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PRINCÍPIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO DE MULHERES RURAIS SOB A PERSPECTIVA DO EMPODERAMENTO

PRINCIPLES FOR THE DEVELOPMENT OF RURAL WOMEN'S INFORMATION LITERACY FROM THE PERSPECTIVE OF EMPOWERMENT

RESUMO

Este artigo objetiva apresentar princípios para o desenvolvimento da competência em informação de mulheres rurais sob a perspectiva feminista do empoderamento. Os dados empíricos foram coletados por meio de dez entrevistas em profundidade, de natureza qualitativa e semiestruturada, realizadas com mulheres rurais engajadas no Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) no Estado de Santa Catarina, Brasil. A análise temática dos dados foi realizada por meio da técnica de análise de conteúdo. Como resultados são propostos princípios à elaboração de estratégias, ações e programas de competência em informação sob quatro aspectos principais: técnicas de ensino e aprendizagem apropriadas às mulheres rurais; condições físicas do ambiente; abordagem teórico-prática; e, diretrizes nacionais e internacionais para a construção de programas. Concluímos que a competência em informação contribui para minimizar algumas vulnerabilidades a que as mulheres rurais estão expostas por contribuir ao processo de empoderamento, individual e coletivo, e por qualificar a ação dessas mulheres enquanto agentes de mudanças. Enfatizamos a necessidade de governos criarem indicadores de monitoramento e políticas públicas para o desenvolvimento da competência em informação.

Palavras-chave:
Competência em informação; Empoderamento; Mulheres rurais; Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)

ABSTRACT

This article aims to present principles for developing rural women's information literacy from a feminist perspective of empowerment. Empirical data were collected through ten in-depth interviews, of a qualitative and semi-structured nature, conducted with rural women engaged in the Peasant Women's Movement (MMC) in the State of Santa Catarina, Brazil. Thematic analysis of the data was performed using the content analysis technique. As a result, principles are proposed for the elaboration of strategies, actions and programs of information literacy under four main aspects: teaching and learning techniques appropriate to rural women; physical conditions of the environment; theoretical-practical approach; and, national and international guidelines for building programs. We conclude that information literacy contributes to minimizing some vulnerabilities to which rural women are exposed by contributing to the individual and collective empowerment process, and by qualifying the action of these women as agents of change. We emphasize the need for governments to create monitoring indicators and public policies for the development of information literacy.

Keywords:
information literacy; empowerment; rural women; Peasant Women's Movement (MMC)

1 INTRODUÇÃO

De forma geral, as mulheres foram e ainda são significativamente excluídas dos espaços de participação e decisão, conforme apontam estudos expressivos de autores como Saffioti (2014SAFFIOTI, Heleieth. B. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2014.), Scott (1995SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, 1995. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/71721/40667. Acesso em: 18 ago. 2022.
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), Mill (2006MILL, John Stuart. A sujeição das mulheres. Revista Gênero, Niterói, v. 6, n. 2, p. 181-202, 2006. Disponível em: http://periodicos.uff.br/revistagenero_teste/article/download/23545/13754. Acesso em: 18 ago. 2022.
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) e Conceição (2009CONCEIÇÃO, Antônio Carlos Lima da. Teorias feministas: da “questão da mulher” ao enfoque de gênero. RBSE, João Pessoa, v. 24, n. 8, p. 738-757, 2009. Disponível em: http://paginas.cchla.ufpb.br/rbse/Conceicao_art.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
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), que tratam sobre as desigualdades existentes entre mulheres e homens no que concerne à suas atividades, à ocupação destes indivíduos nos diferentes espaços, à remuneração atribuída ao trabalho feminino e ao masculino, entre outros enfoques.

Quando falamos em mulheres rurais, a situação é ainda mais crítica. Em toda a América Latina, conforme descrevem Nobre et al. (2017NOBRE, Miriam et al. Atlas de las mujeres rurales de América Latina y el Caribe: al tiempo de la vida y los hechos. Santiago do Chile: FAO, 2017. Disponível em: http://www.fao.org/3/a-i7916s.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
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), a vida dessas mulheres é marcada pela sobrecarga de trabalho devido à divisão sexual do trabalho1 1 A divisão sexual do trabalho é, de acordo com Hirata e Kergoat (2007, p. 599) “a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente” e ainda é um obstáculo para a igualdade de gênero, uma vez que as mulheres são tidas como responsáveis pelo trabalho reprodutivo. Isso impacta sua vida cotidiana, porque é sobre elas que recaem as tarefas domésticas e de cuidados familiares. A divisão sexual do trabalho influencia também no acesso e nas oportunidades de ascensão profissional (FONTOURA; ARAÚJO, 2016). , pela invisibilidade do trabalho que realizam no campo reprodutivo (trabalho doméstico e de cuidados) e produtivo (trabalho que gera renda), pelo baixo acesso aos meios de produção como terra, água, sementes, insumos, pela pouca participação política, pela falta de autonomia econômica e tomada de decisão que vem, historicamente, com o patriarcalismo, pelo baixo nível de cobertura nos sistemas de proteção social, dentre outros fatores que as colocam em situação de vulnerabilidade.

No Brasil, por meio de lutas organizadas e um governo que, no período de 2003 a 2016, foi permeável às reivindicações da classe, as mulheres rurais protagonizaram alguns avanços importantes relativos à conquista de direitos, melhoria da renda, políticas públicas de acesso ao crédito etc., que contribuíram para minimizar a vulnerabilidade a qual elas estão constantemente expostas. Entretanto, esses avanços não foram suficientes para eliminar as desigualdades sociais, de gênero e de classe que as colocam em vulnerabilidade.

Na atualidade, contudo, o cenário não é animador. Desde meados de 2018, observamos um processo de desmantelamento de políticas brasileiras (SABOURIN, 2021SABOURIN, Eric. Desmonte de políticas públicas de agricultura familiar e desenvolvimento rural no Brasil e no Mercosul. In.: SEMINÁRIO INTERNACIONAL E JORNADA TERRITÓRIOS RURAIS, SISTEMAS ALIMENTARES, AGENDA 2030, 2., 2021. Anais eletrônicos [...]. Brasília, DF: UNB, 2021. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/viewer.html?pdfurl=https%3A%2F%2Fagritrop.cirad.fr%2F598623%2F1%2FDesmonte%2520de%2520pol%25C3%25ADticas%2520p%25C3%25BAblicas%2520Conf%2520RETE%25202021%2520Sabourin.pdf&clen=848440&chunk=true. Acesso em: 18 ago. 2022.), bem como o desmonte dos serviços públicos de base (saúde e educação pública) (DUARTE; CESAR, 2020DUARTE, André de M.; CÉSAR Maria Rita de A. Negação da política e negacionismo como política: pandemia e democracia. Educação & Realidade, Porto Alegre, v .45, n. 4, p. 109-146, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/edreal/a/DsjZ343HBXtdVySJcgmX3VS/?lang=pt. Acesso em: 18 ago. 2022.
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). Os ataques aos espaços de participação popular têm se prolongado pela criminalização dos movimentos sociais do campo, das águas e da floresta (SABOURIN, 2021), tão importantes a participação política das mulheres rurais.

Esse cenário favorece o aumento das desigualdades sociais e de gênero que, por sua vez, agravam a exclusão social existente em diversos contextos socioculturais e marginalizam ainda mais as mulheres rurais quanto aos seus direitos à saúde, à educação, ao emprego, à segurança e à participação política (FAO, 2014). Essa situação também contribui para excluir ainda mais as mulheres da chamada “sociedade do conhecimento”, que, em tese, caracteriza-se pelo uso da informação como um bem público, pela comunicação como um processo participativo e interativo, pelo conhecimento como uma construção social compartilhada e pelas tecnologias como um suporte para tudo isso (BURCH, 2005BURCH, Sally. Sociedade da informação/sociedade do conhecimento. In.: AMBROSI, Alain; PEUGEOT, Valérie; PIMIENTA, Daniel. Em Desafios de Palavras: enfoques multiculturais sobre as Sociedades da Informação. Paris: C&F Éditions, 2005. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4036223/mod_resource/content/2/Sally%20Burch%20Sociedade%20da%20Informa%C3%A7%C3%A3o%20-%20Copia.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
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).

Sob esse enfoque, este artigo objetiva apresentar princípios para o desenvolvimento da competência em informação de mulheres rurais sob a perspectiva feminista do empoderamento. A competência em informação consiste em habilidades, atitudes, condutas, conhecimentos e comportamentos que permitem aos sujeitos (individuais e coletivos) munirem-se de recursos para buscar, avaliar, refletir criticamente, usar e criar a informação de forma efetiva, tanto para atingir objetivos pessoais, ocupacionais e educacionais (IFLA, 2005). Por ser um processo que favorece o pensamento crítico e a condição de agência, bem como o aprendizado ao longo da vida, há um consenso que ele contribui ao empoderamento das pessoas.

Dessa forma, partimos do pressuposto que quando desenvolvida sob a perspectiva feminista do empoderamento, a competência em informação pode contribuir para impulsionar mudanças individuais e nas estruturas sociais que oprimem as mulheres rurais em um contexto historicamente desigual.

Sob o enfoque feminista, compreendemos o empoderamento como sinônimo de emancipação social, desenvolvendo-se em um contexto de mudança social e desenvolvimento político, promovendo equidade e qualidade de vida por meio de suporte mútuo, cooperação, autogestão e participação em movimentos sociais. Além disso, o empoderamento envolve práticas não tradicionais de aprendizagem e ensino que desenvolvam uma consciência crítica (KLEBA; WENDAUSEN, 2009KLEBA, Maria Elisabeth; WENDAUSEN, Agueda. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733-743, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v18n4/16.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
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), o que vai ao encontro de um dos principais atributos do desenvolvimento da competência em informação nas dimensões: política, como instrumento de emancipação de cidadania; técnica, que se refere ao domínio dos recursos informacionais e da informação para a resolução de problemas, conflitos, lacunas, dúvidas; estética, que volta-se para o sensível, a criação, a inovação e a autonomia; e, ética, diretamente ligada ao pensamento crítico e base fundante de todo o processo (VITORINO, 2018VITORINO, Elizete Vieira. A competência em informação e a vulnerabilidade: construindo sentidos à temática da “vulnerabilidade em informação”. Ciência da Informação, Brasília (DF), v. 47 n. 2, p. 71-85, maio/ago. 2018. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/download/4187/3794. Acesso em: 18 ago. 2022.
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; VITORINO; PIANTOLA, 2019). Isso significa que esses dois processos se retroalimentam levando a uma redução no estado de vulnerabilidade informacional.

Este artigo coloca em evidência aspectos do desenvolvimento da competência em informação de um grupo de mulheres rurais engajadas no Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) no Estado de Santa Catarina, ao Sul do Brasil. E, apresenta princípios que podem subsidiar a elaboração de estratégias, ações e de competência em informação na perspectiva do empoderamento.

2 METODOLOGIA

Os dados empíricos utilizados na pesquisa foram coletados por meio de entrevistas em profundidade, de natureza qualitativa e semiestruturada. Foram realizadas 10 entrevistas nos meses de setembro e outubro de 2021. A coleta de dados ocorreu de forma online, sendo realizadas por meio da versão gratuita do programa Zoom Meetings.

As participantes são mulheres rurais engajadas no MMC no Estado de Santa Catarina. O MMC, vinculado à Via Campesina2 2 A Via Campesina é um movimento internacional que reúne milhões de camponeses, pequenos e médios agricultores, mulheres e jovens rurais, indígenas e trabalhadores agrícolas de todo o mundo. Construída sobre um sentido de unidade e solidariedade entre esses grupos, defende a agricultura camponesa para a soberania alimentar como forma de promover a justiça e a dignidade social e se opõe fortemente à agricultura corporativa que destrói as relações sociais e a natureza (LA VIA CAMPESINA, 2019). , se apresenta em nível nacional como uma organização que visa construir perspectivas emancipatórias na vida das mulheres (GASPARETO; COLLET, 2013GASPARETO, Sirlei A. K.; COLLET, Zenaide. Movimento de Mulheres Camponesas em Santa Catarina: em busca de uma Pedagogia Camponesa e Feminista. Revista Grifos, Chapecó v. 22, n. 34/35, p. 17-36, 2013. Disponível em: https://pegasus.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/grifos/article/view/2466/1467. Acesso em: 18 ago. 2022.
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). Sua missão é a libertação das mulheres trabalhadoras de qualquer tipo de opressão e discriminação. E isso se concretiza nas lutas, na organização, na formação e na implementação de experiências de resistência popular, onde as mulheres sejam protagonistas de sua história (MMC, 2004). Ele está presente em dezoito Estados brasileiros e em diversos municípios de Santa Catarina, sendo a maioria localizados na região Oeste, considerada o “berço” dos movimentos populares de luta por igualdade de direitos (POLI, 1995POLI, Odilon Luiz. Aprendendo a andar com as próprias pernas: o processo de mobilização nos movimentos sociais do oeste catarinense. 1995. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995. Disponível em: https://bdtd.ibict.br/vufind/Record/CAMP_19d4df7479a5d1641ba47907922eb90c. Acesso em: 18 ago. 2022.
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).

As mulheres camponesas são aquelas que produzem o alimento e garantem a subsistência da família. Elas podem ter diferentes ocupações: agricultoras, pescadoras artesanais, quebradeiras de coco, extrativistas, arrendatárias, meeiras, ribeirinhas, posseiras, diaristas, acampadas e assentadas, assalariadas rurais, indígenas etc. (MMC, 2004). Conforme descreve Boni (2013BONI, Valdete. Movimento de Mulheres Camponesas: um movimento camponês e feminista. Revista Grifos, Chapecó, v. 22, n. 34-35, p. 67-88, 2013. Disponível em: https://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/grifos/article/view/1259. Acesso em: 18 ago. 2022.
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), trata-se de um grupo de mulheres que cultivam sem agrotóxicos, uma vez que, o modelo de agricultura camponesa idealizado por elas, na atualidade, é agroecológico. Dessa forma, elas fazem regaste de sementes crioulas e buscam produzir grande parte dos alimentos consumidos na propriedade (isso não exclui aquelas que possuem integrações com agroindústria ou que produzem para o mercado, o que é necessário para muitas famílias se manterem no campo). No Quadro 1, apresentamos o perfil das participantes da pesquisa.

Quadro 1
Perfil das participantes da pesquisa

A análise do corpus empírico foi realizada com base na técnica de análise de conteúdo da Bardin (2016BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.), que consiste em

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (qualitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção [...] dessas mensagens (BARDIN, 2016BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016., p. 48).

Bardin (2016BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.) infere que a análise de conteúdo abarca as iniciativas de explicitação, sistematização e expressão do conteúdo de mensagens, com o intuito de realizar deduções lógicas e justificadas a respeito da origem das mensagens.

O quadro de categorias apresentado foi adaptado da metodologia de pesquisa Acesso à Informação e Empoderamento para a Igualdade e a Cidadania (INFORMENTO) proposta por Rios, Cuevas-Cerveró e Linhares (2019RIOS, Acácia; CUEVAS-CERVERÓ, Aurora; LINHARES, Ronaldo. Mulheres e mães do Bolsa Família: acesso à informação, empoderamento e cidadania em três comunidades de Sergipe. RICI: R.Ibero-amer. Ci. Inf., Brasília (DF), v. 12, n. 3, p. 889-904, set./dez. 2019. Disponível em: https://www.periodicos.unb.br/index.php/RICI/article/download/26763/23554/. Acesso em: 18 ago. 2022.
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). De acordo com esses autores, a metodologia contempla indicadores que culminam na proposta “competência em informação para o empoderamento”, entendida como um processo de aprendizagem que se dá ao longo da vida unindo novos conhecimentos adquiridos e ação, numa relação dialógica e prática.

Antes da coleta de dados, o projeto de tese passou pela análise e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina.

3 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A análise de conteúdo dos dados revelou conhecimentos, habilidades, valores, crenças, comportamentos, bem como, percepções sobre a competência em informação e o empoderamento das mulheres rurais, os quais foram organizados em quatro categorias adaptadas do modelo INFORMENTO: formas de acesso e uso da informação (saber e saber fazer); mudanças profissionais e subjetivas (ter); mudanças de vida (querer); e, participação sociopolítica e cidadania (poder).

No Quadro 2, apresentamos as categorias analisadas e os principais temas identificados nas falas das mulheres rurais.

Quadro 2
Indicadores de acesso à informação e empoderamento para o contexto das mulheres rurais

Esses temas podem ser considerados fatores de impacto de acesso à informação e empoderamento, guardando total relação com o contexto das mulheres rurais.

3.1 Formas de acesso e uso da informação (saber e saber fazer)

O “saber” pode ser compreendido, de acordo com Dulzaides Iglesias e Molina Gómez (2007), como um conjunto de conhecimentos relacionados aos comportamentos implicados na competência. Esses comportamentos podem ser tanto de caráter técnico quanto de caráter social e, em ambos os casos, a experiência desempenha um papel fundamental. O “saber fazer”, por sua vez, consiste em um conjunto de habilidades que permitem colocar em prática os conhecimentos que as mulheres possuem. Essas habilidades podem ser técnicas, sociais e cognitivas, e devem interagir entre si.

Desta forma, esta categoria contempla elementos que evidenciam a capacidade das mulheres de (individualmente ou em grupo) acessarem e interpretarem informações relevantes para suas vidas. Especificamente, ela contempla as fontes e os recursos utilizados para o acesso à informação, as habilidades e vulnerabilidades relacionadas ao acesso e uso das tecnologias, bem como, aspectos referentes à avaliação e a capacidade analítica interpretativa da informação.

Com base na análise das entrevistas, percebemos que as mulheres rurais, independente da faixa etária e das atividades que realizam, conhecem e utilizam diversas fontes e recursos para o acesso à informação, como o rádio, a televisão, as mídias sociais e a Internet.

O rádio destaca-se, principalmente, para o acesso a notícias e outras informações locais e regionais, conforme observamos a seguir:

[...] a gente aqui em casa está com o rádio direto ligado. É onde que mais há informação assim, porque jornal de televisão [...] é só de noite um pouco, mais é o rádio, se a gente está por perto de casa, se está em casa, o rádio está desde manhã [...] (P1, 49 anos).

Além do rádio, percebemos, por meio da fala da Participante 8, que a televisão também é um meio de comunicação de massa presente na vida das participantes, ainda que pareça ser menos utilizado para a finalidade de informar sobre as notícias: “[...] mais é questão de rádio, televisão muito pouco, a gente já se desligou muito da televisão, algum pouco de jornal, é mais o rádio local, que tem as notícias locais que interessam mais [...]” (P8, 71 anos).

Essa diminuição no uso da televisão pode ser compreendida sob o ponto de vista de Fernández-García (2017). Esta autora explica que a imprensa e os telejornais perderam audiência nos últimos anos, principalmente entre as gerações mais jovens, dentre as quais as redes sociais se tornaram hegemônicas. Além disso, percebemos que as participantes possuem uma visão mais crítica sobre a televisão em comparação ao rádio. Ela é vista como uma fonte de informação com excesso de notícias negativas e, por vezes, manipuladas, o que leva a um certo mal-estar ou prejuízo à saúde mental.

No que diz respeito às redes sociais, as entrevistadas mencionaram utilizar canais do Youtube, grupos de WhatsApp e Facebook. Por meio desses recursos, elas acessam, por exemplo, notícias, informações sobre política e outros assuntos em âmbito nacional e internacional. Entre as mulheres mais jovens, nos chama a atenção o uso da Internet também para realizar atividades mais complexas, como por exemplo cursos.

De acordo com Jiménez-Cortés et al. (2015), estudos internacionais indicam que as redes sociais virtuais mudaram a presença e a participação das mulheres em ambientes virtuais e são um contexto propício para a aprendizagem. Contudo, resultados de uma revisão da literatura sobre gênero e uso de tecnologia, de Hargittai e Shafer (2006) citadas por Rebollo e Vico (2014REBOLLO, Mª Angeles; VICO, Alba. Perceived social support as a factor of rural women's digital inclusion in online social networks. Comunicar, [s.l.], v. 22, n. 2, p. 173-180, 2014. Disponível em: https://www.scipedia.com/wd/images/b/be/Draft_Content_484070317-29657.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
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), demonstram que, devido à maior parcela de responsabilidades assumidas em casa e na criação dos filhos, as mulheres normalmente têm menos tempo para usar o computador e navegar na Internet, sugerindo que as desigualdades de gênero persistem mesmo quando os obstáculos de acesso e uso básico da informação são superados.

Sobre o acesso e uso das Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), é importante dizer que as mulheres participantes desta pesquisa relataram questões relacionadas tanto à precária infraestrutura nas áreas rurais quanto às dificuldades individuais para o uso.

Algumas possuem acesso à Internet somente por meio de dados móveis e para participarem de atividades online, com voz e vídeo, por exemplo, elas precisam sair do conforto de suas casas em busca de uma conexão melhor. Além disso, ao falarem sobre suas experiências com o uso das TIC e da Internet, a maioria das mulheres enfatizou ter dificuldades também devido à falta de habilidades digitais, como mostra o relato abaixo:

[...] depende para que eu sei usar. Têm coisas que eu tenho dificuldade. Para o Face, para oWhatsApp, tenho oInstagram, mas quase não entro, mas que nem para participar de umalive, as vezes tem cursos online, essas coisas eu tenho dificuldade [...] (P4, 63 anos).

Em função disso, notamos uma certa dependência das participantes de outras pessoas para conseguirem utilizar a TIC, comunicarem-se ou buscarem a informação:

[...] a minha experiência com o celular, assim com a tecnologia, computador eu não tenho, nem tenho Internet, nada, é só agora dados móveis e tipo assim eu estou aprendendo assim junto com o movimento que daí tem uma companheira que ela é lá de [...], quando a gente começou fazer os encontros assim, ela me passava todas as informações, como que a gente tinha que entrar através do celular, daí fui aprendendo assim, mexendo [risos] até que ela passava bem detalhado os dados, como é que tu faz para entrar no Zoom, eu já tinha o link porque através de uma ideia dela ela passou nas nossas reuniões [...] (P1, 49 anos).

Além das fontes de informação e recursos midiáticos mencionados até aqui, o conteúdo das entrevistas também revelou que as informações técnicas são acessadas por meio de sindicatos, empresas de assistência aos produtores rurais, associações de agricultores e redes de apoio. Essas intuições são importantes aliadas das mulheres rurais na resolução de problemas técnicos.

Ainda sobre a questão do acesso à informação de diversos tipos, constatamos que o próprio Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), ao qual as participantes então engajadas, é considerado uma importante fonte, conforme explicita a Participante 3: “[...] Olha, o Movimento sempre está compartilhando informações que nos tocam, o que está sendo discutido no governo e tal” (P3, 29 anos).

Isso ocorre, em nosso entendimento, porque o MMC acompanha as necessidades e demandas das mulheres, bem como propicia a oportunidade e cria condições para a realização de formações e cursos sobre diversos assuntos.

O contato e a troca de experiências com as outras mulheres no âmbito do MMC e fora dele, com membros da família, com outras agricultoras e agricultores em reuniões, em feiras, com pessoas da mesma comunidade, na igreja e em outros grupos sociais, também é uma forma de acesso à informação importante para as mulheres rurais.

Destacamos ainda a menção ao acesso as informações em livros impressos e em Portable Document Format (PDF), conforme observamos nessa fala:

[...] também busco fontes literárias, Ana Primavesi para mim é uma referência [...]. Enfim, beber um pouco de cada fonte e sempre o que seja, que possa se voltar [em] uma prática aqui né [...]. [...] Eu busco muito PDF, assim a informação gratuita que está disponível na Internet, o que eu não encontro em PDF, eu compro os livros [...] (P3, 29 anos).

Embora as entrevistas tenham revelado a busca de informações e conhecimentos em livros, nenhuma das participantes mencionou ser, na atualidade, frequentadora assídua de alguma biblioteca. Um dos motivos é a necessidade de se deslocar às áreas urbanas.

No que diz respeito à avaliação e comunicação da informação, as participantes da pesquisa se mostraram cientes de que por meio das TIC circulam inúmeras informações falsas que podem causar prejuízos e que, portanto, existe a necessidade de selecionar, avaliar e comprovar a veracidade. Contudo, há muita insegurança e dúvidas sobre o “como fazer”, mesmo sabendo da necessidade de avaliar as informações.

A falta de habilidades para avaliar a informação, por vezes, acaba limitando o ato de comunicar ou compartilhar informações. Na fala a seguir, percebermos que a participante busca compartilhar somente aquilo que recebe por intermédio das organizações ou pessoas conhecidas: “[...] a gente compartilha quando a gente sabe de onde vem né, o que é e para quem vai, senão a gente não compartilha” (P8, 71 anos).

Além disso, na fala a seguir, notamos que a falta de habilidades digitais e dificuldade de avaliar a qualidade das fontes de informação também reduzem ou inviabilizam o uso de serviços que normalmente facilitam ou agilizam algumas tarefas do dia a dia, como o pagamento de contas por exemplo: “[...] não, [...], porque eu não sei se é seguro, porque tem tantos golpes e coisa assim que é melhor ir ao vivo e em cores e deu [...]” (P7, 54 anos).

De fato, esse tipo de atividade envolve a compreensão das limitações dos recursos na Internet e o desenvolvimento da competência em informação. As habilidades de pensamento crítico são essenciais para evitar fraudes online e por telefone e para se proteger de transações fraudulentas (CILIP, 2020).

Outro tema importante que emergiu das narrativas das participantes da pesquisa foi a percepção sobre a manipulação informacional, a qual podemos atribuir a capacidade analítica e interpretativa da informação. Uma das participantes, em seu depoimento, enfatizou a manipulação telejornalística relacionada à política. Ainda que essa manipulação seja percebida, notamos nos relatos delas a existência de dificuldades para identificar no telejornalismo o viés dessas informações de modo a não se deixar manipular.

3.2 Mudanças profissionais e subjetivas (ter)

Esta categoria de análise engloba aspectos relacionados às mudanças profissionais e subjetivas percebidas a partir da aquisição de informação (ter) e com o envolvimento no movimento de mulheres. Destacamos aqui os ganhos relacionados aos novos conhecimentos adquiridos, às mudanças individuais, à gestão e uso do tempo e mudanças no cuidado com a saúde.

A transmissão de informações e do conhecimento sobre as técnicas de trabalho produtivo e reprodutivo (doméstico e de cuidados) começa ainda na infância, conforme reflete a fala da Participante 1:

[...] assim plantar de tudo, as coisas assim, eu já aprendi desde criança, e..., era eu que sempre ia ajudar plantar cebola, alho, batatinha, amendoim, tudo que a gente produz assim para o consumo da gente é já desde criança [...] (P1, 49 anos).

Quando adultas, observamos que as mulheres rurais aperfeiçoam o que começaram a aprender desde pequenas ao terem acesso a novas informações. Nesse sentido, o MMC é apontado pelas participantes como um espaço que propicia tanto o aperfeiçoamento daquilo que elas já conhecem como a aprendizagem de novos conhecimentos técnicos.

A aquisição de novos conhecimentos leva a mudanças na vida profissional das mulheres. Isso é evidenciado por depoimentos que apontam diferenças percebidas nos estabelecimentos rurais de mulheres que participam e que não participam do MMC, conforme relata a Participante 3:

[...] eu vejo a transformação na vida das mulheres, como eu visito bastante famílias agricultoras aqui, busco sempre levar umas sementes, a gente sempre traz alguma coisa também, então eu vejo claramente a diferença na estruturação da propriedade que tem uma mulher que é participante do MMC e da mulher que não é. E não é uma questão de instrução, porque tem um caso aqui de uma mulher que é professora aposentada, professora de história, e ela está ali no campo e o espaço dela é só a horta, ela só planta a horta e o marido planta milho em tudo. E teve um ano que ela tentou plantar batata doce e o marido passa veneno, então era próximo do milho, ele passou veneno na batata dela, morreu tudo. Então vejo assim, uma conquista de espaço, de voz, de tomar decisões juntos: poxa, vou plantar batata doce aqui, vamos plantar batata doce aqui para comer, então não vamos passar veneno ali. Enfim, que é bem diferente, é uma diferença importante, de atitude, de espaço, de voz também, por mais que por aí nem todas consigam que os maridos ajudem a lavar a louça, já é outra coisa, mas assim de ter a possibilidade de pensar juntos o cultivo já é um passo muito grande [...] (P3, 29 anos).

Essa fala enfatiza mudanças que ocorrem a partir do desenvolvimento da capacidade de negociar e de tomar decisões na unidade familiar, que estão muito além da aprendizagem de práticas de trabalho.

As participantes também percebem diversas mudanças individuais a partir do engajamento ao MMC. Uma dessas mudanças diz respeito ao falar em público, conforme percebemos na fala da Participante 3:

“[...] eu comecei a participar nas formações, nos encontros aqui, de alimentação saudável e nossa... muito lindo né, aí eu comecei assim falando em público também, vários bloqueios que a gente vai quebrando [...]” (P3, 29 anos).

Cabe destacarmos sobre a questão de falar em público, que essa habilidade vem sendo desenvolvida no âmbito do MMC, pois há uma compreensão das dirigentes, conforme o estudo de Boni (2004BONI, Valdete. Poder e igualdade: as relações de gênero entre sindicalistas rurais de Chapecó, Santa Catarina. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, [s.n.], p. 289-302, 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/wHF7F6FnV5xnZ6GgcYyCTSR/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 18 ago. 2022.
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), de que o falar está associado à ideia de poder e a participação efetiva das mulheres em reuniões e espaços públicos, de uma forma geral. E que muitas mulheres têm dificuldades, porque foram socializadas para o espaço privado, ou seja, cuidar da casa, dos filhos e da lavoura.

Observamos ainda mudanças relacionadas à novas amizades, à troca de saberes, à aprendizagem sobre feminismo, ao encorajamento, ao impulso para sair de casa e a “ter voz” e reconhecimento. Nesse sentido, um elemento importante é o sentimento de ser forte enquanto mulher. A fala a seguir demonstra que esse sentimento é acompanhado pela capacidade de saber reivindicar e pela percepção do “saber fazer”:

[...] ver que a luta vale a pena, porque ali a gente aprende reivindicar, a gente aprende a ser forte enquanto mulher, isso me ajudou muito e todo o meu trabalho que eu tenho assim na propriedade, de meter a cara, do que a gente é capaz de fazer, isso tudo eu acho que a maioria do que eu... desse meu lado assim de lutar, de meter a cara veio, uma boa parte disso tudo eu consegui através do movimento, me fortalecer (P10, 51 anos).

As mudanças relacionadas ao sentimento de fortalecimento dentro da família e da comunidade e o saber falar em público também podem levar a outros elementos de fundamental importância para o processo de empoderamento: o reconhecimento da identidade e o sentimento de valorização social. Esses elementos resultam na percepção de que as mulheres não são somente as esposas de alguém, elas têm nome e características que transcendem o seu estado civil, conforme podemos notar no seguinte trecho da entrevista 8:

[...] dentro da família, dentro da comunidade, isso só me ajudou, só fortaleceu, porque mesmo assim, até que eu era uma pessoa mais tímida na época, falar em público, nem pensava, falar com microfone, menos ainda, e isso foi tudo através do Movimento, a gente foi adquirindo e daí assim por diante. E mesmo questão do nome: você é quem? Eu sou fulana, mulher de fulano. Não, você tem um nome. Então quem eu sou? Eu sou [...] e assim por diante. Então a gente foi aperfeiçoando sempre mais, cada dia que a gente participava era um conhecimento a mais que a gente tinha (P8, 71 anos).

Além de mudanças já mencionadas, destacamos o sentimento de autoconhecimento e valorização tanto das capacidades como da condição de ser mulher agricultora, de autovalorização do corpo e autoestima. Outro aspecto importante, presente na fala a seguir, refere-se à autonomia e ao desenvolvimento da capacidade de revolver problemas tanto relacionados a propriedade quanto aos filhos e a casa:

[...] com certeza teve mudança, no jeito de a gente ver as coisas, da gente falar, aquilo que eu disse de conseguir falar em público, de falar, mas falar o que é certo, não ir falar abobrinha também, e também o jeito de administrar a propriedade, de como lidar com os filhos, com os problemas que dá em casa, enfim, ajudou muito assim, mudou muito, e assim também a questão de perder a timidez, de estar se valorizando e de ver assim que a gente não é inferior ao outro por ser agricultura então nisso o movimento ajudou muito, que não é porque é agricultura que é inferior, [...] a gente tem que se valorizar pelo que a gente é, a gente tem limites, mas é capaz de muita coisa também [...]. E também essa valorização do corpo, de como se diz, de expor, mas não ser vulgar, de a gente valorizar o nosso corpo, de saber conversar, mas saber assim, como eu poderia colocar, que a gente não está usando um corpo, ter um corpo bonito também, mas não vulgar, nesse sentido que eu queria colocar (P5, 51 anos).

O autoconhecimento e a autoestima são essenciais na construção de conhecimentos emancipatórios. Boni (2013BONI, Valdete. Movimento de Mulheres Camponesas: um movimento camponês e feminista. Revista Grifos, Chapecó, v. 22, n. 34-35, p. 67-88, 2013. Disponível em: https://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/grifos/article/view/1259. Acesso em: 18 ago. 2022.
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), em um estudo com mulheres ligadas ao MMC, também constatou que a participação no movimento é muito significativa para estas mudanças, principalmente, como contraponto à ideia generalizada, de senso comum, de que mulheres agricultoras seriam “atrasadas”.

Cabe dizer ainda que as mudanças individuais aqui mencionadas têm relação com a perspectiva feminista adotada pelo MMC no desenvolvimento das práticas coletivas.

Além das mudanças profissionais e individuais, a questão da gestão e uso do tempo foi outro tema que emergiu como importante para as entrevistadas em função da divisão sexual do trabalho. A gestão do tempo aparece nas falas como algo importante para a saúde mental das mulheres e bem-estar físico. Também observamos uma ênfase na importância de organizar o tempo e as atividades para conseguir sair de casa e participar de atividades do Movimento associada a uma crítica a outras mulheres que não possuem essa percepção, uma vez que, isso tem causado a pouca participação de mulheres rurais no movimento social.

Já as mudanças no cuidado com a saúde refletem o entendimento das participantes sobre as novas formas de produzir, essencialmente sem agrotóxicos. Para as mulheres do MMC, a alimentação saudável está relacionada com uma luta maior, política, que envolve a soberania alimentar (BONI, 2012BONI, Valdete. De agricultoras a camponesas: o movimento de Mulheres Camponesas de Santa Catarina e suas práticas. 2012. Tese (Doutorado em Sociologia Política) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/100720/310923.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 18 ago. 2022.
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; GASPARETO; COLLET, 2013GASPARETO, Sirlei A. K.; COLLET, Zenaide. Movimento de Mulheres Camponesas em Santa Catarina: em busca de uma Pedagogia Camponesa e Feminista. Revista Grifos, Chapecó v. 22, n. 34/35, p. 17-36, 2013. Disponível em: https://pegasus.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/grifos/article/view/2466/1467. Acesso em: 18 ago. 2022.
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). Além disso, no cotidiano, Gaspareto e Collet (2013GASPARETO, Sirlei A. K.; COLLET, Zenaide. Movimento de Mulheres Camponesas em Santa Catarina: em busca de uma Pedagogia Camponesa e Feminista. Revista Grifos, Chapecó v. 22, n. 34/35, p. 17-36, 2013. Disponível em: https://pegasus.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/grifos/article/view/2466/1467. Acesso em: 18 ago. 2022.
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) explicam que a conscientização da importância de seu trabalho e da produção diversificada de alimentos saudáveis envolve a luta para conquistar, em sua unidade de produção, um pedaço de terra adequado para o cultivo, fértil e de fácil acesso. Além de mudanças na forma de alimentar-se, a agricultura agroecológica exige mudanças na forma de organização da unidade de produção e novas relações entre as pessoas e com o ambiente. E, é a partir das experiências que as mulheres conseguem interpretar a exploração do sistema capitalista e a dominação patriarcal e machista que perpassa as relações.

Assim, entendemos que a exploração do sistema capitalista e a dominação patriarcal são fatores que prejudicam às mulheres quanto à saúde mental. A sobrecarga de trabalho, conforme identifica Marin Herrera (2019), inviabiliza, entre outros aspectos, o tempo das mulheres para cuidarem de si, da saúde mental e do lazer, geralmente, dedicando o pouco tempo livre aos filhos.

3.3 Mudanças de vida (querer)

Esta categoria de análise diz respeito às mudanças relacionadas às escolhas das mulheres graças ao conhecimento adquirido, ao aumento da confiança em si mesmas e a autovalorização. O “querer”, na perspectiva humana e cidadã, diz respeito à aprendizagem. Trata-se do decidir e desejar aprender (SATUR; SILVA, 2020SATUR, Roberto Vilmar; SILVA, Armando Malheiro da. A aprendizagem visando a competência em informação na sociedade em tempos de infoesfera. Perspectivas em Gestão & Conhecimento, João Pessoa, v. 10, [número especial], p. 2-22, mar. 2020. Disponível em: https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/126772/2/391126.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
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) pois não existe aprendizagem a força. Além disso, o “querer fazer” está relacionado com o conjunto de aspectos motivacionais responsáveis ​​por se a pessoa deseja ou não realizar algo. São fatores de natureza interna e/ou externa à pessoa (DULZAIDES IGLESIAS; MOLINA GÓMEZ, 2007DULZAIDES IGLESIAS, María Elinor; MOLINA GÓMEZ, Ana María. La competencia informacional: concepción relevante a considerar en la Educación Superior. Medisur: Revista Electrónica de las Ciencias Médicas en Cienfuegos, [s.l], v. 5, n. 1, p. 44-47, 2007. Disponível em: http://medisur.sld.cu/index.php/medisur/article/view/236. Acesso em: 18 ago. 2022.
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).

Nesse sentido, enfatizamos mudanças no ambiente doméstico (trabalho doméstico e de cuidados, relação com marido, filhos), bem como na percepção de liberdade e autonomia das participantes.

O trabalho doméstico envolve, de acordo com Fougeyrollas-Schwebel (2009, p. 257) um “conjunto de tarefas relacionadas ao cuidado de pessoas e que são executadas no contexto da família - domicílio conjugal e parentela - envolvendo o trabalho gratuito realizado essencialmente por mulheres”. De acordo com dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE, 2020), as mulheres rurais são as que mais dedicam horas de trabalho às atividades domésticas e de cuidados em comparação aos homens rurais e às mulheres urbanas, embora também desenvolvam atividades produtivas.

Para Biroli e Miguel (2014BIROLI, Flávia; MIGUEL, Luiz Felipe. Feminismo e política. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014. (E-book)., não paginado), “relações mais justas na vida doméstica permitiriam ampliar o horizonte de possibilidades das mulheres, com impacto em suas trajetórias pessoais e suas formas de participação na sociedade”.

As falas das mulheres engajadas no MMC refletem mudanças na realização das tarefas domésticas a partir da mudança de pensamento e atitude. Para elas, as mudanças só ocorrem se as próprias mulheres modificam sua forma de reflexão e ação acerca da divisão sexual do trabalho, conforme vemos no seguinte trecho:

[...] a gente vê que tem outras mulheres que não conseguem nem sair de casa por causa que os homens não conseguem fazer o trabalho [...]. [...] uma vez eu estava em Chapecó numa reunião do movimento de mulheres e várias pessoas se via que estavam cansadas que na noite anterior tiveram que deixar tudo pronto, então a gente fez essa reflexão, que não é necessário, que eles também são capaz e a gente vê que eles fazem, que eles são capazes de fazer e se a gente não está junto eles fazem com mais vontade, eles assumem mais eu quero dizer se sobra para eles e eles tem que fazer, então eu fui vendo que eles fazem, são capazes de fazer e fui deixando, eu fui vendo que eu não preciso me preocupar tanto também, eu tenho que confiar neles, tanto meu companheiro como meu filho, eu tenho que confiar que eles são capaz de fazer e se eles querem comer ou querem comer uma coisa ou outra eles tem que pensar que eles têm que fazer e fui deixando e vi que é possível, eu posso sair tranquila. Ano passado eu fiquei... deu mais de 15 dias em que fui a Brasília [...] e eles deram conta, fizeram, então eu confio que eles fazem (P5, 51 anos).

Outra mudança importante em relação a essa discussão refere-se ao uso da palavra “ajuda”:

[...] a gente acostuma que não deve usar a palavra ajuda, eles não me ajudam, eles fazem a parte deles, mas ainda a maior parte vem do movimento de mulheres, dos debates que a gente fala sobre o feminismo, a importância de estar dividindo o trabalho doméstico, porque só um fazer? E como eu não fico só no trabalho doméstico, eu estou ajudando na lavoura, estou ajudando na produção, na colheita, a comercializar, então eles também têm que fazer a parte deles (P5, 51 anos).

Percebemos assim, que as mulheres passam a questionar a sua condição de vulnerável aos outros membros da família. Elas relatam o desenvolvimento da capacidade de perceber o “o certo do errado”, ou o que é justo ou injusto. Questionar a sua condição social lhe permite fazer escolhas. E, uma dessas escolhas, de acordo com elas, é a de não reproduzir dentro da família os estereótipos de gênero. Para estas mulheres, a educação dos filhos tem que ser pensada de modo que não reproduza as desigualdades de gênero.

Com base nessas colocações, podemos dizer que a percepção da necessidade de dividir as tarefas no âmbito familiar e a capacidade de dialogar causaram mudanças importantes na vida dessas mulheres.

Da mesma forma, a percepção de liberdade e autonomia, conforme Kleba e Wendausen (2009KLEBA, Maria Elisabeth; WENDAUSEN, Agueda. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733-743, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v18n4/16.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
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), é resultado da mudança de mentalidade das mulheres a partir da percepção da própria força, ou seja, do empoderamento. Nas falas das participantes, a percepção de liberdade aparece, comumente, associada ao “sair de casa” por significar um enfrentamento a estrutura patriarcal. Já a autonomia pode ser percebida em distintas situações relacionadas ao desejo de mudar, de ter uma vida própria, de ter mais poder de decisão na vida cotidiana, entre outros.

Constatamos ainda que a competência em informação também contribui para o aumento da autonomia à medida que gera sentimentos de segurança, otimismo e confiança (GASQUE, 2013GASQUE, Kelley Cristine Gonçalves Dias. Competência em Informação: conceitos, características e desafios. AtoZ: Novas Práticas em Informação e Conhecimento, Curitiba, v. 2, n. 1, p. 5-9, 2013. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/atoz/article/viewFile/41315/25246. Acesso em: 18 ago. 2022.
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).

3.4 Atuação sociopolítica e cidadania (poder)

As ideias de participação social e política, bem como, cidadania enlaçam as falas analisadas nesta categoria. Conforme Kleba e Wendausen (2009KLEBA, Maria Elisabeth; WENDAUSEN, Agueda. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733-743, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v18n4/16.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
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), a participação é viabilizada pelo empoderamento grupal e político. Os espaços de participação social e política, na visão dessas autoras, constituem estruturas mediadoras de processos de empoderamento, facilitando a superação de conflitos, a ressignificação das relações sociais, a revisão de papéis e de sentidos na produção da vida cotidiana. Além disso, as mulheres coletivamente desenvolvem competência para participar da vida em sociedade, o que inclui habilidades e pensamento reflexivo que qualificam a ação política.

Esses aspectos citados por Kleba e Wendausen (2009KLEBA, Maria Elisabeth; WENDAUSEN, Agueda. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733-743, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v18n4/16.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
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) emergiram nas falas das participantes desta pesquisa. No âmbito do MMC, observamos que as mulheres recebem estímulos à participação em ambientes coletivos. A maioria delas já atuou como monitora, algumas foram representantes regional, outras se envolvem, frequentemente, na organização de oficinas e seminários, atividades estas que lhes exige muito mais do que ser meras espectadoras. É perceptível que a participação ativa nas atividades coletivas aumenta a coragem e a autoconfiança das mulheres, bem como, contribui para o desenvolvimento das habilidades de falar em público.

Além disso, as mulheres assumem o compromisso de transmitir as outras o que aprendem dentro do movimento. Em falas como a da Participante 7, notamos que elas entendem que o conhecimento teórico e prático precisa ser repassado para que todas se beneficiem: “[...] a gente não segura o conhecimento só para a gente, a gente passa né, a gente troca ideias, experiências, ensina outras pessoas também” (P7, 54 anos).

Coletivamente, as mulheres rurais se apoiam umas nas outras, o que, juntamente com o sentimento de pertencimento e os conhecimentos adquiridos, as leva a assumir novas funções não somente dentro do MMC, mas em outros espaços sociais. Essa participação em organizações sociais, comunitárias ou estruturas mediadoras, como grupos de vizinhança, igrejas, entidades de serviços etc. também é importante, pois, nelas, se oferecem oportunidades para adquirir novas ferramentas, desenvolver um sentido de confiança e de comunidade e melhorar a vida comunitária (SILVA; LORETO MARTÍNEZ, 2004SILVA, Carmen; LORETO MARTÍNEZ, María. Empoderamiento: proceso, nivel y contexto. Psykhe, Santiago, v. 13, n. 2, p. 29-39, 2004. Disponível em: https://www.scielo.cl/scielo.php?pid=S0718-22282004000200003&script=sci_arttext. Acesso em: 18 ago. 2022.
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).

Além dessas organizações sociais, as mulheres engajadas no MMC relataram ainda o envolvimento em sindicatos, cooperativas de crédito, grupos de pequenos agricultores etc. Localmente, essa participação se reflete em relações de poder mais igualitárias e uma forma de fazerem política, de terem visibilidade e representatividade, diferente, contudo, da participação nos espaços políticos formais.

No que diz respeito ao exercício da cidadania, as participantes da pesquisa demonstraram compreender a importância de reivindicarem seus direitos civis e sociais. As reivindicações, no âmbito do MMC, giram em torno de várias questões relacionadas a aposentadoria, a liberdade, a manutenção dos direitos sociais adquiridos, a igualdade de gênero, ao racismo, a saúde e a não privatização do que é público.

As lutas propriamente ditas, ocorrem por meio de mobilizações, caminhadas, seminários, oficinas, discussões com representantes dos governos. Dentro do movimento, as participantes desenvolvem consciência sobre a sua posição social e política, o que lhes permite refletir criticamente sobre as desigualdades e lutar por mudanças.

Uma das reflexões críticas que nos chamou a atenção refere-se à participação formal das mulheres na política:

[...] falta muito para ter igualdade, uns dizem que não precisaria mais lutar, mas com certeza para a igualdade falta muito, desde olhar agora na política, o direito é 30% e às vezes não tem esses 30% de candidatas, se fosse olhar um direito certo teria que ser 50% dos eleitos né. Então a nossa igualdade está longe de ser igualdade de gênero, porque as candidatas são para puxar voto para eles, porque o mais votado quem tem mais, o partido dá bem mais condição para uns candidatos e geralmente são os homens, então eles têm mais condição de fazer campanha, mais tempo na mídia, então eles se elegem, se fosse direitos iguais teria que ser 50% dos vereadores homem e 50% mulher, não seria mais justo? (P5, 51 anos).

Essa fala faz referência a Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009 (BRASIL, 2009) que tornou obrigatório o preenchimento do percentual mínimo de 30% para candidaturas femininas. Por outro lado, a Participante 3 observa que não basta que as mulheres tenham esse direito garantido nos processos eleitorais se elas estão ali apenas para contar como números em um espaço que ainda é predominantemente masculino:

[...] É que assim, em outras instâncias eu senti bastante isso, que as vezes me chamavam por eu ser mulher. Então hoje como tu vê na política, [...] o sexo faz com que a pessoa seja convocada para cumprir uma tabela de participação feminina [risos]. Aí é complicado, [...] se tu está chamando qualquer mulher só porque é mulher para aparecer lá, sendo que, hoje, olha para a política, essas mulheres nem participaram das discussões do partido [...] (P3, 29 anos).

Ainda de acordo com essa entrevistada, para participarem de forma efetiva na política com resultados transformadores, as mulheres precisam compreender e atuar sobre as desigualdades de gênero com um olhar feminista, olhar que vem sendo construído dentro do movimento social:

[...] a gente está trazendo uma forma de relacionar, uma forma entre sociedade, entre família e com a terra que é a forma feminista que precisa tomar força e tomar a vez, precisa de pessoas que tenham o feminismo correndo nas veias e como necessidade real de transformação né. Que não levem só discurso né, que levem a bandeira junto assim, então é uma voz que falta, uma voz que falta (P3, 29 anos).

Isso é relevante pois, conforme Gohn (2011GOHN, Maria da Glória. Movimientos sociales en la contemporaneidad. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 47, p. 333-361, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/vXJKXcs7cybL3YNbDCkCRVp/?format=pdf⟨=p. Acesso em: 18 ago. 2022.
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), a participação das mulheres no contexto político não é apenas para ocupar espaços antes dominados por representantes de interesses econômicos, encravados no Estado e seus aparelhos. A importância se faz para democratizar a gestão pública, para inverter as prioridades das administrações no sentido de políticas que as atendam.

Com base nessas análises, o sentimento de cidadania e a participação sociopolítica das mulheres no contexto estudado podem ser percebidos quando elas mencionam, por exemplo, as lutas por direitos, as mudanças no ambiente familiar, a participação delas no MMC, como monitoras, dirigentes, a participação em grupos comunitários, em sindicatos e cooperativas, onde elas assumem o posto de coordenadoras, de conselheiras, de gestoras, ou até mesmo na igreja, como ministras da eucarística dentre outras funções. A cidadania implica uma ideia de igualdade e equilíbrio de poder entre os iguais.

Quando essas mulheres procuram a interação social com pessoas da rede de convívio para solucionar as necessidades informacionais, compartilham informações e experiências com essa rede, são solidárias e ajudam de diferentes formas outras pessoas, utilizam a informação para sensibilizar-se de seus deveres e direitos na sociedade e lutar pela construção da cidadania, participando da esfera social, elas estão desenvolvendo a dimensão política da competência em informação, conforme apontam De Lucca e Vitorino (2020).

3.5 Princípios para o desenvolvimento da competência em informação em informação de mulheres rurais

A análise dos dados apresentados revelou alguns aspectos e problemáticas importantes relacionadas ao empoderamento das participantes da pesquisa e ao desenvolvimento da competência em informação.

Constatamos que a competência em informação das mulheres rurais deve abarcar as habilidades para buscar, avaliar, interpretar e comunicar as informações em distintos suportes informacionais. Essa afirmação decorre das seguintes observações:

  • a) elas costumam buscar informações em diversas fontes para satisfazer suas necessidades informacionais: rádio; televisão; Internet; mídias sociais (WhatsApp, Facebook, Youtube); contato e troca de experiências com outras pessoas; informativos; livros; sindicatos; órgãos de assistência aos produtores rurais; associações de agricultores; e, redes de apoio à produção;

  • b) elas sabem da importância de avaliar a credibilidade das informações e tem medo dos prejuízos causados pelas fake News, mas a maioria revelou não ter clareza dos critérios para avaliar as informações;

  • c) elas demonstram ter percepção crítica sobre a manipulação informacional que ocorre, principalmente, nos telejornais sob o enfoque político, mas não demonstram compreensão das estruturas de poder que envolvem a produção e disseminação das informações;

  • d) elas utilizam telefones celulares, Internet e mídias sociais para acessar informações e se comunicar com outras pessoas e grupos do seu interesse, mas o fazem com limitações;

  • e) a maioria das participantes revelou necessitar de ajuda de outras pessoas (filhos, netos, companheiras do MMC) para avaliar, interpretar e comunicar informações por meio das TIC e mídias sociais; e,

  • f) a falta de habilidades para usar as TIC e avaliar a informação limita o ato de usar serviços online, que poderiam facilitar tarefas diárias, o exercício da cidadania digital, que já é realidade no Brasil, o uso de ambientes virtuais de aprendizagem, cuja importância foi mencionada pela participante mais jovem, e o compartilhamento de informações.

Compreendemos também que o processo de competência em informação deve ser pautado em valores como respeito, solidariedade e igualdade para que conduza ao empoderamento coletivo das mulheres rurais, a exemplo do que ocorre nas práticas desenvolvidas no interior do MMC de Santa Catarina.

Outro ponto importante a se destacar diz respeito às atitudes e comportamentos informacionais das participantes da pesquisa que sustentam o processo de empoderamento:

  • a) elas mantêm-se informadas e vigilantes, principalmente, sobre as questões que as afetam como política, saúde, condições de trabalho, mudanças nos direitos conquistados etc.;

  • b) buscam por informações e conhecimentos para satisfazer necessidades do cotidiano e para aprimorar as práticas que elas já realizam;

  • c) buscam constante aprender novos conhecimentos;

  • d) assumem o compromisso de compartilhar os conhecimentos adquiridos com as outras mulheres e com os membros da família;

  • e) assumem o compromisso de não reproduzir informações e condutas que dão sustentação as desigualdades e estereótipos de gênero no âmbito familiar;

  • f) elas têm a atitude de pedir a ajuda de outras pessoas (filhos, netos) para usarem as TIC, buscarem e avaliarem as informações que circulam nas mídias sociais quando há dúvidas;

  • g) não compartilham informações cuja origem e veracidade é desconhecida, já que elas não têm as habilidades necessárias para avaliar;

  • h) participam de diversos espaços sociais (comunidade em que vivem, grupos religiosos, grupos de mães, grupos de idosos, sindicatos, cooperativas de crédito, grupos de pequenos agricultores, MMC etc.) nos quais elas consideram que aprendem, ensinam, fazem novas amizades, se divertem e exercem a cidadania quando assumem cargos de poder e decisão; e,

  • i) demonstram interesse pela participação política e pelo desenvolvimento da consciência crítica.

No caso das participantes da pesquisa, essas atitudes e comportamentos foram desenvolvidos, principalmente, por meio do engajamento no MMC, ou seja, de forma coletiva. Com base nisso, observamos que elas são fundamentais para o empoderamento e, por isso, devem ser incentivadas ou desenvolvidas por meio de ações e programas de competência em informação com mulheres.

De modo que a competência em informação contribua efetivamente à transformação da realidade social das mulheres rurais, propomos alguns princípios básicos para o desenvolvimento desse processo, dispostos na Figura 1.

Figura 1
Princípios para o desenvolvimento da competência em informação em informação de mulheres rurais sob a perspectiva do empoderamento

O primeiro princípio se refere às técnicas de ensino e aprendizagem adotadas para desenvolver a competência em informação das mulheres rurais. Ao observamos a forma como a aprendizagem ocorre no interior do MMC, bem como, as teorias de Bruce (2015BRUCE, Christiane Susan. Information literacy: understanding peoples' information and learning experiences. In.: INTERNATIONAL SCIENTIFIC CONFERENCE “WESTERN BALKAN INFORMATION LITERACY”, 12., 2015, Bihać. Anais eletrônicos... Bihać: Kantonalna I Univerzitetska Biblioteka BIHAĆ, p. 11-16, 2015. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/RatkoKnezevic/publication/328902244_PROCEEDINGS_12th_INTERNATIONAL_SCIENTIFIC _CONFERENCE_WESTERN_BALKAN_INFORMATION_LITERACY_ZBORNIK_RAD OVA_XI_MEDUNARODNE_NAUCNE_KONFERENCIJE_INFORMACIJSKA_PISMEN OST_NA_ZAPADNOM_BALKANU/links/5bea98a2a6fdcc3a8dd20ea4/PROCEEDINGS12th-INTERNATIONAL-SCIENTIFIC-CONFERENCE-WESTERN-BALKANINFORMATION-LITERACY-ZBORNIK-RADOVA-XI-MEDUNARODNE-NAUCNEKONFERENCIJE-INFORMACIJSKA-PISMENOST-NA-ZAPADNOM-BALKANU.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
https://www.researchgate.net/profile/Rat...
), Lloyd (2010LLOYD, Annemaree. Framing information literacy as information practice: site ontology and practice theory. Journal of Documentation, Reino Unido, v. 66, n. 2, p. 245-258, 2010. Disponível em: https://www.emeraldinsight.com/doi/pdfplus/10.1108/00220411011023643. Acesso em: 18 ago. 2022.
https://www.emeraldinsight.com/doi/pdfpl...
, 2012) e Dudziak (2011DUDZIAK, Elisabeth Adriana. Em busca da pedagogia da emancipação na educação para a competência em informação sustentável. Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação, Campinas, v. 9, n. 1, p. 66-183, jul./dez. 2011. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rdbci/article/view/1925/pdf_8. Acesso em: 18 ago. 2022.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
), podemos dizer que a competência em informação de mulheres rurais, sob a perspectiva do empoderamento, deve ser desenvolvida por meio de: mediação da informação com o estímulo à reflexão crítica; troca de experiências entre elas; e, atividades práticas (oficinas, palestras, encontros) que as estimulem a sair da sua posição de conforto e que conduzam à autopercepção e à autovalorização. Em conjunto, essas técnicas resultam na aprendizagem de novos conhecimentos e em mudanças na forma de pensar e agir sobre os problemas e as desigualdades, tanto na esfera privada quanto na pública.

O segundo princípio diz respeito a atenção que se deve dar às condições físicas do ambiente onde as mulheres rurais serão recebidas. No caso das participantes da pesquisa, elas não estão habituadas a frequentar espaços formais de aprendizagem, como uma biblioteca por exemplo. Há que se considerar que, talvez, este espaço não seja o ambiente que mais lhes proporcione conforto. Geralmente, elas se sentem bem em espaços que elas mesmas organizam. Evidentemente, isso vai depender das características de cada grupo de mulheres, mas esse acolhimento pode representar a obtenção de melhores resultados de aprendizagem. Além disso, reiteramos que o ambiente de realização de ações ou programas de competência em informação com mulheres rurais deve comportar a execução de atividades práticas de forma coletiva.

O terceiro princípio refere-se à utilização de uma abordagem teórico-prática de competência em informação para o empoderamento de mulheres rurais que seja contextual, aberta, evolutiva, fundamentada no feminismo e direcionada a qualificar a ação das mulheres rurais nas quadro dimensões propostas por Vitorino e Piantola (2020): técnica (acesso à informação e uso das TIC); estética (autoconhecimento, autoestima e solidariedade); ética (pensamento crítico); e, política (cidadania e participação política).

A contextualização se faz essencial no desenvolvimento da competência em informação de mulheres rurais em função da necessidade de compreendermos e considerarmos, em ações e programas, as relações de poder e os aspectos socioculturais. Isso significa que profissionais da informação e educadores, ou outros profissionais interessados em desenvolver a competência em informação das mulheres rurais sob a perspectiva do empoderamento, devem se dedicar em conhecer esses aspectos, sendo especialmente sensíveis às questões de gênero. É preciso levar em conta que as desigualdades de gênero e o machismo, ainda muito enraizado no contexto rural, podem ser obstáculos ao desenvolvimento da competência em informação das mulheres rurais, mesmo quando elas têm acesso à informação.

A cultura, os valores, as expectativas e necessidades de vida do grupo de mulheres também precisam ser conhecidos. Trata-se, de acordo com Bruce (2008BRUCE, Christine Susan. Informed learning: realising the potential of the information society in our 21st century world. In.: INTERNATIONAL CONFERENCE ON LIBRARIES, INFORMATION AND SOCIETY (ICoLIS). 2008, Malaya. Anais eletrônicos […]. Malaya: University of Malaya, 2008. p. 1-12. Disponível em: https://eprints.qut.edu.au/17990/1/c17990.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
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), de estar cientes de como as pessoas, em determinado contexto, experimentam os aspectos do mundo sobre os quais estão aprendendo. Saber como se constitui a informação para diferentes grupos e suas experiências de uso, é indispensável para ajudar seus membros a se tornarem competentes em informação, dado que, como percebemos nesta pesquisa, não se pode partir do pressuposto de que as noções de liberdade, autonomia, capacidade e agência sejam universais (SAMPER-ERICE; CHARÃO-MARQUES, 2017SAMPER-ERICE, Adriana; CHARÃO-MARQUES, Flávia. Mulheres camponesas, discursos e práticas para outro desenvolvimento. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 25, [s.n.], p. 683-705, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/hTrZW9s88WnzkRgV7TwP9Xh/?lang=pt. Acesso em: 18 ago. 2022.
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). Para o grupo de mulheres engajadas no MMC, por exemplo, a liberdade está associada ao poder sair de casa com tranquilidade e ao poder fazer escolhas. Os cuidados com a saúde estão associados a um entendimento político de enfrentamento ao sistema de produção capitalista. Estes exemplos elucidam que com outro grupo de mulheres rurais, que não participam de um movimento social, essas características contextuais podem ser completamente distintas.

Esses fatores são mutáveis, o que justifica nossa argumentação sobre uma abordagem, que além e contextual, seja aberta e evolutiva. Uma abordagem com essas características também resultará em uma aprendizagem mais atrativa às mulheres. Nesse sentido, acrescentamos que programas de competência em informação podem ser contextualizados em termos de casa, família, comunidade, direitos sociais e civis, bem como incorporar o uso das tecnologias e de mídias sociais, que apareceram tanto na revisão de literatura quando na análise empírica como necessidade das participantes da pesquisa.

A necessidade de uma abordagem feminista e direcionada a qualificar a ação se justifica em função do empoderamento, que segundo diversas autoras (SAFFIOTI, 2014SAFFIOTI, Heleieth. B. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2014.; CONNELL, 2014CONNELL, Raewyn. Questões de gênero e justiça social. Século XXI: Revista de Ciências Sociais, [s.l], v. 4, n. 2, p. 11-34, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/seculoxxi/article/view/17033/10322. Acesso em: 18 ago. 2022.
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; BERTH, 2019BERTH, Joice. Empoderamento. São Paulo: Pólen, 2019.; KLEBA; WENDAUSEN, 2009KLEBA, Maria Elisabeth; WENDAUSEN, Agueda. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733-743, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v18n4/16.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
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) é importante a qualquer mulher submetida a sistemas opressivos e desiguais. Além disso, compreendemos que a associação entre competência em informação e empoderamento precisa existir para que esta competência se constitua em um processo capaz de ajudar as mulheres a desafiarem ideologias que justificam a desigualdade social, mudarem os padrões prevalentes de acesso e controle sobre os recursos econômicos, naturais e intelectuais e transformarem as instituições e estruturas que reforçam e sustentam estruturas de poder existentes (família, Estado, mercado, educação, meios de comunicação, etc.) (BATLIWALA, 2007BATLIWALA, Srilatha. Taking the power out of empowerment: an experiential account. Development in Practice, Londres, v. 17, n. 4-5, p. 557-565, Ago. 2007. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/25548253?seq=1#metadata_info_tab_contents. Acesso em: 18 ago. 2022.
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).

O quarto e último princípio é observar as diretrizes para construção de programas de competência em informação promulgadas pela United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), disponíveis no documento elaborado por Grizzle et al. (2016GRIZZLE, Alton et al. Alfabetização midiática e informacional: diretrizes para a formulação de políticas e estratégias. Brasília, DF: UNESCO, 2016. Disponível em: https://nic.br/media/docs/publicacoes/8/246421POR.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
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), pela da International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) no documento de Lau (2008LAU, Jesús. Diretrizes sobre Desenvolvimento de Habilidades em Informação (DHI) para a Aprendizagem Permanente. Tradução para o português por Regina Célia Baptista Belluzzo. Bauru: FEBAB, 2008. Disponível em: https://www.ifla.org/wp-content/uploads/2019/05/assets/information-literacy/publications/ifla-guidelines-pt.pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
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) e pela Federação Brasileira das Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições (FEBAB) por meio do Manifesto de Florianópolis (2013) considerando, principalmente, os seguintes pontos: seguir um plano de ação com passos que ajudarão a desenvolver ideias cerca do que se deseja e como se pretende alcançar os objetivos; conhecer os componentes de desenvolvimento de habilidades informacionais e familiarizar-se com estas teorias de aprendizagem para desenvolver técnicas de ensino efetivas; monitorar e avaliar a aprendizagem; incluir nos programas o uso de TIC e mídias sociais; e, considerar o princípio de igualdade de gênero, diretamente vinculado a justiça social.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao considerarmos a competência em informação e as experiências que constituem as mulheres rurais engajadas no Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) de Santa Catarina, bem como aspectos que emergem das falas relacionados a outros espaços e grupos sociais dos quais elas participam, percebemos como se dá o acesso à informação, as mudanças profissionais, subjetivas e de vida ocorridas a partir dos novos conhecimentos adquiridos e alguns aspectos da atuação sociopolítica das mulheres rurais.

Com base nessas percepções, concluímos que a competência em informação contribui para minimizar algumas vulnerabilidades a que as mulheres rurais estão expostas por contribuir ao processo de empoderamento (individual e coletivo) e por qualificar a ação dessas mulheres enquanto agentes de mudanças.

Acreditamos que a metodologia empregada na realização desta pesquisa, com as devidas adequações, pode ser utilizada em outros contextos, com outros grupos de mulheres rurais, em função das características de vida semelhantes e na América Latina.

Recomendamos que profissionais da informação e outros educadores mobilizem esforços - ações e programas de competência em informação - para incluir as mulheres rurais à sociedade da informação e do conhecimento, atentando-se às condições e princípios aqui propostos. Além disso, enfatizamos a necessidade de governos criarem indicadores de monitoramento e políticas públicas para o desenvolvimento da competência em informação que contemplem desde a melhoria da infraestrutura de acesso à internet nas áreas rurais até a implementação de uma rede de bibliotecas públicas, com bibliotecários, para atender de forma gratuita as necessidades informacionais e tecnológicas das pessoas, de modo que estas sejam devidamente incluídas à sociedade da informação e do conhecimento.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), Código de Financiamento 001, para a realização de doutorado sanduiche na Espanha.

REFERÊNCIAS

  • 1
    A divisão sexual do trabalho é, de acordo com Hirata e Kergoat (2007, p. 599) “a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente” e ainda é um obstáculo para a igualdade de gênero, uma vez que as mulheres são tidas como responsáveis pelo trabalho reprodutivo. Isso impacta sua vida cotidiana, porque é sobre elas que recaem as tarefas domésticas e de cuidados familiares. A divisão sexual do trabalho influencia também no acesso e nas oportunidades de ascensão profissional (FONTOURA; ARAÚJO, 2016).
  • 2
    A Via Campesina é um movimento internacional que reúne milhões de camponeses, pequenos e médios agricultores, mulheres e jovens rurais, indígenas e trabalhadores agrícolas de todo o mundo. Construída sobre um sentido de unidade e solidariedade entre esses grupos, defende a agricultura camponesa para a soberania alimentar como forma de promover a justiça e a dignidade social e se opõe fortemente à agricultura corporativa que destrói as relações sociais e a natureza (LA VIA CAMPESINA, 2019).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2022
  • Aceito
    22 Jun 2023
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