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Por uma estrutura conceitual e metodológica para a promoção de competências infocomunicacionais

For a conceptual and methodological framework for the promotion of infocommunication skills

RESUMO

Em 2020, foi conduzida uma experiência de promoção de competências infocomunicacionais como curso de extensão oferecido a distância pela UFRGS através da plataforma Moodle, contando com a participação de professores do Brasil, de Portugal e da Espanha. O conteúdo foi desenvolvido ao longo de 13 semanas, com cada aula sendo composta de: um hipertexto sobre o tema da semana; uma videoaula; um chat entre alunos, professor e tutor; uma atividade; e materiais complementares, como artigos, indicações de documentários, reportagens e vídeos. Cada hipertexto, videoaula e atividade foi desenvolvido pelo professor especialista na temática. Os recursos de aprendizagem operacionalizam o conceito, a abordagem e o método de promoção de competências infocomunicacionais. A partir dessa experiência concreta, pode-se concluir: 1) promover as competências infocomunicacionais é um tema pertinente para a Biblioteconomia e seus profissionais; 2) a abordagem deve evoluir do instrumental para a consciência crítica em informação, a partir da qual os sujeitos sejam estimulados a refletir sobre seu contexto e suas práticas no que tange à informação e à comunicação; 3) apesar de os estudos no escopo da “competência em informação” no Brasil terem alcançado certo avanço conceitual, há uma lacuna a ser preenchida no intervalo entre a teoria e a prática.

Palavras-chave:
Competências infocomunicacionais; Moodle; Curso a distância; Ensino Superior

ABSTRACT

In 2020, an experience was conducted to promote infocommunication skills as an extension course offered at a distance by UFRGS through the Moodle platform, with the participation of professors from Brazil, Portugal and Spain. The content was developed over 13 weeks, with each class being composed of: one hypertext about the topic of the week; one video lesson; one chat between students, teacher and tutor; one activity; and complementary materials, such as articles, documentaries, reports and videos. Each hypertext, video lesson and activity was developed by the specialist teacher on the subject. Learning resources operationalize the concept, approach and method of promoting infocommunication skills. From this concrete experience, it can be concluded: 1) promoting infocommunication skills is a relevant topic for Librarianship and its professionals; 2) an approach must evolve from instrumental to critical awareness of information, from which subjects are encouraged to reflect on their context and practices with regard to information and communication; 3) despite the fact that studies in the scope of “competence in information” in Brazil have achieved a certain conceptual advance, there is a gap to be filled in the gap between theory and practice.

Keywords:
Infocommunication skills; Moodle; Distance learning course; University education

1 Introdução

A competência em informação vem sendo estudada sob diversas perspectivas e matizes desde a década de 1970, de forma que já se tem uma concepção mais ou menos conhecida e aceita na Ciência da Informação. Mais recentemente, no entanto, o conceito vem sendo repensado para dar conta de questões mais complexas, como a desinformação, a leitura e escrita em ambientes digitais, a multiculturalidade característica desses ambientes e a consequente necessidade de aprender e gerar conhecimento com as diferenças e colaborativamente (SPIRANEC; ZORICA; KOS, 2016SPIRANEC, S.; ZORICA, M. B.; KOS, D. Information literacy in participatory environments: the turn towards a critical literacy perspective. Journal of Documentation, [s. l.], v. 72, n. 2, p. 247-264, 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1108/JD-06-2015-0072. Acesso em: 26 out. 2021.
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).

A competência em informação está alicerçada em um tripé que envolve as competências para gerir conteúdos, avaliá-los e, a partir deles, tomar decisões e criar conhecimento. Observa-se que são competências demandadas cotidianamente para trabalhar, para estudar, para participar de processos sociais, entre outros; contudo, em geral, muitas pessoas (mesmo no ensino superior) ainda têm dificuldades para encontrar e selecionar o que exatamente necessitam, avaliar a veracidade, pertinência e atualidade da informação e ainda aplicá-la para resolver questões diversas. Os jovens, em particular, costumam assimilar com facilidade novas tecnologias digitais de informação e comunicação, mas apresentam lacunas para lidar com a informação e a comunicação que essas tecnologias permitem circular (JACOBI, 2019JACOBI, G. Mídias sociais como fonte de informação de adolescentes e jovens em tempos de fake news. 2019. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em Biblioteconomia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/212448. Acesso em: 22 out. 2021.
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).

A tecnologia oferece possibilidades de informação e comunicação, mas quem a realiza é o ser humano. E para entender o outro, não basta compreender o idioma e sua semântica; entender o outro está na dimensão humanista de compreendê-lo como parte de uma determinada cultura, educação e ideologia. Evidências das dificuldades de comunicação, por exemplo, podem ser vislumbradas no uso cotidiano das mídias sociais: é muito comum encontrar-se um discurso de ódio, de falta de compreensão, de ausência da articulação de um argumento fundado e coerente. Aí se coloca a competência em comunicação: a capacidade de construir e manter relações positivas e colaborativas com outras pessoas. A convergência entre competência em informação e competência em comunicação, amparadas por competências para compreender e usar criticamente os artefatos e ferramentas tecnológicas, constitui as competências infocomunicacionais.

Além de orientar as pessoas a buscar, usar e citar as fontes de informação, a abordagem das competências infocomunicacionais é metacognitiva e conectivista (SIEMENS, 2010SIEMENS, G. Conociendo el conocimiento. [S. l.]: Nodos Ele, 2010.), ou seja, voltada para que as pessoas aprendam a reconhecer suas fragilidades e potencialidades e, considerando isso, aproveitem os espaços digitais, como o das mídias sociais, seja para suprir tais fragilidades, seja para buscar parcerias com as quais possam trabalhar em colaboração. Portanto, não se trata de dominar um conjunto excepcional de competências requeridas de acordo com cada contexto, mas de compreender o aporte que se é capaz de trazer para uma construção, o que lhe falta e como mobilizar outras pessoas para conjugar seus conhecimentos e criar algo novo, aprender, desenvolver autonomia e protagonismo.

Essa abordagem aproxima-se da competência crítica em informação na medida em que pretende que as pessoas façam escolhas conscientes das competências que desejam desenvolver e por que querem desenvolvê-las. Como dizem Arruda e Alves (2019ARRUDA, A. M. A.; ALVES, A. L. Construções epistemológicas e o papel do sujeito ativo no processo da informação a partir da competência crítica em informação: uma análise de caso. Revista Conhecimento em Ação, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 111-124, 2019. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rca/article/view/27529/17724. Acesso em: 26 out. 2021.
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, p. 123), cada um deve ter autonomia para entender as suas necessidades, “[...] sua situação em um ambiente compartilhado, seu papel social, político e econômico; as particularidades de si próprio.” Assim, a abordagem subjacente às competências infocomunicacionais avança do mero ensino de estratégias e procedimentos perante a informação para a promoção de uma consciência crítica em informação (BEZERRA, 2018BEZERRA, A. Contribuição da Teoria Crítica aos estudos sobre regime de informação e competência crítica em informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 19., 2018, Londrina. Anais [...] Londrina: Enancib, 2018. p. 179-194. Disponível em: http://enancib.marilia.unesp.br/index.php/XIX_ENANCIB/xixenancib/paper/view/1354/1840. Acesso em: 26 out. 2021
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), que questione o que afinal significa ser competente, a quem interessa essa competência, a que custo/benefício isso se dá ou quem ganha ou perde com isso. Em analogia com Freire (1978FREIRE, P. A alfabetização de adultos: é ela um que fazer neutro? Educação & Sociedade, Campinas, v. 1, n. 1, p. 64-70, 1978. Disponível em: http://acervo.paulofreire.org:8080/xmlui/handle/7891/2567. Acesso em: 26 out. 2021.
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, p. 70): “Não basta saber ler mecanicamente que ‘Eva viu a uva’. É necessário compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir uvas e quem lucra com esse trabalho.”

Com essa perspectiva em mente, em 2020 foi conduzida uma experiência de promoção de competências infocomunicacionais. A experiência se consolidou no formato de curso a distância organizado em 13 semanas, cada uma delas com um assunto da estrutura das competências infocomunicacionais proposta por Borges (2018BORGES, J. Competências infocomunicacionais: estrutura conceitual e indicadores de avaliação. Informação & Sociedade, João Pessoa, v. 28, n. 1, p. 123-140, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/38289. Acesso em: 26 out. 2021.
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).

Projetos de alcance variado têm direcionado recursos e esforços na promoção das competências, a exemplo da Alfabetização Midiática e Informacional (AMI), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e do Projeto de Definição e Seleção de Competências (DeSeCo), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A observação de experiências internacionais é importante, mas é preciso desenvolver requisitos nacionais para a construção de políticas públicas e programas de formação que avancem do mero acesso às tecnologias para a formação de cidadãos e a melhoria das condições socioeconômicas (SIQUEIRA, 2011SIQUEIRA, I. C. P. Pressupostos para um programa nacional de competências informacionais. Ciência da Informação, Brasília, v. 40, n. 3, p. 478-491, 2011. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/1303. Acesso em: 26 out. 2021.
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). O Brasil também tem experiências importantes na promoção de competência em informação (BELLUZZO; FERES; VALENTIM, 2015BELLUZZO, R. C. B.; FERES, G. G.; VALENTIM, M. L. P. Redes de conhecimento e competência em informação: interfaces da gestão, mediação e uso da informação. São Paulo: Interciência, 2015.). As iniciativas, contudo, comumente aparecem circunscritas a iniciativas locais de bibliotecários ou professores, sem a pretensão da proposição de uma estrutura conceitual e metodológica, aspecto em que este trabalho pretende contribuir.

Neste artigo, relata-se a experiência de promoção de competências infocomunicacionais para avançar para a discussão da análise dos resultados obtidos a partir da perspectiva de alunos, principalmente, mas também de toda a equipe envolvida: professores, tutores e uma pedagoga. O objetivo final é revisar uma estrutura conceitual (BORGES, 2018BORGES, J. Competências infocomunicacionais: estrutura conceitual e indicadores de avaliação. Informação & Sociedade, João Pessoa, v. 28, n. 1, p. 123-140, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/38289. Acesso em: 26 out. 2021.
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) e metodológica para a promoção de competências infocomunicacionais.

2 Breve caracterização das competências infocomunicacionais

A partir do auxílio dos artefatos e procedimentos que cada um tem ao longo da vida, as pessoas suprem as necessidades de informação e realizam comunicação. A internet, por exemplo, propiciou inúmeras possibilidades de conexão, interação, trocas de informação e experiências, mas também demandou que seus usuários fossem ainda mais competentes em comunicação e informação, pois, com conteúdos fragmentados e de fontes “não controladas”, cabe a cada um associá-los, avaliá-los e preencher as lacunas para construir sentido - tudo isso sem o apoio de mediadores, como jornalistas, bibliotecários e editores, que fazem esse trabalho de conexão, avaliação, controle e organização da informação.

A competência em informação pode ser caracterizada como a convergência de capacidades para perceber quando se necessita de informação, onde e como acessá-la; compreender o conteúdo, a mensagem e seu contexto; analisar esse conteúdo de modo a avaliá-lo e sintetizá-lo; e, a partir disso, gerar uma resposta, uma decisão ou novo conhecimento. Cada vez mais, contudo, utilizamos nossos contatos, colegas e desconhecidos como fontes de informação. Nesse caso, além da competência em informação, precisamos empregar competência em comunicação: estabelecer e manter uma relação dialógica, negociar um sentido compartilhado, trabalhar em colaboração, atentar a aspectos de privacidade e segurança etc. “Comunicar é um exercício de cooperação, de negociação, de construção conjunta de sentido, que pressupõe o respeito pelo interlocutor.” (PASSARELLI et al., 2014PASSARELLI, B.; RIBEIRO, F.; OLIVEIRA, L.; MEALHA, O. Identidade conceitual e cruzamentos disciplinares. In: PASSARELLI, B.; SILVA, A. M. da; RAMOS, F. (org.). E-Infocomunicação: estratégias e aplicações. São Paulo: Editora Senac, 2014. p. 25-47., p. 103). A inter-relação entre a competência em informação e competência em comunicação leva à expressão “competências infocomunicacionais”.

A promoção de competências infocomunicacionais vai na direção da formação de um cidadão com um controle maior sobre qual tipo de informação está consumindo e comunicando. Para Bezerra, Schneider e Brisola (2017BEZERRA, A.; SCHNEIDER, M.; BRISOLA, A. Pensamento reflexivo e o gosto informacional: disposições para competência crítica em informação. Informação & Sociedade, João Pessoa, v. 27, n. 1, p. 7-16, 2017. Disponível em: https://brapci.inf.br/_repositorio/2017/05/pdf_38ddbfab4c_0000023134.pdf. Acesso em: 26 out. 2021.
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), a competência crítica em informação é a principal ferramenta para fazer frente a esse “tsunami informacional” em que estamos inseridos, em que um volume muito grande de informações invade o nosso cotidiano, nem sempre de forma segura.

Assim, precisamos avançar na promoção de compreensão diante das potencialidades das tecnologias e da gama de informações que conformam o contexto infocomunicacional nos dias de hoje. Bezerra (2018BEZERRA, A. Contribuição da Teoria Crítica aos estudos sobre regime de informação e competência crítica em informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 19., 2018, Londrina. Anais [...] Londrina: Enancib, 2018. p. 179-194. Disponível em: http://enancib.marilia.unesp.br/index.php/XIX_ENANCIB/xixenancib/paper/view/1354/1840. Acesso em: 26 out. 2021
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, p. 187) afirma que o novo regime de informação “[...] interfere diretamente no tipo de informação ao qual cada indivíduo terá acesso na internet, criando limites e obstáculos para a emancipação e a liberdade [...]”. Essa afirmação vai ao encontro da proposta de promoção em competências infocomunicacionais: agregar autonomia e protagonismo no desenvolvimento do indivíduo como cidadão. O domínio de ferramentas e o conhecimento teórico não são suficientes quando o sujeito não tem senso crítico, pois falta a capacidade de reconhecer as próprias necessidades, identificar que tipo de informação poderia supri-las ou onde e como localizá-las, processá-las e utilizá-las (BEZERRA; SCHNEIDER; BRISOLA, 2017BEZERRA, A.; SCHNEIDER, M.; BRISOLA, A. Pensamento reflexivo e o gosto informacional: disposições para competência crítica em informação. Informação & Sociedade, João Pessoa, v. 27, n. 1, p. 7-16, 2017. Disponível em: https://brapci.inf.br/_repositorio/2017/05/pdf_38ddbfab4c_0000023134.pdf. Acesso em: 26 out. 2021.
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). Por isso, se o conhecimento teórico e o domínio operacional de ferramentas informacionais foram e são vitais, ao mesmo tempo foram e são, sempre, insuficientes.

Nesse contexto, organismos internacionais têm direcionado esforços para promover competências dessa natureza. A Unesco criou o Mil Clicks, que visa promover a alfabetização midiática e informacional para que cidadãos tenham autonomia necessária para a tomada de decisões de forma segura (UNESCO, 2016). Outras duas iniciativas de amplo alcance que podemos destacar são as da Universidade Aberta de Portugal e a Information Literacy Online, um projeto Erasmus+ junto a sete universidades da União Europeia. A primeira oferece um curso de curta duração chamado “A Biblioteca Escolar e o Desenvolvimento das Literacias” que tem como público-alvo bibliotecários e professores e visa à formação continuada desses profissionais, a fim de capacitá-los a promover competências midiática e em informação entre os estudantes (UNIVERSIDADE ABERTA DE PORTUGAL, 2018). A segunda iniciativa - Information Literacy Online - é voltada para alunos que estão ingressando no ensino superior; o curso tem por objetivo apresentar aspectos relacionados à competência em informação que podem ser aplicados a qualquer disciplina acadêmica (INFORMATION LITERACY ONLINE, [2020]). O curso oferece ainda a possibilidade de seis idiomas e é apresentado no formato Curso Online Aberto e Massivo (MOOC, do inglês Massive Open Online Course) - que se trata do oferecimento de cursos em formato aberto em ambientes virtuais de aprendizagem, além do alcance de um grande número de sujeitos.

No Brasil, em 2018, foi testada uma proposta de promoção de competências em Salvador (BA) com o curso de Competências Infocomunicacionais para o Ensino Médio (Cicem). O modelo de base do curso foi “[...] desenvolvido utilizando a metodologia de investigação e pesquisa conhecida como Design-Based Research (DBR), nomeada no Brasil como Pesquisa de Desenvolvimento” (SANTOS; BRANDÃO; BORGES, 2018SANTOS, K.; BRANDÃO, G. S.; BORGES, J. Promoção de competências infocomunicacionais: uma proposta de modelo para o ensino médio. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 19., 2018, Londrina. Anais [...] Londrina: Enancib, 2018. p. 1882-1901. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/102438. Acesso em: 26 out. 2021.
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, p. 1888). Tendo o Cicem como base, no ano de 2019, foi desenvolvido o Curso de Promoção de Competências Infocomunicacionais para o Ensino Médio, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IFSul) de Novo Hamburgo (RS). Por sua vez, esse curso foi referência para o desenvolvimento de outro, voltado para o ensino superior, que será relatado na próxima seção.

3 Uma experiência de promoção de competências infocomunicacionais

Em junho de 2020, o Grupo de Pesquisa em Comportamento e Competências InfoComunicacionais (InfoCom) lançou o curso de Promoção de Competências Infocomunicacionais para o Ensino Superior, tendo como público-alvo bibliotecários e estudantes de Biblioteconomia. Realizado na modalidade a distância, através da plataforma Moodle da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o propósito do curso foi experimentar uma metodologia de promoção de competências infocomunicacionais.

A divulgação do curso se deu através de contato com universidades que oferecem o curso de Biblioteconomia. Também foi feita a divulgação nas redes sociais do InfoCom -Instagram1 1 Página disponível em: www.instagram.com/infocomufrgs. e Facebook2 2 Página disponível em: www.facebook.com/infocomufrgs. - e no site do grupo3 3 Site disponível em: https://www.ufrgs.br/infocom/. . As 150 vagas foram preenchidas no mesmo dia, em menos de quatro horas, com lista de espera caso houvesse desistências. Inscreveram-se brasileiros de todas as regiões: 46 do Rio Grande do Sul, 18 do Paraná, 16 de São Paulo, 14 de Minas Gerais, 12 do Rio de Janeiro, 9 de Santa Catarina, 5 do Piauí, 3 do Maranhão, 3 do Ceará, 3 do Amazonas, 3 da Bahia, 2 do Mato Grosso do Sul, 2 de Alagoas, 1 de Goiás, 1 de Rondônia e 1 da Paraíba. Onze alunos não informaram sua cidade ou estado de origem.

A partir dessas inscrições, realizou-se um diagnóstico do perfil dos estudantes e seu comportamento infocomunicacional, a partir do qual os conteúdos, recursos e estratégias de aprendizagem foram adequados (BORGES; HELLER; MACHADO, 2021).

O curso contou com a participação de professores do Brasil, Portugal e Espanha. O conteúdo foi desenvolvido ao longo de 13 semanas, com cada aula sendo composta de: um hipertexto4 4 De acordo com Pierre Lévy (2003, p. 56), “O hipertexto é constituído por nós (os elementos de informação, parágrafos, páginas, imagens, seqüências musicais etc.) e por links entre esses nós, referências, notas, ponteiros, “botões” indicando a passagem de um nó a outro”. sobre o tema da semana; uma videoaula; um chat entre alunos, professor e tutor; uma atividade; e materiais complementares, como artigos, indicações de documentários, reportagens e vídeos. Cada hipertexto, videoaula e atividade foi desenvolvido pelo professor especialista na temática especificamente para esse curso. A princípio, esses recursos foram programados para serem disponibilizados gradualmente: hipertextos nas segundas-feiras, videoaulas nas terças-feiras, atividades e materiais complementares nas quartas-feiras e chats nas quintas-feiras. Contudo, por sugestão dos cursistas, já na terceira semana todos os materiais passaram a ser disponibilizados no Moodle nas segundas-feiras e o chat ocorria nas quintas-feiras à noite. Além do chat, buscou-se um contato constante com os estudantes através de fóruns, e-mails e mensagens instantâneas. Os conteúdos e as aulas foram divididos em quatro módulos, mostrados no Quadro 1:

Quadro 1
Organização original do curso

A avaliação da aprendizagem se desenvolveu de forma processual através de frequência na plataforma Moodle, cumprimento das atividades, participação e elaboração da tarefa final, na qual os alunos desenvolveram um projeto de promoção de competências infocomunicacionais para o público de uma biblioteca. A cada módulo, os alunos tinham a oportunidade de recuperar as atividades não realizadas ou sem aprovação através da “Semana da Recuperação”, uma semana na qual os alunos que não realizaram as atividades anteriores recebiam uma segunda chance para realizá-las. Além disso, e considerando o alto índice de evasão característico de cursos a distância, quatro monitores se revezaram no acompanhamento mais próximo dos estudantes, seja no sentido de suprir eventuais dúvidas não esclarecidas pelo professor, seja no sentido de resolver questões operacionais, como problemas de acesso ao Moodle. Por fim, um certificado de conclusão foi disponibilizado para os alunos que obtiveram aprovação - esta mediante a nota final ter sido igual ou superior à média do curso (5,0).

4 Métodos empregados na pesquisa

Esta pesquisa é classificada como aplicada, pois visa propor uma estrutura conceitual e metodológica para a promoção de competências infocomunicacionais, tendo uma abordagem qualiquantitativa no tratamento dos resultados. O procedimento adotado foi o estudo de caso. A coleta de dados deu-se a partir de um questionário on-line - composto por 14 perguntas entre abertas e fechadas - disponibilizado na plataforma Google Forms, para que os alunos pudessem avaliar o curso em suas dimensões de conteúdo, metodologia e recursos de aprendizagem. O questionário foi aplicado em setembro de 2020, tendo sido respondido por 91 alunos concluintes do curso.

As questões que compõem o instrumento de coleta de dados foram formuladas com o intuito de receber subsídios para a reflexão em torno da questão norteadora desta pesquisa: qual a melhor estrutura conceitual e metodológica para a promoção de competências infocomunicacionais?

Para avaliação dos resultados gerais do curso, fez-se uma reunião por videoconferência, ao final do curso, à qual todos os alunos, professores e tutores foram convidados. Nessa etapa, a pesquisa utilizou o procedimento de grupo focal, portanto, para suprir eventuais lacunas não alcançadas com o questionário. Os respectivos dados obtidos serão apresentados na seção 5.

Quanto à análise dos dados, adotou-se uma perspectiva qualiquantitativa no intuito de: quantificar os resultados quando possível, mas também analisar os depoimentos e, ao conjunto de informações empíricas, oferecer interpretações e inferências. As categorias de análise utilizadas são: conteúdo das aulas, metodologia adotada e recursos de aprendizagem.

5 Análise e discussão dos resultados da pesquisa

Quanto ao conteúdo, todas as 13 aulas foram consideradas excelentes. Mesmo a aula com pior avaliação foi considerada excelente por 68,13% dos alunos. Um único estudante avaliou uma das aulas como ruim ou desinteressante (Participação em ambientes de mídias colaborativas e desenvolvimento de redes sociais), mas essa mesma aula foi considerada excelente por 66 outros estudantes.

Para aprofundar a compreensão do interesse que as temáticas despertaram nos alunos, pedimos que escolhessem uma aula ou temática que consideraram excelente para sua aprendizagem. O resultado mais contundente é que todas as 13 temáticas/aulas foram citadas pelo menos duas vezes como “a” melhor aula, o que demonstra que a diversidade dos conteúdos propostos se mostrou equilibrada e condizente com as necessidades e interesses dos alunos. Dez estudantes disseram-se incapazes de escolher uma aula ou temática como a melhor, porque consideraram todas igualmente pertinentes, mas a mais citada foi a aula 10: Aprendizagem ao longo da vida e metaliteracy, com 25 menções. O depoimento seguinte ilustra esse conjunto de resultados: “Gostei de várias, mas a que mais me chamou a atenção foi a A10, sobre aprendizagem ao longo da vida. Nunca havia parado para pensar nisso e foi muito inspirador. Teve outras também que fizeram rever minhas práticas, principalmente no meu trabalho”.

Mesmo assim, estimulamos os estudantes a refletirem sobre um conteúdo que retirariam do curso, outro que acrescentariam e aqueles que alterariam de alguma forma. O conteúdo mais citado para exclusão corresponde à última aula (O Centro de Recursos para Aprendizagem e Investigação (CRAI) no apoio à docência: novo desafio para as bibliotecas universitárias). De fato, embora a aula em si tenha sido considerada excelente por 76% dos alunos, o conteúdo foge do escopo geral das competências infocomunicacionais.

Quanto aos acréscimos, 27 novas temáticas foram sugeridas. Algumas, ainda que tangenciem o âmbito das competências infocomunicacionais, não são centrais, além de serem comumente tratadas em cursos de Biblioteconomia, como indexação, marketing e serviços bibliotecários. A maioria das propostas, contudo, é muito relevante e cabe receber guarida entre os conteúdos a serem tratados em uma estrutura conceitual. Sobressai-se o conhecimento de outras experiências de promoção de competências infocomunicacionais, com quatro menções, a exemplo do seguinte depoimento: “Sobre ações das bibliotecas, abordando alguns casos de sucesso, tanto nacionais como internacionais”.

Após a análise das propostas em comparação com a abordagem das competências infocomunicacionais, julgou-se pertinente agregar os seguintes assuntos: segurança da informação, infoeducação, visual literacy, mapas conceituais, competência crítica em informação, deep fakes, competência emocional, comunicação não violenta, ferramentas para produção e disseminação de conteúdos. Cada um desses assuntos será agregado à aula com maior proximidade temática. Por exemplo, a competência crítica em informação não é um conteúdo em si, mas uma abordagem, uma forma de entender todas as competências, portanto é basilar e como tal deve ser evidenciada na aula de Apresentação. Já os mapas conceituais são uma forma ou ferramenta para organizar e sintetizar a informação, portanto ficam bem alinhados na aula 3 (Compreensão, organização e síntese da informação). A aula mais impactada em seu conteúdo, entretanto, será a aula 11, que deve levar o foco para exemplos e casos de sucesso na promoção de competências infocomunicacionais. Os resultados de todas essas alterações serão sumarizados na seção seguinte deste artigo.

Outro bloco de análise refere-se à avaliação da metodologia utilizada nas aulas e da forma como os professores abordaram as temáticas. A maioria das respostas foi elogiosa, mas vamos focar nas informações que nos permitem identificar o que deve ser mantido e o que deve ser alterado. A partir da análise das respostas, observa-se que os seguintes elementos devem ser mantidos porque contribuíram significativamente para a aprendizagem:

  • a) alinhamento entre os diferentes recursos de aprendizagem: hipertexto, videoaulas e atividades;

  • b) diversificação dos tipos de atividades: diários, questionários, desafios etc.;

  • c) disponibilidade de materiais complementares, especialmente em formatos distintos dos convencionais, como podcasts e vídeos curtos;

  • d) organização do conteúdo de forma padronizada, pois facilitou a familiaridade com a plataforma, mesmo com a troca de professores;

  • e) conteúdo sucinto, simples e direto.

Por outro lado, alguns elementos devem receber mais atenção, pois exigem melhoria ou alteração:

  • a) usar mais exemplos práticos;

  • b) dar feedback qualitativo das atividades realizadas pelos alunos;

  • c) evitar videoaulas que apenas repetem o conteúdo já exposto no hipertexto;

  • d) ter um padrão de apresentação para as videoaulas;

  • e) propiciar mais encontros síncronos entre os estudantes.

O terceiro e último bloco de análise diz respeito aos recursos de aprendizagem. O Gráfico 1 apresenta uma avaliação geral deles a partir da perspectiva dos alunos, em que foram propostos cinco elementos para análise: os recursos didáticos (hipertexto, videoaula e materiais complementares), as estratégias didáticas (atividades, exercícios e o trabalho final), a equipe (professores, tutores e assistentes pedagógicos e administrativos) e uma autoavaliação:

Gráfico 1
Recursos de aprendizagem

Nenhum dos elementos recebeu uma avaliação “ruim”. A variável mais bem avaliada é a equipe, demonstrando que a escolha de especialistas nas respectivas temáticas foi acertada, bem como o apoio dos tutores e da pedagoga. Embora uma análise superficial quanto à autoavaliação possa levar a crer que os alunos tiveram um desempenho apenas bom, uma observação mais apurada leva-nos a concluir que eles desenvolveram uma perspectiva mais crítica sobre suas próprias competências e seu papel social e profissional. Um depoimento ilustra essa percepção: “Para mim a aula Promoção de Competências Infocomunicacionais foi uma das mais excelentes, me fez pensar no verdadeiro papel do bibliotecário frente às competências, que são diversas, usei das informações dela para fazer uma autocrítica sobre minha atuação”. Manifestações como essa se repetem ao longo dos discursos dos estudantes, registradas com expressões como “reflexão”, “criticidade” e “consciência”, aplicadas à atuação, às próprias competências, à responsabilidade social e ao exercício da cidadania. Trata-se de um resultado relevante, porque vai ao encontro da abordagem que se quer imprimir na promoção de competências, que é aquela de uma consciência crítica em informação, em que os sujeitos, além de saberem fazer algo, entendem a implicação desse fazer para si e para o coletivo.

Ainda no escopo dos recursos de aprendizagem, o levantamento pediu que os alunos avaliassem os recursos didáticos e as estratégias de aprendizagem. Os recursos didáticos utilizados no curso foram um hipertexto (leitura preparatória), uma videoaula, uma atividade, materiais complementares e um chat. O Gráfico 2 apresenta a avaliação desses recursos sob o ponto de vista dos estudantes.

Gráfico 2
Recursos didáticos

A leitura preparatória (hipertextos) foi o recurso com maior aproveitamento pelos estudantes, seguido dos materiais complementares (em sua maioria artigos e notícias) e videoaula. O chat foi considerado “bom” pela maioria. Um depoimento ilustra a compreensão média emitida pelos cursistas: “Achei os recursos ótimos. Especialmente o hipertexto e as videoaulas onde havia alguma sistematização visual do conteúdo da semana. Os chats foram o que mais tive dificuldade de participar e acho que o fórum teria finalidade semelhante”. Um recurso didático que se mostrou pouco eficaz foi, sem dúvida, o chat. Embora os alunos valorizem práticas sociointeracionistas de aprendizagem - e várias sugestões nesse caminho tenham surgido -, a interação via chat parece não ter surtido o efeito desejado. Nas respostas discursivas sobre a temática, 15 estudantes indicaram reuniões síncronas, oficinas, lives ou aulas on-line como sugestões de recurso didático que poderia ser agregado ao curso; em seguida, com três menções, aparece o uso de jogos e de podcasts (com duas menções).

Outro recurso didático citado e cuja análise indica pertinência para a estrutura conceitual-metodológica que se pretende é a monitoria por videochamada e por grupos de mensagens instantâneas. Outras quatro sugestões foram no sentido de que as videoaulas tivessem uma apresentação padronizada entre si, como ocorreu com os hipertextos. De fato, os hipertextos iniciavam com metadados (Figura 1) que o identificavam (título, palavras-chave, objetivo da aula e resumo, além de dados do professor responsável) e foram revisados por uma pedagoga no sentido de garantir que o conteúdo e o método atingissem o objetivo de aprendizagem explicitado no cabeçalho.

Figura 1
Cabeçalho de um hipertexto

Enquanto os recursos didáticos podem ser caracterizados por formatos para ofertar conteúdos aos aprendizes, as estratégias didáticas referem-se às ações que propiciam que eles apliquem ou experimentem esses conteúdos (BORGES; SOUSA, 2019BORGES, J.; SOUSA, D. S. Design educacional para a promoção de competências infocomunicacionais na educação online. Revista ECCOM: Educação, Cultura e Comunicação, [s. l.], v. 10, n. 20, p. 49-66, 2019. Disponível em: http://unifatea.com.br/seer3/index.php/ECCOM/article/view/1058. Acesso em: 26 out. 2021.
http://unifatea.com.br/seer3/index.php/E...
). Conforme o Gráfico 1, essas estratégias foram bem avaliadas pelos cursistas (65% as consideraram excelentes, 32% boas, 3% regulares). Ainda assim, solicitamos sugestões, e aquelas consideradas aderentes à proposta são as seguintes: disponibilizar as produções dos colegas, utilizar ferramentas como o Kahoot, receber feedbacks qualitativos (comentários) dos professores e solicitar atividades incomuns, como a produção de podcasts e projetos.

A partir da interpretação desses resultados, a seção seguinte sumariza nossa proposta de estrutura conceitual e metodológica para a promoção de competências infocomunicacionais.

5 Proposta de estrutura conceitual e metodológica para a promoção de competências infocomunicacionais

O principal conceito que ampara as competências que se pretende desenvolver é o das competências infocomunicacionais. A sua proposição original já conta com dez anos (BORGES; OLIVEIRA, 2011BORGES, J.; OLIVEIRA, L. Competências infocomunicacionais em ambientes digitais. Observatorio (OBS*), Lisboa, v. 5, n. 4, p. 291-326, 2011.) e, nesse período, foi lapidado por diversas discussões, a exemplo de uma tese de doutoramento (BORGES, 2013) e um trabalho premiado no Encontro Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (BORGES, 2014). O conceito também já foi testado empiricamente em diversos experimentos, desde a conversão de seus elementos em indicadores de avaliação de competências (BORGES, 2018) até a concepção de um design educacional aderente à promoção de competências infocomunicacionais (BORGES; SOUSA, 2019).

Longe de ser uma proposta acabada, contudo, a estrutura subjacente à promoção dessas competências vem passando por contínuas reformulações. Uma das principais diz respeito à abordagem que vem se introduzindo: se nos primeiros anos essa abordagem se alinhava mais a um caráter instrumental (ensinar a fazer coisas), cada vez mais vem se pronunciando a consciência crítica: porque fazer tais coisas, quais as implicações e qual minha responsabilidade e meu papel como cidadão, profissional e sujeito. Essa abordagem é transversal e permeia toda a estrutura sumarizada no Quadro 2:

Quadro 2
Proposta de estrutura

Comparando-se os Quadros 1 e 2, podemos observar que a principal exclusão diz respeito à aula 13 (Quadro 1), que, conforme já mencionado, tangenciava a temática, mas fugia ao escopo geral das competências infocomunicacionais. Outra alteração substancial diz respeito à aula 11, que tratava de “Padrões e normas” (Quadro 1) e propõe-se agora focar em metodologias. Essa aula gerou um debate intenso entre a equipe pedagógica e os professores quanto à aderência de “modelos”, “padrões” e “normas” à abordagem crítica que o curso quer imprimir. Embora os estudos mais tradicionais de competência em informação tenham por base modelos e padrões internacionais, é verdade que eles tendem a promover uma formação homogeneizante que vai de encontro à educação reflexiva, crítica e criativa que este curso pretende oferecer. Como diz Perrotti (2017, p. 13): “Por isso, ela [a infoeducação] não se satisfaz com modelos prescritivos que, tal como os manuais de instrução, não passam de conjunto de regras e modelos a serem aplicados pelos mais diferentes sujeitos, localizados nos mais diferentes contextos e situações.”

Vale ressaltar ainda que a perspectiva de “conteúdo” nesta pesquisa está mais alinhada a um meio pelo qual as pessoas desenvolvem competências do que um fim em si mesmo. Da mesma forma, como dizem Simão Neto e Hesketh (2009, p. 86):

Os conteúdos não são mais um aglomerado de dados e informações que o aluno deve memorizar porque o professor assim o ordena, mas passam a ser recursos que o aluno pode utilizar para executar tarefas, responder questões, enfrentar desafios, solucionar problemas e criar o novo.

Assim, quanto ao conteúdo, observa-se que os assuntos adicionados (Quadro 2) ora expandem, ora aprofundam os conteúdos originais, em um movimento natural de atualização frente às demandas do contexto infocomunicacional.

Quanto à metodologia experimentada, a principal mudança deve ser adicionar uma perspectiva mais sociointeracionista. Todas as teorias de aprendizagem têm um papel singular na promoção de competências infocomunicacionais; contudo, na experiência relatada neste artigo, destacou-se o estímulo para que o estudante construísse sua visão dos conceitos por meio de sua própria experiência e compreensão, propondo-se a reflexão, a tomada de decisões e a manifestação de opiniões. Não há dúvida do acerto dessa linha construtivista, haja vista diversas manifestações elogiando o caráter reflexivo do curso. Contudo, também é verdade que muitos se ressentiram da pouca interação: “Gosto das aulas síncronas, onde é possível desenvolver um diálogo mais próximo com os demais participantes”, registrou um estudante. O sociointeracionismo destaca o papel do contexto social e da interação na aprendizagem, pois, embora a aprendizagem seja individual, as trocas comunicativas permitem novas formas de perceber as informações, interpretar a realidade e construir sentido5 5 Aula sobre Design Educacional de AVA para Educação Online proferida por Lanara Guimarães de Souza para o curso de Especialização em Produção de Mídias para Educação Online, no inverno de 2017, na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). . Com isso, propõe-se que os principais pontos a caracterizar a promoção de competências infocomunicacionais sob o ponto de vista metodológico são:

  • a) cada conteúdo ou aula deve ter pelo menos um encontro síncrono, podendo ser presencial ou remoto, que reúna estudantes, professores e tutores, com atividades que estimulem o debate, o diálogo e a aprendizagem colaborativa;

  • b) todas as atividades propostas devem ser seguidas de avaliação qualitativa em que, mais uma vez, professores e alunos tenham oportunidade de diálogo, troca e aprendizagem mútua;

  • c) os conteúdos, enquanto meios de desenvolvimento de competências, devem envolver a leitura de mundo dos interagentes, o que implica discussões abundantes em exemplos e experiências de vida.

Igualmente importantes, os recursos de aprendizagem operacionalizam o conceito, a abordagem e o método de promoção de competências infocomunicacionais. Assim, por exemplo, a escolha por hipertextos como formato para as leituras prévias ao encontro síncrono não é aleatória. O hipertexto representa a liberdade de aprendizagem que se quer proporcionar ao estudante: ao mesmo tempo em que ele tem acesso a um conteúdo sucinto, simples e direto, também tem uma série de hiperlinks que permitem aprofundar determinado tema de acordo com sua escolha.

Outro recurso didático a se manter, mas aprimorar, são as videoaulas. Devem ser mantidas na perspectiva de que os recursos multimídia permitem uma aproximação ao contexto atual dos aprendentes, que valorizam a possibilidade de escolher quando, onde e em que velocidade ouvir e ver uma exposição clara e objetiva do assunto por um especialista. Por outro lado, as videoaulas devem ser aprimoradas no sentido de expandir o conteúdo do hipertexto, ou seja, esses recursos devem estar alinhados, mas não ser repetitivos. Além disso, as videoaulas devem ter um padrão dentro do curso em termos de tempo, design gráfico e organização da exposição, pois isso facilita a familiaridade com o método.

As atividades, além de alinhadas ao hipertexto e à videoaula, devem propor a reflexão sobre o significado das competências no contexto do estudante. Os alunos também valorizam atividades que os desafiam, como jogos e projetos. A partir da análise dos resultados, propõe-se que a atividade final seja um projeto de promoção de competências infocomunicacionais, construído colaborativamente e discutido em encontros síncronos. Essa proposta parece ser a que melhor converge aspectos caros à aprendizagem: uma atividade desafiadora, aplicada, colaborativa, reflexiva e passível de debate e aprimoramento.

Por fim, como qualquer atividade de aprendizagem, o processo não pode prescindir de uma avaliação envolvendo todos os interagentes. A avaliação identifica em que medida os objetivos foram alcançados e quais lacunas precisam ser sanadas, além de fornecer subsídios importantes para futuras iniciativas.

6 Considerações finais

Diariamente, somos demandados em competências infocomunicacionais em níveis diferentes de complexidade: decidir por um produto ou serviço demanda informações sobre as opções; desenvolver um projeto exige selecionar conteúdo; trabalhar em colaboração pressupõe empatia, negociação e cuidado com a linguagem. Apesar de vivermos em um contexto rico em possibilidades infocomunicacionais, nunca foi tão complexo encontrar e selecionar informações relevantes, verdadeiras e que supram nossas reais necessidades. Muitas organizações e entidades preocupadas com a formação necessária a um cidadão partícipe dos processos sociais na atualidade já se manifestaram pela educação para a informação. Este trabalho representa uma contribuição teórico-metodológica nessa direção.

A partir dessa experiência concreta, pode-se concluir que: 1) promover as competências infocomunicacionais é um tema pertinente para a Biblioteconomia e seus profissionais; 2) a abordagem deve evoluir do instrumental para a consciência crítica em informação, a partir da qual os sujeitos sejam estimulados a refletir sobre seu contexto e suas práticas no que tange à informação e à comunicação; 3) apesar de os estudos no escopo da “competência em informação” no Brasil terem alcançado certo avanço conceitual, há uma lacuna a ser preenchida no intervalo entre a teoria e a prática. A estrutura apresentada neste artigo pretende diminuir esse intervalo, além de oferecer uma opção para os profissionais que querem promover competências infocomunicacionais, mas não sabem por onde começar ou como fazê-lo.

Embora amparada em estudos conceituais, metodológicos e experimentais, a estrutura não representa um modelo. Significa dizer que, para cada contexto, espaço, público e tempo, a estrutura precisa ser avaliada e customizada. Isso, ao contrário de diminuir sua relevância, demonstra a pertinência de dar segmento em pesquisas que melhorem sua aplicabilidade.

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  • 1
    Página disponível em: www.instagram.com/infocomufrgs.
  • 2
    Página disponível em: www.facebook.com/infocomufrgs.
  • 3
    Site disponível em: https://www.ufrgs.br/infocom/.
  • 4
    De acordo com Pierre Lévy (2003, p. 56), “O hipertexto é constituído por nós (os elementos de informação, parágrafos, páginas, imagens, seqüências musicais etc.) e por links entre esses nós, referências, notas, ponteiros, “botões” indicando a passagem de um nó a outro”.
  • 5
    Aula sobre Design Educacional de AVA para Educação Online proferida por Lanara Guimarães de Souza para o curso de Especialização em Produção de Mídias para Educação Online, no inverno de 2017, na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2021
  • Aceito
    25 Abr 2022
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