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Competência em informação às pessoas transgênero: conjecturando diálogos insurgentes frente ao CIStema

Information literacy to transgender people: conjecturing dialogues in front of the system

RESUMO

Busca-se aqui apresentar o movimento social e científico da competência em informação além da elitização acadêmica e restrita às instituições de ensino: trata-se do despertar dessa “metacompetência” como ferramenta efetiva na construção cidadã dos socialmente vulneráveis - subalternizados, excluídos, menosprezados. Trata-se de estudo qualitativo, com proveniência bibliográfica, onde buscamos traçar alguns pressupostos de diálogos insurgentes dessa competência como forma de apoio para com as pessoas transgênero (ou apenas pessoas trans) ou seja, aquelas que perpassam a dicotomia homem/masculino e mulher/feminino e não se identificam com as atribuições biológicas de nascença. Daí, entende-se que a ausência de desenvolvimento da competência em informação é uma forma de autoritarismo e repressão social. Seu viés empirista pode e deve se tornar um poderoso aliado no desenvolvimento da cidadania das minorias sociais. Diante disso, assinalamos que são primordiais e emergentes a discussão e o entendimento da igualdade das identidades de gênero, pois diante dos avanços tecnológicos e informacionais, a competência em informação é potencialmente capaz de apoiar o desenvolvimento das pessoas que mais precisam dela. Como resultados, reiteramos que é necessário vislumbrar além das tecnologias e das “bolhas” em que ela se desenvolve, buscando de fato alargar seus saberes e fazeres - e por isso, consideramos que a competência em informação não pode se limitar à biblioteca e ao bibliotecário, como mencionado na discussão.

Palavras-chave:
Competência em informação; Pessoas transgênero; Pessoas trans; Vulnerabilidade social; Minorias sociais

ABSTRACT

The aim here is to present the social and scientific movement of information literacy beyond academic elitization and restricted to educational institutions: it is about the awakening of this “metaliteracy” as an effective tool in the civic construction of the socially vulnerable - subordinated, excluded, despised. This is a qualitative study, with bibliographic provenance, in which we seek to trace some assumptions of insurgent dialogues of this literacy as a form of support for transgender people (or just trans people), that is, those who permeate the male/male and female/ female and do not identify with the biological attributions of birth. Hence, it is understood that the lack of development of such literacy is a form of authoritarianism and social repression. Its empiricist bias can and should become a powerful ally in the development of citizenship for social minorities. Therefore, we point out that the discussion and understanding of the equality of gender identities are essential and emerging, as, given technological and informational advances, information literacy is potentially capable of supporting the development of the people who need it most. As a result, we reiterate that it is necessary to look beyond the technologies and the “bubbles” in which it develops, in fact seeking to broaden its knowledge and practices - and therefore, we consider that information literacy cannot be limited to the library and the librarian, as mentioned in the thread.

Keywords:
Information literacy; Transgender people; Trans people; Social vulnerability; Social minorities

1 Introdução

As sociedades da atualidade, - denominadas como sociedades da informação e do conhecimento - caracterizadas pela globalização da contemporaneidade e pela supervalorização da informação e do saber, vem impulsionando mudanças na estrutura econômica, nas relações sociais, nas políticas, na cultura e nos modos de produção e trabalho no contexto dos diversos países e continentes.

O fenômeno da globalização moderna acarretou profundas consequências na estrutura dos países, em suas relações sociais e nos modos de produção e trabalho. Por outro lado, verificou-se significativa alteração nos hábitos, valores, comportamentos e estilos de vida, fazendo emergir uma nova cultura, esta chamada por alguns autores de pós-moderna, em que os campos das artes, da arquitetura, da literatura e da produção científico-tecnológica foram também afetados (TREMACOLDI, 2011TREMACOLDI, Paulo Roberto. Algumas reflexões sobre a sociedade da informação. Revista Ubiquidade, Jundiaí, v.1, n. 1, p. 16-33, 2011. Disponível em: https://revistas.anchieta.br/index.php/RevistaUbiquidade/article/view/1012. Acesso em: 04 dez. 2021.
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).

De acordo com Santos (2003SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 10. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.) a globalização moderna constitui-se numa revolução que se projeta como fator de discriminação e de aprofundamento das diferenças sociais. Assim sendo, esse fenômeno marca a ruptura no processo de evolução social e moral que se vinha fazendo nos séculos anteriores: “[...] é irônico recordar que o progresso técnico aparecia, desde os séculos anteriores, como uma condição para realizar essa sonhada globalização com a mais completa humanização da vida do planeta. Finalmente, quando esse processo técnico alcança um nível superior, a globalização se realiza, mas não a serviço da humanidade.” (SANTOS, 2003SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 10. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003., p. 65).

O que vivemos atualmente é resultante do processo de modernização da sociedade ocidental (CASTELLS, 2006CASTELLS, Manuel. La sociedad red: una visión global. España, Alianza, 2006.). E, por constituir-se em fenômeno tão complexo, muitas análises tendem a reduzir todo o processo à visão eminentemente economicista, porque parecem compreender que as “[...] transformações econômicas repercutem automaticamente no conjunto da sociedade, devendo todas as demais esferas se adequarem aos imperativos da economia de mercado mundializada.” (ALVAREZ, 1999ALVAREZ, Marcos César. Cidadania e direitos num mundo globalizado. Perspectivas: Revista de Ciências Sociais, São Paulo, n. 22, p. 95-107, 1999. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/perspectivas/article/view/2090. Acesso em: 04 dez. 2021.
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, p. 98).

É preciso, sobremaneira, que sejamos atentos e tenhamos uma postura mais crítica quanto às factíveis perversidades que esse fenômeno pode propiciar, pois a interação entre as dimensões econômicas, políticas, socioculturais e identitárias não pode ser negada ou negligenciada (RODRIGUES; OLIVEIRA; FREITAS, 2001RODRIGUES, Ana Maria da Silva; OLIVEIRA, Cristina V.M. Camilo de; FREITAS, Maria Cristina Vieira de. Globalização, cultura e sociedade da informação. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, nov. 2001. Disponível em: http://portaldeperiodicos.eci.ufmg.br/index.php/pci/article/view/439. Acesso em: 04 dez. 2021.
http://portaldeperiodicos.eci.ufmg.br/in...
).

É importante assinalar também que na contemporaneidade, a informação e o conhecimento constituem forças propulsoras de desenvolvimento, onde o saber adquire caráter de principal força de produção passando a ocupar posição de mercadoria informacional, imprescindível à competição mundial pelo poder (MACIEL; ALBAGLI, 2011MACIEL, Maria Lucia; ALBAGLI, Sarita (org.). Informação, conhecimento e poder: mudança tecnológica e inovação social. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.).

Diante disso, ao se observar a simples equação em que o poder significa informação e conhecimento, onde ambos se tornam as matérias-primas que ditam as regras do mercado global, se valida o entendimento de economia da informação, que “[...] que ademais, facilita enormemente a volatilidade do capital, sem pátria, globalizado. Esta marca estiola as expectativas ingênuas de que a globalização traria benefícios repartidos com todos globalmente.” (DEMO, 2013DEMO, Pedro. Participação é conquista. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2013., p. 38).

Tendo em vista também que as relações humanas são inerentemente políticas, envolvendo as relações de poder, cujo objetivo é de persuadir outras pessoas a agir, obedecer, manter o relacionamento ou pensar de uma maneira particular, etc., (MARSHALL, 2017MARSHALL, J. P. Disinformation Society, Communication and Cosmopolitan Democracy. Cosmopolitan Civil Societies: An Interdisciplinary Journal, [s.l.], v. 9, n. 2, 2017. Disponível em: https://epress.lib.uts.edu.au/journals/index.php/mcs/article/view/5477. Acesso em: 04 dez. 2021.
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) o fundamental é estar atento às circunstâncias ambivalentes para se desenvolver as atitudes/aptidões/habilidades e resistir aos projetos de vulnerabilidade e hegemonia constantes.

Neste contexto, e aliado igualmente à proliferação de novas ferramentas tecnológicas - as famigeradas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) - emerge a necessidade do desenvolvimento de habilidades, atitudes e criticidade para o acesso, o uso e a apropriação consciente da informação - isto é, o desenvolvimento da competência em informação (information literacy) - relativas às problemáticas anunciadas e visando servir como mecanismo para a cidadania dos mais vulneráveis entre os já vulneráveis (RIGHETTO; VITORINO; MURIEL-TORRADO, 2018RIGHETTO, G. G.; VITORINO, E. V.; MURIEL-TORRADO, E. Competência em informação no contexto da vulnerabilidade social: conexões possíveis. Informação & Sociedade: estudos, João Pessoa, v. 28, n. 1, p. 77-90, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/34735. Acesso em: 04 dez. 2021.
https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.ph...
).

O proposto, aqui, é apresentar o movimento (social e científico) da competência em informação além da elitização acadêmica e restrita às instituições de ensino: trata-se do despertar dessa “metacompetência” (AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION, 2016) como ferramenta efetiva na construção cidadã dos socialmente vulneráveis - subalternizados, excluídos, menosprezados.

Trata-se de estudo qualitativo, com proveniência bibliográfica, onde buscamos traçar alguns pressupostos de diálogos insurgentes dessa competência como forma de apoio para com as pessoas transgênero (ou apenas pessoas trans) ou seja, aquelas que perpassam a dicotomia homem/masculino e mulher/feminino e não se identificam com as atribuições biológicas de nascença (MELERO, 2018MELERO, Maria Beatriz. Metade dos brasileiros não sabem o que significa ser trans, diz pesquisa. Revista Cláudia, São Paulo, 2 jun. 2018. Disponível em: https://claudia.abril.com.br/noticias/metade-brasileiros-nao-sabem-transgenero-aponta-pesquisa/. Acesso em: 05 dez. 2021.
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). Vislumbramos aqui também responder a seguinte problemática: como pode o desenvolvimento da competência em informação interferir efetivamente na vida das pessoas trans, além de agir como insurgência ao CIStema1 1 Utilizamos aqui a expressão CIStema como uma corruptela de “sistema”, com a intenção de denunciar a existência das opressões às transgeneridades no sistema social e institucional dominante pela cisgeneridade, isto é, a identidade na qual as pessoas se reconhecem ao gênero atribuído compulsoriamente ao nascer (SUESS, 2010). , de modo a apoiar essas pessoas nas suas construções cidadãs?

Antes de adentrarmos nas especificidades do campo de reflexões aqui propostas, trago algumas considerações sobre a relevância do falar sobre “de onde escrevo” e, assim, evidenciar melhor algumas das questões que mobilizam os caminhos aqui percorridos pelas reflexões e discussões trazidas.

Cabe afirmar que situar o “lugar de fala” como contribuição aos estudos da competência em informação latino-americanos não se reduz à postura de partilhar experiências pontuais e geograficamente marcadas, mas diz respeito a explicitar experiências historicamente compartilhadas por grupos localizados nas relações de poder (RIBEIRO, 2017RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017.). Assim sendo, pensar em “lugar de fala” significa pensar as especificidades das condições sociais que constituem as relações de poder entre diferentes grupos.

A partir desta compreensão, localizo minha escrita. Pensar meu lugar de fala significa pensar sobre as condições de construção de pensamento e escrita. As reflexões aqui trazidas, assim, situam-se no meu entendimento como pessoa cis, homem e branco, com privilégios e sem saber de fato como é e quais são as dores de viver em um corpo trans diante de tamanhas vulnerabilidades, opressão e estimagtização.

Não tenho a pretensão de “dar a voz” a essas pessoas, pois elas já a têm, ainda que fracas e oprimidas; tampouco busco utilizá-las como cobaias para produzir esse estudo, ainda que as sociedades as enxerguem assim; na verdade, justifico alguns dos motivos que de fato me direcionam: (1) a precariedade e, por vezes, completa falta de estudos na Ciência da Informação (CI) sobre pessoas comuns/pessoas em situação de vulnerabilidade social/minorias sociais; (2) a visível discrepância entre o discurso da área e as práticas (paradigmas sociais e a dita inclusão digital/social), (3) a elitização dos estudos e/ou foco em discussões rasas e que não perpassam a universidade e a (3) ausência de promoção das discussões e práticas efetivas para os contextos dos subalternizados, oprimidos e constantemente renegados.

Dito isto, na sequência se apresenta as discussões e os resultados, constituídos pelo arcabouço teórico-conceitual do estudo, que contempla alguns entendimentos precisos sobre a competência em informação, a multidimensionalidade da vulnerabilidade social e a caracterização das pessoas trans.

2 Discussão e resultados

2.1 O movimento da competência em informação

A competência em informação pode ser considerada um movimento (CAMPELLO, 2003CAMPELLO, Bernadete. O movimento da competência informacional: uma perspectiva para o letramento informacional. Ciência da Informação, Brasília, v. 32, n. 3, p. 28-37, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ci/a/9nQgbdkq5nXsNBLfv5MBHNm/abstract/?lang=pt. Acesso em: 04 dez. 2021.
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) científico e social com uma consolidada trajetória histórica, tanto no Brasil quanto no mundo. Na contemporaneidade, a competência em informação não se limita ao conceito tradicional de um mero conjunto de capacidades relacionadas à informação, que partem do reconhecimento da necessidade de informação ao uso e à comunicação da informação para seus próximos.

Os pesquisadores da competência em informação costumam apontar o relatório The information service environment relationships and priorities - related paper nº. 5, publicado em 1974, como o primeiro documento no qual a expressão “information literacy” foi usada. O termo é anunciado logo no resumo do documento, que se propõe a discutir “[...] as relações do Programa Nacional de Bibliotecas e Serviços de Informação com a competência em informação e a informação industrial.” (ZURKOWSKI, 1974ZURKOWSKI, Paul G. Information services environment relationships and priorities. Washington, D.C: National Commission on Libraries and Information Science, 1974. (Related Paper, n. 5). Disponível em: http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED100391.pdf. Acesso em: 04 dez. 2021.
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, p. 1, tradução nossa).

No texto, Paul G. Zurkowski, então presidente da National Commission on Libraries and Information Science, mostra-se preocupado com os novos serviços de informação e com os novos suportes a ela relacionados, e propõe o desenvolvimento da estrutura da economia da informação já existente, a fim de “[...] alcançar a competência em informação para toda a população.” (ZURKOWSKI, 1974ZURKOWSKI, Paul G. Information services environment relationships and priorities. Washington, D.C: National Commission on Libraries and Information Science, 1974. (Related Paper, n. 5). Disponível em: http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED100391.pdf. Acesso em: 04 dez. 2021.
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, p. 11). Ainda de acordo com o documento, os indivíduos competentes em informação (information literates) seriam aqueles que “[...] aprenderam técnicas e habilidades para a utilização da vasta gama de ferramentas de informação, bem como de fontes primárias para moldar soluções de informação para seus problemas.” (ZURKOWSKI, 1974, p. 9).

As preocupações e considerações levantadas por Zurkowski (1974ZURKOWSKI, Paul G. Information services environment relationships and priorities. Washington, D.C: National Commission on Libraries and Information Science, 1974. (Related Paper, n. 5). Disponível em: http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED100391.pdf. Acesso em: 04 dez. 2021.
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) revelam uma associação da disciplina científica de competência em informação à ciência da informação enquanto uma ciência social, a qual tem por característica principal a investigação da natureza social dos fenômenos informacionais.

Essa aproximação é evidenciada na ocasião em que o princípio fundamental da competência em informação, levantado pelo mesmo autor (ZURKOWSKI, 1974ZURKOWSKI, Paul G. Information services environment relationships and priorities. Washington, D.C: National Commission on Libraries and Information Science, 1974. (Related Paper, n. 5). Disponível em: http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED100391.pdf. Acesso em: 04 dez. 2021.
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), diz respeito à utilização da informação para a solução de problemas informacionais. Tal utilização envolve a habilidade de adequar a informação para se atender as necessidades, ou seja: trata-se de um processo substancialmente social, ao expressar-se na interação/mediação do sujeito com o meio em que se insere.

Ainda, é possível reconhecer que a gênese da competência em informação está ancorada no paradigma cognitivo da Ciência da Informação, que atribui à informação a característica de possuir capacidade de modificar um estado de conhecimento. (CAPURRO, 2003CAPURRO, Rafael. Epistemologia e ciência da informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 5., 2003, Belo Horizonte. Anais [...]. Belo Horizonte: UFMG, 2003.).

Os elementos mencionados por Zurkowski (1974ZURKOWSKI, Paul G. Information services environment relationships and priorities. Washington, D.C: National Commission on Libraries and Information Science, 1974. (Related Paper, n. 5). Disponível em: http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED100391.pdf. Acesso em: 04 dez. 2021.
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) que evidenciam uma aproximação à epistemologia cognitivista são a (1) atribuição de cognoscibilidade ao ser, que identifica seu estado anômalo; e a (2) concepção do sujeito enquanto um ser dotado de uma “capacidade de agir” (ZURKOWSKI, 1974ZURKOWSKI, Paul G. Information services environment relationships and priorities. Washington, D.C: National Commission on Libraries and Information Science, 1974. (Related Paper, n. 5). Disponível em: http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED100391.pdf. Acesso em: 04 dez. 2021.
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, p. 1, tradução nossa), ou seja, um ser capaz de angariar recursos - nesse caso, estoques de informação - para solucionar uma situação, ou reparar o estado anômalo onde se encontra.

A informação, quando convertida em conhecimento, torna-se bem social de intervenção da realidade e mecanismo de transformação social, assim como um instrumento de poder. No prisma da competência em informação, as pessoas desenvolvem aptidões múltiplas para utilizar a informação na prática e compreender fenômenos, resolver questões, tomar decisões, ter noção de seu espaço na sociedade, incluindo seus direitos e deveres, além de edificar o autoconhecimento nas esferas pessoal, educacional e profissional (VITORINO; PIANTOLA, 2020VITORINO, Elizete Vieira; PIANTOLA, Daniela. Competência em informação: conceito, contexto histórico e olhares para a Ciência da Informação. Florianópolis: Editora da UFSC, 2020.).

Por conseguinte, pode-se apreender que uma conjuntura social competente em informação é hábil a exercer sua cidadania, ou seja: as pessoas têm a capacidade de distinguir a fidedignidade das informações em qualquer contexto, são capazes de reconhecer e usar a informação adequada a seu favor, além de percebem as lacunas e opressões existentes.

Cabe destacar que para Demo (2013DEMO, Pedro. Participação é conquista. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2013.), cidadania é sinônimo de qualidade social de uma sociedade organizada em direitos e deveres nomeadamente célebres. É uma das conquistas mais significativas na história da humanidade. Ao lado dos direitos, surgem “[...] os ditos direitos humanos, que hoje nos parecem óbvios, mas cuja conquista demorou milênios, e traduzem todos os direitos imagináveis que o homem possa ter.” Ao lado dos deveres, destaca-se o compromisso comunitário de cooperação e corresponsabilidade (DEMO, 2013DEMO, Pedro. Participação é conquista. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2013.).

Na cidadania, os processos participativos enfatizam a cidadania organizada, não a individual, considerando sua razão de ser. A organização exprime um aspecto visceral de competência democrática, de coerência participativa e de estratégia associativa (DEMO, 1996).

Diante disso, acredita-se que os canais de participação existentes se concentram em fomentar condições favoráveis de surgimento do cidadão e suas formas de organização. Para a democracia, trata-se de um objeto basilar e inegociável. Não existe democracia sem seu ator principal: o cidadão (DEMO, 2013DEMO, Pedro. Participação é conquista. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2013., p. 70- 71, grifo nosso). A tomada de consciência para a cidadania fundamental se exterioriza na consciência das injustiças, na luta pelos direitos, na concepção de “táticas” de reação e na mudança de situação histórica. Isto é participação, e, portanto, cidadão é a pessoa que participa (DEMO, 1996).

Fundado nisso, a tomada de consciência para a cidadania fundamental se exterioriza na consciência das injustiças, na luta pelos direitos, na concepção de “táticas” de reação e na mudança de situação histórica/biográfica. Isto é o que se pode chamar de participação, e, portanto, o cidadão é a pessoa que participa (DEMO, 2013DEMO, Pedro. Participação é conquista. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2013.). O mesmo autor (DEMO, 2013) assevera que a cidadania se dá pelo despertar da educação, intentando a aprendizagem contínua da pessoa - isto é, o life longlearning, cerne da competência em informação.

Nessa ótica, o desenvolvimento dessa “metacompetênia” engloba o conhecimento, as atitudes, e o conjunto das capacidades necessárias para saber quando é necessária informação e qual é a informação necessária; onde e como obter essa informação; como avaliá-la criticamente, e uma vez encontrada como a organizar; e como usar essa informação de forma ética.

Igualmente, sua aplicabilidade vai além das TIC, abarcando a aprendizagem plural, o pensamento crítico e as capacidades interpretativas que cobrem e superam as barreiras educativas e profissionais. Ela é tida como um novo campo fundante dos direitos humanos num mundo cada vez mais digital, global (UNESCO, 2018) e divido por linhas abissais entre os “que estão dentro e os que estão fora” das sociedades globais (TELLO, 2008TELLO, Felipe Meneses. Servicios bibliotecarios para grupos vulnerables: la perspectiva en las directrices de la ifla y otras asociaciones. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 18, n. 1, 2008. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/92957. Acesso em: 04 dez. 2021.
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). A partir disso, ela busca fortalecer os sujeitos e fornece-lhes as ferramentas para se obter conhecimentos e instrumentos de acesso aos ativos que lhes são de direito.

Sabemos, contudo, que a premissa das sociedades e dos seus componentes igualmente competentes em informação ainda é uma utopia, vide a discrepância de divisão dos ativos disponíveis. Nessa instância, as pessoas tendem a tornarem-se socialmente vulneráveis em variadas modalidades (OTTONICAR; VALENTIM; FERES, 2015OTTONICAR, Selma Letícia Capinzaiki; VALENTIM, Marta Lígia Pomim; FERES, Glória Georges. Competência em informação e os contextos educacional, tecnológico, político e organizacional. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 9, n. 1, p. 124- 142, out. 2015. Disponível em: https://brapci.inf.br/index.php/res/v/74869. Acesso em: 05 dez. 2021.
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).

2.2 A multidimensionalidade da vulnerabilidade social e as minorias sociais

A vida cotidiana contemporânea tem se revelado, cada vez com maior clareza, repleta de riscos e perigos. Eventos de diferentes naturezas, intensidades e consequências reforçam este sentimento. Em termos sociais, parece que também nunca estivemos tão inseguros e “à mercê”. No Brasil, mesmo num cenário macroeconômico um pouco menos volúvel do que nos anos 1980 e início dos 1990, há um constante cerceamento de direitos e, em muitos campos, retrocessos nos ganhos sociais. Parece que os pobres estão mais pobres, mesmo que os ricos não estejam necessariamente mais ricos e a faixa média de renda permaneça colecionando perdas sociais e de poder aquisitivo nos últimos anos (MARANDOLA JR., HOGAN, 2009MARANDOLA JR., Eduardo; HOGAN, Daniel Joseph. Vulnerabilidade do lugar vs. vulnerabilidade sociodemográfica: implicações metodológicas de uma velha questão. Revista Brasileira de Estudos de População, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 161-181, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/vLV3PWZZNw9TX45DY5TWJtQ/?lang=pt. Acesso em: 04 dez. 2021.
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).

Dessa forma, pesquisadores envolvidos em diferentes problemáticas - debruçados em diversos pressupostos teórico-metodológicos e ontológicos - vêm convergido na busca deste olhar por conta das constantes alterações na própria tessitura social e geográfica. Tais alterações deslocaram o risco de um espaço circunscrito para o próprio mecanismo da reprodução social. Em virtude disso, a incerteza se torna um elemento chave para se apreender os novos arranjos socioespaciais em variadas escalas, e a vulnerabilidade aparece como conceito promissor para operacionalizar a compreensão holística de sua ubiquidade (MARANDOLA JR., HOGAN, 2009MARANDOLA JR., Eduardo; HOGAN, Daniel Joseph. Vulnerabilidade do lugar vs. vulnerabilidade sociodemográfica: implicações metodológicas de uma velha questão. Revista Brasileira de Estudos de População, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 161-181, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/vLV3PWZZNw9TX45DY5TWJtQ/?lang=pt. Acesso em: 04 dez. 2021.
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).

A palavra vulnerável origina-se do verbo latim vulnerabilis, que significa ferir, penetrar, “algo que causa lesão”. Em raízes etimológicas, vulnerabilidade é um termo geralmente usado na referência de predisposição a desordens ou de susceptibilidade ao estresse (YUNES; SZYMANSKI, 2001YUNES, Maria Angela Mattar; SZYMANSKI, Heloísa. Resiliência: noção, conceitos afins e considerações críticas. In: TAVARES, José (org.). Resiliência e educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 13-42).

De acordo com Butler (2015BUTLER, Judith. Notes toward a performative theory of assembly. Cambridge: Harvard University Press, 2015.), a ideia de vulnerabilidade é invariavelmente associada ao corpo. Pensar em vulnerabilidade é pensar no corpo. O corpo, para Butler, é o locus da potência, tomando como base a distanciação de qualquer doutrina ou teoria que advogue a noção do corpo enquanto uma mera “superfície de inscrição”; portanto, longe de desconsiderá-lo, Butler leva o corpo a sério. A ideia de vulnerabilidade, por conseguinte, é a resposta reivindicativa que Butler encontra para articular sua oposição ao “corpo como superfície.” (BUTLER, 2015BUTLER, Judith. Notes toward a performative theory of assembly. Cambridge: Harvard University Press, 2015.).

Diante disso, aponta-se que a utilização do termo vulnerabilidade emerge no início dos anos 1980, com os estudos sobre a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (HIV/AIDS), compartilhando conceituações da área dos Direitos Humanos. A partir das características da evolução da epidemia, como a mudança no perfil das pessoas atingidas e variáveis socioeconômicas, foram trazidas à tona novas associações ao contexto da infecção, exigindo a redefinição das ideias individualizantes até então vigentes sobre os chamados “grupos de risco”. A adoção do conceito de vulnerabilidade, em substituição ao de grupo de risco, aconteceu nesse processo, indicando a ampliação das chances e formas de acometimento da doença pela totalidade da população (SCOTT; PROLA; SIQUEIRA; PEREIRA, 2018SCOTT, Juliano Beck; PROLA, Caroline de Abreu; SIQUEIRA, Aline Cardoso; PEREIRA, Caroline Rubin Rossato. O conceito de vulnerabilidade social no âmbito da psicologia no Brasil: uma revisão sistemática da literatura. Psicologia em revista, Belo Horizonte, v. 24, n. 2, p. 600-615, 2018. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-11682018000200013. Acesso em: 04 dez. 2021.
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).

O termo vulnerabilidade, por sua vez, assume várias conotações, entre estas, designando grupos ou indivíduos fragilizados, juridicamente ou politicamente, que necessitam de auxílio e proteção para a garantia de seus direitos como cidadãos. O vulnerável carrega, nesse sentido, a ideia do mais fraco, ou seja, aquele que está em desvantagem quanto ao critério de distribuição (renda, serviços, qualidade de vida, educação e saúde) e que é alvo de políticas públicas específicas de auxílio e de busca de garantia de direitos. A vulnerabilidade, então, se refere aos indivíduos e às suas suscetibilidades ou predisposições a respostas ou consequências negativas (JANCZURA, 2012JANCZURA, Rosane. Risco ou vulnerabilidade social? Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 11, n. 2, p. 301-308, 2012. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/12173. Acesso em: 04 dez. 2021.
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).

Nesse panorama, uma pessoa ou um grupo tornam-se socialmente vulneráveis quando ocorre uma situação que os levam a romper seus vínculos sociais com o trabalho, a família ou seu círculo de relações (ADORNO, 2001ADORNO, Rubens de Camargo Ferreira. Um olhar sobre os jovens e sua vulnerabilidade social. São Paulo: Associação de Apoio ao Programa Capacitação Solidária (AAPCS), 2001.). Diz respeito à possibilidade de sofrer um declínio no bem-estar, em particular uma queda abaixo de um limite mínimo de referência, de pobreza ou de exclusão.

Monteiro (2011MONTEIRO, Simone Rocha da Rocha Pires. O marco conceitual da vulnerabilidade social. In: SEMINÁRIO DE POLÍTICAS SOCIAIS DO MERCOSUL, 3., 2011, Pelotas. Anais [...]. Pelotas: SEPOME, 2011.) destaca que a temática da vulnerabilidade social é caracterizada por um complexo campo conceitual, constituído por variadas concepções e dimensões que podem voltar-se para o enfoque econômico, ambiental, de saúde, de direitos, etc. Ainda que o tema venha sendo trabalhado ao longo de anos, ressalta-se que seu conceito está em constante construção, visto sua magnitude e complexidade. A emergência da temática se dá nos anos 1990, com a fadiga da matriz analítica da pobreza, limitada a questões econômicas (MONTEIRO, 2011MONTEIRO, Simone Rocha da Rocha Pires. O marco conceitual da vulnerabilidade social. In: SEMINÁRIO DE POLÍTICAS SOCIAIS DO MERCOSUL, 3., 2011, Pelotas. Anais [...]. Pelotas: SEPOME, 2011.).

Apesar de sua frequente discussão ao longo das últimas décadas, tal expressão não possui um significado único e consolidado na literatura, denotando seu caráter multidimensional e amplo. Prova disso é que para Prowse (2003PROWSE, Martin. Towards a clearer understanding of ‘vulnerability’ in relation to chronic poverty. Oxford: University of Manchester, 2003. (CPRC Working Paper, n. 24). Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1754445. Acesso em: 04 dez. 2021.
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
), enquanto certos estudos tratam a vulnerabilidade entrelaçada à pobreza, outros a delimitam como sintoma angular da pobreza e ainda há quem a caracterize como uma das dimensões da pobreza.

Quando pensamos no uso e ênfase recente que tem recebido nas ciências sociais, esta necessidade fica ainda mais evidente. A vulnerabilidade social, como mencionado, é evocada na tradição de estudos sobre a pobreza enquanto um novo conceito forte, na esteira dos utilizados em outros tempos como exclusão/inclusão, marginalidade, apartheid, periferização, segregação, dependência, entre outros (MARANDOLA JR., HOGAN, 2009MARANDOLA JR., Eduardo; HOGAN, Daniel Joseph. Vulnerabilidade do lugar vs. vulnerabilidade sociodemográfica: implicações metodológicas de uma velha questão. Revista Brasileira de Estudos de População, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 161-181, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/vLV3PWZZNw9TX45DY5TWJtQ/?lang=pt. Acesso em: 04 dez. 2021.
https://www.scielo.br/j/rbepop/a/vLV3PWZ...
).

Destarte, a redução dos níveis de vulnerabilidade social se viabiliza a partir do acesso aos bens e serviços pelos subalternizados, ampliando o universo material e simbólico, bem como as condições de mobilidade social. Um exemplo de mecanismo no fortalecimento social é disposto pela elaboração e realização de políticas públicas2 2 O Manifesto de Florianópolis sobre a competência em informação e as populações vulneráveis e minorias, proposto no XV Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação (XV CBBD), em 2013, enfatiza a plena responsabilidade das instituições públicas/governamentais, privadas e dos movimentos associativos/órgãos representativos de classe quanto à elaboração, apoio e cumprimento de políticas públicas voltadas à competência em informação. (MANIFESTO..., 2013). participativas para a cidadania (MONTEIRO, 2011MONTEIRO, Simone Rocha da Rocha Pires. O marco conceitual da vulnerabilidade social. In: SEMINÁRIO DE POLÍTICAS SOCIAIS DO MERCOSUL, 3., 2011, Pelotas. Anais [...]. Pelotas: SEPOME, 2011.), divergente e antônimo do assistencialismo.

Consoante a isso, Marandola Jr. e Hogan (2009) inferem que a cidadania deve aparecer como conceito norteador nas pesquisas em vulnerabilidade/vulnerabilidade social. Aponta-se isso pois a discussão da cidadania evolui juntamente (embora em variadas vertentes) com as discussões das “questões sociais”, principalmente a partir dos anos 1970, sendo ela própria uma das principais destas questões.

A perspectiva da cidadania que se propaga é aquela que a vincula ao acesso a direitos - e totalmente oposta ao “projeto de cidadania” enunciado por Demo (2013DEMO, Pedro. Participação é conquista. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2013.) - o que significa dizer que “a cidadania fica vulnerabilizada nas suas pulsões emancipatórias”, fruto da situação de vulnerabilidade econômica, política e cultural vivida pelos países “periféricos”, como os da América Latina (HOPENHAYN, 2002HOPENHAYN, Martin. A cidadania vulnerabilizada na América Latina. Revista Brasileira de Estudos de População, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 5-18, 2002. Disponível em: https://www.rebep.org.br/revista/article/view/310. Acesso em: 04 dez. 2021.
https://www.rebep.org.br/revista/article...
, p. 9).

Não obstante, Hopenhayn (2002HOPENHAYN, Martin. A cidadania vulnerabilizada na América Latina. Revista Brasileira de Estudos de População, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 5-18, 2002. Disponível em: https://www.rebep.org.br/revista/article/view/310. Acesso em: 04 dez. 2021.
https://www.rebep.org.br/revista/article...
) entende que as maravilhas anunciadas da globalização e de um projeto de sociedade da informação colidem com o acesso restrito/falta de habilidades necessárias e contextuais de aprendizagem contínua às redes nas sociedades latinoamericanas, o que reverte essa promessa de alianças contra-hegemônicas na condenação ao silêncio e à invisibilidade para a grande maioria dos cidadãos da regiões que não estão conectados, ainda que seja menos por um tempo -tempo precioso no qual se definem e se redefinem os seus destinos. Se estar fora da rede é estar, literal e simbolicamente, na intempérie, no vazio e na surdez, as assimetrias entre conectados e não-conectados marcam um vácuo ontológico no saber, no aprender e no ser (individual, social e cultural).

Desse modo, a vulnerabilidade social em direitos sociais e econômicos, de um lado, e a promoção dos direitos civis, políticos e culturais, de outro, recolocam na agenda política e do desenvolvimento dos países ditos periféricos o velho problema que emerge em nova roupagem (HOPENHAYN, 2002HOPENHAYN, Martin. A cidadania vulnerabilizada na América Latina. Revista Brasileira de Estudos de População, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 5-18, 2002. Disponível em: https://www.rebep.org.br/revista/article/view/310. Acesso em: 04 dez. 2021.
https://www.rebep.org.br/revista/article...
): a discriminação identitária, que compreende os aspectos étnico-raciais, culturais e de identidade de gênero - e que propulsiona a formação dos grupos considerados “minorias sociais” (CASTELLS, 2008CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2008.).

A Organização das Nações Unidas (ONU) classifica as minorias sociais como os grupos socialmente vulneráveis compostos por “[...] mulheres, crianças, pessoas com deficiências, pessoas idosas, minorias sexuais, refugiados, populações indígenas, pessoas em extrema pobreza [...] ou pessoas com HIV/AIDS.” (ONU, 2002, p. 4-5).

Uma minoria, então, refere-se a um grupo humano ou social que esteja em uma situação de inferioridade ou subordinação em relação a outro, considerado majoritário ou dominante. Essa posição de inferioridade pode ter como fundamento diversos fatores, como socioeconômico, legislativo, psíquico, etário, físico, linguístico, de gênero, étnico ou religioso.

Em outras palavras, minorias são “[...] um grupo não dominante de indivíduos que partilham certas características nacionais, étnicas, religiosas ou linguísticas, diferentes das características da maioria da população.” (PAULA; SILVA; BITTAR, 2017PAULA, Carlos Eduardo Artiaga; SILVA, Ana Paula da; BITTAR, Cléria Maria Lôbo. Vulnerabilidade legislativa de grupos minoritários. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 12, p. 3841-3848, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413. Acesso em: 04 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/1413...
, p. 3842). Ou, também, são todos os grupos sociais que são considerados inferiores e contra os quais podem existir uma ou variadas modalidades de discriminação (SÉGUIN, 2002SÉGUIN, Elida. Minorias e grupos vulneráveis: uma abordagem jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2002.).

O conceito de minoria pode ser obtido de duas formas: pela afirmação do que as minorias são, ou pela afirmação do que não são, que na epistemologia poderia ser designado por definição afirmativa ou negativa. Considerando que tudo foi negado às minorias, seu conceito é angariado a partir daquilo que a distingue da maioria, ou das massas (ORTEGA Y GASSET, 1987ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. São Paulo: Martins Fontes, 1987.), ou seja, a diferença (conceito que deve ser tomado em sua acepção filosófica).

É válido destacar que as minorias nem sempre estão, em termos numéricos, em quantidade inferior. Séguin (2002SÉGUIN, Elida. Minorias e grupos vulneráveis: uma abordagem jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2002.) constata que, por exemplo, a mulher e os pobres são grupos minoritários, embora sejam a maioria na sociedade. Os idosos correspondem a uma parcela relevante da população mundial, sendo considerados uma minoria. Negros, pessoas LGBTQIA+, incluindo as pessoas trans, povos indígenas, pessoas em situação de rua, pessoas com deficiência (PcDs) também são considerados minoria, apesar de serem parcela igualmente relevante, além de diversos outros grupos - cuja condição de vida precária é fortalecida pelo próprio estado de vulnerabilidade(s) e pelo regime da atual globalização.

Diante disso, apresentamos na próxima subseção algumas especificidades sobre a heteronormatividade e a colonização de gênero, as identidades trans e suas questões de vulnerabilidade social na contemporaneidade.

2.3 Heteronormatividade e colonização de gênero

Em primeiro lugar, para abordar questões acerca da transgeneridade, se faz necessário refletir sobre o que é ser homem e ser mulher em uma sociedade baseada na heteronormatividade. Ou seja, onde o normal e socialmente aceitável deve condizer com uma postura heterossexual de acordo com os papeis sociais atribuídos aos gêneros e onde se pressupõe uma continuidade entre sexo, gênero e sexualidade. A cisgeneridade3 3 Identidade no qual as pessoas se reconhecem ao gênero atribuído compulsoriamente ao nascer (SUESS, 2010). , a binariedade4 4 Sistema de gênero restrito e refletido diretamente em duas categorias relacionadas ao sexo (BUTLER, 2003). e a heteronormatividade contextualizadas na colonialidade do gênero5 5 Normatização das relações de gênero e sociais nos processos colonizadores e seus efeitos (CONNELL, 2016). culminam no silenciamento e na violência dos corpos trans. O medo de ser quem você realmente é ou quer ser pode culminar no silenciamento de seu corpo, de seus direitos e de sua cidadania.

Para tanto, entende-se que a heteronormatividade configura um padrão de sexualidade que regula o modo como a sociedade organiza-se e funciona. Esse padrão objetiva regular e normatizar os modos de ser e de viver os desejos corporais e a sexualidade. Trata-se da matriz base para o estabelecimento do poder e da naturalização dos corpos, dos gêneros e do desejo (BUTLER, 2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.).

Assim, e segundo a convenção binária socialmente estabelecida, por meio de uma perspectiva biologicista e determinista, há apenas duas possibilidades de divisão das pessoas em relação à anatomia sexual humana: feminino/fêmea ou masculino/macho. Dessa forma, há uma lógica na representação hegemônica do gênero e da sexualidade definindo uma coerência “natural” e “inerente” entre sexo-gênero e sexualidade, ou seja, cada sexo só poderia interessar-se pelo sexo oposto (sexualidade heterossexual) e este interesse seria ratificado pela possibilidade procriativa, estabelecendo a heterossexualidade compulsória (PETRY; MEYER, 2011PETRY, Analídia Rodolpho; MEYER, Dagmar Estermann. Transexualidade e heteronormatividade: algumas questões para a pesquisa. Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 10, n. 1, p. 193-198, 2011. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/7375. Acesso em: 04 dez. 2021.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
).

Nesse sentido, cabe apontar que isso se deve também à intensa propagação de teorias coloniais que desconsideravam a problemática do gênero no desenvolvimento das dicotomias de poder, baseada em conceitos eurocêntricos e heteronormativos relativos a gênero e ao sexo biológicos, não correspondentes à realidade colonial. (PRECIADO, 2017PRECIADO, Beatriz. Manifesto contra-sexual: praticas subversivas de identidade sexual. 2. ed. Madrid: Opera Prima, 2017.).

Os colonizados, ou seja, os indígenas, por exemplo, não eram considerados humanos e sim selvagens sexualmente incontroláveis e que deveriam ser adestrados pelos colonizadores. A colonialidade se estabelece como resultado do colonialismo, mantendo-se no saber, na cultura, no senso-comum, na autoimagem e no cotidiano. A colonialidade não constitui uma relação colonial entre duas nações, mas cria padrões de comportamento, crenças, formas de relacionar o trabalho e a intersubjetividade decorrentes de um contexto colonial pré-existente. A mesma permaneceu ainda com o fim do colonialismo e a abertura da modernidade, ditando regras e normas de comportamentos (PRECIADO, 2017PRECIADO, Beatriz. Manifesto contra-sexual: praticas subversivas de identidade sexual. 2. ed. Madrid: Opera Prima, 2017.; CONNELL, 2016CONNELL, Raewyn. Gênero em termos reais. São Paulo: Versos, 2016.).

O sistema colonial/moderno de gênero estabelece apenas os gêneros homem e mulher, categorias extremamente limitadas. Assim, mulheres negras e transgêneros são desconsideradas. Dessa forma, é essencial incluir o gênero como categoria de dominação, categoria fundamental na instituição e fundação da Modernidade/Colonialidade. A colonização causou um epistemicídio anulando a cultura local, reconfigurando-se a partir da metrópole, incluindo a ideologia do marianismo e o patriarcado, a diversidade emerge como resistência, reapropriação identitária (CONNELL, 2016CONNELL, Raewyn. Gênero em termos reais. São Paulo: Versos, 2016.).

A colonialidade do gênero expressa-se inclusive em pesquisas sobre o tema, reforçando aspectos das conquistas coloniais e na dependência pós-colonial da Europa ao imprimir falsas visões do sul global, desconsiderando-se as dinâmicas de gênero e formas específicas nestes contextos, configurando um ato generificado de colonização. (CONNELL, 2016CONNELL, Raewyn. Gênero em termos reais. São Paulo: Versos, 2016.).

Em contrapartida à colonialidade do gênero, as expressões sociais na vida das pessoas trans perpassam pelas definições de gênero binário e a heterossexualidade compulsória na tentativa de se encaixarem num novo gênero apesar do desprendimento ao gênero social atribuído ao nascimento (JESUS, 2012JESUS, Jaqueline Gomes. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. 2. ed. Brasília, 2012. Disponível em: https://www.diversidadesexual.com.br/wp-content/uploads/2013/04/G%C3%8ANERO-CONCEITOS-E-TERMOS.pdf. Acesso em: 20 jan. 2018.
https://www.diversidadesexual.com.br/wp-...
).

Por isso, é preciso reiterar que a sexualidade não é sinônimo de atividade sexual. Além disso, segundo Bento e Pelúcio (2012BENTO, Berenice; PELÚCIO, Larissa. Despatologização do gênero: a politização das identidades abjetas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 20, n. 2, p. 569-581, 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/GYT43pHGkS6qL5XSQpDjrqj/abstract/?lang=pt. Acesso em: 04 dez. 2021.
https://www.scielo.br/j/ref/a/GYT43pHGkS...
), uma sexualidade não pode ser legitimada apenas por aspectos genéticos. Se o sexo não limita o gênero, então talvez haja múltiplos gêneros, muitas maneiras de interpretar culturalmente o corpo sexuado, que não são de forma alguma limitados pela aparente dualidade do sexo (BUTLER, 2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.).

Contudo, a regulação binária da sexualidade suprime a multiplicidade subversiva de uma sexualidade que rompe as hegemonias heterossexuais, reprodutiva e médico-jurídica. Uma pessoa é o seu gênero na medida em que não é o outro, pressupondo e impondo a restrição do gênero dentro dessa binariedade (BUTLER, 2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.).

2.4 Corpos transgêneros: vulnerabilidades, opressões e silenciamentos

O corpo é um dos primeiros elementos na construção da identidade humana e relaciona-se diretamente com a construção social das sujeitas e sujeitos e esta indissolubilidade está em constante transformação nos processos sociais. A incorrespondência entre o corpo e o gênero identificado é traduzido ao gênero trans e o acolhimento social destes corpos ainda é restrito na sociedade moderna e coloca em risco sua efetivação como seres humanos. Segundo Butler (2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.) a matriz cultural que apresenta o gênero inteligível6 6 Gênero em “conformidade” com os padrões de inteligibilidade do gênero (BUTLER, 2003). exige que outros gêneros não possam “existir” exprimindo uma impossibilidade lógica, pois fogem as normas de inteligibilidade, portanto denominados gêneros ininteligíveis.

Contudo, a adesão ou não de determinados modelos e papéis de gênero pode independer de nossos órgãos genitais, dos cromossomos ou de alguns níveis hormonais. Ao contrário de ideologias propagadas por diversas vertentes científicas e ideológicas, entende-se que a vivência de um gênero sociocultural discordante com o que se esperaria de alguém de um determinado sexo biológico é uma questão de identidade, e não um transtorno (JESUS, 2012JESUS, Jaqueline Gomes. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. 2. ed. Brasília, 2012. Disponível em: https://www.diversidadesexual.com.br/wp-content/uploads/2013/04/G%C3%8ANERO-CONCEITOS-E-TERMOS.pdf. Acesso em: 20 jan. 2018.
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).

Esse é o caso das pessoas conhecidas coletivamente como parte do grupo de pessoas transgênero ou trans. A transgeneridade é considerada um fenômeno complexo, sendo caracterizada pelo sentimento intenso de não pertencimento ao sexo anatômico, sem a manifestação de distúrbios delirantes e de bases orgânicas (CASTEL, 2001CASTEL, Pierre-Henri. Algumas reflexões para estabelecer a cronologia do “fenômeno transexual” (1910-1995). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 21, n. 41, p. 77-111, 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/RrL6gCWPxj6tfQmdrNDLTnB/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 04 dez. 2021.
https://www.scielo.br/j/rbh/a/RrL6gCWPxj...
).

Em contexto brasileiro, Jesus (2012JESUS, Jaqueline Gomes. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. 2. ed. Brasília, 2012. Disponível em: https://www.diversidadesexual.com.br/wp-content/uploads/2013/04/G%C3%8ANERO-CONCEITOS-E-TERMOS.pdf. Acesso em: 20 jan. 2018.
https://www.diversidadesexual.com.br/wp-...
) aponta que não existe ainda consenso sobre o termo. Existem as pessoas que se consideram transgênero como algo a parte das pessoas travestis e transexuais, e as que não se identificam com qualquer gênero. Porém, acredita-se que a terminologia trazida por Suess (2010SUESS, Aimar. Análisis del panorama discursivo al redor de la despatologização trans: procesos de transformación de los marcos interpretativos en diferentes campos sociales. In: MISSÉ, Miquel; COLL-PLANAS, Gerard (ed.). El género desordenado: críticas en torno a la patologización de la transexualidad. Barcelona: EGALES, 2010. p. 29-54.) seja uma das mais democráticas, na qual abrange a transgeneridade como a manifestação de todas as formas de identidades não-binárias, ou seja: aquelas que vão além do homem/masculino e mulher/feminino; levando em consideração que cada expressão de gênero é dada pela autoidentificação dentro desse termo geral.

À guisa de melhor compreensão do discorrido, o quadro 1 apresenta alguns entendimentos-chave sobre a transgeneridade e as suas vulnerabilidades.

Quadro 1
Entendimentos-chave sobre a transgeneridade e as suas vulnerabilidades

Em relação ao quadro 1, reitera-se que apesar da transgeneridade não ser mais considerada um transtorno mental pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde a publicação da última edição da Classificação Internacional de Doenças (CID), em 2019, e de que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu por unanimidade que todas as pessoas trans podem alterar o nome e o sexo no registro civil sem que se submetam a cirurgia de redesignação (SUDRÉ, 2019SUDRÉ, Lu. Transexualidade deixa de ser considerada doença, mas ainda é patologizada. Brasil de Fato, São Paulo, jun. 2019. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2019/06/03/transexualidade-deixa-de-ser-considerada-doenca-mas-ainda-e-patologizada. Acesso em: 04 dez. 2021.
https://www.brasildefato.com.br/2019/06/...
; POMPEU, 2018), ainda há muito o que se fazer para que essas pessoas saiam da constante matriz de vulnerabilidade social em que se encontram - principalmente em países como o Brasil e em contexto da pandemia do Covid-19.

Prova disso é que em 2020, o Brasil assegurou o primeiro lugar no ranking dos assassinatos de pessoas trans no mundo, com números que se mantiveram acima da média. Benevides e Nogueira (2021BENEVIDES, Bruna G.; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim. Dossiê assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020. São Paulo: Expressão Popular: ANTRA: IBTE, 2021.) apontam o número total de 175 assassinatos contra pessoas que expressavam o gênero em contraposição ao gênero designado no nascimento.

Ademais, essa questão é impulsionada por um ciclo vicioso de transfobia7 7 Jesus (2012, p. 29) aponta que a transfobia é o “preconceito e/ou discriminação em função da identidade de gênero de pessoas transexuais ou travestis. Não confundir com homofobia, [...] que é o [...] medo ou ódio com relação a lésbicas, gays, bissexuais e, em alguns casos, a travestis, transexuais e intersexuais, fundamentado na percepção, correta ou não, de que alguém vivencia uma orientação sexual não heterossexual.” , de exclusões e de opressões que têm sido identificadas como as principais responsáveis pelo processo de precarização e vulnerabilização das pessoas trans. Esse ciclo leva as pessoas trans à marginalização e, consequentemente, à morte, seja por falta de acesso a direitos fundamentais, sociais e políticos, ou, ainda, pela omissão do Estado em garantir o bem-estar social dessa população (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021BENEVIDES, Bruna G.; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim. Dossiê assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020. São Paulo: Expressão Popular: ANTRA: IBTE, 2021.) - cujo ciclo é ilustrado pela figura 1.

Figura 1
Ciclo das exclusões/violências transfóbicas

De acordo com as mesmas autoras (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021BENEVIDES, Bruna G.; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim. Dossiê assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020. São Paulo: Expressão Popular: ANTRA: IBTE, 2021.) os dados concretos sobre as vidas ceifadas denunciam mais que a violência e a transfobia nas diversas esferas sociais: na verdade, explicitam a necessidade de políticas públicas focadas na redução de homicídios contra pessoas trans, traçando um perfil sobre quem seriam estas pessoas que estão sendo assassinadas a partir dos marcadores de idade, classe e contexto social, raça, gênero, métodos utilizados, além de outros fatores que colocam essa população como o principal grupo vitimado pelas mortes violentas intencionais no Brasil.

Benevides e Nogueira (2021BENEVIDES, Bruna G.; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim. Dossiê assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020. São Paulo: Expressão Popular: ANTRA: IBTE, 2021.) refletem também que durante a pandemia do COVID-19, acreditava-se que os índices de assassinatos poderiam diminuir, como aconteceu em outras parcelas da população nos primeiros meses da pandemia no Brasil, pela necessidade do isolamento social colocado em muitas cidades/estados. Todavia, quando constatado que o índice de homicídios de pessoas trans aumentou, compreende-se que a vida dessas, principalmente as travestis e mulheres transexuais trabalhadoras sexuais que seguem exercendo seu trabalho nas ruas, - por não terem outras oportunidades e acesso ao mercado de trabalho - tem sido diretamente afetada.

Além disso, cerca de 70% da população de travestis e mulheres transexuais não conseguiram acesso às políticas emergenciais do Estado, devido à precarização histórica de suas vidas e da falta de acesso à informação efetiva, chegando a terem perda significativa em suas rendas. Assim, não restam outras opções a não ser continuar o trabalho nas ruas, impondo que tal grupo tenha de se expor ao vírus em todas as fases da pandemia (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021BENEVIDES, Bruna G.; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim. Dossiê assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020. São Paulo: Expressão Popular: ANTRA: IBTE, 2021.).

2.5 Competência em informação às pessoas trans: não basta falarmos, temos de TRANSformá-la

Perante a realidade das sociedades, é indiscutível a necessidade de informação sobre e para os seus indivíduos e comunidades. Apesar do crescente avanço em termos de acesso à informação, este fenômeno é questionável para aqueles que, historicamente, ainda são negligenciados, subalternizados e ceifados, como as pessoas trans.

Nessa acepção, o conceito e o papel social da competência em informação vão além-mundo de se configurar numa simples reunião de habilidades para acessar e empregar adequadamente a informação. Trata-se de uma competência sociopolítica essencial para a construção e a manutenção de uma sociedade de pensamentos e culturas-outros, verdadeiramente democrática, em que as pessoas fazem escolhas conscientes e são capazes de determinar o curso de suas vidas (VITORINO; PIANTOLA, 2020VITORINO, Elizete Vieira; PIANTOLA, Daniela. Competência em informação: conceito, contexto histórico e olhares para a Ciência da Informação. Florianópolis: Editora da UFSC, 2020.).

Tendo em vista essa afirmação, Jacobs (2008JACOBS, Heidi L. M. Information Literacy and Reflective Pedagogical Praxis. Journal of Academic Librarianship, [s.l], v. 34, n. 3, p. 256-262, 2008. Disponível em: https://scholar.uwindsor.ca/leddylibrarypub/23/. Acesso em: 04 dez. 2021.
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) observa que na medida em que a competência em informação opera dentro de um contexto sociopolítico, é também ela direcionada politicamente. Assim, ao limitar o potencial da competência em informação a normas e diretrizes, se arriscaria minimizar, quando não negar, a natureza política que lhe é inerente.

Elmborg (2006ELMBORG, James. Critical information literacy: implications for instructional practice. The Journal of Academic Librarianship, [s.l], v. 32, n. 2, p. 192-199, 2006. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0099133305001898. Acesso em: 04 dez. 2021.
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) propõe então, nessa conjuntura, para a competência em informação alternativa semelhante àquela postulada por Paulo Freire para a Pedagogia: a necessidade de desenvolver nas pessoas uma consciência crítica - a ética no sentido mais específico de refletir e posicionar-se sobre o que está dito e posto - em relação à realidade e em relação a si mesmo, centrada na colocação e solução de problemas, de modo que se possa desenvolver controle da vida e do próprio aprendizado.

Em vista disso, e como parte do pressuposto básico para viver com dignidade e responsabilidade no mundo contemporâneo, no contexto da alfabetização ao longo da vida (lifelong learning), do ponto de vista social e ético, deve-se considerar não só as prerrogativas dos desafios e exigências que as ditas “sociedades da informação e do conhecimento” apresentam (RIGHETTO; VITORINO; MURIEL-TORRADO, 2018RIGHETTO, G. G.; VITORINO, E. V.; MURIEL-TORRADO, E. Competência em informação no contexto da vulnerabilidade social: conexões possíveis. Informação & Sociedade: estudos, João Pessoa, v. 28, n. 1, p. 77-90, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/34735. Acesso em: 04 dez. 2021.
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), mas também o apoio substancial àqueles alçados nas margens dessas sociedades.

Indo além de sua dimensão instrumental de alfabetização contínua, a competência em informação compreende quatro dimensões que contribuem para o desenvolvimento holístico da pessoa/grupo em seu meio social: técnica, estética, ética e política (VITORINO; PIANTOLA, 2020VITORINO, Elizete Vieira; PIANTOLA, Daniela. Competência em informação: conceito, contexto histórico e olhares para a Ciência da Informação. Florianópolis: Editora da UFSC, 2020.). Essas dimensões servem à competência em informação em si e podem servir como potência nas formas de força motriz às pessoas trans, por meio dos seguintes pressupostos:

  • A erradicação da disseminação da competência em informação como um conjunto de habilidades eurocêntricas e colonializadas, que emerge tradicionalmente do positivismo ocidental e de ideias econômico-racionalistas de alfabetização contínua ou como formas de conhecimento - geralmente direcionadas aos socialmente aceitos por suas condições cisgêneras e heteronormativas.

  • O papel do bibliotecário/profissional da informação como ser proativo, político e comprometido, que trabalhe com e para o povo/comunidades.

  • A biblioteca como espaço de parcerias - com outros profissionais, em escolas, ONGs e etc. - e de movimento, dinâmica, acolhedora, sensível e insurgente frente às opressões, violências e vulnerabilidades com as pessoas excluídas e subalternizadas.

  • A realização de ações em contextos específicos que enfrentem os preceitos dominantes sociais, culturais e epistemológicos colonialistas imbuídos nas ideologias e metodologias utilizadas, bem como a desmistificação sobre as identidades transgênero.

  • A noção de que essa competência não é um projeto colonializador/imperial/unilateral que tem um fim em si mesma, e sim, um processo intercultural e multidisciplinar que serve como meio para um projeto de vida contínuo que propague o bem-estar, o acesso pleno à informação e a autonomia das pessoas e dos grupos, de acordo com o nível de autossatisfação dos envolvidos.

  • A promoção de ações e de políticas públicas para a health literacy, sendo o conjunto de habilidades/ativos para o acesso das pessoas a localizarem e usarem a informação para a boa saúde. É a capacidade para tomar decisões em saúde fundamentadas, no cotidiano - em casa, na comunidade, no local de trabalho, no mercado, na utilização do sistema de saúde e no contexto político; possibilitando o aumento do controle das pessoas sobre a sua saúde, a sua capacidade para procurar informação e para assumir ajudar os que não conseguem fazer por si.

  • Elaborar ações, programas e capacitações que contemplem o desenvolvimento da competência em informação para o protagonismo social e o empoderamento transgênero, ao passo que essas pessoas e as organizações relativas reivindiquem locais de fala e participação ativa no desenvolvimento de pesquisas, legislações e políticas que tenham impacto sobre os seus direitos - sendo potencialmente ativas e não meras cobaias; além da disseminação de informação para o uso de termos, pronomes, gêneros e nomes que as pessoas prefiram.

Mediante os pressupostos elencados, entendemos que a competência em informação pode se configurar como força motriz às pessoas trans e na ressiginificação da vulnerabilidade dessas como forma de resistência.

Nessa significação, nos debruçamos na enérgica tese de Butler (2015BUTLER, Judith. Notes toward a performative theory of assembly. Cambridge: Harvard University Press, 2015.) acerca da discussão sobre as concepções e usos da vulnerabilidade, em que a autora parte de uma ontologia social do sujeito marcada pela precariedade da vida, ou seja, pela condição humana de vulnerabilidade. Por conseguinte, e como disposição relacional, a vulnerabilidade ocorre em um campo de forças, objetos e paixões que afetam a todos.

À vista disso, dissipa-se a associação entre vulnerabilidade e passividade, na medida em que essa condição vulnerável de nossa existência não significa compulsioriamente o assujeitamento. Butler (2014BUTLER, Judith. Rethinking vulnerability and resistance. Madrid, jun. 2014. Disponível em: http://bibacc.org/wp-content/uploads/2016/07/Rethinking-Vulnerability-and-Resistance-Judith-Butler.pdf. Acesso em: 04 dez. 2021.
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) então aposta nos diversos modos de apropriação desse conjunto de forças e discursos pelos sujeitos, rompendo as amarras da normatização e abrindo possibilidades de resistências pelos corpos/seres vulnerabilizados.

Ao partir da vulnerabilidade enquanto um campo relacional ou de relacionalidade aberta às possibilidades, contesta-se a negatividade comumente atrelada ao conceito de vulnerabilidade (social) para pensar as suas potencialidades (DIMENSTEIN; CIRILO NETO, 2020DIMENSTEIN, Magda; CIRILO NETO, Maurício. Abordagens conceituais da vulnerabilidade no âmbito da saúde e assistência social. Pesquisas e práticas psicossociais, São João Del-Rei, v. 15, n. 1, p. 1-17, 2020. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-89082020000100002&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 04 dez. 2021.
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). Butler (2014BUTLER, Judith. Rethinking vulnerability and resistance. Madrid, jun. 2014. Disponível em: http://bibacc.org/wp-content/uploads/2016/07/Rethinking-Vulnerability-and-Resistance-Judith-Butler.pdf. Acesso em: 04 dez. 2021.
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) sugere, por exemplo, que o reconhecimento das situações de vulnerabilidade vem se convertendo em uma ferramenta política para a articulação de lutas por diferentes coletivos. Refere-se à produção de uma “agentividade política” ou de resistências para enfrentar a invisibilidade da vulnerabilidade de grupos e pessoas “indesejadas”, vistas como ameaças ao projeto colonialista da globalização moderna.

Essa resistência é marcada pela superação das posições de passividade e vitimização comumente atreladas àqueles considerados vulneráveis (BUTLER, 2014BUTLER, Judith. Rethinking vulnerability and resistance. Madrid, jun. 2014. Disponível em: http://bibacc.org/wp-content/uploads/2016/07/Rethinking-Vulnerability-and-Resistance-Judith-Butler.pdf. Acesso em: 04 dez. 2021.
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, p. 14) - em especial às forças operantes na colonialidade do gênero, do poder, do ser e do saber.

Mediante a isso, consideramos que a competência em informação, sobremaneira, deve servir como alicerce de TRANSformação e de resistência no rompimento dos silenciamentos, violências e barreiras transgredidas para a promoção das discussões acerca de problemáticas “ocultas” pelos sistemas opressores e transfóbicos, uma vez que a igualdade de direitos não deveria se tratar de uma polêmica (HOOKS, 2013HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2013.).

Nesse sentido, Freire (2001FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 31. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.) reflete que ao vivermos no cotidiano e sermos sujeitos-protagonistas de nossas histórias, podemos reivindicar possibilidades, liberdades e insurgências, ressignificando o nosso mundo e o dos outros numa direção ética e estética além dos padrões, e reconhecendo a natureza política das cidadanias onde a liberdade, a aprendizagem contínua e a transfomação são possíveis. Sabemos, contudo, que esses entendimentos são complexos: levam tempo e são difíceis, mas não são impossíveis para quem quer e quem pode ajudar os que mais precisam.

Considerações finais

Ser um corpo transgênero no Brasil é algo extremamente doloroso devido ao fenômeno da transfobia, sendo pífios os espaços que essas pessoas podem ocupar socialmente e, quando não têm suas vidas ceifadas pelo preconceito e intolerância, quais alternativas lhe restam? Quais os meios de sobrevivência que lhes são permitidos? Embora os movimentos sociais LGBT lutem para que os estigmas sejam quebrados, são poucas as pessoas trans que gozam de respeito e ocupam posições formais no mercado de trabalho. A expectativa de vida de travestis e transexuais é de 35 anos no Brasil (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021BENEVIDES, Bruna G.; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim. Dossiê assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020. São Paulo: Expressão Popular: ANTRA: IBTE, 2021.).

Nesse contexto, a ausência de desenvolvimento da competência em informação, ao passo que ela é vista como um movimento social, também é uma forma de autoritarismo e repressão social. Seu viés empirista, então, pode e deve se tornar um poderoso aliado no desenvolvimento da cidadania das minorias sociais.

São primordiais e emergentes a discussão e o entendimento da igualdade das identidades de gênero, pois diante dos avanços tecnológicos e informacionais, a competência em informação é potencialmente capaz de apoiar o desenvolvimento das pessoas que mais precisam dela. Entretanto, reiteramos que é necessário vislumbrar além das tecnologias e das “bolhas” em que ela se desenvolve, buscando de fato alargar seus saberes e fazeres - e por isso, consideramos que a competência em informação não pode se limitar à biblioteca e ao bibliotecário, como mencionado na discussão.

Consideramos também que o desenvolvimento da competência em informação como forma de resistência como alicerce aos socialmente vulneráveis/minorias sociais se apresenta na premência do trabalho colaborativo entre educadores, profissionais de áreas correlatas, bibliotecários e especialistas em informação, profissionais da saúde e outros, na garantia que todas as pessoas tenham acesso a informações confiáveis e com qualidade garantida; no incentivo e promoção do lifelong learning para permitir a todos participarem da vida política e social e reivindicarem transformações frente aos regimes hegemônicos, opressores e colonizadores; para que, com esses atributos, as pessoas vulnerabilizadas, como as pessoas trans, alcancem as cidadanias que lhes competem e que lhes sirvam de fato como úteis no cotidiano.

Ademais, o desenvolvimento da competência em informação deve ser tratado de maneira mais aprofundada, contextual e efetiva, considerando a diversidade e as especificidades dos contextos sociais, e que realmente faça a informação e as habilidades que tornam o ser competente em informação ser solidificada para os que estão às margens dos direitos humanos e sociais: ela deve chegar aos que necessitam e também deve se mostrar para os que desconhecem as individualidades do outro. De nada vale a criação de declarações, manifestos ou formas outras de “solidariedade” se não existir efetivamente a aderência em campo e o envolvimento empático dos que tem plenos pulmões para realizar as necessárias transmutações sociais.

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    » http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED100391.pdf. Acesso
  • 1
    Utilizamos aqui a expressão CIStema como uma corruptela de “sistema”, com a intenção de denunciar a existência das opressões às transgeneridades no sistema social e institucional dominante pela cisgeneridade, isto é, a identidade na qual as pessoas se reconhecem ao gênero atribuído compulsoriamente ao nascer (SUESS, 2010).
  • 2
    O Manifesto de Florianópolis sobre a competência em informação e as populações vulneráveis e minorias, proposto no XV Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação (XV CBBD), em 2013, enfatiza a plena responsabilidade das instituições públicas/governamentais, privadas e dos movimentos associativos/órgãos representativos de classe quanto à elaboração, apoio e cumprimento de políticas públicas voltadas à competência em informação. (MANIFESTO..., 2013).
  • 3
    Identidade no qual as pessoas se reconhecem ao gênero atribuído compulsoriamente ao nascer (SUESS, 2010).
  • 4
    Sistema de gênero restrito e refletido diretamente em duas categorias relacionadas ao sexo (BUTLER, 2003).
  • 5
    Normatização das relações de gênero e sociais nos processos colonizadores e seus efeitos (CONNELL, 2016).
  • 6
    Gênero em “conformidade” com os padrões de inteligibilidade do gênero (BUTLER, 2003).
  • 7
    Jesus (2012, p. 29) aponta que a transfobia é o “preconceito e/ou discriminação em função da identidade de gênero de pessoas transexuais ou travestis. Não confundir com homofobia, [...] que é o [...] medo ou ódio com relação a lésbicas, gays, bissexuais e, em alguns casos, a travestis, transexuais e intersexuais, fundamentado na percepção, correta ou não, de que alguém vivencia uma orientação sexual não heterossexual.”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    05 Dez 2021
  • Aceito
    08 Maio 2022
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