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Medicina Baseada em Evidências: "novo paradigma assistencial e pedagógico"?

Evidence Based Medicine: "a new paradigm for teaching and the provision of care?"

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Medicina Baseada em Evidências: "novo paradigma assistencial e pedagógico"?

Evidence Based Medicine: "a new paradigm for teaching and the provision of care?"

Fátima Adriana D'Almeida

Docente da disciplina de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Marília. <fadriana@terra.com.br>

O artigo "Medicina Baseada em Evidências - um novo paradigma assistencial e pedagógico?", traz à discussão este atual interessante e assunto. A crescente influência da MBE, tanto na prática clínica como na educação médica, tem sido observada nos últimos anos. Como o próprio artigo relata, é possível descobrir isto, especialmente quando nos deparamos com o expressivo bloco de pesquisa envolvendo este assunto. Esta nova abordagem e ferramenta para a prática e ensino, têm provocado reações e interesses por parte de educadores, clínicos e mantenedores.

Sackett e cols. (2000) apresentam uma definição mais trabalhada e detalhada da MBE envolvendo a integração do conhecimento avaliado criticamente, a experiência clínica e os valores e crenças dos pacientes, no processo de tomada de decisão.

É importante para maior compreensão, sobretudo dos criticismos, olharmos alguns artigos da literatura sobre o assunto, agrupados nos dois cenários já citados, assistencial e pedagógico.

1.O Sistema de Saúde

As características atuais dos sistemas de saúde podem ser encontradas bem descritas, na literatura, assim como as características pretendidas para os sistemas do século XXI. (Finochio, 1995; Rosemberg e Donald, 1995; Benech e col., 1996; Duncan e col., 1996; Garner e col., 1998; Geyman, 1998; Seifer, 1998; Towle, 1998a; Towle, 1998b; Jackson e cols., 1998; Drummond e Silva, 1998; Cohen, 1999; Dans e Dans, 2000; e Deckers, 2000).

Elas incluem: inexplicáveis variações na prática clínica, sugerindo uma grande quantidade de procedimentos e tratamentos desnecessários, crescente pressão para controlar o crescimento do alto custo da assistência, muitas vezes em decorrência dessas variações, com conseqüente pressão por alocar de maneira mais sábia, os recursos limitados, necessidade de se levar em consideração uma variedade de fatores individuais e sociais no processo de tomada de decisões, crescente volume de informação, algumas delas inválidas ou irrelevantes para a prática clínica, dificuldades em aplicar, na prática, os resultados positivos dos novos tipos de evidências.

Em conseqüência dessa avaliação, algumas das características pretendidas de um sistema de saúde para o próximo século incluem: intensivo uso de informações, conhecimento dos resultados de tratamento, reconsideração de valores humanos, coordenação do sistema centrada no paciente e comunidade, recursos escassos, trabalho em equipe multidisciplinar e promoção à saúde.

2.Educação Médica e o futuro profissional de saúde

Quais seriam as competências requeridas dos profissionais responsáveis pela assistência?

Em suma, algumas destas competências seriam: cuidado à saúde da comunidade, ênfase no cuidado em atenção primária, participação na coordenação da assistência, capacidade de assegurar assistência custo-efetiva e apropriada, envolvimento de pacientes e família nas decisões, promoção de hábitos de vida saudáveis, capacidade de acessar e usar informação apropriadamente, manejo adequado da informação existente na literatura, prover aconselhamento em assuntos éticos, e outras.

Buscando enfrentar alguns destes desafios, educadores tem enfatizado a necessidade da introdução nos currículos, de algumas disciplinas como epidemiologia clínica, bioestatística, informática médica, habilidades em comunicação, e outras. Exemplos são encontrados em áreas tais como de emergência, clínica médica, pediatria, ginecologia e obstetrícia, dermatologia, medicina intensiva, medicina de família, etc. (Block e col., 1997; Bordley e col., 1997; Lynch, 1997, Grimes e col.,1998; Lieu, 1998; Ostbye e col., 1998; Taylor e col., 1998; Sacket e Straus, 1998; Sacket e Parkes, 1998; Labbé e col., 1998; Sibbald, 1998; Barnett e col., 1999; Bazarian e col., 1999; Elnicki e col., 1999; Rosser, W. W e Shafir MS, 1999; Slawson e Shaughnessy, 1999; Christakis e col., 2000; Green, 2000; Kellum e col., 2000; Leung e Whitty, 2000; Letterie e Morgenstern, 2000; Pitkälä e col. 2000; Spickard e col., 2000; e Taylor e col., 2000).

Quais são as limitações e criticismos?

Straus e McAlister 2000, conduziram um revisão da literatura das publicações que envolviam criticismos a MBE.

·Limitações universais da prática da Medicina

Ausência de evidência científica consistente em relação a determinado assunto, dificuldades em aplicar evidência à assistência a um paciente individual e barreiras para a pratica de uma medicina de melhor qualidade. Defensores desta metodologia argúem que os problemas metodológicos podem justificar estes resultados. Por exemplo, em relação às atividades de educação continuada, tem sido usada as melhores estratégias educacionais que a literatura mostra ser mais efetivas para este propósito?

Os instrumentos de avaliação que também são utilizados para as atividades de aprendizagem não são os mais adequados para analisar estas atividades, podendo ter os resultados obtidos, comprometidos.

·Limitações relacionada com a MBE

necessidade de desenvolver novas habilidades, tempo de recursos limitados, pobreza de evidencia de que a evidencia realmente funciona

·Concepções errôneas

MBE denigre a experiência clínica, ignora os valores e preferências dos pacientes, promove um "livro de receitas" para a medicina, serve simplesmente para cortar custos, está limitada à pesquisa clínica.

Por outro lado, a MBE tem sido entendida como um meio de: (Guyatt e col., 1993; Rosemberg e Donald, 1995, Curry e col., 1996; Sackett e col., 1996; Fletcher e Fletcher, 1997; Haynes e col., 1997; Wallace e Leipzig, 1997; Garner e col., 1998; Geyman, 1998; Haynes e Haines, 1998; Jackson e col., 1998; Lilford e col., 1998; Norman e col, 1998; Sibbald, 1998; Elnicki e col., 1999; Green 1999; Paauw, 1999; Slawson e Shaughnessy, 1999; Soll e Andruscavage, 1999; McAlister, 1999; Christakis, 2000; Davis, 2000; Deckers, 2000; Green, 2000; e. Kalsman e Acosta, 2000; Doust e Silagy, 2000; Sacket e col., 2000; Taylor e col., 2000 e Goroll e col., 2001).

* Preparar, em alguns aspectos, os profissionais de saúde para o futuro Sistema de Saúde, pois:

·Apresenta-se com potencial para melhorar a continuidade e uniformidade na assistência através de abordagens comuns e diretrizes clínicas desenvolvidas pelos seus praticantes.

·Pode fornecer instrumentos para ajudar os gerentes a fazer uso criterioso de recursos limitados, permitindo não o corte, mas a alocação mais adequada desses recursos.

·Envolve pacientes e familiares no processo de tomada de decisão, reforçando a necessidade de habilidades de comunicação durante a assistência. Avalia e usa a tecnologia de uma forma viável

* Integrar a educação médica na pratica clínica:

·Ambos, estudantes e profissionais, que têm aprendido e utilizado os princípios da MBE durante a prática, podem desenvolver hábitos de criar suas próprias questões clínicas, buscando na literatura, respostas para as mesmas. Então, de posse dessa informação, poderá avaliá-la criticamente, e aplicá-la a situação desejada, melhorando o processo de tomada de decisão e manterem-se atualizados.

Assim, seria a MBE um novo paradigma?

Penso ser ainda cedo para uma boa e consistente resposta. O uso da MBE, aliás, momento oportuno para concordar com os autores do artigo, um nome bastante inadequado, e o desenvolvimento de habilidades para avaliação crítica não vão prover todas as respostas às perguntas clínicas ou trazer à tona mudanças abruptas ou dramáticas. Inovações levam tempo para serem difundidas e se tornarem bem estabelecidas na prática clínica.

Hoje, e talvez mais no início do movimento, atribuiu-se uma responsabilidade além da pertinente para a MBE. Obviamente ela não pode responder sozinha por profissionais de saúde humanizados, com compaixão pelos sofrimentos humanos, éticos ou menos corporativistas. Outras disciplinas ou áreas do conhecimento deverão ou deveriam já ter os seus espaços bem consolidados nos currículos, a fim de promover uma formação mais integrada aos profissionais.

Outro aspecto trazido à discussão diz respeito à relação médico-paciente. Se a MBE ou qualquer outro, ao longo do tempo tomar o lugar da relação médico paciente por seus praticantes, então temos ai um problema.

Na realidade, o paciente vem esquecido desta relação há muito tempo, anteriormente a emergência da MBE. Quem já não teve a oportunidade de ouvir: " Sr. José o médico sou eu, eu que estudei e portanto eu sei o que é melhor para o senhor." Mais do que um técnico, um paciente procura por uma pessoa e espera ter suas necessidades atendidas e seus valores respeitados e incorporados na tomada de decisão. Afinal a vida ainda é sua.

Quais são os desafios colocados para futuras pesquisas?

1. Esforços necessitam ser feitos no sentido de se levar a evidência nos locais de assistência, através do:

·desenvolvimento de atividades de educação continuada para promover as necessárias habilidades de aprendizagem para a prática da MBE através de todos os seus passos, usando os melhores métodos educacionais para este propósito, e o desenvolvimento das melhores e mais adequados técnicas para aplicar as evidências encontradas para pacientes individuais.

·desenvolvimento e disseminação de diretrizes baseadas em evidencias, e fontes eletrônicas com conhecimento científico já criticamente avaliado, de fácil acesso e compreensão como o Best Evidence, POEMS, CATs, Bandolier, Chrocrane, principalmente em serviços movimentados para profissionais sobrecarregados.

·disponibilidade dos equipamentos necessários no local de trabalho, como computadores, acesso à INTERNET, etc...

2. Conduzir mais estudos para verificar se, e como a MBE afeta a assistência ao paciente.

3. Os desafios para a educação médica é construir intervenções educacionais multifacetadas, com várias abordagens, integradas e articuladas dentro de todo currículo, tendo com objetivo, ensinar todos os passos e não somente a avaliação crítica da literatura, e utilizando métodos de avaliação mais efetivos. (Hatala, 1999)

O fato irrefutável nos parece ser de que seja qual for o nome, mudança ou não de paradigma, eu empresto as palavras de Wallace e Leipzig: "a disciplina de Medicina Baseada em Evidências pode provocar entusiasmo e intensa implementação por alguns e resistência e uma direta hostilidade por outros. Até o presente momento, ela é uma ciência em desenvolvimento, e sua influencia na prática e. diretrizes de saúde está crescendo. A Medicina Baseada em Evidências parece ter vindo para ficar".

Recebido para publicação em: 03/06/02

Aprovado para publicação em: 12/06/02

  • Barnett, S. H., Smith L. G., Swartz M. H. Teaching evidence-based medicine skills to medical students and residents. International Journal of Dermatology 38(12):893-894, 1999.
  • Bazarian, J. J., Davis C. O., Spillane L. L., Blumstein H., Schneider S. M. Teaching Emergency Medicine Residents Evidence-Based Critical Appraisal Skills: A Controlled Trial. Annals of Emergency Medicine 34(2):148-154, 1999.
  • Benech, I., Wilson A. E, Dowell A. C. Evidence-based practice in primary care: past, present and future. Journal of Evaluation in Clinical Practice 2(4):249-63, 1996.
  • Bloch, R. M., Swanson M. S., Hannis M. D. An Extended Evidence-based Medicine Curriculum for Medical Students. Academic Medicine 72(5):431-432, 1997.
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  • Cohen, J. J. Missions of a Medical School: A North American Perspective. Academic Medicine 74:S27-S30, 1999.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2009
  • Data do Fascículo
    Ago 2002
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