que possa explicar a relação entre pensamento, sociedade e tecnologia. Segundo Asfora (2015ASFORA, Silvia Cauas. Fatores Condicionantes da Relação entre Indivíduos e a Iead: Hipercultura, Atitudes, Desempenho e Satisfação. Tese (Doutorado em Administração) - Universidade Federal de Pernambuco. CCSA, 2015., p. 29), “é uma nova abordagem a respeito da inteligência humana que busca entender/explicar as alterações cognitivas associadas ao surgimento e disseminação de tecnologias de informação e comunicação ao longo das últimas décadas (Revolução Digital)”. Enquanto teoria sobre a inteligência humana, por premissa, traz que a interação do indivíduo com as tecnologias, as mudanças da Revolução Digital e suas implicações como a hipercultura produzem alterações cognitivas que expande a performance dos indivíduos.

Segundo Souza et al (2012aSOUZA, B. C. ; SILVA, A. S. ; SILVA, A. M. ; ROAZZI, A. ; CARRILHO, S. L. S. Putting the Cognitive Mediation Networks Theory to the test: Evaluation of a framework for understanding the digital age. Computers in Human Behavior. v. 7, p. 10-26. 2012a.), a TMC possui como base cinco pressupostos básicos sobre a cognição humana e o processamento de dados:

  • 1º) A espécie humana tem como importante vantagem evolutiva a capacidade de gerar, armazenar, recuperar, manipular e aplicar os conhecimentos de várias maneiras;

  • 2º) Cognição humana é o resultado de alguma forma de processamento de informações;

  • 3º) Sozinho, o cérebro humano constitui um finito e, finalmente, insatisfatório, recurso de processamento de informações;

  • 4º) Praticamente qualquer sistema físico organizado é capaz de executar operações lógicas em algum grau;

  • 5º) Seres humanos complementam seu processamento de informação cerebral ao interagirem com sistemas físicos externos.

Já sobre os componentes da cognição extra cerebral, para que ocorra a mediação cognitiva, Souza et al (2012aSOUZA, B. C. ; SILVA, A. S. ; SILVA, A. M. ; ROAZZI, A. ; CARRILHO, S. L. S. Putting the Cognitive Mediation Networks Theory to the test: Evaluation of a framework for understanding the digital age. Computers in Human Behavior. v. 7, p. 10-26. 2012a., p.2321) identifica quatro, sendo:

  • Objeto: O item físico, conceito abstrato, problema, situação, e/ou relação de respeito que o indivíduo está tentando construir conhecimento;

  • Processamento interno: A atividade fisiológica cerebral (sináptica, neural e endócrino) que executa operações lógicas básicas do indivíduo;

  • Mecanismos internos: estrutura mental que gerencia algoritmos, códigos e dados que permitem a conexão, a interação e a integração entre o processamento interno do cérebro e o processamento extracerebral feito pelas estruturas no ambiente, funcionando simultaneamente como um driver de hardware e um protocolo de rede;

  • Mecanismos externos: podem ser de vários tipos e capacidades, que variam de simples objetos físicos (dedos, pedras), para indivíduos e grupos com atividades sociais complexas, sistemas simbólicos e ferramentas/artefatos.

Segundo os autores, um dos aspectos-chave da mediação cognitiva é o conjunto individual de mecanismos internos que possibilita o uso de estruturas externas como dispositivos auxiliares de processamento de informações, mas que também trabalham como máquinas virtuais provendo novas funções cognitivas que perduram depois do contato com o mecanismo externo, tendo um papel importante na definição da forma como o pensamento ocorre. Ainda de acordo com Souza et al (2012aSOUZA, B. C. ; SILVA, A. S. ; SILVA, A. M. ; ROAZZI, A. ; CARRILHO, S. L. S. Putting the Cognitive Mediation Networks Theory to the test: Evaluation of a framework for understanding the digital age. Computers in Human Behavior. v. 7, p. 10-26. 2012a.), baseados na teoria da mediação cognitiva, o papel da tecnologia da informação e comunicação no pensamento humano pode ser considerado como uma nova forma de mediação cognitiva. Relacionando a hipercultura com aspectos das funções cognitivas, Souza et al (2012a) identificam que a imersão na hipercultura está positivamente associada a preferência por representações mentais visuais e metáforas, capacidade verbal, capacidade numérica e habilidades sociais.

3 Métodos

Quanto a abordagem, optou-se por um estudo quantitativo. Esta pesquisa classifica-se quanto ao método como exploratória. Com base no entendimento de Sampieri, Collado e Lúcio (2006SAMPIERI, Roberto Hernández; COLLADO, Carlos Fernández; LUCIO, Pilar Baptista. Metodologia de Pesquisa. São Paulo: McGraw-Hill, 2006., p.99), as pesquisas exploratórias são realizadas quando o “objetivo é examinar um tema ou problema de pesquisa pouco estudado, do qual se tem muitas dúvidas ou não foi abordado antes”. Ainda segundo os autores, é indicado quando a literatura revela que não há antecedentes sobre o tema em questão, que não foram aplicados ao contexto no qual o estudo será desenvolvido. Assim, essa pesquisa mostra-se aderente ao tipo de estudo exploratório, uma vez que traz uma nova perspectiva sobre o constructo da inteligência informacional proposto por Paula (2018PAULA, S. L. de. Conceituação, condicionantes e impactos da inteligência informacional: um estudo sobre aspectos informacionais no contexto de videogames e suas implicações entre estudantes de graduação em administração. 2018. Tese (Doutorado em Administração) - Programa de Pós Graduação em Administração, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018.) ao correlacioná-lo ao de hipercultura de Souza (2004SOUZA, Bruno Campello. A Teoria da Mediação Cognitiva: Os impactos cognitivos da Hipercultura e da Mediação Digital. 2004. 289 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004.).

O local escolhido para a realização dessa pesquisa é o Departamento de Ciências Administrativas-DCA da Universidade Federal de Pernambuco-UFPE; já a população constitui-se dos alunos matriculados no curso de Administração da Universidade Federal de Pernambuco-UFPE. Sobre os participantes da pesquisa, respondeu um total de 347 sujeitos alunos do curso de administração de empresas da UFPE, campus Recife, matriculados no 2º semestre de 2017.

O instrumento de coleta e medição utilizado nessa pesquisa para registrar os dados foi o questionário. Para Malhotra (2012MALHOTRA, Naresh. Pesquisa de Marketing. Porto Alegre: Bookman, 2012., p.242), um questionário, “seja ele chamado de roteiro, formulário de entrevista ou instrumento de medida é um conjunto formal de perguntas cujo objetivo é obter informações dos entrevistados”.

O instrumento utilizado é composto por um conjunto de questionários, composto de seção de instruções e na sequência outras partes, sendo:

  • Um questionário com 41 perguntas fechadas sobre socio demografia, vida acadêmica, bem-estar psicológico e relação com os jogos de computador;

  • Escala de Hipercultura: instrumento para cálculo do Índice de Hipercultura, Experiência Digital (anos de uso regular de computadores) e Precocidade Digital (inverso da idade em que se começou a fazer uso regular de computadores) e outros aspectos da relação com as TICs (SOUZA et al., 2010SOUZA, Bruno Campello; SILVA, Leonardo Xavier de Lima; ROAZZI, Antônio. MMORPGS and cognitive performance: A study with 1280 Brazilian high school students. Computers in Human Behavior, v.26, n.6, p.1564-1573, 2010. Doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.chb.2010.06.001.
    http://dx.doi.org/10.1016/j.chb.2010.06....
    ).

Sobre a aplicação do instrumento, o questionário foi aplicado presencialmente em papel já no formato idealizado, com todas as questões e variáveis. A aplicação foi realizada por um grupo de 33 alunos do próprio curso de administração da UFPE, matriculados na disciplina de Tópicos Especiais. Para tanto, realizou-se reunião com os alunos para passar as informações de orientação e instruções gerais de coleta e como deveriam ser tabulados os dados antes do envio. Cada aluno recebeu impresso o questionário, e por meio eletrônico o questionário a aplicar e um template em planilha Excel para tabular os dados coletados antes de enviar. Os entrevistadores receberam orientações detalhadas quanto à forma de aplicação.

Buscando obter significado do material coletado, para fins de preparação do material coletado procedeu-se o tratamento do material buscando possíveis erros de codificação na tabulação, a identificação de valores omissos (missingvalues) e a identificação de situações fora do âmbito das variáveis (outliers). Para a análise e interpretação dos resultados o software utilizado foi o programa de estatística denominado Statistica, versão 12.5. Os dados obtidos com a aplicação do questionário foram submetidos à análise quantitativa via técnicas estatísticas descritivas através de parâmetros como média, desvio-padrão, frequência; e, estatística inferencial e análise multivariada, expressos por meio de tabelas e gráficos.

5 Resultados

Ao analisar na figura a seguir, o diagrama de caixa no formato de gráfico de boxplot com a variação de dados observados da variável hipercultura, percebe-se um maior índice de hipercultura a medida que a integralização do curso acontece, denotando um ponto de saturação a partir do sétimo semestre de integralização.

Figura 2:
Nível de hipercultura ao longo do curso

Já na próxima figura percebe-se que há relação significativa (p<.01) e positiva (Rho=.26) entre a inteligência informacional e a hipercultura, a medida que os índices de inteligência aumentam, também aumenta o índice de hipercultura.

Figura 3:
Inteligência informacional versus hipercultura

No tocante a correlação da inteligência informacional versus a hipercultura, infere-se que possuir scores mais altos de hipercultura (0,71) relaciona-se a ter mais inteligência informacional, conforme confirma-se no p<.01 e no valor positivo de Rho=0.26. Para scores baixos de hipercultura não há diferença substancial no nível de inteligência informacional, todavia, a partir de um nível médio e alto de hipercultura faz diferença, tornando-se relevante. Ressalta-se que no Estado de Pernambuco o índice médio de hipercultura é de 0,37.

Segundo a Teoria da Mediação Cognitiva, jogar é uma atividade por natureza intrinsicamente hipercultural, dentre outros fatores, pelo uso intenso de computadores, softwares, internet (SOUZA; SILVA; SILVA; ROAZZI; CARRILHO, 2012aSOUZA, B. C. ; SILVA, A. S. ; SILVA, A. M. ; ROAZZI, A. ; CARRILHO, S. L. S. Putting the Cognitive Mediation Networks Theory to the test: Evaluation of a framework for understanding the digital age. Computers in Human Behavior. v. 7, p. 10-26. 2012a.). Aqui isso é confirmado pelo índice superior de hipercultura que a amostra que joga possui em relação aos que não jogam. Conforme afirma Silva (2008SILVA, L. X. L. Processos Cognitivos em Jogos de Role-Playing: World of Warcraft vs. Dungeons & Dragons. 2008. 193 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008.), indivíduos imersos na natureza dos jogos estão inseridos mais fortemente em uma sociedade onde se experimenta a transição geral de uma cultura para uma hipercultura.

A inteligência informacional denota ser uma parte importante da hipercultura, além dos elementos abordados no parágrafo anterior, inclui-se a intensa necessidade informacional que o ambiente digital oferece, especialmente o de jogos online. A hipercultura está correlacionada ao aumento da inteligência, uma vez que o indivíduo necessita internalizar e incorporar a inteligência informacional para desenvolver hipercultura.

Por fim, relacionando-se o semestre no curso com nível de inteligência informacional, percebe-se uma correlação significativa (p=.04), com Rho negativo (Rho=-.11), conforme pode ser observado a seguir.

Figura 4:
O curso e a inteligência informacional

Na correlação da inteligência informacional com o curso percebe-se que os que estão há menos tempo no curso possuem mais inteligência informacional. Para tanto, ressalta-se que os com menos tempo jogam mais que os com mais tempo. Os jogos não competem nem com o estudo, nem com a quantidade diária de sono.

É instigante verificar que no final do curso a inteligência informacional é menor. Dentre as possibilidades levantadas para entendimento dessa diminuição, ao correlacionar os dados com o uso do tempo, percebe-se que à medida que o tempo passa, as pessoas com a maior idade passam a dedicar um tempo maior ao trabalho e menor ao jogo. Assim, observa-se que ao longo do curso a inteligência informacional diminui e o tempo de jogo também. Dessa forma, uma explicação pode ser que o pessoal que está terminando o curso fique com menos inteligência informacional pelo fato de estarem treinando menos. Logo, essa explicação indica que a inteligência informacional depende de prática e uso.

Por essa perspectiva, a inteligência informacional apresenta características de um skill e não apenas uma habilidade. O skill aproxima-se mais da competência, é algo como um condicionamento de alto nível. Skill pode ser usado como habilidade em fazer e precisa ser praticado para ser mantido.

Uma segunda hipótese seria a possibilidade de nascidos em fases diferentes, pois quem entrou agora é mais tecnológico e digital que quem está saindo. Mudanças na forma de entrada também devem ser consideradas, ENEM e o vestibular antigo. Levanta-se ainda como hipótese a disseminação de tecnologia da informação e a redução de exclusão digital, quanto mais jovem, melhor é a incorporação, inclusive a hiperculturalidade é maior. Por fim, reforça-se que a pesquisa não foi longitudinal, assim, como sugestão de pesquisa futura, analisar se com o passar do tempo é possível perder ou diminuir inteligência informacional pode ajudar a desvelar essas hipóteses levantadas.

5 Conclusões

O objetivo deste trabalho foi analisar as relações da inteligência informacional com os aspectos de hipercultura de estudantes universitários. Para isso, foi realizado um estudo com alunos do curso de bacharelado em administração da Universidade Federal de Pernambuco. Com base nos dados coletados por meio de questionário, no referencial teórico e nos dados apresentados e discutidos nas seções anteriores, apresentam-se as conclusões.

Dentro da hipercultura, as tecnologias da informação e comunicação e especificamente os jogos têm um papel particularmente importante, tendo em vista que o seu uso auxilia no desenvolvimento de esquemas mentais; por premissa, quando o indivíduo se engaja em jogos se torna mais hipercultural.

Percebe-se a motivação espontânea por parte das pessoas que se engajam em jogos, seja por terem um desejo genuíno em busca daquilo ou por buscarem saber como jogar e querer jogar. Com os resultados, pode-se afirmar que o videogame está fortemente relacionado ao construto de hipercultura, tendo em vista que os jogos eletrônicos são considerados “a ponta de lança” da tecnologia, haja vista serem em muitos casos os impulsionadores do desenvolvimento de gráficos, som, software e hardware, sendo o primeiro local a utilizar as novas tecnologias, além do aspecto da interação online entre os players. Nesse contexto específico, a manifestação da inteligência em informação mostra-se mais interessante de identificar, de perceber os meios e as fontes da informação com o conjunto de códigos, esperando-se ser possível vislumbrar suas causas.

A forma como tem sido utilizada a tecnologia, os benefícios e impactos dessa revolução tecnológica e digital têm se dado das mais diferentes formas com interfaces mercadológicas, culturais e midiáticas. O digital possibilita a presença virtual do indivíduo, percebida por meio da expressão funcional e simbólica em novos territórios de troca de informações, de nova forma de interação social. As tecnologias não são um meio em si, são um passo para o desenvolvimento e realização de ações, mas de forma mais abrangente como pôde ser visto no tópico que fala de hipercultura também são influenciadoras e condicionantes do comportamento humano, essa virtualização traz impactos diversos nos aspectos cognitivos, conforme preconiza a teoria da mediação cognitiva.

Sobre a hipercultura, como último elemento da caracterização do aluno, no perfil favorecido pelo curso, identificou-se correlações significativas e positivas entre o tempo de curso e o conhecimento e a hipercultura, denotando que quanto maior o tempo no curso maior o índice de conhecimento e hipercultura. Conforme ressalta Prensky (2009), podendo ser considerados como nativos digitais, a geração que hoje está no ensino superior representa a primeira geração da revolução digital, que já nasceu em um ambiente com mais estímulos tecnológicos e cresceram cercados por tecnologia, o que, por premissa, leva-os a ter um maior índice de hipercultura.

Por fim, conclui-se que a inteligência informacional e a hipercultura constituem elementos importantes no desenvolvimento de estudantes em administração, ao ponto em que é importante não só considerar sua influência, mas também, talvez, até encontrar formas de desenvolvê-la e integrá-la na educação formal dos adultos no campo de administração. Espera-se que os resultados dessa pesquisa suscitem algumas reflexões sobre o sistema educacional brasileiro que tem seu modelo baseado na acumulação de informação, quando o mais importante deveria ser no desenvolvimento de competências que desdobrassem em uma maior inteligência informacional.

Destarte, espera-se de que estes achados contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade inclusiva em que encolher as disparidades tecnológicas produzam ganhos sociais, culturais e econômicos para todos.

A partir da realização deste trabalho, além dos descritos ao longo do documento, foram identificadas algumas recomendações para estudos futuros, conforme elencadas abaixo:

  • Investigar se a inteligência informacional se traduz em outros contextos que não sejam alunos de administração;

  • Criar e validar escalas para medição do construto de inteligência informacional;

  • Realizar a pesquisa no contexto de uma organização com características do século XXI em comparação com uma de base mais tecnológica como as de base tecnológica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2018
  • Aceito
    17 Mar 2020
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