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Workshop: mapeamento de projetos de pesquisa e de intervenção sobre recursos humanos em saúde, no âmbito nacional

NOTAS BREVES

Workshop: mapeamento de projetos de pesquisa e de intervenção sobre recursos humanos em saúde, no âmbito nacional* * Este evento fez parte do programa de atividades do Professor Visitante Gilles Dussault, realizado com auxílio financeiro da FAPESP/ Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. São Paulo, 02 a 10 de maio de 2000.

Marina PeduzziI; Lilia Blima SchraiberII

IProfessora do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. <marinape@usp.br>

IIProfessora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. <liliabli@usp.br>

Observa-se um amplo leque de questões sobre recursos humanos em saúde (RHS), que faz interface imediata com distintos aspectos do cotidiano dos serviços: a formação dos profissionais, sua incorporação aos serviços, o planejamento em saúde, o gerenciamento e avaliação dos serviços, a organização do trabalho, o modelo de atenção e outros. No entanto, situar-se na interface entre múltiplos aspectos complexos acarreta ambigüidade no trato da questão, pois, por um lado, os RHS são reconhecidos como fator estratégico para o sucesso dos resultados na prestação de serviços de saúde e, por outro lado, são diluídos entre uma infinidade de fatores, retirando-lhe a visibilidade necessária para investimentos permanentes, seja no exercício cotidiano do trabalho, seja na formação ou na investigação.

Já se percorreu, no Brasil, uma trajetória respeitável no debate sobre os problemas da formação e da utilização dos RHS. Esses problemas são acarretados, dentre outros fatores, pela ausência de articulação específica para buscar tal integração entre as esferas da educação e do trabalho, embora estas apresentem conexões e interdependências de várias ordens, enquanto práticas sociais. Os referidos problemas também são acarretados por certos descolamentos de ambas as esferas — educação e trabalho em saúde — em relação às necessidades de saúde da população brasileira, descolamentos já dados pelo modo tecnológico de apreender tais necessidades para a ação do trabalho e para uma formação de mesma direcionalidade.

As dificuldades encontradas tanto na capacitação quanto na efetiva inserção dos profissionais nos serviços, estão também expressas na pesquisa sobre a temática, pois as peculiaridades do objeto e seus contextos, quais sejam, os processos de trabalho, a organização dos serviços e as políticas de saúde, de educação, de ciência e de tecnologia, interferem imediatamente seja no ensino, no trabalho ou na investigação.

A pesquisa sobre recursos humanos em saúde conta com importantes contribuições desde os anos sessenta e setenta, embora seja da década de oitenta o início do esforço por institucionalizar a investigação nessa área, particularmente com base no apoio empreendido pela Organização Pan-Americana da Saúde, Ministério da Saúde, FINEP e outras agências.

Foi com a finalidade de atualizar e aprofundar esta discussão, que se realizou o Workshop: Mapeamento de Projetos de Pesquisa e de Intervenção sobre Recursos Humanos em Saúde, no Âmbito Nacional, na Escola de Enfermagem da USP, em parceria com o Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. O Workshop contou com a participação do Professor Visitante Gilles Dussault, da Universidade de Montreal, Canadá, experiente pesquisador na área de recursos humanos em saúde. Também contou com a participação de representantes de outros dezoito grupos/instituições comprometidos e atuantes, de diversas maneiras, com a área de RHS. Sabendo-se que a pesquisa, nesta área, está, por vezes, diretamente associada a projetos de intervenção — na formação, na organização dos serviços, na formulação e implementação de políticas, optou-se por debater articuladamente os projetos de pesquisa e de intervenção.

Gilles Dussault apresentou um quadro de análise das políticas de recursos humanos e de reforma do setor saúde, com destaque para o diagnóstico e as estratégias de gestão de RHS, contribuindo tanto com o referencial teórico-conceitual, quanto com um instrumental de intervenção nas práticas. Nesse sentido, assinala mudanças necessárias no tocante aos RHS, que serão, no nosso entender, viabilizadas por esforços de intervenção e pesquisa, mutuamente potencializados, em contextos ético-políticos favoráveis à oferta de serviços de qualidade e acesso universal: planejamento do estoque de RHS, incentivos para corrigir desequilíbrios, modernização da educação, formalização da educação continuada, garantia de qualidade, profissionalização da gestão e melhoria das condições de trabalho.

Com base nas reflexões e propostas produzidas pelo trabalho dos integrantes da oficina, considerou-se que para consolidar um sistema de saúde que garanta eqüidade, universalidade, eficiência, eficácia, controle de gastos e satisfação dos usuários e trabalhadores, devem-se implementar mudanças nas práticas de saúde que tomem em conta diretamente os RHS e sua questões e não apenas o profissional como parte do contexto das condições de trabalho ou do mercado de trabalho, ou ainda, produto do processo de transmissão/aquisição de conhecimentos científicos e/ ou saberes profissionais. Assim sendo, faz-se necessário analisar quais elementos do processo de formação ou/e da organização de serviços têm maior potencial para mobilizar as pessoas a mudarem suas práticas e quais os contextos favoráveis a essas mudanças. Assim como investigar as repercussões acarretadas pela introdução de novos saberes e novas tecnologias nas particularidades do concreto cotidiano dos processos de trabalho de cada área profissional, no trabalho em equipe, no modelo de atenção à saúde, nos custos e no desenvolvimento de RHS. Quanto a este aspecto ficaram evidentes, mais uma vez, as peculiaridades da formação e da inserção nos processos de trabalho, dos profissionais de diferentes níveis de escolaridade, e a necessidade de problematização da questão do conhecimento científico no nível médio.

Os projetos apresentados mostram a complexidade dos recursos humanos quando tomados como objeto de reflexão e/ou intervenção, dada sua imediata interface com outros aspectos das práticas e a, então, intrínseca, interdisciplinaridade, multiprofissionalidade e intersetorialidade do objeto.

Quanto à produção teórica na área, as discussões resultaram, sinteticamente, em um quadro que mostra, nos anos sessenta e setenta, a predominância de estudos sobre formação universitária e a introdução da abordagem histórico-estrutural; nos anos oitenta, a consolidação da linha de pesquisa sobre força de trabalho em saúde, num recorte metodológico quantitativo, embora a categoria de análise seja originária das ciências sociais e, nos anos noventa, o predomínio dos estudos de abordagem qualitativa. Embora, no Brasil, esteja consolidada uma tradição de pesquisa sobre RHS, com uma extensa literatura tanto na vertente quantitativa, quanto na linha qualitativa, discutiu-se a dificuldade de relacionar os resultados de ambos os tipos de estudo e o prejuízo que isto representa para as intervenções. Nesse sentido, destacou-se o desenho de pesquisa quanti-quali como alternativa metodológica. Todavia, há que se considerar que a escolha da metodologia ocorre em função das perguntas colocadas à pesquisa e dos problemas a serem investigados, bem como da necessidade de garantir a confiabilidade das informações e a validade das conclusões produzidas com a investigação.

Os estudos qualitativos permitem compreender fenômenos complexos, e em especial aqueles que envolvam a dimensão subjetiva e os valores como parte do objeto a ser estudado, o que leva a possibilidades de generalização de caráter próprio a essa forma de apreensão do real: menos que uma inferência para a norma geral de comportamento regular e idêntico e mais como genericidade de experiência humana com toda a diversidade e irregularidade que isto implica, seus resultados guiam o conhecimento dos acontecidos para iluminar exatamente a gama das possibilidades e o espectro das potencialidades, no que se refere aos comportamentos dos profissionais em seus trabalhos cotidianos. Dada a complexidade de cada realidade, não será tarefa fácil generalizar as conclusões dos estudos na área de RHS; no entanto, as pesquisas qualitativas devem demonstrar a validade de seus resultados com base, sobretudo, na coerência das premissas frente às perguntas colocadas e na consistência do quadro teórico adotado.

Fica assim, mais uma vez destacada a importância dos elos entre a dimensão da intervenção e da pesquisa em RHS, pois que a primeira é fonte inspiradora e destino da segunda e a investigação científica, quando conduzida com sucesso, pode conferir qualidade à formação, à organização e produção de serviços de saúde.

No tocante aos encaminhamentos ficou registrada a riqueza da articulação dos projetos em rede, e o destaque para alguns fatores decisivos na manutenção dessa articulação, no Brasil, isto é, o movimento da Reforma Sanitária Brasileira; o desenvolvimento de um sentido de "pertencer" à Rede; a percepção da necessidade e importância de um projeto comum de intervenção; a organização político-administrativa que permite interlocução entre as esferas federal, estadual e municipal; a capacidade instalada, seja de universidades, seja de serviços de saúde; e as várias instâncias criadas no interior do campo da Saúde Coletiva que fortaleceram os elos e o diálogo, possibilitando associações múltiplas, com as questões de RHS como um dos eixos propícios a articulações (CEBES, ABRASCO, CADRHUS, Programa UNI, Rede IDA-Brasil atualmente Rede UNIDA, outros).

Os projetos apresentados permitiram, parcialmente, o mapeamento, ou seja, a descrição do território dos estudos/intervenções sobre RHS e a localização de pontos de interesse nesse cenário. O marco referencial trazido por Gilles Dussault possibilitou uma definição das fronteiras e dos componentes desse território que, articulado a outros quadros referenciais, permitirá maior clareza no recorte dos objetos de estudo e intervenção, e nas abordagens pertinentes. Com base nesse trabalho os participantes do Workshop colocaram-se de acordo quanto a necessidade de dar prosseguimento ao mapeamento, de modo a torná-lo o mais completo possível, bem como da análise sobre "o que já foi feito e o que resta por fazer na construção do território dos RHS", com a finalidade de que os esforços sejam realizados na direção das lacunas existentes e da implementação das mudanças necessárias nas práticas de saúde e, especificamente, em recursos humanos. Com este diagnóstico optou-se pela elaboração e execução de um projeto de pesquisa inter-institucional, de âmbito nacional, para o completo mapeamento de projetos na área, com o objetivo de reconhecimento das tendências e alternativas mais eficazes, tanto no que diz respeito à investigação quanto à intervenção nos serviços de saúde, subsidiando políticas no setor. As contribuições dos grupos/instituições mostraram peculiaridades nas temáticas e abordagens e confirmaram a necessidade de conhecer e compreender melhor as distinções, aproximações e interseções existentes, com vistas a uma articulação dessa produção. Aproveitando a riqueza da experiência de articulação de projetos, em rede, da REDE UNIDA, esta foi, desde já, escolhida como locus de integração da pesquisa a ser desenvolvida.

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    Este evento fez parte do programa de atividades do Professor Visitante Gilles Dussault, realizado com auxílio financeiro da FAPESP/ Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. São Paulo, 02 a 10 de maio de 2000.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2000
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