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Ensino médico: o que sabemos?

DEBATES

Ensino médico: o que sabemos?

Maria Cristina Iwama de Mattos

Professora do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da UNESP, campus de Botucatu. Membro da Comissão de Apoio Pedagógico

De acordo com os fatos históricos, o treinamento profissional no ensino médico começou com o aprendizado informal sob orientação de um médico prático. A relação mestre-discípulo é o meio pelo qual os docentes de uma Faculdade de Medicina adquirem, usualmente, suas habilidades em ensino.

Passamos das tutorias da época de Sócrates (469-399 a.C.), quando pelo questionar estimulava seus alunos a descobrir respostas a suas próprias perguntas, para a época das aulas magistrais, necessária devido ao aumento crescente de alunos desejosos de se tornarem médicos.

Na maioria das escolas médicas tem predominado o "método tradicional de ensino", centrado, principalmente, no professor. Atualmente, tem-se enfatizado a necessidade da prática de um ensino mais centrado no aluno.

Programas de formação de professores têm sido introduzidos em algumas escolas médicas, com o intuito de atualizar o ensino, adaptando-o às rápidas modificações que o mundo vem sofrendo nestes últimos anos, em decorrência das revolucionárias descobertas da ciência.

A tendência atual em métodos avançados de ensino, empregados nas escolas mais inovadoras, é o ensino e o aprendizado centrado no aluno, ou seja, a busca do conhecimento feita pelo próprio aluno; o auto-aprendizado facilitado pelo ensino em pequenos grupos e assistido por computadores, propiciando o desenvolvimento da auto-avaliação.

A Educação Médica tem-se modificado através dos anos. Desde 1910, com a publicação do relatório Flexner (Flexner, 1910), que teve como conseqüência, reforço das disciplinas das ciências básicas, e a autonomia para a pesquisa, até os anos cinqüenta, quando as escolas médicas, principalmente as americanas, iniciaram o processo de inovação curricular. Durante os anos setenta, houve um movimento com o propósito de modificar a estrutura de preparação de profissionais da saúde nas Américas, focalizando, particularmente, o atendimento de saúde voltado para a comunidade. Assim sendo, a educação médica teve de ser repensada tendo em vista as necessidades da sociedade e o preparo de novos médicos com conhecimento e habilidades articulados aos novos desafios.

O processo de inovação curricular como vemos, não é um fato atual. Iniciado há mais de trinta anos, é um processo dinâmico, contínuo e articulado às constantes e rápidas modificações que ocorrem no mundo. Devemos lembrar que, quando estamos formando, hoje, os profissionais do próximo século, eles devem estar preparados para enfrentar as necessidades do futuro e não do passado.

A participação das Américas no processo de transformação da educação médica é bem documentada no livro "Educação Médica nas Américas - o desafio dos anos 90" (Chaves e Reis, 1990). Vemos que a Federação Pan-Americana de Faculdades e Escolas de Medicina (FEPAFEM), preocupada com o ensino em nossas escolas, aprovou a proposta de Mário Chaves quanto à participação ativa das Américas na Conferência Mundial de Educação Médica em Edinburgh, em 1988 (Walton, 1993a). Para tanto, prepararam uma análise criteriosa da situação da educação médica em nosso continente, o que deu origem ao Projeto EMA - Educação Médica nas Américas - (Chaves e Reis, 1990). Como as Américas, outros continentes e grandes regiões do mundo prepararam suas respectivas análises para serem discutidas na Conferência Mundial sob responsabilidade da Federação Mundial de Educação Médica (WFME). Os resultados desta reunião contribuíram, fundamentalmente, para a elaboração dos princípios constantes da Declaração de Edimburgo (Walton, 1993a, 1994b), princípios estes que têm norteado todo o movimento de transformação e inovação de educação médica em várias escolas médicas.

A Conferência Mundial em Atendimento Primário de Saúde, patrocinada pela Organização Mundial de Saúde em Alma Ata (1978), estabeleceu o programa global de "Saúde para todos no ano 2000" (WHO, 1993, 1994). A Conferência Mundial de Educação Médica, sob responsabilidade da Federação Mundial de Educação Médica (WFME), em 1988; a World Summit on Medical Education, em 1993, foram eventos culminantes na Educação Médica em termos mundiais.

Nas Américas, o projeto EMA, apoiado pela Fundação Kellogg, foi a mola propulsora do processo de transformação em nossas escolas. As conseqüências e influências deste processo se fazem sentir hoje nos 23 projetos UNI da América Latina (Kisil e Chaves, 1995), em que a preocupação com a implantação do programa "Saúde para todos no ano 2000" se faz notar pela ênfase que se está dando ao ensino orientado para a comunidade. Ao mesmo tempo, preocupadas em seguir os princípios da Declaração de Edimburgo, as escolas médicas têm propiciado a reciclagem de seu corpo docente para que possa formar profissionais competentes e aptos a enfrentar os desafios do futuro.

Mais particularmente na Faculdade de Medicina de Botucatu, o projeto UNI tem tido um papel relevante na melhoria do Sistema de Saude da cidade, facilitando, assim, a implantação do ensino orientado à comunidade, desde 1992.

A reciclagem do corpo docente foi iniciada com o convênio com a Universidade de Dundee, Escócia. O Centro de Educação Médica da Universidade de Dundee é centro internacionalmente conhecido para treinamento de professores da área da saúde. Treze de nossos docentes, componentes da Comissão de Apoio Pedagógico, estão, atualmente, realizando o curso a distância, em Educação Médica. Recentemente, um de nossos docentes realizou o curso face-a-face em Dundee.

Esperamos, assim, participar ativamente do movimento mundial de reformulação do ensino médico, valendo-nos da experiência de escolas que já vivenciaram as dificuldades de implantação de um novo currículo. A Network of Community-oriented medical education é uma rede que congrega inúmeras escolas do mundo inteiro, que estão preocupadas com educação médica e dispostas a compartilhar de suas experiências a fim de nos ajudar a atingir nossos objetivos.

  • CHAVES, M., ROSA, AR.  Educaçăo Médica nas Américas:  o desafio dos anos 90. Săo Paulo:  Cortez, 1990.
  • FLEXNER, A.  Medical Education in the United States and Canada. A report to the Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching. Boston, Massachusetts: Updyke, 1910.
  • KISIL M., CHAVES M.  UNI program- W.K.Kellogg Foundation and the Network of Community. Editors Kisil and Chaves, 1995.
  • PAN-AMERICAN HEALTH ORGANISATION AND PAN-AMERICAN FEDERATION OF ASSOCIATIONS OF MEDICAL SCHOOLS.  Latin American position paper: World Summit on Medical Education. Medical Education, v.17, p.524-33, 1993.
  • WALTON H. Medical education world wide: a global strategy for medical education. Medical Education  v.27, p.394-8, 1993a.
  • ______. The changing medical profession: implications for medical education. Medical Education v.27, p.1-2, 1993b.
  • WHO,  Geneva. Personnel for Health Care: Case Studies of Educational Programmes. v.2,1980.
  • WHO, USA. Implementation of the global strategy for health for all by the year 2000. Second evaluation. Eighth report on the world health situation. Region of the Americas, v. 3, 1993.
  • WHO. Finland. Implementation of the global strategy for health for all by the year 2000: second evaluation: eighth report on the world health situation. European region, v.5, n.52, 1994.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2009
  • Data do Fascículo
    Ago 1997
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