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O que é virtual

LIVROS

FRAGMENTOS...

Maria Lucia Toralles Pereira

Departamento de Educação. Instituto de Biociências, UNESP, Botucatu

O QUE É O VIRTUAL

Pierre Lévy

São Paulo, Editora 34, 1996, 157 p.

A partir da invenção da linguagem, nós, humanos, passamos a habitar um espaço virtual, o fluxo temporal tomado como um todo, que o imediato presente atualiza apenas parcialmente, fugazmente. Nós existimos. (p.71)

LEITURA

Um pensamento se atualiza num texto e um texto numa leitura (numa interpretação). (p.43)

...o texto é um objeto virtual, abstrato, independente de um suporte específico. Essa entidade virtual atualiza-se em múltiplas versões, traduções, edições, exemplares e cópias. Ao interpretar, ao dar sentido ao texto aqui e agora, o leitor leva adiante essa cascata de atualizações. (p.35)

O espaço do sentido não preexiste à leitura. É ao percorrê-lo, ao cartografá-lo que o fabricamos, que o atualizamos.

Mas enquanto o dobramos sobre si mesmo, produzindo assim sua relação consigo próprio, sua vida autônoma, sua aura semântica, relacionamos também o texto a outros textos, a outros discursos, a imagens, a afetos, a toda a imensa reserva flutuante de desejos e de signos que nos constitui. (p.36)

O SUJEITO

Nós, seres humanos, jamais pensamos sozinhos ou sem ferramentas. As instituições, as línguas, os sistemas de signos, as técnicas de comunicação, de representação e de registro informam profundamente nossas atividades cognitivas: toda uma sociedade cosmopolita pensa dentro de nós. Por esse motivo, não obstante as estruturas neuronais de base, o pensamento é profundamente histórico, datado e situado, não apenas em seu propósito mas também em seus procedimentos e modos de ação. (p.95)

Presidindo aos tipos de interação entre indivíduos, as "regras do jogo" social modelam a inteligência coletiva das comunidades humanas assim como as aptidões cognitivas das pessoas que nelas participam.

Pela biologia, nossas inteligências são individuais e semelhantes (embora não idênticas). Pela cultura, em troca, nossa inteligência é altamente variável e coletiva. (...) a dimensão social da inteligência está intimamente ligada às linguagens, às técnicas e às instituições, notoriamente diferentes conforme os lugares e as épocas. (p.99)

ESCRITA

O aparecimento da escrita acelerou um processo de artificialização, de exteriorização e de virtualização da memória que certamente começou com a hominização. Virtualizante, a escrita dessincroniza e deslocaliza. Ela fez surgir um dispositivo de comunicação no qual as mensagens muito freqüentemente estão separadas no tempo e no espaço de sua fonte de emissão, e portanto são recebidas fora do contexto. Do lado da leitura, foi portanto necessário reafirmar as práticas interpretativas. Do lado da redação, teve-se que imaginar sistemas de enunciação auto-suficientes, independentes do contexto... (p.38)

... todo novo tipo de objeto traduz um estilo particular de inteligência coletiva... toda mudança social conseqüente implica uma invenção de objeto. (p. 131)

DIGITALIZAÇÃO

A tela informática é uma nova "máquina de ler" o lugar onde uma reserva de informações possível vem se realizar por seleção, aqui e agora, para um leitor particular. (p.41)

Uma tecnologia intelectual, quase sempre, exterioriza, objetiviza, virtualiza uma função cognitiva, uma atividade mental. Assim fazendo reorganiza a economia ou a ecologia intelectual em seu conjunto e modifica em troca a função cognitiva que ela supostamente deveria auxiliar ou reforçar. (p.38)

CÓPIA E ORIGINALL

No mundo digital, a distinção do original e da cópia há muito perdeu qualquer pertinência. O ciberespaço está misturando as noções de unidade, de identidade e de localização.

Os dispositivos hipertextuais nas redes digitais desterritorializam o texto. (p.48)

HIPERTEXTO

... hierarquizar e selecionar áreas de sentido, tecer ligações entre zonas, conectar o texto a outros documentos, arrimá-lo a toda uma memória que forma como que o fundo sobre o qual ele se destaca e ao qual remete, são outras tantas funções do hipertexto informático. (p.37)

INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO

A informação e o conhecimento, de fato, são doravante a principal fonte de produção de riqueza. Poder-se-ia retorquir que isto sempre foi assim: (...) Mas a relação com o conhecimento que experimentamos desde a Segunda Guerra mundial, e sobretudo depois dos anos setenta, é radicalmente nova. Até a segunda metade do século XX, uma pessoa praticava no final de sua carreira as competências adquiridas em sua juventude. Mais do que isto, transmitia geralmente seu saber, quase inalterado, a seus filhos ou aprendizes. Hoje, esse esquema está em grande parte obsoleto. As pessoas não apenas são levadas a mudar várias vezes de profissão em sua vida, como também, no interior da mesma "profissão", os conhecimentos têm um ciclo cada vez mais curtos.

Passou-se portanto da aplicação de saberes estáveis, que constituem o plano de fundo da atividade, à aprendizagem permanente, à navegação contínua num conhecimento que doravante se projeta em primeiro plano. (p.54-5)

TRABALHO

Na instituição clássica do trabalho, tal como foi fixada no século XIX, o operário vende sua força de trabalho e recebe um salário em troca. A força de trabalho é um trabalho possível, um potencial já determinado pela organização burocrática da produção. É um potencial, ainda, já que uma hora dada é irremediavelmente perdida. O trabalho assalariado é uma queda de potencial, uma realização, por isso pode ser medido por hora.

Em contrapartida, o trabalhador contemporâneo tende a vender não mais sua força de trabalho, mas sua competência, ou melhor, uma capacidade continuamente alimentada e melhorada de aprender e inovar, que se pode atualizar de maneira imprevisível em contextos variáveis. (...) Como toda virtualidade, e contrariamente ao potencial, a competência não se consome quando utilizada, muito pelo contrário. E aí está o centro do problema (...)

Uma coisa é certa, a hora uniforme do relógio não é mais a unidade pertinente para a medida do trabalho. (p.60-1)

MUNDO VIRTUAL

... a virtualização é a dinâmica mesma do mundo comum, é aquilo através do qual compartilhamos uma realidade.

Lanço a hipótese de que cada salto a um novo mundo de virtualização, cada alargamento do campo dos problemas abrem novos espaços para a verdade e, por conseqüência, igualmente para a mentira. Viso a verdade lógica, que depende da linguagem e da escrita (dois grandes instrumentos de virtualização), mas também outras formas de verdade, talvez mais essenciais: as que são expressas pela poesia, religião, filosofia, ciência, técnica, e finalmente as humildes e vitais verdades que cada um de nós testemunha em sua existência cotidiana. (p.148)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2009
  • Data do Fascículo
    Fev 1998
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