Acessibilidade / Reportar erro

Quem são os bebês de hoje? Eles são ou estarão diferentes?

Who are today's babies?

ESPAÇO ABERTO

Quem são os bebês de hoje? Eles são ou estarão diferentes?

Who are today's babies?

Agueda Beatriz Pires Rizzato

Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP

Freqüentemente ouve-se alguém dizer: "Como estão diferentes as crianças de hoje! É como se elas já nascessem sabendo das coisas!" Ou então: "Hoje as crianças já sabem o que querem...! E desde muito cedo..!"

O que realmente está acontecendo? É esse um fenômeno de hoje? Ou são as pessoas, ou melhor, os pais que estão diferentes? Ou ainda, será porque antes não se permitia que as crianças se mostrassem como realmente são?

A tantas perguntas tentaremos algumas respostas.

Pelo que se observa e pelo que as pesquisas estão revelando, os bebês continuam sendo os mesmos. Aconteceu que os adultos passaram a prestar atenção nessas verdadeiras pessoinhas que são os bebês.

Mas serão eles realmente adultos em miniatura ou são como nos diz a Pediatria clássica: " seres em crescimento e desenvolvimento?"

Ou serão eles as duas coisas? As reflexões sobre quem é o bebê de hoje é o que apresentaremos a seguir. Em primeiro lugar, alguns conceitos precisam ser revistos e outros, introduzidos.

Se fizermos uma regressão no tempo, vamos nos lembrar que até a pouco havia uma certa dúvida sobre com que idade os bebês começavam a enxergar. Entretanto, a partir dos últimos vinte anos, as pesquisas vêm revelando o quanto o bebê já nasce competente. No dizer de Brazelton (1987) "não mais o vemos como uma massa sem formas, prestes a ser modelada pelo meio ambiente, mas como um ser complexo e previsível que interage com os adultos que o cercam. Ele os modela quase tanto quanto é influenciado por eles."

Afinal o que acontece então? Quem é esse novo bebê?

O bebê continua o mesmo, só que ele passou A SER OLHADO, OBSERVADO E ESTUDADO: primeiro como um ser independente e, depois, em relação com sua mãe, seu pai e a família.

Há algumas décadas, psicólogos estudiosos das teorias de aprendizagem, como Piaget, começaram os estudos com abordagens diretas do bebê, seguindo-se depois analistas como Spitz, pioneiro no estudo da importância vital da interação mãe-filho. Mas só a partir dos anos sessenta que começa uma "eflorescência de trabalhos" estudando diretamente o bebê sob vários aspectos: o estudo do equipamento de base do bebê; o estudo da interação entre o bebê e sua mãe; o estudo das doenças do recém-nascido; o estudo da doença do meio ambiente do bebê.

Serão tecidas considerações sobre os dois primeiros campos de estudo e suas implicações tanto para a dupla Mãe-Bebê como para todos os que com ela interagem.

Cramer (1987), fazendo uma revisão dos diferentes trabalhos sobre o bebê, revela uma nota histórica interessante: a primeira vez que alguém estudou um bebê foi quando Darwin propôs uma classificação das expressões afetivas do bebê em um trabalho publicado em 1872. Nessa revisão, esse autor faz uma abordagem multidisciplinar e classifica os trabalhos a partir do gênero dos pesquisadores que os realizaram. Isso é útil, pois cada grupo apresenta métodos, metas e interesses particulares. São citados psicólogos de diferentes correntes, etólogos, psiquiatras de formação analítica e pediatras. Entre esses últimos, todos com contribuições importantes, temos, nos Estados Unidos, Brazelton, que elaborou uma escala de avaliação do comportamento do recém-nascido, atualmente padronizada e divulgada mundialmente; e Klaus e Kennel, que deram sua grande contribuição no estudo da separação do recém-nascido de sua mãe e suas conseqüências. Na França, Léon Kreisler distingue-se pelos trabalhos no campo da psicopatologia da criança pequena, com sua abordagem clínica e semiológica dos distúrbios funcionais. É preciso lembrar que psicanalistas como D. Winnicott e Margaret Mahler eram pediatras cuja prática em pediatria teve um papel muito importante em suas contribuições.

Após esse breve relato histórico, abordaremos alguns dos resultados que vieram revelar a nova criança.

O que se observa, a partir desses estudos, é que " no lugar daquele bebê pacífico, fechado dentro de seu narcisismo autístico e mal-organizado" encontramos um recém-nascido com uma organização muito sofisticada e "que é dotado de todo um arsenal de funções que fazem dele um ser ativo e pré-adaptado de uma maneira desconhecida até recentemente." (Cramer,1987)

AS PERCEPÇÕES DO RECÉM-NASCIDO (RN)

Foram os estudos realizados nessas últimas décadas que revelaram a grande capacidade do bebê, desde RN, de perceber diferentes estímulos.

A percepção visual

O recém-nascido é capaz, nas primeiras vinte e quatro horas, de seguir um objeto interessante. Também demonstra interesse no contorno de rostos a ponto de, com horas de vida, fazer imitações de caretas que lhe fizermos. A importância dessa descoberta é que hoje se sabe o significado da visão na troca do olhar quando do estabelecimento da interação mãe-filho. Podemos, assim, empregar a busca e a evitação do olhar como sinal diagnóstico da qualidade da primeira interação mãe-filho. (Cramer, 1987)

A percepção auditiva

Desde o nascimento o recém-nascido reage seletivamente a uma voz feminina (Eisenberg,1964) movendo a cabeça em direção à fonte sonora. Eles são capazes de realizar essas façanhas com apenas algumas horas de vida . A preferência por sons agudos é logo compreendido pelos adultos que instintivamente usam uma voz mais aguda quando falam com recém-nascidos. (Cramer, 1987)

A percepção olfativa

O recém-nascido gira a cabeça seletivamente e preferencialmente em direção a uma fonte de odor de leite humano, como demonstrou Mac Farlane (1975). Esse mesmo pesquisador conseguiu demonstrar que aos seis dias de vida os bebês são capazes de reconhecer o cheiro de suas próprias mães. Por outro lado, os padrões de atividade de sucção são diferentes se expomos o recém-nascido ao leite humano ou ao leite artificial. (Brazelton, 1980)

A percepção do paladar

O paladar é também altamente desenvolvido no bebê ao nascer. Sabe-se que ele é capaz de discriminar os sabores azedos, salgados ou amargos, fazendo caretas e demonstrando prazer quando em contato com líquidos adoçados.

Uma vez conhecido, de maneira muito sucinta, um pouco do equipamento de que é provido o bebê pode-se dizer que ele é, desde recém-nascido, altamente competente para tornar-se um ser aberto para o mundo.

E quem é o primeiro representante do mundo senão sua mãe ou seus cuidadores? A partir das observações da interação mãe-bebê que tiveram início com Bowlby, foi possível o estudo a respeito do apego, não só definindo-o, como aprofundando seu desenvolvimento e suas implicações. Seguem-lhe J. Kennell e M. Klaus que combinam aquelas idéias com as observações clínicas por eles realizadas, nos recém-nascidos. Essas investigações permitiram distinguir não só o apego como algo que se desenvolve progressivamente no recém-nascido, como o vínculo que os adultos, em especial a mãe, estabelecem com o bebê.

É a partir dos últimos 30 anos que surge a concepção de "um bebê protagonista de seu próprio desenvolvimento, um bebê ativo, participativo nas interações precoces, um bebê capaz de formar um par nas transações." (Hoffmann, 1997) Esses estudos são liderados por pesquisadores que descobrem, por exemplo, o conceito de reciprocidade como é o caso de R. Bell (1968). Essa capacidade do bebê para intervir e determinar a comunicação e os estímulos ambientais, é estudada e descrita depois pelo grupo de Brazelton (1974), dando lugar a descrição do Sistema de Regulação Mútua, em que tanto o ambiente influi sobre o bebê como este sobre o ambiente.

Estudos recentes sobre as interações mãe-bebê realizados na Argentina por Miguel Hoffmann, um psiquiatra da primeira infância, têm destacado "a capacidade da criança pequena de expressar sua espontaneidade mediante iniciativas que a levam a ações com significado pessoal, e que se sustentam frente a obstáculos, com uma parcela de vontade própria capaz de levar a conflitos importantes com as figuras cuidadoras, se não for privilegiada a negociação de ambas as partes sobre o desejo de impor-se unilateralmente". "Trata-se em essência da quantidade de espaço que o bebê reclama e que lhe é finalmente cedido na disputa com o meio cuidador, onde o bebê é um recém chegado ao qual, nas palavras de Sander, 'o sistema (meio) tem que fazer um lugar'. Essa necessidade de um lugar para a instalação do projeto do bebê, dentro do espaço psicossocial no qual nasce, é a expressão do aparecimento da individualidade do novo ser através de suas iniciativas espontâneas". (1997, p.5)

Mesmo com os conhecimentos atualizados sobre o bebê, por certo ainda teremos dificuldade para responder à pergunta inicial. "Quem é o bebê de hoje?" Isso porque a cada dia surgem descobertas revelando novas facetas dessa pessoinha.

No momento ousaríamos dizer que ele é o bebê que sempre foi: um ser com um potencial determinado por sua carga genética e dotado de capacidades inerentes capaz de colocá-las em jogo desde o primeiro momento. O que o faz diferente é que ele começou a ser olhado e percebido como um ser em condições de expressar toda sua espontaneidade, que é capaz de trocas, e que veio para ocupar seu lugar no mundo. (Hoffmann, 1997)

Finalizamos, voltando à questão inicial : "quem é afinal o bebê?"

"Eles são ou estão diferentes, atualmente?"

  • BELL, R. A reinterpretation of the direction of effects in the studies of socialization. Psychological Review. v. 75, p. 81-95, apud. HOFFMANN, J. M., Psiquiatria de la primera infancia. 1997 (mimeo).
  • BOWLBY, J. A secure base. Clinical applications of attachment theory. Routled London (1995) apud HOFFMANN, J. M., Psiquiatria de la primera infancia.1997 (mimeo).
  • BRAZELTON, T. B., KOSOLOWSKI, B., MAIN, M. The origins of reciprocity: The early mother-infant interation.1974. apud HOFFMANN,J.M., Psiquiatria de la primera infancia. 1997 (mimeo).
  • BRAZELTON, T. B. Behavioral competence in the newborn infant 1980. Apud CRAMER, B. A dinâmica do bebê. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul, 1987.
  • BRAZELTON, T. B. O bebê: parceiro na interação. In CRAMER, B. A dinâmica do bebê Porto Alegre: Artes Médicas Sul Ltda., 1987
  • CRAMER, B. A psiquiatria do bebê: uma introdução. In CRAMER,B. A dinâmica do bebê Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1987.
  • EISENBERG, B., et al. Audithory behavior iniciativas in the human neonate a preliminary report. 1964. apud CRAMER, B. A dinâmica do bebê. Porto Alegre; Artes Médicas Sul, 1987.
  • HOFFMANN, J. M. A propsed scheme for coding infant initiatives during feeding. Infant Mental Health Journal, 13, n. 3, 1992.
  • ______. Le role de l'iniciative dans le developpement emotionnel precoce: organization du deuxième emestre. Psychiatrie de l'enfant, v. 37, n. 1, p. 179-213, 1994.
  • HOFFMANN, J. M. De la iniciativa a la Experiencia. Clinica Psicologica, v. 3, p. 249-261, 1994a.
  • ______. Making space. Infant Mental Health Journal, v. 16, n. 1, 1995.
  • ______. Psiquiatria de la primera infancia. 1997 (mimeo).
  • KENNELL, J., KLAUS, M. Parent-infant bonding. IN: HOFFMANN, J. M., Psiquiatria de la primera infancia London: Mosby, 1982.
  • MAC FARLANE, S. Olfaction in the development of social preferences in the human neonate, 1975, apud CRAMER,B. A dinâmica do bebê. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1987.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2009
  • Data do Fascículo
    Fev 1998
UNESP Distrito de Rubião Jr, s/nº, 18618-000 Campus da UNESP- Botucatu - SP - Brasil, Caixa Postal 592, Tel.: (55 14) 3880-1927 - Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br