TESES
Imaginário e envelhecimento
Walter José Martins Migliorini
Tese de Doutorado, 1999. Instituto de Psicologia, USP. Projeto financiado pelo CNPq
Alguns processos de envelhecimento se fazem com perdas ou prejuízos bastante significativos e outros com manutenção, ou mesmo ganho, em termos do desenvolvimento da personalidade. Este trabalho tem por objetivo estudar imagens simbólicas em idosos saudáveis e criativos, tentando dessa forma uma abordagem de sua estrutura psíquica, tomando por referencial a perspectiva teórica constituinte da arquetipologia geral de Gilbert Durand. A noção junguiana de processo de individuação, assim como atributos de indivíduos auto-realizadores tais como descritos por Abraham Maslow, contribuíram para a conceituação de envelhecimento criativo.
A apresentação se desenvolve em duas partes:
1 estudo preliminar a partir de material de três anciões nonagenários (estórias, grafismos, sonhos, devaneios e lembranças), nos quais se observou exuberante imaginação simbólica, permeabilidade entre conteúdos da memória e da imaginação, e ausência de uma estrutura recorrente do imaginário;
2 estudo envolvendo um grupo de vinte e seis sexagenários e septuagenários não-senis, avaliados como saudáveis por exame médico e provas psicológicas, como o Mini-exame do Estado Mental e a Escala de Depressão Geriátrica em pesquisa realizada por Ceolim (s.d.) sobre padrão de sono em idosos (Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo). Para este grupo foram coligidos relatos de sonhos e aplicado o Arquétipo-teste a nove elementos (AT.9), prova de imaginação e de indução do devaneio, a partir de nove palavrasestímulo, que prevê a realização de um desenho, seguido de uma estória e, finalmente, um questionário.
O AT.9 foi desenvolvido na década de sessenta pelo psicólogo francês Yves Durand com o objetivo de colocar empiricamente à prova a arquetipologia geral de Gilbert Durand e não tem por princípio uma teoria psicodinâmica em específico, mas uma classificação compreensiva das imagens. O que é 'arquetípico', neste caso, não é a imagem em si, mas a maneira como as imagens são combinadas entre si! Os nove elementos podem, desta forma, ser agrupados, quanto ao conteúdo temático, de quatro maneiras fundamentais: 1 estruturação heróica (tema do combate); 2 estruturação mística (atmosfera de repouso); 3 estruturação sintética (temas do combate e do repouso organizados de forma diacrônica ou sincrônica); 4 universo da não-estruturação, onde os nove elementos são representados isoladamente e sem uma articulação temática aparente entre si.
A análise dos dados obtidos revela o predomínio da categoria universo da não-estruturação, possivelmente relacionado à baixa escolaridade da amostra e a uma espécie de fusão e confusão das imagens, significados e simbolismos que, do ponto de vista formal ou mesmo funcional, assemelham-se à atividade de síntese encontrada na gênese dos processos criativos em geral. Por outro lado, levando em conta os dados de Ceolim, sugere-se que essa prevalência do universo da nãoestruturação estaria correlacionada a padrão de sono fragmentar, em sujeitos apresentando cochilo durante o ciclo sonovigília: ambos, cochilo e não-estruturação, representariam um estilo de (des)organizar as imagens simbólicas, o qual não equivale, necessariamente, à deterioração das funções psíquicas e sim a uma diminuição da "nitidez" (heróica) com que se apreende ou se representa o mundo. Uma primeira abordagem dos resultados aponta no sentido de indivíduos matutinos apresentarem tendência à estruturação heróica, enquanto indivíduos vespertinos apresentariam estruturação mística das imagens simbólicas.
As imagens simbólicas, portanto, mostraram-se recursos valiosos na investigação do envelhecimento, indicando que uma certa imprecisão ou "borradura" parece permear o imaginário (o campo das imagens) em alguns processos de envelhecimento considerados saudáveis.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Jul 2009 -
Data do Fascículo
Ago 1999